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O arguido foi acusado de um crime de pornografia de menores agravado
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O arguido foi acusado de um crime de pornografia de menores agravado

dpa/picture alliance via Getty I

O arguido foi acusado de um crime de pornografia de menores agravado

dpa/picture alliance via Getty I

Cacém. As razões da justiça para não prender suspeito de pedofilia que pediu para ser preso

Quando viu e partilhou pornografia infantil, L.S. estava sob o efeito de drogas. Juiz concluiu que foi ato isolado, valorizou o arrependimento sincero, condenou-o a pena suspensa e ordenou tratamento.

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As drogas que consumiu no dia em que cometeu o crime foram as mesmas que, quase um ano depois, o livraram de uma pena de prisão efetiva. Na tarde de 1 de outubro de 2019, L.S. começou a ver vídeos de pornografia infantil — alguns deles, com bebés a serem abusados sexualmente — e partilhou-os com outros contactos. Estava sob o efeito de estupefacientes e isso, segundo o tribunal, fez com que não tivesse controlo total sobre os seus atos — nomeadamente quando admitiu, em mensagens no WhatsApp, que estava com vontade de raptar uma criança para abusar sexualmente dela.

Mas mesmo sob o efeito das drogas, L.S. teve “capacidade para avaliar” os seus atos, segundo o tribunal. Foi apesar delas que o homem se dirigiu à esquadra da PSP do Cacém, em Sintra, onde vivia, nessa terça-feira, mais à noite, depois de ter passado a tarde a ver, a receber e a enviar os tais vídeos. Aos agentes, pediu para ser preso antes que fizesse aquilo que tinha vontade de fazer.

Foi esta a lógica do Tribunal de Sintra para condenar L.S. a três anos de prisão, com pena suspensa, por um crime de pornografia de menores, no passado dia 14 de setembro. “O Tribunal entendeu que não se justifica estar a punir o arguido” com uma pena de prisão efetiva, disse o juiz antes mesmo de anunciar a decisão final. No entanto, o arguido é obrigado a submeter-se a uma avaliação psiquiátrica e “tratamento da eventual perturbação parafílica de pedofilia”.

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Pouco mais de 20 minutos chegaram para o juiz Paulo Cunha, presidente do coletivo, fazer um resumo da sentença — 20 minutos em que o arguido esteve de pé e imóvel, só se mexendo para ajeitar os óculos. Nessa síntese, o tribunal deu como provados todos os factos da acusação de seis páginas do Ministério Público — exceto um ponto: o MP diz que “o arguido tinha plena capacidade para se determinar de acordo com a sua própria avaliação sobre a ilicitude do seu comportamento”; o coletivo de juízes não concordou.

L.S. tinha 11 vídeos de pornografia infantil no seu telemóvel

Getty Images/iStockphoto

Ora, o tribunal deu como provado que L.S. esteve toda a tarde de 1 de outubro de 2019 a ver vídeos de pornografia infantil no seu telemóvel, que até os enviou para outros contactos e que pediu a um deles que enviasse mais desses vídeos. Deu também como provado que admitiu raptar uma criança para abusar dela. Mas não acredita que o homem agora com 28 anos tenha agido na sua “plena capacidade”. Pelo contrário, o tribunal entendeu que L.S.”encontrava-se sob a influência de estupefacientes” e, por isso, a “sua capacidade de autodeterminação estaria sensivelmente diminuída”. E foi essa a razão pela qual viu aqueles vídeos naquela tarde.

Droga levou L.S. a procurar “experiências sexuais-limite”

Foi em outubro de 2018 que L.S. “reconheceu” os “consumos de substâncias psicotrópicas” e procurou ajuda. Começou a ser seguido por uma psiquiatra que, ouvida em tribunal, relatou que o arguido sempre teve uma postura de “pedido de ajuda manifesto”. A médica percebeu que esses consumos levavam L.S. a ter “comportamentos de risco”. Apesar de submetido a várias terapias, o homem de 28 anos não melhorava. E uma hipótese “chegou a ser equacionada”: um “projeto de internamento em comunidade terapêutica, com a duração mínima de um ano“.

L.S. concordou e solicitou esse internamento, mas o acórdão não detalha se chegou o mesmo a cumprir esse ano. Certo é que, em outubro do ano seguinte, o homem acabaria por ter um desses “comportamentos de risco” ao ter passado aquela tarde “voluntária e conscientemente à procura de experiências sexuais-limite sob a influência de drogas”, lê-se no acórdão.  O consumo “exagerado” de estupefacientes foi, aos olhos dos juízes, a razão pela qual L.S. pediu que lhe enviassem e enviou vídeos de pornografia infantil. Aliás, já depois de estar preso, continuou a “apresentar um quadro clínico de toxicodependência ou de abuso de drogas”.

Por causa da droga, concluiu o acórdão de forma clara, a “capacidade de se determinar” esteve “momentânea e sensivelmente diminuída”. Ainda assim, não o “suficiente” para o poder declarar como inimputável — e, deste modo, não lhe ser aplicada uma pena, mas uma medida de segurança. Até porque, apesar de tudo, o arguido teve “capacidade para avaliar” o seu estado e antecipou um crime que podia vir a cometer: abuso sexual de menores.

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Um criminoso que “foge um bocado do estereótipo” e um “julgamento um bocado diferente”

Independentemente de o consumo de droga ter sido ou não determinante, certo é que os juízes consideraram também que L.S. não era como o típico criminoso de pornografia de menores. Aliás, nas palavras do juiz, “foge um bocado do estereótipo do agente da prática do crime de pornografia de menores”. Porquê? Porque normalmente estes pedófilos descarregam “milhares e milhares de vídeos”, que “nem têm capacidade para os ver”. “Uma das características principais do consumidor de pornografia infantil é a sua necessidade crescente de acumular e colecionar material, o que o obriga a procurar e a conectar-se com outros pedófilos desconhecidos através da Internet que lhe fornecem o material”, lê-se no acordão.

"[O arguido] foge um bocado do estereótipo do agente da prática do crime de pornografia de menores, que muitas vezes descarregar milhares e milhares de vídeos e nem têm capacidade para os ver”
Juiz Paulo Cunha, do tribunal de Sintra

E não era o caso deste arguido. L.S. tinha no seu telemóvel exatamente 11 vídeos de pornografia infantil — em todos eles, viam-se crianças, algumas ainda bebés, a serem abusadas sexualmente por homens adultos. “Foram poucos”, aos olhos do tribunal, quando compara este caso a outros que envolvem redes de pedofilia internacionais. Além disso, não há prova de que L.S. tivesse feito download de outros ficheiros com o mesmo teor, nem que tivesse comercializado os vídeos a que teve acesso.

Para o tribunal, a atuação do arguido é até de uma “ilicitude mediana”, precisamente por causa da quantidade de ficheiros que tinha. “O arguido começou a contactar com estes ficheiros no dia em que foi auto-denunciar-se à esquadra policial e não chegou propriamente a acumular material pedopornográfico”, lê-se no acórdão.

Mais: o crime não foi cometido de forma continuada. “Não há prova de que houvesse atividade desta natureza anterior”, disse o juiz. O crime em causa está aliás bem assinalado no tempo e documentando. Eram 13h08 quando L.S. enviou o primeiro vídeo pornográfico com menores de 14 anos para um contacto gravado no WhatsApp com o nome Rodrigo. Depois, pediu-lhe que “enviasse vídeos de crianças a sofrerem ou terem atos sexuais com adultos”. E Rodrigo enviou-lhe cerca de 11 vídeos com esse teor. Desses, L.S. viria a partilhar cinco com mais contactos. O último enviou às 20h28 desse mesmo dia.

O ponto final aconteceria às 22h40, cerca de duas horas depois de ter enviado o último vídeo de abusos sexuais de crianças. Foi a essa hora que o homem entrou na esquadra da PSP do Cacém, onde vivia, e pediu “voluntariamente” para ser detido porque não conseguia controlar os seus desejos de abusar sexualmente de uma criança — um caso inédito em Portugal e um ato que o tribunal considerou ser “da maior relevância e de rara verificação”. “Tudo começou e acabou no próprio dia em que o arguido se entregou às autoridades”, lê-se no acórdão.

O arguido esteve preso durante 11 meses, mas foi libertado uma semana antes da leitura do acórdão

Getty Images/iStockphoto

O tribunal defende mesmo que “o dolo” de L.S. “foi direto, intenso mas pouco duradouro” já que “não esteve, como sucede naturalmente neste tipo de criminalidade, a navegar horas e horas sem fim na Internet, durante períodos de tempo muito dilatados, por vezes vários anos”. E esta conclusão foi tirada não apenas a partir das horas das mensagens trocadas. Houve outras provas que provaram que o crime não foi cometido de forma continuada. Nomeadamente, as recolhidas durante a busca domiciliária na casa do arguido, que “não viria a revelar a existência de quaisquer outros equipamentos e suportes informáticos” com “ficheiros com conteúdos de pornografia infantil”, “que fossem reveladores de uma atividade pretérita do arguido nesta matéria”.

E é por isso que o juiz considerou que “este julgamento foi um bocado diferente“. Isto porque, explicou, os casos de pornografia de menores chegam à justiça normalmente só depois de uma longa e vasta investigação das autoridades — muitas vezes levadas a cabo a nível europeu ou internacionalmente — a sites de pornografia infantil, a partir dos quais acabam por chegar às seus autores e às “listagens de utilizadores” que “partilharam milhares de ficheiros”.

Ora, este processo “não nasceu” desta forma. L.S. não era alvo ou sequer suspeita de alguma investigação. “As autoridades não sabiam de nada”e “os agentes estavam à espera de tudo menos de alguém que aparecesse a pedir para ser preso”, aponta o juiz. “Se aquele dia não tivesse acontecido” ou se o arguido “não tivesse tido o apoio da família”, este processo nunca teria chegado à justiça, acrescentou o juiz.

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O facto de ter o apoio da família foi também outro dos fatores que levou o tribunal a não condenar L.S. a pena de prisão efetiva. Ser novo, não ter antecedentes criminais e ter confessado também pesou na decisão. O arguido prestou declarações logo no início do julgamento e “confessou livre, integralmente e sem reservas” os seus atos, “manifestou genuíno confrangimento e arrependimento pela sua conduta” e reconheceu “que precisa de ajuda médica para superar a sua impulsividade para a participação em encontros sexuais sob a influência de estupefacientes”.

Há “forte probabilidade” de L.S. cometer os mesmos crimes, mas é preciso apurar se é ou não pedófilo

É o próprio tribunal que o condena a prisão com pena suspensa que reconhece, no acórdão que redigiu, que “as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas relativamente ao crime de pornografia de menores”. “Este tipo de crime assumiu uma dimensão internacional preocupante porque conta com um poderoso meio divulgação, a Internet”, lê-se ainda. O tribunal reconhece mesmo que há “uma forte probabilidade do arguido vir a reincidir em comportamentos semelhantes ou até mais disfuncionais”.

"[Há] uma forte probabilidade do arguido vir a reincidir em comportamentos semelhantes ou até mais disfuncionais"
Acórdão do Tribunal de Sintra

Ainda assim, não o condena a prisão efetiva — depois de ter sido o próprio arguido que, há um ano, pediu à PSP para o prender. Porquê? A lista das razões do tribunal é longa: a confissão, o arrependimento, o medo de voltar a ser preso, o apoio psicológico que tem tido, a consciência da gravidade do que fez, a responsabilidade que sente pelas repercussões negativas na família, o apoio da família e amigos e as suas condições sócio-económicas favoráveis. São, para o tribunal, “fatores positivos inequívocos” e a simples “ameaça” de que os três anos com pena suspensa se possam transformar em pena efetiva “ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição” — ou seja, bastam como castigo.

Depois, há outro ponto que, para os juízes, precisa de ser esclarecido: L.S. é ou não um pedófilo? O tribunal defende que “o caso concreto sugere a necessidade de uma melhor avaliação/estudo ao nível da personalidade para despiste de eventual conduta parafílica”. E é por isso que, além da pena suspensa, pede que seja feita uma “avaliação psiquiátrica e tratamento da eventual perturbação parafílica de pedofilia”. A este acresce também o tratamento da adição toxicológica.

Desfecho é “quase bárbaro” e “não há nada que permita garantir que esta pessoa não volte a tentar”

A decisão foi a de condenar o arguido a três anos de prisão, com pena suspensa. Isto significa que L.S. não ficará preso, como tinha pedido na noite de 1 de outubro de 2019. Aliás, já estava em liberdade desde o passado dia 3 de setembro. Foi libertado, durante o julgamento, devido a uma alteração da medida de coação — uma decisão que já indiciava que o coletivo de juízes não planeava condená-lo a uma pena de prisão efetiva.

"Este homem veio pedir à justiça que o ajudasse e a justiça não ajuda quando se coloca uma pessoa destas 11 meses numa prisão preventiva"
Miguel Matias, advogado

A obrigação de acompanhamento médico e tratamento é uma “medida preventiva, profilática daquilo que é o seu desejo ou o seu impulso”, nas palavras de Miguel Matias, advogado que representou as vítimas no caso Casa Pia, em declarações à Rádio Observador no dia em que foi conhecida a sentença. No entanto, uma medida que considera pouco eficaz: “É um crime de impulso e há uma tendência para um comportamento parafílico”. “Felizmente, só uma pequena percentagem das pessoas com esta tendência é que passam ao ato físico de abuso sexual das crianças. Mas não há nada que permita garantir que esta pessoa não volte a tentar“, acrescenta.

Pedófilo que pediu para ser preso em liberdade. “Três anos de pena suspensa? É quase bárbaro”

O advogado diz-se “chocado com o tipo de sanção que este homem foi condenado”. “Três anos parece-me quase bárbaro“, diz mesmo. Para Miguel Matias, as falhas começaram logo no momento em que L.S. pediu para ser detido: “Este homem veio pedir à justiça que o ajudasse e a justiça não ajuda quando se coloca uma pessoa destas 11 meses numa prisão preventiva. Não é forma nenhuma de acompanhar e tratar. O nosso sistema prisional não tem meios para acompanhar estas pessoas”.

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