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Há 18 anos foi a primeira protagonista da série "Morangos com Açúcar" na TVI, hoje acha "fofinho" ainda ser conhecida por esse papel
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Há 18 anos foi a primeira protagonista da série "Morangos com Açúcar" na TVI, hoje acha "fofinho" ainda ser conhecida por esse papel

Rui Oliveira/Observador

Há 18 anos foi a primeira protagonista da série "Morangos com Açúcar" na TVI, hoje acha "fofinho" ainda ser conhecida por esse papel

Rui Oliveira/Observador

Benedita Pereira: "Questionei-me muitas vezes porque me deixavam chegar tão longe para depois me cortarem as asas"

Em criança idolatrava Herman, aos 17 foi um fenómeno de popularidade na televisão, viveu em Nova Iorque e agora está de volta ao Porto, com uma peça no São João. Entrevista à atriz Benedita Pereira.

Em março, a propósito do centenário do Teatro Nacional São João, no Porto, falámos com Benedita Pereira. Afinal, foi naquele palco que a atriz se estreou em 1998, com apenas 13 anos. No entanto, a sua paixão pela representação começou mais cedo. Em criança, idolatrava Herman José e via as peças de Filipe La Féria na televisão, começou a estudar teatro por iniciativa do pai, de quem diz ter herdado a veia artística, e ainda sem perceber exatamente o que significava interpretar uma personagem, parece ter descoberto ali a sua verdadeira vocação. “Não me vejo a fazer outra coisa”, garante.

No liceu, chegou a faltar às aulas para gravar cenas de uma novela filmadas na sua própria escola e ainda não tinha terminado a escolaridade obrigatória quando foi escolhida para ser a primeira protagonista da série “Morangos com Açúcar”. O trabalho obrigou-a a mudar-se para a capital e a descobrir-se. Ganhou independência e amigos para a vida, não lidou bem com a exposição, mas garante nunca ter tirado os pés do chão. Numa altura em que não lhe faltavam propostas de trabalho em Portugal, decidiu ir estudar para Nova Iorque, fugindo do conforto e optando provavelmente pelo caminho mais difícil.

Durante sete anos, Benedita Pereira viveu em busca de um sonho americano. Fez publicidade, participou em longas-metragens e na série “The Blacklist” contracenou com James Spader. Mas nem tudo foi fácil. Perdeu um papel na série “Gossip Girl” por uma questão burocrática e deixou escapar a oportunidade de entrar num filme grande, onde iria contracenar com Bradley Cooper. Diz ainda não ter encontrado a receita ideal para lidar com a rejeição e a expectativa, mas assegura que o sentido de humor ajuda e algumas lágrimas fazem parte do processo.

É em “Versailles”, a popular série francesa, que a atriz ganha uma lição de humildade e descobre que é no meio de diferentes culturas que se sente mais feliz. Enérgica, sem rodeios e com uma boa dose de otimismo, fala de tudo e admite que os 30 e a vontade de constituir família pesaram na bagagem e fizeram-na regressar a Portugal, pelo menos temporariamente.

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Agora, a partir de dia 1 de outubro, volta a subir ao palco do Teatro Nacional São João, no Porto, com a peça “Comédia de Bastidores”, encenada por Nuno Carinhas. Em cena estão três casais “disfuncionais” que, num ambiente “caótico” e ao mesmo tempo “organizado”, se reúnem na cozinha para três ceias de natal. Cada ato da peça, que se desenrola numa cozinha diferente e numa ceia de Natal diferente, expõe tanto ambições como problemas, conflitos e anseios dos casais: um jovem empresário e a sua mulher, um arquiteto e a sua mulher e um banqueiro e a sua mulher.

Benedita Pereira vai estar em palco e, ao mesmo tempo, não desiste de traçar uma carreira internacional e é no cinema e na comédia que espera também ser posta à prova.

Depois de ser mãe em plena pandemia, a atriz mantém o sonho americano e a vontade de fazer mais comédia e cinema

Rui Oliveira/Observador

Quantas horas dormiu hoje?
[Risos] Por caso não foi uma noite má, é um sono interrompido que nunca mais volta a ser o mesmo. Nunca tive um sono leve, tornou-se leve e mesmo que o bebé não acorde, vou acordando. Sabia que fazia parte e, confesso, era uma coisa que me fazia um bocadinho de confusão porque sempre gostei muito de dormir.

Ter um filho durante uma pandemia não deve ser fácil.
Ele nasceu um bocadinho antes do confinamento e para mim não foi uma mudança assim tão radical como foi para a maioria das pessoas. Já iria estar em casa a maior parte do tempo, não iria estar a trabalhar, tinha que dedicar aqueles meses ao bebé e foi exatamente o que aconteceu. Claro que não pude estar com os meus pais, não o pude partilhar um bocadinho, tive muito tempo sem sair de casa, fez-me confusão. Queria que ele apanhasse ar, então às vezes punha-o assim na varanda. Em termos práticos, não houve aquele susto do “fiquei sem trabalho, o que vou fazer à minha vida?”. Os dias passaram a correr, o stress era outro. Claro que é assustador trazer uma pessoa ao mundo enquanto está acontecer isto tudo, mas é a vida. Ele já vê os sorrisos por detrás das máscaras das pessoas, está a adaptar-se e eu tenho esperança, porque sou uma otimista, que isto um dia vai passar, é cíclico. Os nossos pais tiveram outros dramas com certeza, a única coisa que posso fazer é estar ali para o amparar e para o fazer sentir o mais seguro e feliz possível.

Está de volta ao Porto, pelo menos temporariamente. Qual é a sua relação com a cidade?
Desta vez tive uma sensação diferente porque a achei mais bonita do que nunca, não sei explicar. Estou a ver coisas que antes não via, todos os dias faço o caminho da Foz até ao Mosteiro de S. Bento da Vitória, na Baixa, e vou pela marginal, junto ao rio, e apesar de já ter feito este percurso várias vezes, há alguma coisa que me está a tocar. De repente, percebi que há tantos recantos e é tudo muito bonito, a cidade está mais limpa e organizada, há qualquer coisa que me faz olhar para ela de outra maneira. No Porto está tudo à mão, está tudo perto, é prático e acessível. Há uma beleza que já não me lembrava que existia ou que já nem estava tão presente em mim.

Depois há o “ser do Porto”?
Sim, gosto muito disso. No nosso meio as pessoas já são extrovertidas e comunicadoras por natureza, por isso não sinto assim um diferença brutal, mas sim, as pessoas veem-me com esse carimbo. Não me chateia nada, antes pelo contrário. As pessoas do Porto têm uma alegria própria, não têm filtros, são inconvenientes, dizem palavrões e não têm preconceitos em relação a nada. Gosto muito de trabalhar com pessoas de cá, não sei definir exatamente qual é a diferença, mas sinto um prazer especial em contracenar estes atores que a maioria do país não conhece. Sinto uma ligação e uma empatia diferente com eles.

Como é que alguém decide ser atriz aos 8 anos?
Foi sorte, era uma mania de criança que virou uma coisa séria. Na verdade, foi um bocadinho um rasgo do meu pai que me inscreveu numa escola de teatro por achar que eu tinha qualquer coisa. Se ele tivesse tido oportunidade, provavelmente teria experimentado ser ator ou músico, tenho a certeza que a minha veia artística vem dele. Levei logo aquilo muito a sério porque me apaixonei, não percebia bem o que era o teatro, com 8 anos ninguém percebe, mas gostava do que estava ali a fazer, era tudo muito intenso. Comecei a crescer e a ter consciência do que era aquilo e continuei a gostar. Foi aí que a minha mãe me disse que provavelmente iria ser pobrezinha, mas se eu quisesse seguir aquilo estava tudo bem.

Que referências é que tinha nessa altura?
O Herman José. Aliás, já o disse pessoalmente. Uma das coisas que para mim era o teatro ou esta coisa de representar era, de facto, esse tipo de humor, os famosos sketches. Era completamente vidrada nele e em toda a sua companhia. Não tinha muitas referências de teatro, não havia muito no Porto, cheguei a ir à revista a Lisboa e via as coisas do Filipe La Féria na televisão.

"É importante sentir saudades, por isso é que não faço assim tantas novelas seguidas, porque quando as faço tenho mesmo vontade de as fazer. É essencial. No momento em que deixar de sentir isso, termino, mas acho que isso não me vai acontecer porque eu tenho mesmo uma paixão muito grande por esta profissão. Não me vejo a fazer outra coisa.

Como é que aos 17 anos vai para Lisboa e é protagonista de uma série?
Naquela altura, quando havia um casting no Porto toda a gente sabia, incluindo eu. Tinha uns 14 anos, fui a um para uma novela da RTP, a “Lenda da Garça”, e acabei por ficar com esse papel. Foi engraçado porque a maioria das cenas foram gravadas na minha escola, então faltava literalmente às aulas e ficava lá a gravar, o que era uma bela justificação. Foi o meu primeiro trabalho em televisão, apesar de ter sido um papel pequeno e de não fazer ideia do que estava ali a fazer, gostei. Depois uma pessoa entra ali um bocadinho num sistema, que na altura girava muito à volta da NBP. Chamaram-me mais tarde para o “Bairro da Fonte”, um série da SIC, em que tive uma personagem com 12 episódios e comecei a fazer alguns castings para eles em Lisboa. Ia, fazia o casting e voltava, alguém me levava, às vezes era mesmo um colaborador do meu pai. A gente não sabe muito bem, simplesmente vai. Depois tinha aquela sensação que no Porto não iria conseguir fazer nada. Houve um casting como os outros, mas chamaram-me para outra fase e fiquei, a partir daí foi muito estranho. Ainda estava na escola e nem sabia o que era isso de ser protagonista, basicamente mudei-me para Lisboa para ir trabalhar. Estava a acabar o 12º ano, vim cá fazer os exames, mas os meus pais foram super tranquilos. Sempre fui boa aluna, eles sempre confiaram em mim, tinha as minhas atividades extra curriculares, o teatro e ainda fiz uns trabalhos como modelo. Dava para tudo, faltava às aulas, mas controlava as coisas, então eles não se preocupavam, no fundo sabiam que era aquilo que eu queria fazer e apoiavam-me a 100%. Passei verões a fazer workshops em Lisboa e a minha mãe vinha comigo, eu levava aquilo a sério, mas eles também.

Mudar de cidade foi duro ou nem por isso?
Fui para Lisboa assim à maluca e foi muita informação ao mesmo tempo, um misto de excitamento, nervosismo e responsabilidade. Não conhecia absolutamente ninguém, tive que me safar e claro que fazia cereais ao almoço e ao jantar. Tive a sorte de calhar num grupo de gente espetacular, que se tornaram meus amigos até hoje, senti logo que encontrei as minhas pessoas e disse: “esqueçam, não vou voltar para o Porto”. Queria voar, de tal maneira que depois acabei por ir para Nova Iorque. Aos 17 anos aquilo foi descobrir-me, estar numa cidade maior e sozinha fez-me sentir que tinha liberdade para fazer imensa coisa. No Porto, por ser um meio pequeno, sentia que as pessoas estavam a ver o que eu fazia. “És betinha, mas depois andas no Balleteatro?” Não sabia muito bem onde pertencia e na realidade não pertencia a lado nenhum, pois não me sentia bem no meio dos betinhos, nem estava completamente dentro do pessoal do teatro. Em Lisboa, encontrei-me.

"Comédia de Bastidores" está em cena no Teatro Nacional São João, no Porto, de 1 a 11 de outubro

A série é um sucesso. Como é que lidou com toda aquela exposição?
Naquela época, a imprensa tinha um poder que hoje em dia as redes sociais tiraram, e ainda bem, que são os paparazzi e as mentiras. Quer dizer, ainda o fazem, mas atualmente não me sinto atingida. Na altura, era muito incisivo, estávamos na moda e tinham que inventar coisas, não havia nada para dizer sobre nós. Lembro-me que uma vez fui fazer um catálogo e o fotógrafo tirou umas fotografias a vestir-me, não estava nua, mas estava em posições em que não era suposto ser fotografada. Ele vendeu as fotografias para uma revista e aquilo foi capa. Isso magoava-me, não me conseguia abstrair, mas rapidamente comecei a ter algum sentido de humor em relação ao que diziam, a não deixar que isso me afetasse, porque as primeiras vezes afetam sempre. Mais tarde, os telemóveis passaram a ter máquinas fotográficas e as pessoas começaram a tirar fotos na rua. Era estranho, mas nunca vivi em função disso, nunca deixei de andar de metro ou ir a um centro comercial, mas existiam momentos em que não me apetecia levar com grupos de miúdos. Fechava-me, ficava nervosa e queria fugir, durante o pico, resguardava-me um bocado.

Nesse pico de popularidade, nada lhe subiu à cabeça?
Sinceramente acho que isso nunca me aconteceu. Tinha alguma noção de que era tudo uma questão de sorte, sentia que podia ser passageiro e depois via ali gente muito melhor do que eu. Nada me subiu à cabeça, mas a minha grande lição de humildade foi quando fui para os Estados Unidos. Lá percebi que, de facto, há gente incrível que hoje tem trinta e tal anos e não consegue ter uma carreira como ator. É tudo tão difícil e isso deu-me uma perspetiva ótima. Quando fui percebi que era mesmo uma sortuda e aprendi a ser grata por aquilo que tinha e a aproveitar tudo, porque tudo pode acabar.

Chateia-a ainda ser conhecida por uma personagem que fez há 18 anos?
Houve uma fase, durante os primeiros trabalhos que tive depois disso, em que era um bocadinho frustrante, dizia: “fogo, eu faço outras coisas”. Agora já passou tanto tempo que é fofinho e enternecedor. Ao mesmo tempo admiro-me como isso ainda afeta as pessoas, há páginas e grupos de fãs da série. Há pessoas interessadas numa coisa que fizemos há 18 anos, é incrível. Não podemos ver isto como uma coisa negativa. Quando pensamos em coisas como o “Friends”, eles vão ficar chateados porque serão sempre os “Friends”? Não. Eles ficaram muito ricos, eu não. Óbvio que não quero ser só aquela pessoa, mas não me parece que seja, acho que as pessoas falam disso com um certo carinho.

Com 14 anos, Benedita faltava às aulas para filmar uma novela na sua própria escola. "Era uma bela justificação"

Rui Oliveira/Observador

Em 2007 vai para Nova Iorque numa altura em que provavelmente podia ser protagonista de qualquer novela em Portugal. Porquê essa decisão?
Acho que sempre senti essa necessidade, o primeiro passo era Lisboa, o segundo era o mundo. Não era propriamente aquela ideia de que Portugal era pequeno para mim, era mais uma coisa pessoal de ter a experiência de estudar fora, ver como eu reajo, o que aprendo, o que acontece. Queria estudar representação e achava que cá, depois de já ter começado uma carreira, não iria focar-me tanto, não ia conseguir rejeitar tão facilmente trabalho. Queria experimentar outras coisas, trabalhar com pessoas que nunca me viram na vida, conhecer outras técnicas, tinha essa curiosidade. A ideia era voltar um ou dois anos depois, mas acabei por ficar por outras razões. Em Nova Iorque, havia um mundo do possibilidades, em Portugal senti que existia um teto mais baixo, o que é normal porque é um país mais pequeno. De alguma maneira, fascinou-me o sonho americano e tudo o que poderia fazer, mesmo que não fosse Hollywood. Via as pessoas a produzirem coisas, a fazerem os seus próprios espetáculos, a irem a luta com uma garra que me contagiou um bocadinho. Mas é tudo muito difícil, principalmente os vistos e toda a parte mais burocrática. Se me tivessem dito o que ia passar, provavelmente tinha desistido e ido embora. Assusta, não é fácil, mas trouxe-me coisas incríveis.

Como era a vida em Nova Iorque?
Fui com a Daniela Ruah, tínhamos vida de estudantes no início, íamos sair, divertíamo-nos imenso e dávamo-nos muito bem. Ela como era americana podia trabalhar, eu só tinha visto de estudante. Ela começou a trabalhar numa loja no segundo ano e eu mais tarde fiz alguns trabalhos de publicidade, que davam um bom dinheiro, e assim ia conhecendo os meandros da coisa. Fui com algum dinheiro, por isso não precisei de ir logo trabalhar, quando decidi ficar é que percebi como podia sobreviver por lá. Nunca tinha sentido isso no Porto ou em Lisboa, provavelmente precisava de sentir aquela coisa de olhar para os preços do supermercado. Cheguei a trabalhar em eventos, a receber pessoas, mas ao fim de uns meses senti que não era por aquilo que tinha ido para lá e consegui sobreviver sem ter que fazer esse tipo de trabalhos.

Passou a lidar mais com a rejeição num casting?
Eu era muito emocional, foi muito complicado lidar com a minha própria ansiedade. Fi-lo a tentar não pensar tanto nas coisas, mas é muito difícil. Ainda hoje não sei muito bem como é que isso se faz. De repente, há um momento em que a tua vida pode mudar e depois não muda, aí choras.

Qual foi a pior coisa que lhe aconteceu por lá?
Tive duas grandes desilusões. A primeira foi porque causa do meu visto, estava no set da série “Gossip Girl”, ia fazer uma personagem pequenina. O meu manager na altura era um nabo e não me explicou como funcionavam as coisas, não levei a papelada que era necessária, tive que andar a pedir à Daniela que estava em casa. No fim, disseram que o meu visto não dava e, por isso, não poderia fazer a série. Estava literalmente pronta para gravar e foi horrível. O segundo episódio foi quando já estava no set para gravar um filme grande em Filadélfia, as minhas cenas eram com o Bradley Cooper, e estranhei aquilo estar super atrasado. Eles acabaram por cancelar o dia e depois basicamente a minha personagem deixou de existir. Ainda hoje não sei o que aconteceu, não tinha feito uma única cena.

Essas experiências endurecem ou amadurecem?
Acho que essencialmente me amadureceu, sinto que cresci e me tornei uma adulta mais consciente e mais humilde. Fez-me uma pessoa melhor de alguma maneira, apesar de existir uma amargura em alguns momentos. Questionei-me muitas vezes porque me deixavam chegar tão longe para depois me cortarem as asas.

Nessas alturas, não pensava voltar para Portugal?
Sim, havia sempre essa hipótese na minha cabeça que me dava força para continuar lá. Pensava que ao contrário da maioria das pessoas que conheci em Nova Iorque, que eram atores espetaculares, mas que estavam a servir às mesas ou a trabalhar em lojas, eu tinha um plano B que eles não tinham. Tive sorte porque desapareci durante muito tempo e isso podia ter-me corrido mal. Tinha a consciência de que continuava a ter propostas, ou seja, ia arriscando, mas de uma forma controlada.

"Não posso dizer nunca, mas raramente tomei decisões de profissionais só pelo dinheiro. Tenho tido o privilégio de conseguir escolher os meus trabalhos, mas não sei se isso vai continuar."

Depois de participar num episódio da série norte-americana “The Blacklist”, com o James Spader, em 2018 interpreta a Infanta Isabel de Bragança na série francesa “Versailles”. Como foi essa experiência?
Foi espetacular, tive a sorte de ir mesmo a Versailles filmar, já era fã da série e foi incrível. Outra grande lição de humildade foram as pessoas. O protagonista, por exemplo, foi a pessoa mais humilde do mundo, o que te pede desculpa quando se engana ou pergunta se devia fazer assim ou assado. Só pensava: “este gajo que é um ator incrível, estou aqui a disfarçar para não tremer das pernas e ele está a perguntar-me o que é que eu acho?” Fiquei impressionada e mesmo feliz, que bom que é poder ter sucesso e ser uma pessoa porreira, humilde. Trabalhei com pessoas do mundo inteiro, canadianos, ingleses, escoceses, belgas e franceses, falavam-se várias línguas no set e aí senti que estar neste mix de culturas é mesmo a minha cena.

Sete anos depois, decide voltar. Porquê?
Nova Iorque não é uma cidade fácil. É tudo muito cansativo, ou porque é muito frio ou muito calor, tudo é caro, as pessoas que estão à volta também estão na luta e sente-se o peso disso tudo. Um dia fizeram-me a proposta para a novela “Santa Bárbara”, na TVI, achei que a personagem era boa e considerei. Já tinha recebido outras propostas antes, mas surgiram em fases em que eu não estava tão interessada e não eram personagens tão desafiantes. Depois pensei: “se isto não correr bem, continuo em Nova Iorque”. Sabia que ia andar de um lado para o outro e foi o que aconteceu até fevereiro de 2019. A minha relação com os Estados Unidos, tanto Nova Iorque como Los Angeles, passou a ser muito melhor, começou a ser muito mais produtiva, sentia-me muito mais contente por lá estar porque sabia que não iria estar lá para sempre e não tinha esse peso. Quando estava a chegar aos 30 pensei que não queria ter uma família lá e senti algo como: “ok, já chega desta intensidade a toda a hora”.

Ainda faz sentido apostar numa carreira internacional?
Sim, pode não ser exatamente nos Estados Unidos, mas há cada vez mais coisas a fazerem-se na Europa. O facto de ter um filho não me tira de todo essa vontade, porque tudo é possível. A pandemia parou as coisas, mas estão paradas para toda a gente, por isso quando as coisas reabrirem, estarei cá e o meu filho pode vir comigo. Sinceramente, acho é mais difícil trabalhar cá com um bebé, lá dão muito mais condições. Gosto muito do desconhecido, desta sensação de não saber o que vou fazer amanhã ou daqui a uns meses, é uma coisa que me provoca cada vez menos ansiedade. Claro que é horrível estar a dizer isto agora com um filho, mas acho que tenho uma rede de apoio que dificilmente me deixará na mão.

De que forma é que o dinheiro influencia as suas escolhas de carreira?
Não posso dizer nunca, mas raramente tomei decisões de profissionais só pelo dinheiro. Tenho tido o privilégio de conseguir escolher os meus trabalhos, mas não sei se isso vai continuar. Tenho 35 anos, há toda uma geração antes de mim que agora está na moda, se calhar já não há tantos papeis, daqui a cinco ou seis anos serão ainda menos. Quando tomo uma decisão geralmente penso: “se não fizer esta personagem e vier outra pessoa a fazer, vou ficar chateada?” Já tomei uma decisão baseada nisso. Influencia-me também o texto, tenho que acreditar nele, e depois as pessoas envolvidas. No fundo, tenho de ter amor pelo trabalho. Já me aconteceu, por exemplo, ter um projeto em teatro e outro em televisão ao mesmo tempo, mas eram incompatíveis. Queria muito fazer o de teatro, mas era muito tempo e muito menos dinheiro, então tive que rejeitar um para fazer o outro. Isso foi um bocado com base no dinheiro e na estabilidade, mas eu achava que aquilo iria ser uma coisa boa.

E não foi?
Depois no decorrer da coisa fiquei um bocado desiludida. Não arrependida, mas pensei: “pronto, fiz isto por dinheiro”. Acabou por ser, mas inicialmente não era esse o meu plano. Quando fazemos novelas, vemos o primeiro ou o segundo episódio, depois aquilo vai sendo escrito e pode ir por um caminho com o qual não nos identificamos tanto.

A partir de 1 de outubro, interpreta uma alcóolica em "Comédia de Bastidores" no Teatro Nacional S. João, no Porto

Rui Oliveira/Observador

A queda para a comédia é uma coisa natural?
Sempre tive esta coisa de miúda, tinha a perceção de que era uma pessoa engraçada, bem disposta, porque os meus amigos me diziam. A primeira personagem cómica foi na série “Ele é Ela” na TVI, que era um homem no corpo de mulher e aí pensei: “uau, finalmente viram o meu potencial verdadeiro”. Gostei muito de fazer aquilo e fiquei com vontade de fazer mais. Acho que é um registo difícil e sei que não sou espetacular a fazer comédia. Uma coisa é ser engraçada na vida, outra coisa é conseguir encaixar naquele guião, naquela personagem, naquele tipo de humor. Não sou um génio da comédia, nem nada que se pareça, mas tenho vontade, alguma paixão e com trabalho chego lá. Não sei se é algo natural em mim, devo ter algum talento, mas ao mesmo tempo tenho que trabalhar bastante.

Apetece-lhe explorar mais essa vertente?
Sim, apesar de haver sempre mais coisas de drama do que comédia. Não posso dizer que só faço comédia, se não coitadinha de mim, assim é que vou ficar mesmo pobrezinha, como dizia a minha mãe… Além disso, a comédia pura e dura é um meio muito fechado e eu não quero fazer stand up, não é a minha cena. Infelizmente, não se fazem muitas sitcom em Portugal, são mais sketches.

Fale-me da peça “Comédia de Bastidores”, que estreia agora no Teatro Nacional São João?
É uma comédia pesada que não pode ser feita ou vista só para fazer rir. Acontece em três natais consecutivos na cozinha de três casais, há sempre uma festa na sala, mas é nos bastidores que tudo está a acontecer, na cozinha. Foi escrita no anos 70, é uma sátira à sociedade daquela altura e a todos os jogos de interesses, onde os homens é que tinham profissões e as mulheres eram apenas apêndices, mas neste caso há personalidades vincadas. A minha personagem é uma alcoólica snob, da alta sociedade e não trata muito bem o marido. Tudo se passa na burguesia, a peça é engraçada e é muito atual.

Quatro anos depois, volta a ser encenada por Nuno Carinhas numa peça no São João. Há uma vontade de voltar ao teatro? É o palco onde se sente melhor?
Não sei se me sinto melhor, mas sei que preciso de o fazer para melhorar. O teatro é uma escola, ver os outros atores a trabalhar e poder experimentar coisas novas é algo que não temos tempo para fazer na televisão e no cinema em Portugal. Gostava de trabalhar em coisas com muito budget só porque isso permite trabalhar com tempo. No teatro não há esse dinheiro, mas há tempo porque as coisas têm que ser ensaiadas. Para mim, isto está a ser quase como voltar à escola, obviamente de uma maneira profissional e com um objetivo claro, mas sinto muita falta desta liberdade de brincar e explorar. Hoje tomei uma decisão de fazer a prensagem assim, mas amanhã vou experimentar uma coisa diferente. Depois é importante sentir saudades, por isso é que não faço assim tantas novelas seguidas, porque quando as faço tenho mesmo vontade de as fazer. É essencial. No momento em que deixar de sentir isso, termino, mas acho que isso não me vai acontecer porque eu tenho mesmo uma paixão muito grande por esta profissão. Não me vejo a fazer outra coisa.

"Há pessoas interessadas numa coisa que fizemos há 18 anos, é incrível. Não podemos ver isto como uma coisa negativa. Quando pensamos em coisas como o 'Friends', que as pessoas continuam a ver e isso é espetacular. Eles vão ficar chateados porque serão sempre os 'Friends'? Eles ficaram muito ricos, eu não."

Sente que ainda lhe falta um grande desafio ou uma grande personagem?
Sinto que ainda faltam várias. Uma pessoa também tem que criar as suas próprias oportunidades e há uma coisa que quero muito fazer. Em Londres vi um espetáculo e senti mesmo um chamamento de que tinha que o trazer para Portugal. Peguei no texto, falei com algumas pessoas e já tenho quem o produza e quem o encene. Há de ser em 2022. Também gostava de ter mais desafios no cinema e que se fizessem outras coisas que não fossem só televisão em Portugal.

Preocupa-a a atual situação cultural do país?
Claro que sim. Tenho a sorte de ainda não ter sido afetada porque não iria estar a trabalhar, não perdi nada por causa da pandemia, mas tudo isto me faz pensar. Por um lado, teve uma coisa positiva: vi uma onda de solidariedade incrível na comunidade artística. As pessoas estão mesmo a passar fome e a precisarem de ajuda efetiva, não são 200 euros da Segurança Social, há malta que não recebe. Temos que resolver rapidamente o estatuto do intermitente, está para ser feito há imenso tempo e continuamos desprotegidos. Preocupa-me também não termos um líder decente, uma pessoa que quer tomar drinks ao fim do dia em vez de encarar de frente os problemas. A parte do dinheiro é importante, mas não ter trabalho também pode matar uma pessoa por dentro. Não estou apenas a falar dos artistas, mas também de técnicos e produtores.

Já morreu por dentro por não ter trabalho?
Já tive essa sensação em Nova Iorque. Apesar de estar sempre metida em aulas, havia momentos em que suspirava “preciso tanto de trabalhar”. A maioria das pessoas que estão neste meio, estão porque adoram isto, caso contrário dedicavam-se a outra coisa qualquer, porque ninguém aguenta. Estou com muito medo do que vem aí, ainda não conhecemos bem a dimensão desta crise, mas todas as crises trazem também sempre uma onda de criatividade e uma reinvenção que tenho alguma curiosidade em descobrir. OK, este é o meu lado otimista a falar, mas há qualquer coisa boa que bater no fundo nos traz. Vamos ver se é possível, se entretanto as pessoas não têm que fazer outra coisa qualquer para conseguirem porem o pão na mesa.

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