O terceiro dia de campanha do partido foi notoriamente concebido com o propósito de lembrar o combate ao fascismo em Portugal. Arrancando com uma visita às minas da Panasqueira, que exportaram volfrâmio para a Alemanha no tempo da II Guerra Mundial, e seguindo para uma visita guiada por Fernando Rosas, histórico bloquista, ao forte de Peniche, agora convertido no Museu Nacional da Resistência e da Liberdade. Apesar de a execução do plano de campanha deste terceiro dia ter sido algo atabalhoada, a mensagem passou. Em parte porque, ao contrário do que acontecera nos dois dias anteriores, Marisa Matias não se esquivou das perguntas que a instavam a ter mais rasgo.
A eurodeputada utilizou a memória histórica para lembrar as consequências do fascismo do século XX, “uma das fases mais negras da História europeia”, tentando sensibilizar o eleitorado para os perigos de, no próximo dia 26 de maio, votar em partidos de extrema-direita. Uma tática que permitiu à candidata sair ao ataque e isso foi uma novidade na campanha.
Marisa Matias viajou até ao Fundão para falar “dos fantasmas do fascismo” e deixar críticas a Costa
Não foram ataques pessoais. Estavam relacionados com temas europeus, no caso da farpa lançada a António Costa, ou com a atualidade, no caso de Nuno Melo. Mas também não se pode dizer que tenham sido feitos para causar mossa. Contudo, serviu para mostrar a candidata a sair da zona de conforto em que se refugiara nos dois primeiros dias sob o pretexto da moderação. Terá sido uma exceção ou ponto de viragem?
“Na cimeira sobre refugiados de junho, António Costa votou como todos os outros e cedeu às chantagens de Salvini”
A candidata não se deixou levar pela troca de disparos que tem marcado a campanha junto da tríade Marques-Rangel-Melo. A tal “campanha suja e negra” que António Costa criticou. Marisa Matias continua apostada em falar apenas de Europa para marcar, por contraponto, a diferença no debate e no discurso. Uma tática que até este terceiro dia não tinha conhecido ataques diretos nem velados aos adversários. “Não vou entrar nisso”, avisou no primeiro dia.
No entanto, António Costa foi hoje visado pela eurodeputada. Marisa Matias alertava para os perigos dos “fantasmas do fascismo que pairam sobre a Europa” quando foi questionada pelos jornalistas sobre se havia um recado implícito nessa afirmação. Não havia. Mas a candidata escolheu um exemplo com o primeiro-ministro para se explicar melhor. “Na cimeira sobre refugiados de junho, António Costa votou como todos os outros e cedeu às chantagens de Salvini“.
Referia-se ao acordo do Conselho Europeu, aprovado por unanimidade, que obriga os Estados-membros a “intensificar esforços” para travar contrabandistas e continuar “a apoiar a Itália e outros Estados-membros que estão na linha da frente desta questão [dos refugiados].” A frase não é brilhante nem fácil de explicar, mas constitui uma pequena novidade na postura e no discurso de Marisa Matias.
Altos. Depois de ter optado por uma postura de moderação e de alguma contenção, chegando a roçar o aborrecimento, surgiu mais aguerrida no terceiro dia. Sem fugir muito à lógica traçada para esta campanha, em que já se percebeu que quer ganhar o campeonato de quem fala mais de Europa, a eurodeputada conseguiu deixar algumas críticas aos seus adversários. O confronto entrou pela primeira vez na campanha.
Baixos. A ambição da organização da campanha. Os bloquistas quiseram percorrer o país e estar em vários pontos do território num só dia e num muito curto espaço de tempo. Depois de agendarem para as 13h00 uma visita à zona do Fundão, perto da fronteira com Espanha, marcaram para as 17h00 uma visita ao forte de Peniche, na ponta oposta do país. Resultado: nenhuma das ações conseguiu ter o destaque que pretendiam e o ritmo apressado para conseguirem estar no jantar agendado para as 19h30 em Leiria, com a presença de Catarina Martins, foi impossível de disfarçar. A ideia até podia ser boa, mas correu mal.
Isidro Fernandes tem 84 anos e trabalhou sempre nas minas da Panasqueira, no Fundão. Foi apresentado a Marisa Matias como o Ti Isidro e a partir daí foi uma das estrelas da visita que o Bloco de Esquerda fez ao início da tarde ao local. A alcunha, talvez demasiado familiar, não colou nas hostes bloquistas, que preferiram tratá-lo por senhor Isidro. Ao longo do percurso foi apontando para os locais onde antes funcionavam as minas. Sempre com uma história à mão para contar.
Contou como “era difícil e dura” trabalhar naquelas minas no tempo da ditadura, mas apresentou-se um homem orgulhoso do seu passado. “Isto agora é a terra dos pobres, antes era a dos ricos”, resume. Não se referia aos mineiros, mas aos que lucravam com a exportação de volfrâmio.
Com um autocolante de apoio a Marisa Matias colado na algibeira da camisa, Ti Isidro mostrou-se preocupado com as eleições europeias: “Vão para lá e façam alguma coisa por nós, pelos que ficamos para trás”, pediu à eurodeputada e ao número dois da lista, José Gusmão. “É que candidatos há muitos mas nem todos se lembram de nós”.
Sempre ao lado da candidata que “na televisão não parece tão alta”, Isidro foi o autêntico coordenador da visita e no fim lá confessou que gosta do Bloco de Esquerda. “Acho a Catarina Martins uma mulher muito valente”, disse. Não foi claro quando foi questionado se era nos bloquistas que ia votar no dia 26. Certo é que ajudou a colorir uma campanha que até ao dia de hoje tinha sido cinzenta.
Num dia inteiramente dedicado à memória do combate ao fascismo em Portugal, Marisa Matias visitou a aldeia de Cabeço do Pião, uma das zonas onde existem resquícios daquilo que foram as minas da Panasqueira. A metáfora ideal para o dia em que, pela primeira vez na campanha, a candidata saiu da toca para falar de Europa e para deixar algumas farpas aos seus adversários. Primeiro, a António Costa; depois, a Nuno Melo.
A campanha do Bloco de Esquerda e os jornalistas que acompanham acordaram em Santarém sem nenhuma ação de campanha agendada para a cidade. A primeira paragem ficava a 220 quilómetros de distância: Cabeço do Pião, para visitar as minas da Panasqueira. O segundo ponto do itinerário era Peniche, na outra ponta do país. Mais 280 quilómetros. O dia encerra-se com um jantar em Leiria, a cerca de 85 quilómetros de Peniche, mas só termina em Coimbra — mais 76 quilómetros –, onde o partido vai pernoitar e de onde arrancará o quarto dia de campanha. Contas feitas: 630 quilómetros.
Total percorrido desde segunda-feira: 1396 quilómetros