Marco António Costa, durante muito tempo um dos homens de maior confiança de Pedro Passos Coelho, acredita que Rui Rio vai descobrir, “infelizmente”, que os socialistas não estão disponíveis para qualquer tipo de conversação. “O PS quer estar acomodado no poder, ter o conforto de uma esquerda cúmplice num silêncio absoluto”, diz. Em entrevista ao Observador, o deputado social-democrata acusa António Costa de viver com o “sentimento de culpa” de “ter tomado o poder à força”, elogia Hugo Soares e deixa um aviso aos possíveis pretendentes à liderança do PSD numa era pós-Rio: “Acho que o que é desejável é que, independentemente da aspiração pessoal de cada um, nos momentos cruciais estejamos unidos”.

[Veja aqui a entrevista a Marco António Costa no Carpool do Observador]

Bom dia, bem-vindo ao Carpool do Observador. Hoje o tempo faz lembrar o da cidade do Porto. Foi Rui Rio quem o trouxe?
Julgo que não. Mas não deixa de ser um tempo nostálgico.

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Passando ao Congresso do PSD. Os discursos de Passos e Rui Rio foram muito contrastantes: o de Passos muito agressivo em relação ao PS; e um discurso mais suave e aberto de Rio… Como é que interpreta estes sinais?
Julgo que Pedro Passos Coelho sinalizou os valores que guiaram sempre o PSD durante os anos em que foi líder: um partido personalista, preocupado com a coesão social, que colocou sempre o interesse nacional como linha essencial da sua ação política. Passos não poderia deixar de denunciar aquilo que considera ser a linha de ação do Governo socialista: o PS, o que tem feito, não é governar, mas servir oportunisticamente uma maioria que o apoia, ceder a um conjunto de chantagens que permanentemente lhe são feitas, numa lógica de se manter no poder.

Mas as pessoas estavam à espera de um discurso mais branco… Passos fez isso para marcar o seu legado?
Acho que foram discursos que se complementaram. Passos fez um discurso objetivo e realista. Disse coisas duras, mas as verdades não podem ser evitadas. Quando afirma que há pessoas neste Governo que foram as mesmas que levaram o país à bancarrota, objetivamente é verdade.

Podia tê-lo feito antes, nos debates quinzenais, por exemplo, e não o fez. Porquê?
Passos, acima de tudo, procurou sinalizar as preocupações relativamente à forma como o Governo se comporta na prestação de contas ao país. Repare, os debates quinzenais não têm qualquer tipo de utilidade. O primeiro-ministro não responde às questões, vai fazendo umas graçolas. As graçolas que ele faz quer com a bancada do PSD, quer com a bancada do CDS roçam muitas vezes uma certa grosseria.

Estamos a passar na sede do PS. Rui Rio abriu ao PS, disse que não faria um Bloco Central até 2019, mas não se comprometeu em relação ao resto. Esta abertura em relação ao PS é a estratégia correta?
Em primeiro lugar, Rui Rio fez um discurso direto, objetivo e pragmático. Fixou com grande precisão aquelas que são as suas metas, desde logo vencer as próximas eleições legislativas, autonómicas e europeias. E foi pragmático, quando disse que o país necessita de um conjunto de reformas importantes em áreas como a Justiça ou a descentralização. Também falou na reforma do Estado, que é impossível ser feita por um único partido. Lançou o repto ao PS para estar disponível para entendimentos com o PSD relativamente a áreas estruturais. Mas o que Rui Rio vai descobrir, infelizmente, é que o PS não quer nada. O PS quer estar acomodado no poder, ter o conforto de uma esquerda cúmplice num silêncio absoluto relativamente a uma governação que tem destruído o Estado Social. Repare o que tem acontecido com a Saúde e na Educação.

Mas esta abertura do PSD, que chega ao ponto de viabilizar um Governo do PS, é correto para o partido?
Rui Rio o que disse foi aquilo que tem acontecido: o PSD foi uma oposição séria, construtiva e atenta durante estes dois anos. Isso não nos impediu de apresentar reformas importantes para o país. E o PS recusou sempre.

E se agora o PS aceitar falar? De facto, havia ali um bloqueio entre Pedro Passos Coelho e António Costa.
Esse bloqueio tem muito que ver com o sentimento de culpa com que António Costa vive de ter tomado o poder à força, de uma forma completamente desrespeitadora.

Mas há uma maioria parlamentar legítima.
Mas há também uma coisa que o PS e António Costa não disseram nas eleições: se tivesse oportunidade de fazer uma maioria de esquerda, que a faria. Escondeu isso dos portugueses. Andaram a fingir nas eleições que tinham divergências, quando efetivamente já andavam em negociações. O PS e a esquerda gostam de encher a boca com os valores democráticos mas esqueceram-se de dizer aos portugueses aquilo que fariam depois das eleições.

Estamos a passar junto à Assembleia da República e aproveito para perguntar: acha que Rui Rio esteve bem ao não querer trabalhar com o líder parlamentar que tinha sido escolhido pelos deputados?
Não podemos esquecer que o líder parlamentar tem assento no órgão mais central da ação política do partido, que é a comissão permanente. Há aqui também uma relação de confiança e proximidade que não pode ser esquecida, nem ignorada. Os dois tiveram várias conversas pessoais e tomaram uma decisão, que é pública e foi anunciada. Não vale a pena estar a especular. Hugo Soares fez um belíssimo trabalho, sucedendo a Luís Montenegro, que também foi uma extraordinário líder parlamentar. Hugo Soares sai com uma imagem muito positiva e isso não o prejudicará para o futuro, muito pelo contrário.

O que lhe parece a candidatura de Fernando Negrão? A partir de quantos votos terá legitimidade?
O líder parlamentar é eleito por um voto. Julgo que essa é uma questão mais de debate jornalístico do que realidade política…

Não é o que os seus colegas deputados dizem.
Então, estou objetivamente mal-informado. Nunca nenhum dos meus colegas me mostrou essa vontade de sabotar o próximo líder parlamentar…

Não se trata de sabotar. Mas se Fernando Negrão não tiver uma votação expressiva, não terá capacidade para liderar….
Fernando Negrão é uma pessoa com provas dadas. É alguém que revelou sempre um grande sentido de compromisso e responsabilidade, que tem todas as condições para ser um bom líder parlamentar. E a esse propósito, tenho de assinalar uma coisa: este Congresso tem dado sinais de um PSD com elevada maturidade política.

O que é que quer dizer com isso? Ainda só falaram o ex-líder e o novo líder, não houve discussão política.
A expectativa que havia é que o PSD ficasse dividido em dois blocos. Essa expectativa está gorada. Há um entendimento entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes e ambos estão a dar um sinal de sentido de responsabilidade e de maturidade política extraordinária.

Pedro Santana Lopes acabou de dar uma entrevista ao Expresso onde criticava Rui Rio pelo posicionamento em relação ao PS…
Não temos um pensamento único no PSD. Cada um pensa pela sua cabeça, mas temos um sentido de responsabilidade comum: não prejudicar aquele que é o trabalho do partido. Julgo que é importante que o PSD saia deste congresso unido, mas não com um pensamento único. Isso nunca existirá.

Neste Congresso não vai nascer um embrião de uma oposição interna? Não se vão posicionar os próximos protagonistas, como Miguel Pinto Luz ou Luís Montenegro?
São pessoas com legitimidade para aspirar para o seu futuro o que entenderem. Mas acho que o que é desejável é que, independentemente da aspiração pessoal de cada um, que nos momentos cruciais estejamos unidos. Em 2013, por exemplo, quando fui para porta-voz, encontrei um partido que não acreditava ser possível vencer as eleições. Mas foi possível unir e mobilizar o partido.

Acreditar ajuda, mas a verdade é que António Costa goza neste momento de um contexto muito favorável. Pedro Passos Coelho reconheceu isso mesmo, que Rui Rio teria uma missão muito difícil pela frente.
A tarefa será muito difícil. Passos Coelho referiu que será difícil bater a geringonça, mas é fundamental para o país.

Marco António Costa conhece muito bem Rui Rio. Acha que tem perfil para liderar o partido ou tem de se ajustar aos tempos modernos e ao facto de não estar a lidar com a Câmara do Porto mas como candidato a primeiro-ministro?
São circunstâncias diferentes, obviamente, e exigem ajustamentos da estratégia, naturalmente. Mas há uma coisa que me parece evidente: ele, ao falar ao menos, será mais ouvido quando falar. Julgo que teve um período de defeso durante este mês. Terá necessariamente de falar mais frequentemente. Julgo que estava à espera deste Congresso para deixar as mensagens que deixou ontem. Foi um discurso rico, sob o ponto de vista de ideias, de orientações e daquilo que é o seu pensamento político. Deixou o partido confortado com esta ideia de que temos todos um objetivo comum: vencer as próximas eleições. Não pelo auto-regozijo de vencer as eleições, mas sim pela circunstância de podermos implementar um conjunto de iniciativas políticas na governação do país que sejam favoráveis para o futuro.

As primeiras eleições com efeitos nacionais são as europeias. Rui Rio está obrigado a ganhar as europeias? O PS ganhou por “poucochinho”…
Ele fixou que o objetivo era vencer. O PSD nunca parte para uma eleição sem estar focado nesta ideia central que é vencer as próximas eleições. Nós não sabemos se elas podem coincidir temporalmente, as legislativas e as Europeias. Serão em momentos muito próximos. Não se sabe o que irá acontecer. Há todo um conjunto de incógnitas.

Está a fugir à pergunta. Estamos a passar pela ponte 25 de Abril e Rui Rio diz que precisamos de um “novo 25 de abril”. Consegue perceber o que ele quer dizer com isso? Está a ver o PSD fazer uma revolução?
Ele simboliza em expressões dessa natureza aquilo que é uma reinvenção de um conjunto de direitos e deveres cívicos e também de atitudes e comportamentos institucionais de órgãos de Estado e de soberania, que no entendimento dele, face à mudança que tem acontecido, ele referiu isso muitas vezes: quando fomos fundamos o partido a realidade era uma, agora é outra. Portanto, se o tempo evolui, se a sociedade evolui, tudo o resto também tem de evoluir.

Se Rio não ganhar as europeias, vai já sem força para as legislativas? O que acontece a Rui Rio se o resultado não for consentâneo com os objetivos do partido?
Eu prefiro pensar e focar-me numa perspetiva positiva. A perspetiva em que me foco é: vencemos as eleições. Eu tenho muita dificuldade em antecipar derrotas e ter uma ideia derrotista à partida. Se o tivesse, em 2013, quando assumiu a coordenação política da Comissão Política Nacional do PSD, seguramente não tínhamos todos feito um esforço que foi feito para não perder as Europeias e vencer as legislativas. Portanto, eu tenho um foco em termos eleitorais sempre positivo. E a minha perspetiva é que podemos vencer as eleições.

Depois de ter vice-presidente do partido e coordenador da comissão política, o que vai ser agora Marco António Costa?
Vai ser militante de base e disponível, como disse ontem Pedro Passos Coelho, mais um soldado para os combates que o PSD julgue que eu posso ser útil. Com uma perspetiva sempre de servir o país e o meu partido, numa perspetiva sempre de lógica de militante de base. Julgo que ser militante de base hoje é um estatuto fundamental e que me dá um gozo muito especial.

Ainda mantém toda a sua influência, pela qual é famoso?
Não sei a que influência se refere. Sou uma pessoa que procura estar próximo dos meus companheiros de partido. Fui sempre um dirigente que andei junto das bases, que dialoguei e procurei sempre ter uma atitude de proximidade. Faço da afetividade da relação pessoal uma norma e um princípio da minha vida. E, portanto, se essa influência, pelo respeito mútuo, que eu tenho pelos meus companheiros e que possa existir relativamente a mim da parte deles, julgo que está intacta porque ainda ontem tive essas manifestações.

Temos um presidente do partido do Porto. Há uma diferença em ter um presidente do partido do Porto?
Julgo que é indiferente. Claro que ser presidente do partido do Porto tem implicações na vida familiar. Quando se tem a família instalada no Porto, o esforço pessoal entre a vida política e a vida familiar é muito grande e o sacrifício que é exigido às famílias nestas circunstâncias é ainda maior. Julgo que o dr. Rui Rio tem aí um desafio pessoal, que é manter um registo de equilíbrio entre aquilo que é a sua presença familiar e, seguramente, a sua presença no terreno a fazer combate político. É, de facto, algo muito difícil, mas também algo muito reconfortante. Quando chegamos àquela bonita cidade do Porto, àquela invicta cidade do Porto, temos também um sentimento de paz, de bem-estar, que aqui em Lisboa, fruto do reboliço permanente em que estamos nas nossas funções, não é possível ter.