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Catarina Kinnvall: "É similar a forma como o islão radical e a extrema-direita mobilizam"

A sueca Catarina Kinnvall, diretora da revista internacional de Psicologia Política, compara, em entrevista ao Observador, as mensagens da extrema-direita com as dos líderes islâmicos radicais.

Catarina Kinnvall, diretora da revista internacional Political Psycology, diz que “a linguagem populista tem de ser emocional”, porque as emoções mexem com as pessoas. Esta investigadora sueca, professora na Universidade de Lund, que esteve em fevereiro em Portugal numa conferência sobre psicologia política — organizada pela Universidade Aberta e pela Universidade de Lisboa –, afirma ao Observador que os media tiveram responsabilidades no resultado do Brexit por não darem voz suficiente a especialistas.

Co-autora do livro “A Psicologia Política da Globalização: os muçulmanos no Ocidente” (The Political Psychology of Globalization: Muslims in the West), Catarina Kinnvall admite que o racismo tenha aumentado na Europa a reboque do terrorismo, e conclui que a forma como são radicalizados os jovens islâmicos é através de uma retórica semelhante à da extrema-direita.

O que mudou em democracias tão desenvolvidas como nos Estados Unidos ou no Reino Unido? A psicologia dos povos ou a psicologia dos líderes?
Sempre disse que é um processo de duas vias: não é possível aos líderes populistas usarem uma linguagem populista sem que tenha impacto numa audiência. As mensagens que enviam ao público têm de ser apelativas. Nesse sentido, penso que mudanças nas estruturas política e económica têm tornado as pessoas mais inseguras, como dificuldades no emprego e desafios ao Estado Social. Se houver líderes populistas, podem pintar uma figura muito distópica. É o que Donald Trump tem conseguido fazer. Desenha uma distopia. O mundo é um lugar perigoso, vêm pessoas de fora que desfiam os nossos valores e a nação. Depois procura uma certa redenção: fechar as fronteiras ou recuperar a “nossa” cultura.

"Qualquer tipo de linguagem populista tem de ser emocional. As emoções sempre mexeram com as pessoas. Há quem faça uma comparação com os anos de 1930 e faz sentido. "

As pessoas são hoje mais sensíveis a estes apelos que antes? É uma reação mais emocional do que era?
Qualquer tipo de linguagem populista tem de ser emocional. As emoções sempre mexeram com as pessoas. Há quem faça uma comparação com os anos de 1930 e faz sentido. Não é nova a maneira com o as emoções são usadas. O que talvez seja novo comparado com o que se passava há 10 anos — já o vimos nos anos 90 — é o aumento da sensação de insegurança. Na Europa, especialmente no passado, havia a noção de que as sociedades eram um país, um povo uma língua. Era um mito. Mas o aumento da imigração, com a sensação de terem de encontrar-se com outro que nunca viram, e com as novas redes sociais, as pessoas podem viver agora viver numa bolha: vivem com outras que confirmam as suas visões.

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Percebe uma democracia como os EUA em que as pessoas não penalizam um político que mente ou usa informação incorreta?
O Brexit foi um processo muito similar ao de Trump. Temos uma extrema-direita capaz de se dizer contra o comércio internacional, mas sem saber como é feito. Há pós-verdades muitas vezes ligadas à xenofobia, ao medo e algumas vezes racismo. Não se sabe, em alguns setores da população, se os que votaram em Trump têm algum elemento na sua educação que os levam a acreditar nestas pós-verdades. Não precisamos de fazer fact check a essas declarações, porque se tratam de emoções.

Catarina Kinnvall esteve em Lisboa no início de fevereiro numa conferência sobre Psicologia Política organizadas pelas universidades Aberta e de Lisboa

Isso muda o que é uma democracia hoje? As democracias baseiam-se em certos valores…
Absolutamente. Valores do iluminismo, racionalidade, tolerância… acho que isso esta a ser seriamente questionado. Penso que muito perigoso.

"No caso do Brexit, protagonistas como Boris Johnson usam esta linguagem: falamos por vocês, pelas pessoas comuns. Eles são capazes de captar essa voz. E há uma campanha de ódio em Washington."

Perigoso até que ponto? Falou dos anos 1930. Vê isto como uma nova forma de iliberalismo em democracias anglo-saxónicas que serviram de modelo às democracias ocidentais? É um fenómeno passageiro?
Gostava que fosse, mas infelizmente não é o que estamos a ver. Estamos a olhar para a Europa. Vejamos a Hungria, a Polónia, a República Checa e a Turquia. Temos Donald Trump e o Brexit. Temos Le Pen em maio, em França e não sabemos o que vai acontecer. Temos eleições na Alemanha. Na Escandinávia, de onde venho, os democratas suecos passaram de 16% para 20%. Há o Partido Popular na Dinamarca… Podemos identificar um lado estrutural no populismo. As pessoas precisam de perceber que estão bem do ponto de vista económico e social. Mas é preciso uma outra narrativa, outra história…

Por parte dos outros políticos?
Tem de aparecer politicamente.

Mas isto aconteceu e a maioria da elite não o antecipou, como jornalistas ou académicos: isso significa que não conhecemos as sociedades em que vivemos?
Houve pessoas que anteciparam o Brexit e Trump. Britânicos que trabalham nas instituições europeias anteciparam o Brexit. Viram o que vinha aí. Se hoje olhar para o Brexit, parece incrível. Mas culpo muito a BBC, que deu pouco espaço no debate ao comentário de especialistas que têm conhecimento sobre o assunto. Não pessoas de um dos campos que aparecem para tomarem uma posição. Nos Estados Unidos aconteceu a mesma coisa. Acham que temos de mostrar os dois lados, quando um dos lados está cheio de mentiras. Infelizmente, no debate do Brexit os académicos politicamente informados tiveram muito pouco espaço e a comunidade dos negócios raramente. Houve pessoas que anteciparam a vitória do Brexit e de Trump, mas que tiveram muito pouco espaço nos media. No Reino Unido só temos o Guardian. O resto é [propriedade de Rupert] Murdoch. E temos de nos lembrar como foi importante o império de Murdoch, nos Estados Unidos e no Reino Unido, a dar estas pós-verdades — como dizer que a UE custa três milhões de libras por semana. É constante a imagem dos imigrantes que estão a chegar da UE. Torna-se uma imagem muito poderosa. As pessoas passam a não sentir-se seguras na sua sociedade. Independentemente de estarem ou não seguras. Se olharmos para os níveis do crime, desceram.

Trump fala muito dos empregos, mas os Estados Unidos têm apenas 5% de desemprego…
Mas especialmente no rust belt [as zonas que foram industrializadas mas cujas fábricas sobretudo do setor automóvel fecharam] as pessoas perderam muito com a crise financeira. As pessoas falam é do sistema, como se Trump não fizesse parte dele. No caso do Brexit, protagonistas como Boris Johnson usam esta linguagem: falamos por vocês, pelas pessoas comuns. Eles são capazes de captar essa voz. E há uma campanha de ódio em Washington.

"É muito similar a forma como a extrema-direita e o islão radical mobilizam. Depois há a componente da aventura, excitação, fazer parte de algo maior do que si próprio, o sentimento de pertença da algo."

Escreveu um livro sobre a psicologia da globalização. Esta é uma reação a todos estes anos de terrorismo ou tem a ver com a forma como os imigrantes se integram nos países de acolhimento?
O que fazemos no livro é olhar para a segunda ou terceira geração da diáspora: no Reino Unido, França, Holanda, Dinamarca, Suécia e Canadá. O que tentamos perceber é porque é que alguns destes jovens, especialmente homens, decidem juntar-se a movimentos radicais, e porque as mulheres não o fazem.

E a que conclusão chegou?
O que podemos verificar é que são muito comparáveis à extrema-direita. A maneira como estes jovens são mobilizados são-no muitas vezes com uma linguagem muito similar: se de um lado é sobre voltar ao passado, ao mito da nação e da cultura, do outro lado trata-se do mito do futuro, o mito da califado. E o mito sobre a vingança. É muito similar a forma como a extrema-direita e o islão radical mobilizam. Depois há a componente da aventura, excitação, fazer parte de algo maior do que si próprio, o sentimento de pertença da algo. Tem tudo a ver com masculinidade, andar com armas e uniformes.

E questões sobre as mulheres, como o véu? Acha que as mulheres muçulmanas nas sociedades ocidentais preferiam ter uma vida mais parecida às mulheres ocidentais ou não?
As mulheres usam o véu por muitas razões. Há muitas mulheres na Suécia que usam véu e que as mães não usavam. Fazem-no por protesto, por fazer parte de uma identidade, por muitas razões. Há muitas mulheres educadas que usam véu sem ser por causa dos homens. O véu tornou-se uma prática tão criticada que de certa forma tornou o corpo das mulheres um domínio em que a extrema-direita e o islão radical se combatem: a polémica do burquini ou o debate do véu em França. Com um pedaço de tecido, as mulheres tornam-se representantes de um grupo, nação, religião. E são retratadas também como bombas demográficas. Querem dar à luz novos muçulmanos: “Os muçulmanos estão a tomar conta de nós”. Mas a linguagem da extrema-direita é muito persuasiva.

Os Estados europeus devem proibir o uso de véus nas nossas sociedades?
O debate é muito complexo. Quando olhamos para a proibição em França, temos mulheres muçulmanas a favor porque permite afastar as raparigas de certos padrões. As que são contra dizem que temos liberdade para nos vestirmos, liberdade de expressão, liberdade de usar um crucifixo. O assunto tem sido muito politizado por ambos os lados da sociedade, políticos e líderes religiosos.

"Se hoje olhar para o Brexit, parece incrível. Mas culpo muito a BBC, que deu pouco espaço no debate ao comentário de especialistas que têm conhecimento sobre o assunto."

Vivemos um “choque de civilizações”?
Sou muito crítica do choque de civilizações. Não acho que vivamos um choque de civilizações.

O terrorismo contribuiu para isto? Uma coisa é considerar o outro diferente, de outra cultura. Mas o medo disseminado pelo terrorismo agravou o racismo nos países mais afetados?
Sim. Mesmo que as pessoas possam ser mortas por um terrorista ou por um atirador nos Estados Unidos, ao nível das perceções não funciona assim. Ao acontecer no ocidente, não é como se este tipo de ataques estivesse a ser feito no resto do mundo, no Paquistão ou no Afeganistão. Está a desafiar a Europa por dentro e os valores europeus. Para muitas pessoas, o terrorismo aparece como a grande ameaça. E serve como legitimação para novas políticas como haver maior vigilância nas comunidades muçulmanas no Reino Unido ou em França. Por isso aumenta entre eles a sensação de serem o inimigo, mesmo que os políticos digam que não.

Diretora da revista Political Psycology, considera que a linguagem usada pelos líderes islâmicos radicais é aproximada das mensagens da extrema-direita

Mudando de assunto: até que ponto é importante a personalidade de um líder partidário ou de um primeiro-ministro? É mais importante a personalidade ou a ideologia?
Não acredito em personalidade. Penso que somos predominantemente construídos socialmente. Não quer dizer que não possamos falar de narcisismo, por exemplo, e que não possamos usar essa terminologia. Mas não acho que há uma componente física no cérebro que nos conduz para um certo caminho. Se há, no sentido de isso provocar mudanças políticas, então acho que o importante é perceber de onde a pessoa vem. Diria que os líderes políticos, especialmente quando temos os media que temos, temos, o que conta é a capacidade de fazer passar a mensagem. Não veria as coisas em termos de personalidade.

Há estudos que relacionam a genética com o facto de se ser mais de esquerda ou mais de direita. Não acredita nisso…
Não. Acho que alguém poderá dar explicações sobre isso, mas não eu. Pode dizer-se que os conservadores pensam de uma maneira e os progressistas de outra, tudo bem. Os populistas pensam de uma maneira e intelectuais e liberais pensam de outra. Mas há coisas que aprendemos através do nosso processo de socialização e através do pensamento. Não quer dizer que o inconsciente não interessa. Claro que somos seres humanos, mas penso que o processo de socialização é muito mais importante. Claro que se uma pessoa tiver valores conservadores é natural que pense de uma determinada maneira, do que se tiver valores mais liberais. Essas pessoas questionam as coisas de maneira diferente.

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