Ana Catarina Mendes abandonou o púlpito socialista, depois de arrancar a Conferência Nacional do PS em Coimbra, debaixo de um sonoro aplauso. Caminhou a passos largos e decididos de volta ao seu lugar na mesa de honra, nesse trajeto ainda recebeu a cotovelada de aprovação do líder António Costa e quando o seu momento ia no auge… voltou atrás. Para agradecer tal aplauso e gozar o momento? Não, para ir buscar a máscara que deixou esquecida no púlpito. Aí está o anticlímax desta rentrée política: a máscara. Em tempo de pandemia tudo muda e não apenas o discurso fanfarrão do défice mais baixo da história ou a certeza sobre a distância de uma crise política. O PS alinha-se para um tempo político “exigente” e novo, onde entram máscaras, termómetros e desinfetante. Mas também onde há coisas que nunca mudam.

Nos últimos tempos, não há iniciativa do Governo ou do PS em que o tema não venha em modo hashtag. Mais uma criada, esta segunda-feira em Coimbra na Conferência Nacional que o partido organizou para inaugurar esta temporada política: #recuperarportugal. Em poucas palavras, este lema pode sintetizar-se assim: o PS chama as tropas para preparar autárquicas, definir objetivos, mostrar que há uma bazuca a aproveitar, pedir estabilidade política para recuperar o país no pós-Covid, como diz ter recuperado no pós-troika. É isto e foi isto que os socialistas, com o líder António Costa sempre presente no decorrer dos trabalhos, acertaram ao longo do dia no Convento de São Francisco em Coimbra.

Foi um modelo que mais parecia um mini congresso do partido (recorde-se que o do PS está adiado para lá das presidenciais), até no número de cadeiras vazias quando se tratavam de intervenções de dirigentes, nos momentos de debate depois das intervenções dos vários ministros do Governo ao longo do dia. E foram muitos. Depois do líder (e primeiro-ministro), falou a ministra da Saúde Marta Temido, sobre a primeira prioridade do partido “controlar a pandemia”. Depois falaram os ministros da Segurança Social (Ana Mendes Godinho) e da Economia (Pedro Siza Vieira) sobre o tema “recuperar Portugal” e, por fim, interveio o ministro do Planeamento (Nelson de Souza) sobre como “cuidar do futuro”.

Infraestruturas são prioridade outra vez. Mas o ministro da pasta não foi a Coimbra

Só faltaram os críticos para parecer mesmo um congresso, mas neste PS esta é uma frente que pouco tem mostrado caras, além de Francisco Assis (que é agora presidente do Conselho Económico e Social). O ministro Pedro Nuno Santos que tem deixado claras as suas intenções para o pós-costismo no PS — desalinhando de algumas posições de Costa — não passou por Coimbra, ainda que tenha uma pasta relevante — Infraestruturas e Habitação — para muitos dos temas que ali estiveram em debate, para não dizer para a esmagadora maioria deles, já que obra e infraestruturas foi o que mais ordenou na intervenção do líder socialista.

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António Costa não o chamou à rentrée (onde se entrava apenas por convite), nem mesmo naquela linha do equilíbrio interno da geração que se segue — a que não tem sido alheio — entre Pedro Nuno e Fernando Medina. Ao contrário do ministro, o presidente da Câmara de Lisboa interveio na conferência nacional do PS, na parte do debate aberta à participação dos socialistas que quisessem intervir. Este fim de semana, numa entrevista publicada no Expresso, Costa divergia da estratégia presidencial definida por Pedro Nuno Santos.

Na plateia, multiplicaram-se os membros do Governo, além dos já citados. Caso do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, ou o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, e o secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Souto Miranda.

Os que falaram, no púlpito, como Siza Vieira e Mendes Godinho, vieram sobretudo alertar o PS para as dificuldades que aí vêm. O ministro da Economia admitiu até, sem cerimónias, que “muitas empresas não vão sobreviver e que muitos empregos vão perder-se”. Será a “ressaca” da pandemia onde a ministra do Trabalho garante que só será ultrapassada com “paz social” e que se ela falhar haverá “rutura”.

Entrada por convite, temperatura tirada e máscaras o tempo todo. “Nada obriga a que partidos parem atividade”

A sala estava semi-cheia, mas porque as regras Covid o obrigam. Entre a assistência cumpria-se uma cadeira de distância, máscara o tempo todo, gel disponibilizado pela organização à porta do auditório e temperatura medida à chegada da conferência. Aliás, em Coimbra só estiveram eleitos e dirigentes do PS “a quem foi dirigido o convite para participar, em função das responsabilidades que assumem”, ditavam as regras iniciais. E isto para permitir “à organização controlar o número de presenças e garantir o cumprimento das regras de saúde apropriadas”.

Carlos César ia guiando os trabalhos e de cada vez que falava à sala retirava a máscara que deixava pendurada na orelha esquerda. Quem era chamado ao palanque para falar desinfetava as mãos ali mesmo em frente de todos — e em difusão em simultâneo em streaming para o resto do PS –, fosse dirigente de base, deputado, ministro ou primeiro-ministro.

Logo na intervenção de abertura, António Costa até aproveitou para assinalar que ali, naquela organização, estava a prova que “nada obriga os partidos a pararem a sua atividade desde que todos cumpramos as normas de segurança”. Uma tirada em plena polémica para a Festa do Avante cujas regras sanitárias da DGS foram conhecidas no dia em que decorreu esta conferência socialista.

Nisto das rentrée, o PS tem uma vantagem, já que nunca as marca com uma grande e tradicional festa. São normalmente mais contidas do que as dos outros partidos: caso do PSD, com o comício do Pontal e a Universidade de Verão (ambos cancelados), o Avante do PCP, ou Fórum do Bloco de Esquerda e o acampamento do partido (ambos cancelados).

O que nunca muda são as promessas eleitorais

Quanto ao que nunca muda, foi o próprio líder do partido que o deixou claro. As promessas de um líder partidário (no Governo) aos autarcas quando se prepara um ano político com autárquicas no caminho. E, aí, os compromisso de António Costa vieram em catadupa, sob forma de investimentos em grandes obras, mais pequenas e demonstrações de que é um governante descentralizador e apostado no desenvolvimento do interior.

Na plateia não faltavam ouvidos atentos, já que lá estavam muitos dos autarcas eleitos pelo PS nas eleições de 2017 (foram 159 ao todo, a maioria), a começar pelo anfitrião ali em Coimbra, o presidente Manuel Machado que também preside a Associação Nacional de Municípios. Logo na abertura dos trabalhos, Machado colocou no alvo da bazuca europeia as suas prioridades locais e puxou pelo papel dos autarcas na execução deste envelope financeiros de milhares de milhões que virão de Bruxelas. Disse que os autarcas querem participar em “prioridades norteadoras da recuperação dos efeitos” da pandemia.

Abraço aos autarcas e desprezo pelas presidenciais. A rentrée de Costa nas entrelinhas

Falou por todos e António Costa falou para todos eles logo de seguida, ao apontar a aposta nas infraestruturas, que vai voltar a centrar a ação política. Mas “os investimentos em infraestruturas não vão ser nas grandes infraestruturas e nas ligações Lisboa-Porto e nas grandes ligações ferroviárias”, disse Costa ao PS para afastar a ideia de um centralizador. “Temos uma boa rede de autoestradas, mas temos também temos pequenas grandes obras que são de uma enorme distância em relação à grande infraestrutura que esta quase ali ao lado”, disse o primeiro-ministro que fez desfilar uma série de investimentos que pretende que sejam a prioridades dos próximos tempos, para dinamizar as regiões transfronteiriças mais empobrecidas, por exemplo.

E a estratégia de Costa de deixar aos outros a pressão e crítica sobre a esquerda

Depois houve outra frente que não ficou esquecida e que foi tratada com alguma cerimónia quando decorrem negociações — agora técnicas — com a esquerda para um acordo com “horizonte de legislatura”. E o PS aparece empenhado nisso, com Costa a chegar a Coimbra a declarar logo, em declarações aos jornalistas à porta, existirem “excelentes condições” para um acordo dessa dimensão com a esquerda parlamentar. Mas lá dentro não falou mais no assunto, apenas disse que queria falar com todos sobre o plano de recuperação e que estava a trabalhar na criação de condições políticas — só se tem reunido com a esquerda e até vão avançar paras reuniões mais técnicas.

O resto, que é como quem diz toda a pressão sobre os partidos que desafia (PCP, BE, PEV e PAN), deixou — como Costa sempre faz — para outros. Nomeadamente, a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, e, por fim, para o presidente do partido Carlos César. Este último pediu mesmo à esquerda “uma confluência de uma vez por todas” e também que esqueça “calculismo passageiros”, apontando indiretamente para a pressão eleitoral — com as autárquicas — que sobretudo o PCP vai sentir no próximo ano. Isto para os avisar que podem ser “julgados com severidade” nessas mesmas eleições se roerem a corda. António Costa ficou fora deste jogo de pressão mas é ele o principal interessado numa resposta célere e clara dos seus parceiros.