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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Cláudio Ramos: "É quase unânime as pessoas gostarem de mim. Devo estar a fazer alguma coisa mal"

Cláudio Ramos falhou em todos os castings: "Porque é que nunca fiquei se sou tão bom?" A estreia nas "Noites Marcianas" (há 20 anos), o Big Brother, o dinheiro e o sucesso como comentador.

Há 20 anos, ninguém sabia quem era Cláudio Ramos. Vinha de Vila Boim, uma freguesia de concelho de Elvas, no Alentejo profundo, e esperava encontrar em Lisboa uma oportunidade para singrar na televisão. Veio e foi. Veio e foi. Diz que nunca passou num casting e que só foi parar às “Noites Marcianas” da SIC, ao lado de Serginho, Jorge Mourato, Tino de Rans e Odete Santos, entre outros, porque “acharam graça” à cassete que enviou com Emídio Rangel. Em 2002, entrou na segunda edição do Big Brother Famosos, pouco tempo depois era pai de Leonor, hoje com 15 anos.

Fez carreira como comentador, embora nunca tenha sido esse o seu sonho. Durante anos, os comentários ácidos fizeram correr tinta da imprensa cor-de-rosa. Em 2015, revelou publicamente ser homossexual. Atualmente, com 45 anos, é presença assídua na grelha da SIC, em “O Programa da Cristina” e em “Passadeira Vermelha”. De cronista a apresentador, duas décadas depois, o sonho de Cláudio Ramos parece ter-se cumprido.

Onde é que estava há 20 anos?
Estava no Alentejo, trabalhava na rádio e num jornal. Foi quando comecei a vir a Lisboa para trabalhar com o Nicolau Breyner, em 1999, numa produtora que ele tinha chamada Multicena. Gravávamos no Teatro Vasco Santana, ali na antiga Feira Popular. Ele fazia uma coisa chamada “Uma Casa em Fanicos” e comecei a fazer figuração especial. Seis meses depois, entro para as “Noites Marcianas”, com Carlos Cruz e depois com a Júlia Pinheiro. Houve ali um pequeno interregno em que fiz uns episódios do “Médico de Família”, como ator, que é uma coisa que não sou, mas era uma maneira de começar.

A representação foi uma porta de entrada para a televisão?
Não era o que queria fazer. Era um meio para atingir um fim. Era eu a esgravatar vários sítios por onde pudesse entrar para depois mostrar alguma coisa.

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Vingar na televisão era um sonho desde sempre?
Como apresentador, sim. Era o meu objetivo. Não sabia bem se era como apresentador, se era como comentador — eu sabia que tinha coisas a dizer às pessoas. Tinha de comunicar e sabia que ficar no Alentejo, trabalhar numa rádio e escrever num jornal era muito pouco. O meu objetivo era estar aqui, desde sempre. Em casa, brincava aos espetáculos, ao Festival da Canção, aos locutores de continuidade — se um dia fosse a um concurso sobre televisão, de 1990 para cá, ganhava seguramente.

© Diogo Ventura/Observador

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

E era mais difícil entrar na televisão naquela altura?
Muito mais difícil. Recuar 20 anos é não ter internet, não ter telemóvel, nada destas coisas. Não tinha carta de condução, vivia a 200 quilómetros de Lisboa e demorava muito porque não havia autoestrada sequer. Vinha de autocarro para fazer castings e depois voltava. Vinha e ia. Depois, durante anos, tivemos só dois canais. Vieram a SIC e a TVI, mas essas já tinham aberto com aquelas pessoas. Era muito difícil, mais ainda para quem vinha de fora e chegava a Lisboa completamente descontextualizado do que são as suas raízes. As pessoas falavam de uma maneira diferente, comportavam-se de uma maneira diferente, o meio era outro, as atitudes eram completamente diferentes. Quem chegava sentia-se um extraterrestre. Apesar de estarmos todos muito unidos porque Portugal é muito pequeno, há 20 anos éramos um Portugal muito, muito grande.

Sentia-se um extraterrestre, portanto?
Ainda me sinto, às vezes. Tenho casa no Alentejo e é para lá que vou nos fins de semana em que não trabalho. Mas sim, ainda me sinto um bocado extraterrestre. Havia coisas que as pessoas faziam, e que ainda hoje fazem, que são de menos ou são de mais, parece que não estão no tom certo. Fazia-me muita impressão, quando vim para Lisboa, que as pessoas adorassem ir ao Jardim Zoológico, por exemplo. Não só não gosto de ir ao Jardim Zoológico, como me faz muita confusão ver os animais presos. Não preciso de ir lá para ver animais, cresci no Alentejo e sei que as vacas andam no campo. Faz-me muita confusão que tenhamos de explicar a miúdos que o leite não vem dos pacotes e que os ovos saem das galinhas. Para mim, que venho do campo, isso sempre me pareceu uma coisa distante e estapafúrdia. As pessoas acham que adoro a cidade, nada mais longe da verdade. Eu gosto é do campo, da paz e do sossego. As pessoas daqui, não todas que não são todas iguais, têm as prioridades um pedacinho alteradas.

"O dinheiro nunca foi, e ainda hoje não é, um fator de decisão nas coisas que faço."

Foi um período de muita frustração?
Total, sempre. Nunca passei num casting e fiz para aí 400. Imagina o investimento no autocarro, as horas sem dormir, a expectativa… E eu é que tinha de telefonar para as produtoras para encontrar os castings. Depois, eram 400 pessoas e davam-me um número, não me davam a resposta. Chegava a casa, telefonava e pelo número que me tinham dado é que diziam se tinha ficado ou não. Imagina o que é fazer 200 quilómetros para cá, 200 quilómetros para lá e, no final, não ficar. Era muito chato. Às vezes, passava a uma segunda fase, porque calhava, vinha outra vez e depois não ficava. Nunca fiquei. Nas vezes em que fiquei a trabalhar, foi porque me disponibilizei para fazer aquilo. Tive muita lata. Aconteceu com o Nicolau Breyner, porque fui ter com a produtora. Eles devem ter tido pena e meteram-me lá. Aconteceu com o “Médico de Família” e depois com as “Noites Marcianas”. Mas nunca fiquei num casting, é muito frustrante.

Porque é que acha que não era escolhido?
Faço muitas vezes essa pergunta: porque é que nunca fiquei se sou tão bom? Acho que não consegui mostrar que era capaz de fazer aquilo. Mas explicava — chegava a casa e escrevia uma carta à mão a explicar porque é que me tinham de escolher e mandava. E também pedia justificações quando não me escolhiam. Não me davam, claro. Não era o meu momento. E eu fazia tudo, inventava tudo, sabia fazer tudo — dizia que sabia andar a cavalo e nunca tinha montado na vida, dizia que sabia falar inglês, dizia que sabia nadar, dizia que sabia fazer um milhão de coisas que não sabia. Queria chegar ali porque sabia que, se chegasse à frente das pessoas, ia conseguir mostrar-me tal e qual como era. Só que não dava. Encontro muitas vezes uma pessoa que me fez muitos castings na altura, a Patrícia Vasconcelos. Ela tem coisas minhas de quando tinha 16 e 17 anos e hoje diz-me: ‘Sabia que ias conseguir, mas não era por ali’. Talvez também não estivesse a ir aos mais indicados — fui a um casting para o “Clube Amigos Disney”, imagina. Mas o caminho é mais saboroso assim.

Cláudio Ramos com a filha, Leonor, em 2004 © Imagem cedida por Cláudio Ramos

Em que momento é que a possibilidade de ter uma carreira na televisão pareceu mais distante?
Nunca achei que não ia chegar aqui. Sempre soube que ia ser muito difícil, mas tive uma maior perceção dessa dificuldade quando já cá estava. Quando faço as duas séries das “Noites Marcianas” com tanto sucesso, aquilo acaba e penso: “E agora o que é que vou fazer?”. Já tinha dinheiro, já tinha o reconhecimento das pessoas e precisava de uma limpeza de imagem para mostrar que não era só aquilo. Mas como é que ia fazer isso? O que é que ia fazer? Voltava para casa ou ficava à espera? Foi outra batalha, mas sempre a trabalhar, nunca deixei de trabalhar desde que me estreei, nunca saí do ar. Consegui descobrir o meu caminho, ter os projetos que queria. Não fiz tudo o que queria fazer e fiz coisas que não queria, porque tinha de comer e de pagar a renda. É muito difícil mantermo-nos cá com alguma coerência, ir para a cama com aquela certeza de que fizemos um bom trabalho, de que estamos a crescer e de que fizemos coisas novas. É porque, enquanto não chegamos cá, estamos na expectativa de chegar. Quando chegamos, um passo mal dado pode deitar tudo a perder. Isso é o mais difícil de gerir.

A sua infância e adolescência foram tempos pouco desafogados, financeiramente falando. Já em Lisboa, o primeiro ordenado vindo da televisão teve um gosto especial?
Não, nunca liguei ao dinheiro. Quando vim trabalhar para Lisboa, ganhava um absurdo. Saí de casa muito cedo, com 15 anos. Aos 16, comecei a trabalhar num jornal e ganhava 60 contos, o equivalente a 300 euros, a vender publicidade. Depois, ganhava 20 contos na rádio. Para a época, já me conseguia orientar. Tinha de ter estes trabalhos em part-time para poder vir a Lisboa fazer castings. O que me surpreendeu nas “Noites Marcianas” — porque na “Casa em Fanicos” ganhava quatro contos por dia — foi o valor que se pagava. Naquela altura, não pensava em fazer televisão por dinheiro. A Paula Moura, a produtora, não me disse o valor, mostrou-mo num papel. Aceitei, mas pensava que era o valor de um mês, quando era o valor de um dia. Depois, comecei a vir duas vezes por semana, depois três, logo, ao fim do mês, recebia uma quantia elevada, pelo menos para um miúdo. Mas o dinheiro nunca foi, e ainda hoje não é, um fator de decisão nas coisas que faço. Dá-nos o conforto e serve apenas para não nos termos de preocupar com ele, para não termos de ir ao multibanco perceber se podemos ir jantar fora. Como sei o que é, prefiro não passar por isso. Tenho sido muito orientado porque também sei que amanhã posso ganhar menos. Mas a televisão não se faz por dinheiro.

"Em televisão, nunca ninguém falou sobre famosos bem, com coerência. Eu abri a porta para se fazer isto bem feito e, ainda hoje, ninguém o faz bem feito. Se era isto que queria fazer? Não, não era."

Se não foi com o dinheiro, com o que é que se deslumbrou?
Com nada. A única coisa com que me deslumbrava era com o facto de estar ali, dentro da televisão. Adorava. Não gosto de me ver na televisão, mas gosto da magia da televisão. E todas as pessoas que trabalham em televisão gostam de ser, de alguma maneira, apreciadas. Pode ser pela negativa, mas gostam. Há várias fases: tens de chegar, depois tens de abanar e tens de perceber que vais criar reações. Uns vão gostar muito, outros vão gostar pouco, mas tu vais estar muito pouco preocupado com a unanimidade geral — não me preocupa nada isso. Depois, vais ter uma linha coerente, mesmo que as pessoas não gostem. Depois, começas a perceber porque é que não gostam — não gostam do teu trabalho ou não gostam de ti? Dava-me algum gozo manter duas personagens — aquele que sou e aquele que passava na televisão e que as pessoas achavam que era. Mas nunca passei por uma fase de deslumbramento. Se calhar, porque sei exatamente o sítio de onde venho. Se calhar, porque vou para o Alentejo muitas vezes, vou ter com os meus irmãos, com a minha família, com os meus amigos. E sei o que acontece às pessoas que se deslumbram. Fazia o meu trabalho, saía e ia para o Alentejo. Voltava, fazia o meu trabalho, saía e ia para o Alentejo. Foi sempre assim. Tinha um hotel para dormir, durante um ano, aqui em Lisboa e nunca dormi lá. Depois das “Noites Marcianas”, vou para o Canal 21 fazer um programa com a Luísa Castel-Branco. Saíamos à meia-noite e ia para o Alentejo.

Não gostava de Lisboa?
Não era não gostar. Nada me ligava aqui. Agora tenho algumas pessoas, mas na altura não tinha amigos. Sempre achei que as pessoas que se aproximavam não eram, de facto, amigos. Aquele meio obrigava-te, na altura, a frequentar alguns sítios, para apareceres ou porque te mandavam estar. Mas não me identificava, preferia voltar para casa. O meu objetivo já estava cumprido. Com o tempo começas a perceber que, de facto, tens de ir a alguns lugares e que o melhor é teres uma casa em Lisboa e assim as coisas foram indo devagarinho. Mas deslumbramento nunca, apesar de saber que as pessoas acham que me deslumbrei imenso.

Estava muito na defensiva para um rapaz de 25 anos que tinha acabado de chegar a este meio.
Porque vinha com uma bagagem grande. Sabia que o meu objetivo era aquele e que queria trabalhar para um futuro. Tive sempre os pés bem assentes na terra e foi sempre muito claro que não queria noite, nem festas, nem discotecas. Era muito tímido, muito reservado e era complicado para mim.

© Diogo Ventura/Observador

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Olhavam para si como um bicho do mato?
Olhavam sempre para mim como um saloio. Lembro-me perfeitamente de ter colegas nas “Noites Marcianas” que olhavam para mim como o saloio. E ouvi-os mesmo dizer isso. Era um miúdo que vinha do campo para fazer um trabalho que, ainda por cima, era mais bem feito do que o deles, que era muito mal feito, regra geral. Eu falava com um sotaque muito alentejano, como ainda falo quando estou ao telefone com alguém de lá. Eles perguntavam: “Como é que um miúdo do campo vem aqui, dá tanto nas vistas e depois é bichinho do mato?”. Não mantive nenhuma relação com aquelas pessoas, não me interessavam para nada. Não eram pessoas, eram instrumentos de televisão. A única pessoa com quem mantenho relação é com o Daniel Nascimento. Aproveitei para aprender com os colaboradores que lá estavam — a Helena Sacadura Cabral, a Rita Blanco, a Júlia Pinheiro… Vinha sempre como se viesse para um curso: se tinha de estar às 11 da noite, chegava às sete da tarde e ficava a perceber como é que eles se movimentavam. E via muita televisão estrangeira, para ir buscar coisas para aplicar aqui.

Diz que não gosta de se ver na televisão. É uma questão de insegurança?
Muito inseguro, sempre. Sei que faço tudo muito bem, mas não gosto de ver porque vou encontrar milhões de defeitos. Agora, com “O Programa da Cristina”, o realizador obrigou-me a ver — diz que só vendo é que consigo perceber o que está bem feito e o que está mal feito. Na primeira semana vi todos os dias, mas já deixei de ver. Acho que estou saturado de me ver tantas vezes na televisão.

Falou na importância da coerência no trabalho. Como é que vê a sua participação no “Big Brother”, em 2002?
Fez todo o sentido, foi a melhor coisas que podia ter feito. Não me arrependo nada. Tinha saído das “Noites Marcianas” e a minha imagem era a de um miúdo do campo maldizente — o meu objetivo era atacar as pessoas, porque era a maneira que tinha de, conhecendo o formato original, sobressair no meio daquela gente toda. Nem sequer era “Marciano”, era um colaborador que meteram ali à pressão. Estou convencido de que me acharam graça, depois de ter enviado a cassete ao Rangel. Quando apareceu a oportunidade de fazer o “Big Brother Famosos”, já tinha visto o primeiro, em que entrou a Cinha Jardim, minha amiga. Ganhava-se bom dinheiro na altura e era uma oportunidade de mostrar às pessoas que não era só aquela pessoa das “Noites Marcianas”. Entrei, basicamente, por causa disso e consegui. Fiquei em terceiro lugar e saí como líder de popularidade —  ganhou o Vítor Norte, em segundo ficou a Ruth Marlene. Fui nomeado todas as semanas, porque não me suportavam, claro. Mas foi, seguramente, uma das melhores coisas que podia ter feito na vida. Voltava a fazer, não hoje que tenho uma filha e não tenho necessidade, mas se voltasse atrás, fazia. Faz-me muita confusão ver pessoas que participaram num programa destes negarem que ele serviu como um alicerce de carreira. Tenho no meu currículo. Tenho muito orgulho, até porque achei que não era capaz de ficar ali metido em casa com aquelas pessoas. Fiquei, chorei, berrei, só não ficava triste quando alguém saía ou desistia. Quando isso acontecia, ficava mais perto da final.

"Há milhões de imitações de Cláudio Ramos — se ligares a televisão, vais perceber que há muita gente a querer ser o Cláudio Ramos, a querer falar como eu, mas que não consegue."

Tinha um plano B, caso não se aguentasse na televisão?
Sempre tive e ainda tenho. Era muito esperto, tinha uma agência de publicidade. Trabalhava num jornal, mas não podia fazer um horário normal. Então, comprava as páginas com o meu dinheiro e explorava-as em publicidade. Uma página custava 35 contos e um quarto de página de publicidade era, por exemplo, 15 contos. Se vendesse os quatro quartos já ficava a ganhar praticamente o dobro. Já tinha uma empresa que faturava a publicidade, uma agência na altura. Dominava uma espécie de banco publicitário local. E não deixei de trabalhar na rádio, até ao limite. Deixava as coisas gravadas. Tinha os meus patrocinadores lá, a quem cobrava, porque também comprava espaço à rádio. Era disso que ia viver, até hoje, se lá continuasse. Era o Notícias de Elvas e, mais tarde, o Linhas de Elvas, que ainda hoje existe. Dominava o meio todo e era muito despachado. Tenho muita conversa ao telefone.

Depois do “Big Brother”, iniciou uma carreira como comentador social. Era o que lhe dava gozo ou era simplesmente o lugar por ocupar em Portugal?
Todos os dias me perguntam: “Gostavas de ser comentador social?”. A minha resposta é não. Em Portugal, existia gente que ia escrevendo sobre famosos, mas nunca ninguém escreveu sobre famosos bem, muito menos em televisão. Em televisão, nunca ninguém falou sobre famosos bem, com coerência. As pessoas falavam: “Ah sim, leva uma saia azul. Ah sim, faz bem”. Eu abri a porta para se fazer isto bem feito e, ainda hoje, ninguém o faz bem feito. Se era isto que queria fazer? Não, não era. Mas, se era a forma de conseguir chegar onde estou, então era para fazer bem. Aprendi muito, estudei muito, percebi muito bem como se fazia.

Há milhões de imitações de Cláudio Ramos — se ligares a televisão, vais perceber que há muita gente a querer ser o Cláudio Ramos, a querer falar como eu, mas que não consegue. Tens de conseguir duas coisas: empatia com as pessoas — perceber que não é só chegar ali, sentar e falar — e estar minimamente preparado. As pessoas para quem falas têm de ter confiança em ti e as pessoas de quem falas têm de ter confiança em ti. Estou dos dois lados da barricada, sei muito bem como isto funciona, sei como funcionam os famosos, sei o que é que acontece para se chegar a um determinado lugar — é meter tudo numa Bimby, embrulhar muito bem e dar ao espectador. Claro que, hoje, não faço o trabalho como fazia nas “Noites Marcianas” ou na “Tertúlia Cor-de-rosa”, onde era disparar, disparar, disparar. Choca-me que haja pessoas a fazer isso hoje, como se tivéssemos parado no tempo. Sei que é muito presunçoso, mas é a verdade — o meu segredo sempre foi preparar-me muito para fazer um trabalho muito bem feito. Em televisão, ninguém faz um trabalho tão bem feito, nesta área, como eu.

O que costuma falhar?
Fizemos as coisas mais bem feitas na análise mediática de famosos, nos últimos tempos. Em Portugal, as pessoas não sabem fazer, não têm capacidade, não têm memória. Para perceberes quem é, hoje, a Rita Pereira, tens de ter memória dela quando apareceu, porque há uma história. Para avaliar a Diana Chaves hoje, vou ter de ter memória de tudo. Eu tenho essa memória, porque crescemos e chegámos todos mais ou menos ao mesmo tempo. E se não tiver a certeza vou pesquisar e vou analisar. O mais importante é perguntar ao protagonista, perceber o lado dele e entender. Depois, uma coisa muito importante: filtrar aquilo que o espectador tem de saber. Há coisas que ele não tem de receber, porque não há a mínima necessidade de fragilizar aquela personalidade mediática. Não gostava que me fizessem o mesmo.

Já se arrependeu de ter fragilizado alguém?
Nunca. Quando estou a falar, lembro-me sempre de que posso ser eu do outro lado. E depois de ter tido uma filha, há 15 anos, penso sempre que posso estar a falar de alguém que tem filhos e que eles podem estar a ouvir-me. Tens sempre de te colocar do lado da outra pessoa. Agora, é claro que a outra pessoa vai ouvir coisas de que não gosta. Mas estou sempre com o meu telefone. Limito-me a passar uma verdade e tento perceber se é assim ou não que ela funciona. É claro que há gente que não gosta e que não vai gostar do que tenho para dizer, mas paciência, estou aqui principalmente para agradar ao espectador. Ainda assim, há uns que não gostam e nós temos de aguentar. Isto é um jogo, se estivermos todos de acordo ganhamos todos.

"Mas sinto, sobretudo de há cinco anos para cá, que as pessoas estão absolutamente rendidas ao meu trabalho. Às vezes até assustadoramente unânime, devo estar a fazer alguma coisa mal."

Parece frágil esse equilíbrio entre respeitar os envolvidos e informar os espectadores.
Ao espectador só interessa o que lhe damos. Raramente avanço com uma informação, mesmo que a saiba, se não for avançada pelos protagonistas ou por vontade dos protagonistas ou pela imprensa — e aí, limito-me a comentar. O que é que me adianta dizer que a Maria dormiu com o Manel, sendo que o Manel é casado com a Joana? Não me interessa para nada e ao espectador também não interessa. Nós é que o educamos. Se na imprensa sair esta história, cabe-me analisá-la da melhor maneira possível. Tenho duas maneiras: ou vou fazer com que ela seja pior do que é ou vou tentar livrar as partes, a que traiu, a que foi traída e o homem que anda lá pelo meio. Consegues fazer isso porque as pessoas não são todas boas nem todas más. Porque a puta que é puta não é só puta, há ali outra coisa. E o cabrão que é cabrão não é só cabrão, tem ali outra coisa. É como todos nós. E esse é o truque para continuar aqui, depois de tanto tempo — aprendi que não vale a pena mandar um balde de água gelada à cara do espectador. Se for quente também não, porque ele vai queimar-se. Água morna é o ideal. É como fazem os chefs, vão temperando. Vais agradando aqui, agradando ali, sem nunca deixares que uma parte ou outra coma o teu carácter e a tua maneira de ser. Não te transformes num moço de recados.

Mas há coisas que hoje não diria?
Há muita coisa que não diria, claro. Estou sempre a pensar no que fiz, no que disse, no que escrevi. De vez em quando, na internet, aparece “Cláudio arrasa…”. O verbo “arrasar” é o verbo mais associado a mim, com coisas que às vezes não fazem sentido. Mas é o jogo, sei como é que as coisas funcionam e nunca me vou insurgir contra isso. Só que também sei que tudo o que fiz e que disse foi um meio para estar aqui hoje. Se não o tivesse dito e feito, não sei se estava aqui agora. Nunca nada foi muito a despropósito, se calhar algumas coisas deviam ter sido dois tons abaixo, não agora, mas há dez anos. Mas não há nada de que me arrependa profundamente. Em algumas coisas, talvez baixasse o tom.

© Imagem cedida por Cláudio Ramos

E sabemos que as redes sociais, hoje, são uma espécie de mata imprensa, porque se sobrepõem ao que a imprensa costumava fazer. Não se pode expor a vida na internet, achar que fica por ali e ficarmos muito indignados quando a imprensa pega no que fazemos. Sabemos que vão fazê-lo, não somos burros. Quando qualquer um de nós, sobretudo as celebridades, colocam uma fotografia na internet, fazem-no para gerar uma reação, porque somos seguidos por muitas pessoas e queremos agradar-lhes. Isto é uma pescadinha de rabo na boca e um negócio, onde estamos todos incluídos. O que me faz muita impressão é que nem todos tenham a coragem de assumir, como assumiu a Jessica Athayde, há muito pouco tempo, que disse que as polémicas que ela alimenta na internet são também uma maneira de rentabilizar a sua imagem. É um dado adquirido, foi ela que o disse. Temos todos de perceber que isto é verdade. Não é um crime, é um negócio.

Já foi mais odiado do que é hoje?
Agora até é estranho porque é quase unânime as pessoas gostarem de mim. Mas sim, já fui muitíssimo odiado. Nunca me fez nenhuma diferença, só não queria ser indiferente, isso é que me faz confusão, aquela coisa cinzenta. Mas sinto, sobretudo de há cinco anos para cá, que as pessoas estão absolutamente rendidas ao meu trabalho. Podem não gostar, atenção. Sinto que, nos últimos cinco anos, é quase unânime. Às vezes até assustadoramente unânime, devo estar a fazer alguma coisa mal.

Ao fim de 20 anos de carreira e com um nome que toda a gente conhece, acha que merecia ter um lugar mais privilegiado na grelha de um canal de televisão?
Não sei. Fazem-me sempre essa pergunta. Serei, talvez, a única pessoa em Portugal que está há 20 anos consecutivos em antena, sem sair. Passei por todos os diretores da SIC, fiquei em todos os programas. Alguns não me queriam lá, é certo, mas a minha presença era absolutamente indispensável para o projeto. Mas tenho consciência de que alguns diretores da estação não me queriam na antena e foram obrigados, entres aspas, a meter-me lá. De há oito ou nove anos para cá, sinto-me perfeitamente confortável. Sou muito da opinião de que não podemos estar todos a fazer a mesma coisa e de que é um privilégio trabalhar naquilo que se gosta. A estação confia absolutamente em mim, de outra maneira não tinha substituído a apresentadora principal da estação, a Júlia Pinheiro, nas férias e depois na sua ausência. Foi um voto de confiança da própria e depois do Daniel Oliveira, quando assume a direção. Ao mesmo tempo, estou a fazer o programa âncora da SIC Caras. Ia mentir se dissesse que nunca me passou pela cabeça: “Ah, porque é que não me dão um programa?”. Mas o meu sonho não é fazer prime time. Nunca sonhei apresentar os “Globos de Ouro”, nunca sonhei apresentar o “Ídolos”, nada disso. Sempre sonhei fazer day time, que é o que estou a fazer agora. E sonhei muito, durante muito tempo, apresentar o Big Brother.

Nunca se sentiu à sombra das grandes comunicadoras? Falo da Júlia Pinheiro, da Fátima Lopes, agora da Cristina Ferreira.
Nunca senti isso. É muito importante perceber que o programa tem três horas e tu podes brilhar em cinco minutos o que não vais brilhar em três horas. E se nós dissermos nomes de pessoas que têm programas de três, de duas e de cinco horas e dissermos o meu, é fácil fazermos uma avaliação. Não tenho nenhum problema com isso.

Mas acha que é capaz de brilhar durante três horas?
Não tenho dúvida nenhuma. No último ano, tive de fazê-lo e faço-o todas as noites do Passadeira [Vermelha]. Não acho que o não estar a fazê-lo, ou o não estar a escalar para isso, tenha a ver com as competências. Tem a ver com outras escolhas. A estação entende que aquelas pessoas têm de estar naquele lugar e é ali que fazem falta à antena. Quando tu tens um contrato com uma estação, tens de entender onde és preciso na antena, porque ela tem 24 horas.

"E se aparecer um homem bonito e quiser dizer: 'Epa, grandes abdominais'? Não poder dizer isto é não estar a fazer televisão de verdade. Sentia-me preso."

Nunca viu essas escolhas como uma desvalorização profissional?
Não, sou muito positivo. Nunca vejo assim. Já vi coisas feitas na televisão em que pensei: “Eu faria isto melhor”. Mas também sei que ninguém conseguiria fazer o que faço e que seria muito difícil para a estação colocar alguém a fazer o que eu fazia até agora. Quando fazes muito bem uma coisa, é muito difícil alguém conseguir tirar-te daquele formato, porque é difícil encontrar alguém para colocar ali. Não gosto de ser o protagonista da televisão, gosto sempre de dividir. É muito mais prazeroso, é mais bonito para o espectador, sais mais realizado e dá-te menos trabalho.

Está a tentar descolar-se do papel de comentador social para prevalecer como apresentador?
Já não me vejo assim. A partir do momento em que a estação me coloca a fazer coisas que não só o cor-de-rosa, não tenho necessidade de mostrar às outras pessoas o que sou capaz de fazer. Tive durante muito tempo a necessidade de mostrar aos meus diretores que conseguia fazer outras coisas. Quando eles me confiam outras coisas, como fazer os especiais de fim de semana, os especiais do dia inteiro, entrevistas fora do âmbito cor de rosa, ou substituir apresentadores, já estou descansado. É a eles que tenho de mostrar que sei fazer outras coisas, não é ao público. O público depois vai gostar de ver ou não. Deixar de fazer cor-de-rosa para passar a ser o “vizinho”? Não, porque gosto e não tenho vergonha nem pudor das coisas que me fizeram chegar até aqui.

Mas incomoda-o que, apesar de fazer outras coisas, a sua imagem seja, predominantemente, a de um comentador cor-de-rosa?
Não, senão não fazia. Apresento um programa na SIC Caras, da minha autoria, chamado “Contra Capa”, porque quero. Podia chegar ao pé do diretor e dizer: “Olha, não é a altura para fazer isto”. Tenho muito orgulho em tudo o que faço. Não sou daquelas pessoas que faz uma coisa para ganhar dinheiro, mas que acha que aquilo não é bom, que é melhor esconder e fazer de conta que não aconteceu. Pessoas que tiram relações estranhas da biografia. Não, isto faz parte da minha vida. Gosto do que faço e sou muito bom. Prefiro mil vezes ser um rei a fazer o que faço do que um príncipe como tantos outros.

© Diogo Ventura/Observador

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Em 2015, assumiu publicamente a sua orientação sexual. No final do ano passado, fez uma publicação no Instagram em que assinalava os três anos dessa entrevista. Foi um marco ter feito essa revelação?
Ter revelado publicamente não foi um marco importante. As pessoas diziam: “Ai, saiu-te um peso de cima”. Não me saiu nada porque não tinha peso nenhum em cima de mim. Foi muito importante mostrar às pessoas e senti-me aliviado. Já falava com normalidade. Na altura, as minhas diretoras eram a Júlia Pinheiro e a Gabriela Sobral e ambas sabiam, obviamente, a minha orientação sexual. E já estava com mais destaque no programa da manhã. Sabia até onde podia ir para chegar às pessoas. Temos de perceber que também era um público muito conservador e é preciso fazer as coisas com alguma cautela, fomos sempre fazendo aqui e ali.

Quando fui convidado pelo Daniel [Oliveira] para o Alta Definição, não sabia o que ia dizer porque, obviamente, não sabia as perguntas. Aquilo sai-me numa conversa normal. Não voltei a ver a entrevista, mas acho que nem o Daniel me pergunta se sou ou não homossexual. As pessoas é que começaram a olhar e a perceber que, se calhar, a minha história faz algum sentido. Senti-me mais aliviado por não defraudar quem me via. O meu medo era esse, embora ainda exista muita gente a achar que posso ser o marido da filha, o genro que gostavam de ter. Agora sou absolutamente transparente, mas havia sempre ali uma coisa que não era. Mas não me saiu nenhum peso de cima, nunca escondi. Os meus amigos sabiam, a imprensa sabia, quem me rodeava sabia. O que escondia na altura é o que escondo agora, porque não tenho necessidade nenhuma de apregoar com quem me deito e com quem me levanto.

Durante quanto tempo foi preciso gerir isso na televisão, esse trabalho de ver “até onde podia ir”?
A Júlia foi minha diretora de antena e foi minha apresentadora, estava a trabalhar com ela, era minha colega. Fazia o “Jornal Rosa”, estava com ela de segunda a sexta. Depois, ainda era coapresentador dela na ausência do João Paulo Rodrigues. Sempre tive uma liberdade de comunicação enorme com a Júlia. Também sempre tive uma referência muito grande no Manuel Luís Goucha e, depois de ter tornado pública a sua relação com o Rui, sempre pensei: “Se o Manel faz, é um claro exemplo de que outras pessoas podem vir a fazer”. Não que todas as pessoas devam vir dizer que são A, B ou C, acho que ninguém tem obrigação.

Mas é poder estar a enganar o público com o simples facto de aparecer uma mulher bonita e eu: “Que mulher! Casava com ela!”. É mentira, não casava. E se aparecer um homem bonito e eu quiser dizer: “Epa, grandes abdominais’? Não poder dizer isto é não estar a fazer televisão de verdade. Sentia-me preso. Fui, a pouco e pouco, conversando com a Júlia. É como se tivéssemos um cinto e o fossemos desapertando devagarinho para perceber até onde o público nos deixava ir. O que fiz, feito na altura errada, tinha surtido o efeito contrário, ou pelos menos não o que queríamos, que era a naturalidade. Para mim, é importante que as pessoas olhem para o Cláudio comentador e apresentador, para além da pessoa com quem se deita ou de quem gosta. É indiferente se gosta de homens ou de mulheres, é profundamente secundário e era isso que queria passar, espero ter conseguido.

Existe homofobia nos bastidores da televisão?
Acho que existe preconceito, mais do que homofobia. Se existe é disfarçada. Para essas coisas sou assim um bocadinho desligado. Acho que todos nós somos um bocadinho preconceituosos em relação a qualquer coisa, mesmo quem não diz que é. Existe preconceito, como existe nos correios, no banco, nas lojas. Mas a maneira que tenho de desarmá-lo é não lhe dar importância. É ignorar, pelo menos quando me toca a mim. Regra geral, quem ataca quer fazer-se notar, quer uma reação.

Ser figura pública acaba por resguardá-lo ou por expô-lo mais a esse preconceito?
Resguarda-me, ao contrário do que as pessoas podem pensar. Não têm coragem de fazer comigo o que naturalmente fazem com alguém que não seja conhecido. Mas se assistir a algum ato, desse ou de outro tipo de preconceito, seja onde for, vou lá. O pior é o preconceito camuflado, na tomada de decisões. Nunca o senti, tive essa sorte. Se aconteceu, passou-me ao lado. Juro que nunca senti nenhum tipo de preconceito em relação à minha sexualidade, nunca, com ninguém. Podem falar na rua, nas redes sociais, mas na pele nunca senti. Se calhar, tenho uma armadura muito forte. Mas há ataques — nas redes sociais existem, nos críticos e nos jornalistas. Lês uma crítica a meu respeito e o ataque está lá, inerente, escondido. Regra geral vem de quem é igualmente homossexual. Não sabe lidar e ataca, mas isso é sempre assim.

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