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Bruno Aleixo já tem um filme. E agora, o que se segue: o fim, a política ou um copo no Café do Aires?

Quase a fazer 12 anos, o Aleixo tem um filme, mas ainda há (pelo menos) uma estátua e uma Casa Museu para fazer. Novidades dadas nesta entrevista com os autores (e vozes) João Moreira e Pedro Santo.

“Não podemos é sorrir nas fotografias, que isto agora, como fizemos um filme, temos de ficar sérios”.

Pedro Santo, guionista e co-autor do Bruno Aleixo, já percebeu que há a possibilidade de haver um antes e um depois neste projeto. Estamos no Cinema São Jorge, em Lisboa, e ao lado de Pedro, ou do “Busto”, está João Moreira, o outro autor, guionista e voz da personagem principal (e de quase todas), que não reage à graça — por causa do sono, e por ter vindo de Coimbra, cedo, para um dia repleto de entrevistas. Ou seja, a coisa, agora é mais séria. É que o cão-peluche — ou Ewok, se quiser, e se George Lucas não estiver atento — mais famoso de Portugal tem o seu primeiro filme, “O Filme do Bruno Aleixo”, prestes a ser estreado em Portugal (23 de janeiro). Antes, já viajou até ao outro lado do Atlântico, ao Brasil.

No início, Bruno Aleixo até esteve para não existir na televisão. Para quem não conhece a personagem, um contexto: tudo começou quando Fernando Alvim conheceu João Moreira, que não tinha planeado virar humorista, mas que quis entrevistar o radialista para o seu mestrado de Psicologia do Humor. Alvim gostou e Moreira, ao lado de Pedro Santo, começaram a escrever para o “Boa Noite, Alvim”. Ficaram pouco tempo, saíram, repescaram João Pombeiro (primo de Santo e responsável por desenhar e animar o boneco) e os primeiros vídeos de Bruno Aleixo, com um minuto para dar conselhos de vida, foram lançados para o Youtube.

Chegaram a ter uma rubrica na Antena 3, o “Rosa Mota”, que também durou pouco — desde há uns anos estão de volta, com outras rubricas, como a “Aleixopédia”, que continua no ar. Aqui entra Nuno Markl, fã da dupla de primos, que foi resgatar os conselhos para o seu blogue, depois destes vídeos terem sido recusados para o programa “Incorrigíveis”, que passava na Sapo Vídeos. Não foi à primeira, nem à segunda, como Ewok, teve de ser a SIC Radical, à terceira, como cão peluche de mantinha no sofá, a transformar o conceito num talk-show. E o resto é conversa. E história. Afinal, o que não tinha sido planeado era agora um caso de sucesso.

É a vida banal, diálogos entre o genial e o palerma (mas daquele palerma pensado e inteligente), as idiossincrasias portuguesas transformadas em conversas de boa gargalhada, esticar a corda aos estereótipos, com vozes forçadas ao limite e atenção na escrita.

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Esta foi uma conversa longa sobre este universo aleixiano que, mesmo após doze anos de existência, continua “sem ser mainstream”, e que ainda tem muito para dar: uma banda desenhada, um jogo de tabuleiro, um bailado ou até uma Casa Museu? Não se sabe. Um filme que é uma conversa de café entre os amigos de sempre — Renato Alexandre, Homem do Bussaco, Aleixo e Busto — mas que quis “desconstruir a linguagem do cinema”, com referências dos anos 80, com Rogério Samora e Adriano Luz, e um Fernando Alvim em situação de perigo, graças a uma esfregona sanguinária. Mas não revelamos mais porque isso seria deselegante. Esperem, isso sim, o que é de esperar: sabedoria absurda vinda de conversas sobre coisa nenhuma.

Só falta mesmo saber se um dia o Aleixo acaba. “Primeiro, ainda morre a Vovó”, conta João Moreira. E fica aqui o desafio: tente não ler esta entrevista com as vozes do Bruno e do Busto na cabeça.

[o trailer do “Filme do Bruno Aleixo”:]

Isto de fazer um filme ainda é algo solene em Portugal? Vocês mudaram a vossa forma de trabalhar?
João Moreira (JM)
— Abordamos tudo sempre da mesma forma. Quando começámos a pensar no filme, fazíamos muitas reuniões, que entre nós nunca fizemos, íamos falando. Notava mais isso, tinha de vir a Lisboa ter reuniões… Porquê? Depois é que percebi que a produção do cinema envolvia muito mais do que aquilo que fazíamos no Bruno Aleixo. Assistentes de realização, diretores de fotografia, storyboard. Coisas que não fazíamos com regularidade. O processo de produção tem de ser compactado, temos esta equipa durante duas semanas, temos de fazer isto, ta, ta, ta ta, tudo aqui neste sítio, ta, ta, ta, temos hotel neste sítio. E antes fazíamos os bonecos no computador quando tínhamos de fazer, mas sabíamos que tínhamos de mudar um pouco.

Mas essa organização assustou-vos?
JM
— Nunca sofremos por antecipação. Íamos dando conta dela à medida que íamos fazendo o filme.

Pedro Santo (PS) — Quer dizer, como era a primeira vez, eu estava à espera. Sendo um filme pequeno, a grandiosidade foi considerável, mas porque era a primeira vez. Ao nível de luzes, de uma carrinha gigante que ia para Anadia [onde parte do filme foi rodado] com uma equipa de 14 pessoas fixas. E isto não sabias seis meses antes, sabias lá. Nunca houve grande espaço “para sofrer”. Quando íamos sofrer, já lá estávamos, não dava para voltar atrás.

JM — A tática foi essa: só os avisamos quando for tarde demais. Calma, estou a brincar…

PS — Também há aqui o facto de termos feito o filme com a produtora O Som e a Fúria, ou seja, se fosse uma produtora que fizesse conteúdos humorísticos, era diferente. Assim deu um caráter solene à coisa que não tínhamos noção.

JM — Sim, é uma produtora séria que não está habituada a este registo. E este projeto abre-nos algumas portas, não só a nível de festivais…

PS — E a novos públicos. Talvez quem ainda não sabe quem é o Bruno Aleixo dê uma hipótese.

"O brainstorming deles [Aleixo, Busto, Bussaco e Renato Alexandre] no café é o principal do filme. E isso não aguentava noventa minutos. Achámos que revisitar alguns clichés cinematográficos e repetir linguagem de cinema podia ser benéfico para aguentar hora e meia."
João Moreira

Quiseram levar o filme ao Brasil, por já haver uma grande ligação com o país. Estiveram com os fãs brasileiros na Mostra de São Paulo, conseguiram finalmente perceber porque é que as pessoas gostam do Aleixo?
JM
— Continuamos sem perceber.

PS — Temos algumas hipóteses…

JM — Havia pessoas, até dentro do festival, que gostavam, e que viram que tinha o selo da O Som e a Fúria e perceberam: “Ah, isto afinal não é uma parvoíce para o cinema, podemos abrir as portas”.

PS — E tem a ver com o timing. Quando estávamos a acabar o filme, a Mostra estava quase a começar. Só que não fizemos tudo para estrear lá. O que aconteceu foi que, como o filme estava a ser terminado, decidimos apressar o processo e enviar pelo menos um draft para entrar no festival.

Ou seja, antes do fenómeno Jorge Jesus, houve o fenómeno Bruno Aleixo…
JM
— Deve ter havido outro primeiro…

PS — O Raul Solnado? Não sei. A verdade é que é difícil chegar ao Brasil e ser notado. Não fizemos nada por isso. Foi logo ao início, com um segmento que tinha o jogo Street Fighter e o Scatman John, duas coisas muito globais, e alguém meteu aquilo num fórum grande de jogos e os brasileiros viram que era conteúdo falado em português. Depois espalhou-se, com os “Aleixo na Escola”, que talvez remetam para um imaginário do que é ser português para eles, e foi por aí. Foi-se espalhando…

[o primeiro episódio da série “Bruno Aleixo na Escola”:]

E há fãs brasileiros que vos acompanham desde sempre?
PS
— Sim, alguns são fãs que “comem tudo”. Outros mais esporádicos. Tínhamos sobretudo comentários na internet.

JM — O público brasileiro tem uma coisa diferente. Em Portugal podes conhecer o Bruno Aleixo porque ouves, de vez em quando, na rádio. Lá tens de procurar mesmo, se gostas, vais procurar.

PS — Quando lançámos os livros, enviámos muitos para o Brasil, mais do que estávamos à espera. O Brasil continua a surpreender. É muita gente.

Vamos ao filme. O que é que gostaram mais no processo: ver Rogério Samora ou Adriano Luz com as vozes das vossas personagens ou submeter o Fernando Alvim a uma… [omitimos o resto da pergunta para evitar spoilers]?
JM — Gostei de ver os atores com a nossa voz…

PS — Gostei de ver o Alvim a chegar ao decór, não tendo lido nada do guião, e a primeira cena que ele grava é a sua cabeça num plano. Achava que era a gozar, mas depois estava toda a gente séria.

E vocês também, imagino.
PS
— Nós menos porque é nosso amigo. Mas o resto da equipa estava toda muito séria.

JM — Achava que era uma partida.

PS — O que deu mais prazer foi mesmo ver os atores a alinhar. Porque escolhemos os atores pensando que seriam perfeitos para este projeto, que tinham uma relação com O Som e a Fúria. Porque se fossemos nós a explicar, ou alguém que não tivesse uma relação com a produtora, era difícil.

JM — Era o que nos acontecia às vezes quando convidávamos pessoas para serem entrevistadas na série.

As pessoas não levavam a sério o convite?
JM
— Ou não percebiam porquê.

PS — Pensavam: “isto é um boneco que está a ralhar comigo, é o quê?”

JM — Recebiam o guião, viam que era um programa de televisão por cabo, com um boneco a ralhar e não aceitavam.

PS — Na primeira temporada, em 2008, o Miguel Guilherme aceitou sem saber o que era, gostou, nem sabia que era um boneco. Gostou simplesmente do diálogo.

[o episódio do Programa do Aleixo com Miguel Guilherme como convidado. Veja a partir do minuto 4:]

Um filme nunca se aguentaria apenas com bonecos 2D? Foi por isso que incluíram atores de carne e osso?
JM
— O brainstorming deles [Aleixo, Busto, Bussaco e Renato Alexandre] no café, é o principal do filme. E isso não aguentava noventa minutos. Achámos que revisitar alguns clichés cinematográficos e repetir linguagem de cinema podia ser benéfico para aguentar hora e meia.

E é por isso que é o filme “do” Bruno Aleixo e não um filme “sobre” o Bruno Aleixo.
JM — Exatamente. Até porque já conhecemos aquelas personagens, era fácil perceber como seria um brainstorming deles. Três dos atores nem sabem porque é que foram chamados. Foram ideias que tiveram naquela hora  e meia, quase em tempo real.

PS — O Aleixo é carismático, tem uma persona forte, no entanto, se lhe pedirem ideias ele bloqueia um bocadinho. Tem boas ideias quando não tem de ter.

JM — Isso acontece com a malta que é engraçada, mas se lhes pedires para contar uma anedota, no meio de mais gente, não conseguem. O Aleixo é um pouco assim.

PS — O que o Bruno faz ou diz, para ele não é para rir. Tirando o Renato, que quer ser do stand up, eles não querem ter piada. Nós, que estamos de fora, queremos que aquilo tenha piada, mas as personagens não.

Neste filme há várias hipóteses: pode ser um filme de terror, um policial, ação, comédia… Houve outro género cinematográfico que não tenham conseguido fazer?
JM
— Um western. Não, um western não… Estamos habituados a trabalhar com os meios que sabemos que vamos ter à disposição. Houve coisas que cortámos, sobretudo as ideias da personagem do Seu Jaca. Íamos ter uma colaboração brasileira, mas acabou por não se concretizar. Implicava uma série de gravações no Brasil que tivemos de descartar. Tudo o que está no filme e que é suposto ser brasileiro foi feito cá, com atores brasileiros.

"[situar estas histórias no eixo Coimbra-Bairrada] Não é um manifesto contra o centralismo, é a coerência das personagens. Não morremos de amores por Lisboa nem pelo centralismo. Quer dizer, eu gosto de Lisboa porque tenho cá o estádio do Sporting, vou aos jogos, dá-me jeito."
Pedro Santo

Inspiraram-se mais nos clássicos?
PS
— Há uma parte mais policial, com o Bussaco, aí tivemos sobretudode pensar como ele. E é uma rebaldaria, tem ninjas.

JM — A estrutura é quase a do “48 Horas” [1982], o filme com o Eddie Murphy. Não sei se esse filme tem um “impasse mexicano” [três oponentes em confronto] como temos no nosso, tem?

PS — Tem, tem. Aqueles zooms nas caras. Porque são as referências que eles, personagens, têm. São da geração dos nossos pais, quando só havia um canal de televisão.

Então, o público mais velho vai apanhar melhor as referências.
PS
— Não só. Também temos referências mais atuais, como, o Liam Neeson no “Taken” (2008) [“I will find you, and I will kill you”], dita pelo Bussaco, que ele nem se lembra onde foi buscar.

JM — Sim, também tem referências ao “Padrinho” ou dos filmes noir, como o “Big Sleep” [1946] ou o “Maltese Falcon” [1941], que são sempre os que a malta mais gosta desse género. No caso do Renato, que opta por dar uma sugestão nesse sentido, também mistura tudo. Há uma cena num hotel, ao pé de uma lagoa, porque ele é o Monstro da Lagoa Negra… Ele tem um fascínio por lagoas, corpos a boiar…

PS — Depois, as histórias têm sempre uma premissa real, algo biográfico, que, no desenrolar, foge sempre muito à ideia inicial.

O filme vai estrear-se não só em Lisboa, como um pouco por todo o país. Vocês têm a preocupação de tentar não “centralizar” o projeto na capital?
JM — Bom neste caso… [é interrompido]

PS — Eu sei o que é que você vai dizer [a dupla trata-se assim], mas há um ponto essencial: são os bonecos a ter as ideias. Eles não vieram para Lisboa ter as ideias, surgem ao pé de casa, nos sítios que conhecem. E depois há a questão da produção, em termos de filmagem, que também acabou por bater certo.

JM — Havia necessariamente dois décors: um em Coimbra e outro na Curia, Anadia. Por questões práticas tentámos concentrar tudo lá. E as ideias, tendencialmente, passam-se lá. Por exemplo, o Toninho é raptado e mora no Porto, não é?

PS — Hmmm… pode não morar, mas vai muitas vezes à zona centro.

JM — Pode ter sido raptado no Porto mas o vilão mora… Mas sim, são referências locais e as minhas, que estão no eixo Coimbra-Bairrada. Claro que reforçamos e tentamos que sejam cada vez mais locais. O Bussaco é da Mealhada, logo vai tudo dar um pouco à Bairrada.

PS — Os programas de rádio da Antena 3, teoricamente, são gravados em Coimbra, eles nunca estão em Lisboa.

JM — Se alguma vez tivermos de fazer uma versão em vídeo vai ter de ser gravado lá. Falam sempre dos estudantes que não os deixaram dormir, da Queima das Fitas…

PS — Mas não é um manifesto contra o centralismo, é a coerência das personagens. Não morremos de amores por Lisboa nem pelo centralismo. Quer dizer, eu gosto de Lisboa porque tenho cá o estádio do Sporting, vou aos jogos, dá-me jeito.

João Moreira e Pedro Santos, os criadores de Bruno Aleixo

João Pedro Morais/Observador

Lisboa não vos irrita tanto como ao Bruno Aleixo?
PS
— Irrita o que irrita toda a gente: o trânsito, as obras…

JM — Os preços da comida que, para os nossos standards, está um bocadinho abaixo…

Pois, eu li algures que vocês tinham essa crítica a fazer.
PS
— A comida, em média, achamos que está completamente abaixo, como no Porto, em comparação cidades mais pequenas à volta. Quando as cidades são grandes, a qualidade desce.

Falando desta “batalha” entre o centralismo e o regionalismo, o Bruno Aleixo, quando começou, há doze anos, era algo de nicho que depois se transformou num projeto de culto. Acham que o Bruno já pertence ao mainstream?
PS
— Não. À partida há uma estranheza para quem não acompanhou o projeto desde o início e que só chegou agora.

JM — Continua a ser de culto, cresceu um bocadinho mas continua a ser meio encriptado. Não é de massas. Por exemplo, o Gato Fedorento não era para toda a gente, mas entretanto ficou. Acha que foram eles que se mainstreamizaram? Ou as duas coisas?

PS — Acho que já seguiam uma lógica. Os Monty Python também acabaram com as punchlines. Já havia uma adaptação àquilo. São sketchs, é uma linguagem que eu conheço. O Aleixo é um objeto estranho que não respeita minimamente os ritmos de televisão. Nem mesmo nos nossos sketchs isolados, não há uma identificação com aquilo.

E há também a questão dos silêncios, das pausas constrangedoras.
JM
— O que não quer dizer que os garotos, daqui a uns tempos, não estejam já habituados a linguagem do Aleixo.

Porque quando vocês apareceram estávamos no auge dos Gato Fedorento, tínhamos stand up e, claro, o Herman. E vocês não queriam nada disso, nem agora querem.
PS — Quer dizer, o Aleixo FM acaba por ter um pouco de atualidade, como ponto de partida, mas depois a desconstrução é outra coisa qualquer. De assuntos políticos raramente falamos, mas quando é, é para analisar o boletim de voto. Não há nada ideológico. Porque esse é o ponto de vista que as personagens teriam.

E nunca vos vai apetecer agarrar mais a atualidade?
PS
— Com os bonecos, não. Mesmo nas rubricas de bola, nenhum deles é do Sporting, Benfica ou FC. Porto. Há sempre um desconversar à volta do assunto, que não é muito habitual nesse tipo de humor.

JM — Aqui há tempos no “Betaites” havia um duelo entre o Bruno Lage e o Jorge Conceição.

PS — Sérgio…

JM — Sérgio… E era sobre o nomes deles, não havia nada clubístico, são territórios pantanosos.

PS — Nunca nos aconteceu termos alguém a dizer “olha lá estão estes lampiões ou tripeiros”, o que é bom. É raro quando se fala de bola.

[o episódio do “Betaites”, série que a dupla faz para um site de apostas desportivas:]

O Bruno Aleixo acaba por ser um dos projetos de humor de maior duração, em diferentes formatos, apesar de uma ou outra pausa.
PS — O Fernando Rocha fez 20 anos de carreira…

JM — Pois é. Mas não adivinhávamos, até porque o projeto foi sendo flexível. Não é como os “Simpsons”, que sempre foram um programa de televisão e tiveram um filme. Pronto, tiveram banda desenhada, e outras coisas, também é verdade. A série vai em quantos anos?

PS — É de 1989.

Mas então se calhar o Aleixo aguenta-se porque, tal como os Simpsons, conseguiu criar um universo.
JM
— O nosso universo coexiste com a realidade. Nos “Simpsons” a cidade é fictícia.

PS — As  personagens do Aleixo, em teoria, existem, e fazem programas que existem, de facto. Não é uma sitcom de ficção.

JM — É como se o “Frasier” [sitcom norte-americana protagonizada por Kelsey Grammer, spin-off de “Cheers”, que esteve no ar entre 1993 e 2004] tivesse, de facto, um programa. Ligávamos a rádio e estava lá um programa do “Frasier”.

Ou é porque o vosso humor é, como disse o Herman em tempos, o “único verdadeiramente português “desde o Vasco Santana.
JM — Associamos o Vasco Santana à imagem da portugalidade, mas não sei até que ponto é que não estavam a usar formatos de outros países. É como hoje em dia, usar boina é associado à portugalidade porque os nossos avós usavam, mas era uma moda francesa, também se calhar usada em Espanha. É uma ideia que não está errada nem certa. Não sei é se o Vasco Santana é original. Mas tornou-se parte do património.

PS — Tem a ver também com o facto de este projeto estar fora de Lisboa, ter sotaque, ter referências de outras partes do país. O bate boca de café que também existe no Aleixo. Mas o Vasco Santana também tinha aquela coisa de sair sempre por cima, como o Bruno…

JM — É, e mesmo os formatos estrangeiros dessa altura cá estavam adaptados à realidade portuguesa: as lavadeiras, as marchas, o bairro típico de Alfama, o estudante de Coimbra, a aldeia da Roupa Branca, e tinham até coisas meio salazaristas.

Pedro Santo: "Não estamos muito juntos... falamos com memes e isso. Não é propriamente para definir métodos de trabalho."
João Moreira: "Falamos todos os dias. Mas não ligo ao Santo para desabafar, não há nada disso."
Pedro Santo: "Nunca houve dinheiro emprestado, nunca houve uma mulher. Agora com o cinema, pode ser…"

Um filme destes, neste formato, que está um pouco distante da imagem de marca dos filmes portugueses, poderia eventualmente ganhar um prémio?
PS
— O cinema europeu tem sempre uma carga séria. Os filmes franceses têm algumas comédias, tal como os espanhóis. Mas o humor é mais para levar a sério, com um substrato diferente do nosso. Mas, por exemplo, os nomeados para os Óscares quando é que são uma comédia? “A Vida é Bela” [1997]?

JM — Uma trágico-comédia.

PS — Sim e esse filme não tem um pressuposto nada cómico.

JM — Este ano há o “Jojo Rabbit”, que ainda não vi, não é uma comédia?

Portanto, este género será sempre difícil de levar mais longe.
JM
— O “Diamantino”, que é uma comédia, esteve numa série de festivais.

PS — Sim, mas não, não pensamos nisso. Duvido que cá vá mais longe quanto mais lá fora.

Agora com este salto para o filme, há mais entrevistas, mais exposição, é preciso dar mais a cara. Preferiam continuar no anonimato?
JM
— Gosto de fazer isto assim. Para o Santo tem de ser, eu não me importo.

PS — Tem de ser muitas coisas.

JM — Nós tivemos um talk-show [“Anti-Social”, na SIC Radical] e o Santo aparecia de cara tapada. Para já porque não queria pôr o pó.

PS — Pois é, às vezes não me apetece ir, era bom que fosse outra pessoa por mim.

[“Anti-Social”, na SIC Radical”:]

E porque é que o João gosta e o Pedro não?
PS
— Porque é peneirento, gosta de aparecer. É o Rei de Coimbra.

JM — Exato, não me importo. Já fiz teatro, tenho outro à vontade.

PS — Também já ninguém mora em Coimbra, o Legendary Tigerman saiu de lá… Eu não era sequer suposto fazer vozes, só escrever. O Moreira já fazia a voz. Depois as personagens foram aparecendo e fomos fazendo as vozes, para não chatear as outras pessoas. Ele faz seis vozes, eu faço uma.

JM — Tirando a do Ribeiro, que é de um amigo, ainda por cima médico, e sempre que precisamos dele temos de o chatear. E ele tem mais que fazer…

Quem está na vossa presença consegue não falar no Bruno Aleixo?
JM
— Agora é difícil não falar porque o filme está a sair. Mas fora disso, é perfeitamente normal, às vezes até me esqueço.

PS — Há muita gente que foi ao Brasil e que nos diz que está tudo maluco com o Bruno Aleixo. Depois conhecem um brasileiro na noite cá, apresenta-nos, e ele não sabe quem é o Bruno. É como assumir-se que, só porque eu sou de Leiria, conheço qualquer pessoa de lá.

Ainda se conseguem rir disto, ao fim de tantos anos com o mesmo projeto?
JM
— Claro. Rio-me com coisas que o Santo escreve, quando me envia.

PS — Ao início, os episódios andavam muito para trás e para a frente, como no filme, mas os guiões de rádio, por exemplo, raramente têm alterações.

E como dupla, ainda não se fartaram um do outro?
PS
— Não estamos muito juntos… falamos com memes e isso. Não é propriamente para definir métodos de trabalho.

JM — Falamos todos os dias. Mas não ligo ao Santo para desabafar, não há nada disso.

PS — Nunca houve dinheiro emprestado, nunca houve uma mulher. Agora com o cinema, pode ser…

JM — Pode ser problemático.

As personagens que acompanham habitualmente Bruno Aleixo: Busto, Renato e o Homem do Bussaco

Um pode ganhar mais fama do que o outro.
PS
— Qual será, não é?

JM — Sempre colhi mais esses frutos mas nunca foi problema.

PS — Há muita gente que acha que o Bruno Aleixo é o Moreira. Pedem-lhe para responder como a personagem. E não, o Aleixo é guionado, a voz leva uns filtros, mas há muita gente que acha que os dois são a mesma pessoa.

Em “Black Mirror”, há um episódio em que um boneco animado, o Waldo, se candidata a um lugar no parlamento [“The Waldo Moment”, terceiro episódio da segunda temporada]. Se vocês decidissem, pela graça, candidatar o Aleixo, as pessoas acreditavam?
PS
— A brincar a brincar, já perguntaram se o Bruno Aleixo podia ser mandatário da juventude, numas autárquicas, ou lá o que era. E a aparecer nos folhetos e tudo.

JM — Mais do que uma vez. Nós é que tendemos a não fazer qualquer associação a nenhum quadrante político.

PS — Se a pessoa ganhasse como era?

JM — Não sei. Era para criar um buzz. Mas também tens o Manuel João Vieira que é pré-candidato todos os anos e ninguém o leva a sério, logo, o boneco também não iam levar a sério.

E na loucura dos tempos que vivemos, não acham isso possível?
JM
— Seria uma ideia que não teria sumo para brincarmos.

PS — As pessoas acreditam em cada coisa… há céticos que acreditam em tudo desde que revele que o país está mal.

JM — Uma vez candidataram um cão para a direção geral da Associação Académica de Coimbra.

PS — Mas aí é porque os estudantes são uns bêbedos.

JM — Era como forma de protesto.

Já houve série, livros, workshops rádio, agora um, filme. O que falta?
PS
— Queremos ter uma Casa Museu.

JM — Uma estátua do Bruno Aleixo, também.

PS — No outro dia, disseram, meio a brincar meio a sério, que o Rocky tem uma estátua em Filadélfia. Há personagens da cultura popular que têm estátuas.

PS — Sim, sim, personagens de livros também. Essa estátua do Rocky é uma atração turística.

"No 'Aleixo Psi' [série da SIC Radical], o meu pai estava focado em ver os carros que apareciam, porque queria reconhecer o que eu tinha. E havia episódios em que quando se falava no pai do Busto, o meu pai achava que era sobre ele."

Já pensaram num eventual fim para o Bruno Aleixo?
PS
— Ele faz 63 anos, tem a vantagem de ser um Ewok, que chegam aos 250.

JM — A vovó Aleixo tem para aí cem anos e não morreu. Portanto ainda dá para viver muito.

PS — O Bart dos Simpsons tem dez anos sempre, as nossas personagens não, fazem anos.

JM — Está na hora da vovó Aleixo morrer.

PS — Epa, mas isso é triste. A vovó Aleixo não tem idade.

JM — Tem de ter pelo menos idade para ser avó do Bruno. Ou os Ewoks têm filhos logo aos cinco anos?

PS — Podem ter aos 16, se ele tem 63 anos, ela tem mais 32, tem pelo menos 95 anos. 97 tem a minha avó, e a sua?

JM — Também.

PS — Já pensámos em matar uma personagem, por exemplo: o Busto.

JM — Que é para você não ter de vir gravar. Faço eu tudo sozinho.

PS — O Renato uma vez fez isso, no dia 1 de abril, uma coisa de mau gosto. E havia gente que achava que eu tinha morrido. Confundiam-me a mim com a personagem.

Nada de fim, então. Pelo menos por enquanto.
PS
— Este é o nosso trabalho, não ganhamos dinheiro ao ponto de desistir disto.

JM — Tem sumo para aguentar tempo, se já aguentou doze…

PS — E temos uma ligação afetiva às personagens. Até pensamos em ter personagens novas, mas os quatro do início serão sempre os principais.

5 fotos

E é possível viver-se só da escrita?
JM
— Sim, fazendo outros trabalhos, até porque nestes doze anos o Bruno Aleixo já esteve meio parado.

PS — Possível é, mas é sempre dar preocupações aos pais por causa do dinheiro. Acham sempre que não temos dinheiro.

JM — Às vezes não temos.

Eles nunca perceberam bem o que era o vosso trabalho?
JM
— Agora percebem.

PS — A sua mãe já viu o filme, os meus também vão ver. No “Aleixo Psi” [série da SIC Radical], o meu pai estava focado em ver os carros que apareciam, porque queria reconhecer o que eu tinha. E havia episódios em que quando se falava no pai do Busto, o meu pai achava que era sobre ele.

JM — E agora o carro vai mesmo aparecer no filme.

PS — É, vai ficar contente. Nota-se claramente que é o meu, por causa da matrícula. Mas pronto, agora com o filme é diferente. A minha irmã partilhou as entrevistas que demos no Brasil no grupo da família como se não tivesse visto ainda nada daquilo. Outra coisa: a minha mãe leu numa revista que o Marco Horácio fez um filme e foi à falência. E eu percebi logo a conversa.

JM — Como se nós pudéssemos perder dinheiro com o filme agora.

PS — O Marco Horácio fez o filme por conta dele e a minha mãe achava que nós estávamos a investir dinheiro ou tínhamos pedido um empréstimo. Expliquei-lhe que o filme estava pago e que não devia dinheiro a ninguém. Nem sabia que íamos receber por fazer o filme.

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