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DPA/AFP via Getty Images

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Cientistas portugueses descobrem como atacar bactérias resistentes a antibióticos. É o segundo maior problema das doenças infecciosas

Equipa de cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência descobriu um mecanismo que as bactérias resistentes a antibióticos usam para crescerem mais depressa. E encontrou uma forma de o travar.

A resistência das bactérias aos antibióticos é o segundo maior problema da humanidade no combate a doenças infecciosas. Era o primeiro antes do surgimento da Covid-19. Todos os anos, 700 mil pessoas morrem em todo o mundo por causa de doenças provocadas por bactérias capazes de fintar estes medicamentos. Mas uma equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) descobriu um novo alvo que pode ser útil para aniquilar estas bactérias: um gene que elas utilizam para crescerem mais depressa, mas que pode ser inibido e condená-las à morte.

As moléculas que compõem estes medicamentos deixam de ter tanta afinidade com as proteínas que pretendem atacar e elas continuam a funcionar normalmente. Mas nem tudo é bom para a célula, prossegue Roberto Balbontín: "Estas proteínas são tão importantes que ter mutações que as alteram é mau para as bactérias. Se houver um antibiótico por perto, elas são perfeitas. Mas se não houver, as bactérias sem as mutações vão crescer de modo mais eficiente que as que têm".

As bactérias resistentes a antibióticos têm um calcanhar de Aquiles: estão em grande vantagem quando se desenvolvem no organismo de alguém que tomou esses medicamentos, mas crescem muito mais devagar do que as bactérias sensíveis aos antibióticos nos hospedeiros que não os recebem. É um preço a pagar pelo benefício da resistência — e que pode ser alto o suficiente para elas se multiplicarem tão devagar que acabam mesmo por desaparecer.

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Isto acontece por causa de dois fenómenos que têm lugar dentro das bactérias, descreve Roberto Balbontín, cientista do IGC envolvido na descoberta: a transcrição e a tradução. Imagine que tem um livro de receitas e que pretende que 100 pessoas executem uma receita diferente desse livro. A primeira coisa a fazer é copiar as receitas e entregá-las uma a uma aos cozinheiros, que depois a vão executar. A transcrição é o processo de copiar as receitas: o ADN, que é o livro de receitas, vai ser copiado em moléculas mais simples, o ARN, que corresponde a cada uma das receitas.

Cada molécula de ARN vai resultar num novo elemento essencial para o funcionamento da bactéria: ela vai ser lida e interpretada pela célula e finalmente executada — é a tradução. Os dois fenómenos dependem de proteínas, que são como os acessórios de cozinha necessários para a culinária.

Atualmente, a maioria dos antibióticos têm como alvo essas mesmas proteínas: alguns deles impedem o ADN de ser transformado em moléculas de ARN (não há como copiar a receita do livro), outros impedem que o ARN seja interpretado (não há como executar a receita copiada).

Foi assim que Isabel Gordo e Roberto Balbontín perceberam que devia haver mais algum fenómeno a atrapalhar as contas. E descobriram um mecanismo a partir do qual as bactérias compensam o preço da resistência: uma nova mutação num determinado gene (que surge aleatoriamente mas a natureza, por seleção natural, mantém até se tornar dominante) que as torna capazes de crescerem mais depressa, compensando o custo da resistência.

Acontece que, às vezes, e completamente ao acaso, as bactérias sofrem mutações que as tornam resistentes a certos antibióticos: as moléculas que compõem estes medicamentos deixam de ter tanta afinidade com as proteínas que pretendem atacar e elas continuam a funcionar normalmente. Mas nem tudo é bom para a célula, prossegue Roberto Balbontín: “Estas proteínas são tão importantes que ter mutações que as alteram é mau para as bactérias. Se houver um antibiótico por perto, elas são perfeitas. Mas se não houver, as bactérias sem as mutações vão crescer de modo mais eficiente que as que têm”.

Que as bactérias tinham este defeito — os cientistas chamam-lhe “custo” — já se sabia. Quando Roberto Balbontín se juntou a Isabel Gordo, investigadora na área da área de biologia evolutiva no IGC, o objetivo era apurarem as consequências desse custo e ver se era possível aumentá-lo numa forma que invalidasse por completo o desenvolvimento de bactérias resistentes. A cientista diz que isso é crucial para combater o problema da resistência a antibióticos: “Quando atacamos as bactérias, ou as matamos completamente ou, se não as matamos, vamos ter de viver com a resistência que elas adquirem”.

A primeira coisa que a equipa fez foi calcular quanto custa então essa resistência adquirida pelas bactérias, mas a matemática revelou-se mais difícil do que seria expectável. Se houver uma mutação que afeta o processo de transcrição e que decresce a velocidade do desenvolvimento da bactéria em 3%; e outra mutação que afeta a tradução e que desacelera a evolução em 6%, seria de pensar que o custo total da resistência para essa bactéria era 9%. Mas nem sempre o é, descobriram os cientistas: normalmente é inferior à soma dos custos das mutações.

Foi assim que Isabel Gordo e Roberto Balbontín perceberam que devia haver mais algum fenómeno a atrapalhar as contas. E descobriram um mecanismo a partir do qual as bactérias compensam o preço da resistência: uma nova mutação num determinado gene (que surge aleatoriamente mas a natureza, por seleção natural, mantém até se tornar dominante) que as torna capazes de crescer mais depressa, compensando o custo da resistência.

Para encontrarem este mecanismo, os dois investigadores deixaram que uma cultura de bactérias Escherichiacoli (também conhecidas simplesmente por E. coli) crescesse num ambiente paradisíaco para elas: uma sopa de aminoácidos — as peças que compõem as proteínas e que existem em todas as células — e de glucose, o açúcar preferido das bactérias. Para esta experiência, escolheram bactérias resistentes a dois antibióticos: a estreptomicina e a rifamicina.

Ambas colocaram as bactérias "em maus lençóis", descreveu Isabel Gordo, mas a terapia química é mais fácil de colocar em prática na receita de um medicamento, uma vez que a primeira obrigaria a utilizar tecnologias de edição genética. Com ela, o inibidor utilizado no estudo conseguiu neutralizar em grande parte a proteína que o gene codifica, impedindo a bactéria de acelerar o seu crescimento e multiplicação; e condenando-a finalmente ao desaparecimento.

A bactéria E. coli foi escolhida por dois motivos. Em primeiro lugar porque os cientistas a conhecem muito bem: coloniza todos os seres humanos, infetando as crianças à nascença, e fica dentro dos nossos intestinos o resto das nossas vidas para produzir vitaminas. Mas tem um defeito (e é aqui que entra o segundo motivo): há variantes da E. coli que desenvolvem resistência a antibióticos com muita facilidade e provocam doenças graves, como infeções do trato urinário e septicemias. É preciso encontrar solução contra elas.

Foi também por isso que os antibióticos foram escolhidos a dedo. A estreptomicina foi um dos primeiros a entrar na prática clínica — foi, aliás, o primeiro medicamento com eficácia no tratamento da tuberculose e que valeu o Nobel da Medicina a Selman Abraham Waksman em 1952— e, apesar de já não ser administrado aos doentes, as bactérias resistentes a ele ainda hoje estão em circulação. Já a rifamicina é muito comum atualmente para tratar infeções bacterianas na pele, ossos ou pulmões.

Acontece que a astúcia desse mecanismo de compensação também pode ser uma vulnerabilidade. A equipa de cientistas deixou que estas bactérias se desenvolvessem, depois expuseram-nas aos antibióticos e limitaram-se a observar como é que elas se comportavam para se adaptarem e poderem crescer mais depressa. Quando repararam na mutação que as bactérias sofrem para diminuir o custo de serem resistentes, experimentaram duas abordagens: a terapia genética e a terapia química.

A descoberta deste novo alvo não resolve todos os problemas. O inibidor que existe neste momento não conseguiu neutralizar completamente a função da proteína que o gene origina. Além disso, é demasiado caro para ser adquirido a grande escala. "Precisamos de um químico mais barato e acessível, sobretudo aos países onde há mais resistências, que tipicamente são mais pobres", disse Isabel Gordo.

Na primeira, simplesmente retira-se das bactérias o gene mutante. Na segunda, inibe-se com químicos a proteína a que o gene dá origem. Ambas colocaram as bactérias “em maus lençóis”, descreveu Isabel Gordo, mas a terapia química é mais fácil de colocar em prática na receita de um medicamento, uma vez que a primeira obrigaria a utilizar tecnologias de edição genética. Com ela, o inibidor utilizado no estudo conseguiu neutralizar em grande parte a proteína que o gene codifica, impedindo a bactéria de acelerar o seu crescimento e multiplicação; e condenando-a finalmente ao desaparecimento. A descoberta foi anunciada num estudo publicado na revista científica Molecular Biology and Evolution.

Trata-se de algo entusiasmante porque não há muitas estratégias atualmente para combater as bactérias resistentes a antibióticos. Uma delas obriga a experimentar antibióticos atrás de antibióticos até descobrir um a que a bactéria seja sensível, uma vez que “evoluir resistência a um medicamento é fácil, mas evoluir para duas drogas é mais difícil”, continua a cientista. Noutra técnica, aplicada nos países nórdicos, faz-se uma análise química e uma sequenciação rápida ao genoma da bactéria para descobrir se são ou não resistentes.

Esta última ainda não chegou a Portugal — Isabel Gordo espera que comece a ser aplicada dentro de “alguns anos” — e a primeira pode revelar-se tóxica. Uma das consequências mais graves é que, administrando demasiados antibióticos, provoca-se uma redução da diversidade de bactérias no nosso organismo. Mas as bactérias são importantes para a saúde — por exemplo, elas ajudam na digestão e participam também na regulação do sistema imunitário —, por isso reduzi-las trará consequências adversas para os doentes.

Mas a descoberta deste novo alvo não resolve todos os problemas. O inibidor que existe neste momento — e que, embora tenha sido adotado nestas experiências, não foi desenvolvido para este propósito — não conseguiu neutralizar completamente a função da proteína que o gene origina. Além disso, é demasiado caro para ser adquirido a grande escala. “Precisamos de um químico mais barato e acessível, sobretudo aos países onde há mais resistências, que tipicamente são mais pobres”, disse Isabel Gordo.

Mais: a experiência em ratinhos provou como esta técnica resulta, mas não basta para afirmar que ela está pronta a ser aplicada em humanos. Primeiro, é preciso alargar o estudo, repetindo-o não só com outros antibióticos contra a E. coli — a cientista menciona a ciprofloxacina, um antibiótico muito usado para controlar infeções —, mas  também com outras bactérias. Só depois se pode avançar para os ensaios clínicos em humanos e, a correrem bem, para a produção de um novo antibiótico. É nisso que Roberto Balbontín está a trabalhar agora, mas ainda aguarda financiamento para o estudo.

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