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Chico César, Emicida e o festival do "cafuné": começa o MIMO do Porto

Depois de quatro edições em Amarante, o MIMO estreia-se este no Porto. O Observador falou com Emicida e Chico César, dois dos nomes maiores do cartaz que prometem partilhar uma celebração.

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O MIMO diz ao que vem no nome. “Remete a dengo, a carinho e a cafuné”, sorri Chico César. “É um desses festivais que criam comunidades muito afetuosas e onde as pessoas vão de cabeça aberta para experimentar outros artistas”, aponta Emicida. Os dois músicos vão-se apresentar na edição portuguesa do festival, que este ano se realiza pela primeira vez no Porto, de 23 a 25 de setembro. São, aliás, dois dos grandes cabeças de cartaz, a par do multi-instrumentista congolês Ray Lema, da cantora e compositora franco-nigeriana Asa (Asha), que trará o seu álbum de estreia “V” (2022), do músico e ex-ministro da Cultura cabo-verdiano, Mário Lúcio ou do DJ inglês Don Letts, lenda do club Roxy e pioneiro na mistura do reggae com o punk.

No panorama português, destaque para Maria João & Mário Laginha, para Pedro Burmester, que se apresentará com o Quarteto de Cordas de Matosinhos, para Branko e para o projeto Mulheres Que Fazem Barulho, do qual são integrantes Ana Deus, Lena d’Água, Francisca Cortesão, Anabela Duarte, Marta Abreu, Mariana Ricardo, Vera Prokic, Sandra Baptista, Mitó Mendes e Carolina Brandão.

Os concertos são apenas uma fatia do programa do MIMO, que ao longo de três dias terá mais de 50 atividades espalhadas por 11 locais do centro histórico do Porto: masterclasses, de inscrição obrigatória, dirigidas por artistas como Valentina Lisitsa (Ucrânia), Plínio Fernandes (Brasil), Nishat Khan (Índia), DuOud (Argélia/ Tunísia) ou Chiara Santoro (Brasil), palestras integradas na iniciativa Casa Comum Amazónia e ministradas por artistas multidisciplinares nascidos na região e um Fórum de Ideias que põe em diálogo diferentes nomes do cartaz para uma reflexão sobre a arte.

[“Vestido de Amor”, de Chico César:]

Quem é visita habitual do festival, que se estreou em 2016 em Portugal, na cidade de Amarante, já sabe que os dias de MIMO são de intensa manifestação e miscelânea cultural, onde património, artistas e público dialogam abertamente. “O MIMO é uma oportunidade de pensarmos memória como algo que se constrói. Memória não é apenas uma lembrança do passado, é um desejo de futuro”, aponta Chico César, que já tocou em várias edições no Brasil desde que Lu Araújo fundou o festival em 2004, na cidade de Olinda (Pernambuco).

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“É um evento que abre portas para que as pessoas absorvam a música enquanto cultura e não só enquanto mercado”, completa desta feita Emicida, ressalvando que aqui “a barreira do pagamento não é imposta”, permitindo que pessoas que não têm condições para pagar um bilhete possam na mesma estar presentes. “É um equilíbrio muito bacana e, no final das contas, todos começámos a fazer música dessa maneira, indo até onde o povo estava e dividindo com ele a nossa música”.

Armados de amor até aos dentes

Emicida e Chico César chegam ao Porto em momentos diferentes das suas carreiras. O rapper de São Paulo vem apresentar o seu último álbum lançado em 2019, AmarElo, vencedor do Grammy Latino como Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa. Chico César aterra na Europa com um disco saído de fresco, Vestido de Amor. Um e outro partilham a vontade de conectar os extremos através do amor — amar é um elo / entre o azul / e o amarelo, já dizia Paulo Leminski – recuperando narrativas ancestrais que têm o respeito pela natureza, pela diversidade e pela cultura africana no centro do diálogo.

“Quando escutei pela primeira vez Salif Keita, também me comecei a tranquilizar, porque percebi que ele falava da sua aldeia com a linguagem de lá e que, com isso, se tornava cosmopolita e universal. Penso que este disco traduz bem isso”
Chico César

“Quando falamos sobre amor e esperança, falamos sobre construção e sobre disponibilidade, aponta Emicida, ele que define “AmarElo” como o grande marco musical da sua trajetória: “Temos rodado este espetáculo no Brasil inteiro e todas as apresentações têm sido incríveis. É uma experiência que vai marcar todos nós”.

O álbum, que posteriormente deu origem a um documentário na Netflix (“AmarElo – É Tudo pra Ontem”), junta nomes de diferentes gerações e linguagens do panorama artístico brasileiro, como Zeca Pagodinho, Marcos Valle, Pabllo Vittar, Majur, as Pastoras da Comunidade do Rosário e até Fernanda Montenegro, voz de “Ismália”. As irmãs franco-cubanas Ibeyi assinam uma colaboração em “Libre”, bem como o português Papillon, que participa em “Eminência Perdida”. Ele e Capicua, com quem Emicida tinha colaborado no trabalho Língua Franca (2017) são os dois convidados especiais dos concertos de Lisboa, no Teatro Tivoli, no dia 27 de setembro. “Até ao Porto não sei se vão, porque não sei se terão disponibilidade”, diz o músico nascido como Leandro Roque de Oliveira, há 37 anos, e que se afirmou para o mundo como Emicida com o estrondoso trabalho de estreia Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe (2009).

“O Ray Lema disse, quando nos conhecemos, que a música do nordeste do Brasil é africana. Ele disse que o Luis Gonzaga era o mais africano dos artistas brasileiros e depois era eu"

Ele fala connosco da sua casa “no meio das montanhas”, por Zoom, “você ouve os passarinhos?” Já Chico César falou com o Observador no Porto. Instalado no M.Ou.Co – “isto aqui é bem legal” – e vestido de vermelho Lula, o compositor de “Mama África” revela como neste seu último álbum se despiu para se jorrar com afeto sobre nós. “O ‘Vestido de Amor’ é uma indumentária que se veste dentro. É como se fosse o contrário de uma armadura. A armadura afasta o outro, o ‘Vestido de Amor’ é uma roupa que te despe, te abre de dentro para fora para colher e receber o outro”.

Ao longo de 11 faixas, o músico natural de Paraíba faz um caldo de pop, reggae, axé, bolero, forró nordestino, rumba congolesa, kora maliana e berimbau. É, a seu ver, o disco onde a mistura assumida entre África e Brasil está mais apaziguada dentro de si. “O Ray Lema foi a primeira pessoa que me disse, quando nos conhecemos, que a música do nordeste do Brasil é africana. Ele disse que o Luis Gonzaga era o mais africano dos artistas brasileiros e depois era eu. Isso deu-me muita tranquilidade, sentir que não havia África e Nordeste, mas que ambos já estavam numa coisa só”.

“Eu estava muito recluso no Brasil e ter vivido a cidade [de Coimbra] num momento em que vocês estavam a desconfinar deu-me uma luzinha de esperança que o fado também traz. Pude ver uma rotina a desabrochar novamente e eu estava muito carente disso. É uma experiência que levo para a vida”
Emicida

Precisamente Ray Lema, que também se apresenta no MIMO, é um dos convidados de “Vestido de Amor”. Com Chico César canta “Xangô, Forró e Ai” e os versos “Em Paraíba, Pernambuco e Ceará / ainda há daqueles pretos que mete a mão no tambor”. “Esta canção define o espírito do disco”. O maliano Salif Keita é o outro nome que Chico César chamou para o seu décimo trabalho de originais, entrando em SobreHumano. “Quando escutei pela primeira vez Salif Keita, também me comecei a tranquilizar, porque percebi que ele falava da sua aldeia com a linguagem de lá e que, com isso, se tornava cosmopolita e universal. Penso que este disco traduz bem isso.”

Música que cura e aproxima

Emicida dir-nos-á que este fenómeno se explica pelo poder da arte em conectar pessoas sem precisar de tradução. Ele, que vê na interpretação do fado o mesmo sentimento e visceralidade que existe no samba canção, revela-nos que a emoção tem estado no seu epicentro criativo. “A emoção transcende a língua e eu estou num momento de criação e de produção onde a emoção tem sido o grande norte”.

A pandemia não é alheia a isso, “ela me deixou mais sensível”. Como também não terá sido alheia a passagem de três meses por Portugal, entre julho e outubro de 2021, para coordenar uma residência artística no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. “Eu estava muito recluso no Brasil e ter vivido a cidade num momento em que vocês estavam a desconfinar deu-me uma luzinha de esperança que o fado também traz. Pude ver uma rotina a desabrochar novamente e eu estava muito carente disso. É uma experiência que levo para a vida”.

[“A Chapa é Quente”, de Emicida:]

Com a pandemia, AmarElo também ganhou uma nova dimensão. “Muitas pessoas não entenderam o disco quando ele saiu”, revela, tal como é difícil entender um tacacá à primeira colherada. Nesse trabalho, o rapper colocou a humanidade no centro, “nós, para além das nossas feridas”. Lembra que o período de lançamento coincidiu com o primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro – “ou de desgoverno, porque os últimos anos foram de desgoverno total” – e aquilo que o músico quis fazer foi resgatar o poder da cultura brasileira para contagiar positivamente outros campos da sociedade. “Esse acabou por ser o centro de inspiração do disco”. Existem inclusivamente psicólogos que aconselham o álbum aos seus pacientes, nota, “eu acho isso muito louco! Gosto muito da ideia de a música ser usada como um remédio, uma coisa meio ayurvédica”

“Nós vamos melhorar, garanto”

O diálogo dos músicos com o Observador está de tal forma afinado que até chega a parecer que conversámos com os dois ao mesmo tempo. Está afinado na ideia do amor, da cura, do esotérico – “para nós e para os africanos, festa e religião, Deus, corpo, vinho, sangue e a pessoa andam juntas” – aponta Chico César – e também no campo político. Emicida fala em anos de deterioração e de destruição associados ao governo de Jair Bolsonaro e ao seu “discurso irresponsável”: “O Brasil está demasiado fragmentado”. Chico César, que incluiu no disco a faixa “Bolsominions, “uma canção que dá nome aos neofascistas que usaram a religiosidade cristã no Brasil como um escudo humano”, diz que é preciso ir à luta para acabar com a injustiça rapidamente.

Ambos acreditam que Lula é a figura que pode “restaurar o sentimento republicado do povo brasileiro”, sublinha Chico César. Os dois próximos anos, diz, serão de apaziguamento e os seguintes de consolidação “de uma democracia que foi mesmo ameaçada”. “Sinto que, de novo, o Brasil e os brasileiros serão olhados com otimismo. Hoje a maioria das pessoas olha para nós com pena, mas nós vamos melhorar, garanto”.

Ponham uma travessa de arroz doce à frente de Emicida e ele dirá que sim a todos os vossos desejos. “Arroz doce me pega legal!”

Para que a transição aconteça de forma tranquila, Emicida defende que é importante Lula ganhar já na primeira volta das eleições, a 2 de outubro. “Caso contrário, acho que seria a oportunidade de abrir as portas para que uma crise se institucionalize. Uma crise com potencial de se converter numa tragédia, uma vez que Bolsonaro tem trabalhado para criar essa atmosfera”. No meio desta tensão toda, a arte, refere, tem o condão de mostrar que o sol há de brilhar mais uma vez, “como diria Nelson Cavaquinho”.

No MIMO, brilhará primeiro a 23 de setembro com Chico César (22h30) e no domingo, dia 25 de setembro, com Emicida (21h30). Ambos tocarão no Largo Amor de Predição – haveria melhor nome de palco para os receber?. Enquanto o rapper promete um espetáculo “muito sensível”, a espelhar “a densidade do tempo que estamos a viver e abrindo uma fresta para que a beleza possa acontecer”, o músico paraibano desvenda que tocará oito músicas de Vestido de Amor e que revisitará temas como “À Primeira Vista”, “Mama África”, “Béradêro” e “Pedra de Responsa”, “que é uma ótima canção para fechar em jeito de celebração”.

A 29 de setembro Chico César apresenta-se no Capitólio, em Lisboa (€30). Dois dias antes, a 27, Emicida estará no Tivoli para dois concertos no mesmo dia. Os bilhetes para a sessão das 22h já esgotaram, agora só há entradas para a sessão extra das 19h (a partir de €18). Se também esses esgotarem, deixamos aqui uma dica para tentarem a vossa sorte: ponham uma travessa de arroz doce à frente de Emicida e ele dirá que sim a todos os vossos desejos. “Arroz doce me pega legal!”

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