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Scott Olson/Getty Images

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Calma, ainda não há razão para deixar de usar tampões ou pensos higiénicos

A presença do glifosato nos produtos de higiene femininos não é assim tão preocupante, já a utilização deste herbicida em larga escala em todo o mundo acarreta outras preocupações.

Ainda que a presença do herbicida glifosato nos produtos de higiene feminina, como tampões e pensos higiénicos, não seja desejável, “não é motivo para deixar de usar estes dispositivos”, diz ao Observador o oncologista Francisco Pimentel. O médico defende que os fabricantes deviam tentar eliminar este e outros resíduos tóxicos presentes no algodão, mas que as concentrações detetadas pela equipa da revista francesa 60 Millions de Consommateurs são excecionalmente baixas.

A partir do momento em que começou a ser utilizado, o glifosato passou a ser solução para “tudo” – qualquer pessoa com um pequeno jardim usava Roundup (a marca comercial da Monsanto) para combater as plantas daninhas -, conta ao Observador Francisco Pimentel, diretor do Centro Médico e de Investigação Lenitudes, em Santa Maria da Feira. Era considerado um herbicida inócuo até que começaram a aparecer as primeiras suspeitas de ligação ao cancro, refere o médico.

Avaliar o risco de cancro

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A Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC) pertence à Organização Mundial de Saúde (OMS) e é a autoridade mundial para a avaliação do risco de cancro. Um dos objetivos é compilar estudos científicos na área do cancro e avaliar o potencial carcinogénico de determinados agentes.

A associação ambientalista Quercus confirma, na sua página, que o glifosato é “vendido livremente para uso doméstico em hipermercados, hortos e outras lojas e, lamentavelmente, usado com abundância por quase todas as autarquias para limpeza de arruamentos”. Além das suspeitas de ligação a casos de cancro, existe outro problema importante: o glifosato e outros herbicidas podem induzir a resistência a antibióticos nas bactérias com as quais entram em contacto, conforme revelou um estudo publicado pela Sociedade Americana de Microbiologia. Lembramos que a resistência antimicrobiana é um problema de saúde pública cada vez mais grave.

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Fernanda Águas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia considera que, no caso dos produtos femininos, não há razão para alarme. “Não creio que o facto de terem sido encontrados em doses residuais em pensos higiénicos e tampões deva constituir motivo de preocupação para as utilizadoras.” A ginecologista explica ao Observador porquê: “Por um lado, a utilização destes produtos é esporádica. Por outro, desconhece-se se a absorção transdérmica ou vaginal tem significado no caso destas substâncias”.

“É inequívoco que há preocupações inerentes à substância em causa, mas não é [uma situação] alarmante.”
Francisco Pimentel, diretor do Centro Médico e de Investigação Lenitudes

Atualmente, o glifosato foi classificado como “provavelmente cancerígeno para humanos” (grupo 2A) pela Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC), da Organização Mundial de Saúde. Embora ainda não tenha sido estabelecida uma relação de causa-efeito, parece haver uma maior incidência de linfomas não-Hodgkin nos locais onde o químico era usado.

O médico não exclui que basta que se esteja exposto uma vez para que haja risco, mas, naturalmente, o risco aumenta com a exposição. E o que não faltam são agentes com um potencial cancerígeno com os quais contactamos diariamente. “Mais de 80% dos cancros têm origem no ambiente que nos rodeia”, afirma o oncologista. Tudo o que podemos fazer é tentar evitar a exposição ao máximo, mas para algumas moléculas é impossível eliminar esse contacto.

A exposição ao glifosato, seja nos tampões, roupas ou alimentos, não se compara à exposição a que os fumadores estão sujeitos. “São 300 produtos com concentrações centenas de vezes mais altas” do que as encontradas para o glifosato nos produtos de higiene feminina, refere Francisco Pimentel. Se fosse possível proibir o tabaco totalmente, haveria uma redução 20% no total de todos os cancros, e não apenas no do pulmão, afirma o oncologista. A situação do glifosato não se compara.

Ainda assim, as mulheres estão em risco?

“Duvido que consigam encontrar algodão que não tenha resíduos deste produto”, afirma o médico. Mas a preocupação maior para Francisco Pimentel são os resíduos do glifosato nos alimentos. “A absorção pela vagina apresenta um risco mais baixo do que a inalação ou ingestão.” Num dispositivo tridimensional como um tampão é preciso que estes compostos, detetados em quantidades mínimas, estejam à superfície, que entrem em contacto com a mucosa vaginal e que sejam absorvidos, para poderem vir a ter algum impacto.

Fernanda Águas tranquiliza as utilizadoras lembrando que “não há estudos que associem o uso destes produtos ao cancro genital ou a outros cancros”. Sendo produtos utilizados por milhões de mulheres em todo mundo e há tanto tempo, se houvesse a probabilidade de existirem efeitos nefastos causados pela acumulação da exposição ao longo dos anos já teriam sido reportados. A ginecologista fala também das dioxinas, outro dos resíduos encontrados, lembrando que a principal fonte são os alimentos e o ar que respiramos (não os pensos higiénicos).

“Não há estudos que associem o uso destes produtos ao cancro genital ou a outros cancros.”
Fernanda Águas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) é responsável pela verificação dos produtos em causa, mas como disse ao Observador: “Até ao momento a ASAE não recebeu qualquer alerta emitido pelas suas congéneres, nem recebeu qualquer pedido de cooperação da Comissão Europeia ou das suas congéneres, mantendo-se atenta ao desenvolvimento de toda a situação”.

Uma alternativa aos produtos de higiene feminina, são os copos menstruais. Embora seja uma alternativa mais ecológica, Fernanda Águas lembra que “nem todas as mulheres lidam bem com este tipo de dispositivos”. Francisco Pimentel tem outra preocupação: é preciso saber que compostos estão presentes. Se o bisfenol A fizer parte da composição os copos vaginais, não recomenda o uso, porque esta é uma substância classificada no grupo 3 pela IARC e, ainda que não tenha potencial cancerígeno definido, foi retirada dos biberões de bebé. No entanto, continua presente nas garrafas de água de plástico e nas películas aderentes dos alimentos.

A polémica classificação da toxicidade do herbicida

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O glifosato é usado em herbicidas de várias empresas, incluindo a Monsanto, Bayer, BASF, DuPont, entre outras.

O glifosato é um herbicida que nos últimos anos tem sido cada vez mais usado na agricultura, sobretudo nas plantações de algodão e soja transgénicos. “Entre 2002 e 2012 o uso de glifosato na agricultura mais do que duplicou”, refere a Quercus na página oficial. Só Portugal usou mais de 1.400 toneladas, segundo a associação ambientalista. Mas não é só em Portugal, o glifosato é o herbicida mais usado em todo o mundo, refere o Centro para a Segurança Alimentar norte-americano.

Este herbicida, destinado a matar ervas daninhas, matava também as plantas de algodão, mas a versão transgénica é bem mais resistente. Aliás, a Quercus diz mesmo que “mais de 80% das plantas transgénicas produzidas no mundo (sobretudo soja, mas também milho) foram geneticamente modificadas precisamente para receber aplicações de glifosato”. “E não há forma de o eliminar antes de chegar ao consumidor”, diz ao Observador Margarida Silva, investigadora na Escola Superior de Biotecnologia da Católica do Porto. “A única solução é não usar [o glifosato] e voltar à agricultura tradicional.”

Classificação EPA

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O Centro para a Segurança Alimentar refere que a Agência de Proteção do Ambiente (EPA) classificou o glifosato como possivelmente carcinogénico em 1985, mas que as pressões da Monsanto a terão levado a reclassificar como não-carcinogénico em 1991. O nível máximo admitido atualmente pela EPA é seis vezes maior do que na Europa e 17,5 vezes maior do que o nível máximo dos anos 1980.

Mas essa não parece ser a tendência. A associação ambientalista acrescenta que depois da autorização dos transgénicos na União Europeia, em 1996, a quantidade de resíduos de glifosato permitidos na alimentação aumentou 200 vezes em 1999 – passaram de 0,1 para 20 miligramas de glifosato por quilograma de soja. A própria Agência de Proteção do Ambiente (EPA) dos Estados Unidos classificava o uso de glifosato como seguro. Neste momento a classificação do produto encontra-se em revisão por esta agência.

A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) também reviu a classificação do glifosato apresentando as conclusões em novembro de 2015. “O relatório conclui que é pouco provável que o glifosato tenha o risco de provocar cancro em humanos”, comunica a EFSA. Mas esta conclusão vai contra a classificação da IARC, a agência da Organização Mundial de Saúde, no grupo 2A – provavelmente carcinogénico para humanos -, definida também em 2015.

“A avaliação considerou uma grande quantidade de provas, incluindo um números de estudos não considerados pela IARC, que é uma das razões para chegar a conclusões diferentes”, justificou a EFSA. A agência esclarece que se está apenas a referir ao glifosato e não às substâncias baseadas em glifosato e que a IARC juntou tudo na mesma classificação. A EFSA acrescenta ainda que, “para a avaliação da União Europeia, os estudos conduzidos com glifosato são mais relevantes que os estudos conduzidos com fórmulas contendo [glifosato e] outros constituintes, em especial quando esses constituintes não podem ser perfeitamente identificados”.

“A decisão da IARC é de longe mais credível.”
Signatários da carta aberta a Vytenis Andriukaitis, comissário da Saúde e Segurança Alimentar

Depois disto, quase 100 investigadores independentes juntaram-se para enviar uma carta aberta ao comissário da Saúde e Segurança Alimentar, Vytenis Andriukaitis, e expressarem uma “profunda preocupação” em relação às conclusões da EFSA. Comparando as conclusões da EFSA com as da IARC em relação ao potencial carcinogénico para humanos, os investigadores concluem que “a decisão da IARC é de longe mais credível”.

A avaliação conduzida pela IARC, ao contrário da avaliação feita pelo Instituto Alemão para a Avaliação do Risco (BfR) a pedido da EFSA, baseia-se em procedimentos abertos e transparentes, por cientistas independentes, que declararam não ter conflitos de interesses. Os investigadores terminam a carta dizendo que o BfR ignorou informação científica relevante e que se baseou demasiado em estudos pagos pelos produtores dos químicos e que não estão disponíveis publicamente. A EFSA rejeita a acusação de falta de transparência numa carta aos investigadores (que pode ser consultada aqui).

A troca de cartas e a discussão em torno das avaliações intensificou-se, e a IARC também sentiu necessidade de se envolver no processo. O resultado é que todas estas cartas foram disponibilizadas ao público e a conclusão da avaliação da EFSA ao glifosato foi adiada. O tema promete ainda gerar muita discussão.

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