Índice
Índice
A investigação ao ataque no Centro Ismaili, em Lisboa, que provocou a morte de duas mulheres, ainda não foi finalizada, mas os investigadores da Unidade Nacional Contraterrorismo da Polícia Judiciária conseguiram já respostas para algumas das questões que estavam em aberto nos primeiros dias: não terá sido uma chamada telefónica para o suspeito, um refugiado afegão, a despoletar os crimes; e a faca terá mesmo sido trazida do exterior por Abdul Bashir, o que não permite concluir de forma linear que se tratou de um episódio psicótico. Os problemas psicológicos e as questões culturais poderão ter pesado, mas não terão sido o motivo principal e pode, aliás, nem ter havido um gatilho, mas sim um acumular de situações.
“Nestes casos, às vezes a panela está em efervescência e, a páginas tantas, rebenta”, explica ao Observador uma fonte conhecedora desta investigação.
Na semana passada, o Tribunal Central de Instrução Criminal decidiu que Abdul Bashir deveria aguardar julgamento em prisão preventiva no Hospital Prisional de Caxias, depois de a 28 de março ter matado à facada duas mulheres no Centro Ismaelita — Farana Sadrudin, de 49 anos e Mariana, de 24 anos.
O telefonema mistério e os alvos específicos
Quando tudo começou, na aula de português a que Abdul assistia, estava a ser lecionada uma matéria sobre agregados familiares, sabe o Observador. Depois de ferir com a faca o professor, o refugiado afegão saiu da sala e dirigiu-se ao gabinete onde trabalhavam as duas mulheres que tratavam diretamente do seu processo. Levava o telemóvel na mão.
“Terá sido isso que alimentou especulações que começaram a correr”, explica ao Observador a mesma fonte, adiantando que a hipótese de ter recebido uma ligação telefónica imediatamente antes do comportamento violento já foi afastada pela investigação. A Judiciária fez diversas diligências, tendo confirmado que não existe qualquer registo de uma chamada naquele período.
“De facto, levava o telemovel [na mão], daí algumas pessoas que lá estavam terem interpretado que ele recebeu uma chamada. E quando sai, sai efetivamente já com intenção de fazer o que fez — dirigiu-se ao gabinete onde estavam as duas vítimas”. O Observador apurou que para a investigação restam poucas dúvidas sobre a existência de alvos concretos, neste caso Farana e Mariana.
A faca que veio de casa não permite excluir premeditação
Outro dos pontos que parece estar já seguro é a origem da faca. Terá sido trazida pelo suspeito do exterior do Centro Ismaelita, desconhecendo-se para já se era a primeira vez que o fazia ou não. O detalhe pouco diz sobre a motivação, mas é improtante para perceber se Abdul premeditou o ataque.
“O gatilho já viria de antes, terá havido alguma premeditação. Se levou aquela faca, é porque havia alguma premeditação”, explica ainda fonte conhecedora do processo.
A questão da premeditação ou não do ataque é também relevante para a investigação, porque, conjugada com o resultado de perícias ao suspeito, ajudará a perceber se se tratou de um episódio psicótico ou não. Se de facto se concluir que o refugiado afegão pensou e preparou aquele ataque com faca, isso poderá deitar por terra a hipótese de um surto psicótico.
“Agora que o indivíduo é instável emocionalmente isso já está mais ou menos determinado que sim. Tinha uns picos [de agressividade] de vez em quando. Isto apesar de ele estar a ser mais ajudado do que outros refugiados”, esclarece a mesma fonte ao Observador.
Investigação continua para encontrar ao certo o móbil do crime
Desde o dia do ataque que têm sido muitas as versões dadas por testemunhas aos jornais. Uma das notícias que acabou por ser veiculada era a de uma suposta paixão do suspeito por uma das vítimas mortais, o que para a investigação tem pouca relevância. Na prática, acreditam os investigadores, tudo não passa de uma extrapolação de um episódio que pode não ter qualquer relação com o crime.
“O suspeito terá tido, em tempos, uma tentativa de elogiar a senhora, mas foi metido no lugar e nunca mais disse nada. Só por isso não se pode concluir nada”, acrescenta a mesma fonte, adiantando que para já a investigação não pode descartar nada, nem sequer as diferenças culturais. A motivação e os detalhes que poderão ter funcionado como gatilho, se é que existiram, podem ser diversos.
E os investigadores não afastam que um desses detalhes possa ter sido o de o processo ser liderado por mulheres, que eram “muito profissionais” e o suspeito ser “muito exigente”: “Exigia tudo e mais alguma coisa e elas tinham a obrigação de colocar as linhas vermelhas. Ele pode não ter encarado isso muito bem”.
O certo é que há ainda muito trabalho pela frente, com todas as linhas de investigação em aberto, sendo que até ao momento continua sem haver qualquer indício de que se tenha tratado de um crime de terrorismo, como já tinha avançado o diretor nacional da Polícia Judiciária horas após o ataque, tendo na altura apontado como uma possibilidade um episódio psicótico.
Numa fase em que a investigação deverá ser acelerada, até porque já está bastante avançada, é cada vez mais certo que não terá existido um único motivo e que os problemas psicológicos também terão tido influência.
O primeiro interrogatório judicial e a medida de coação mais gravosa
No primeiro interrogatório judicial, que aconteceu na última semana, o suspeito assumiu o ataque, não tendo dado grandes detalhes sobre as motivações, apurou o Observador. O juiz decidiu aplicar a medida de coação mais gravosa, prisão preventiva, que será cumprida no Hospital Prisional de São João de Deus, em Caxias.
Abdul Bashir chegou a território nacional em 2021, sendo beneficiário do estatuto de proteção internacional. Antes de chegar a Odivelas, onde vivia, o refugiado já tinha passado por um campo grego, onde perdeu a mulher, de quem tem três filhos menores. Nunca esteve sinalizado pelas autoridades nacionais.
Após o ataque foi aberto um inquérito-crime pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que na investigação é coadjuvado pela Polícia Judiciária.