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Congresso Nacional em Brasília. No centro, a bandeira nacional e as bandeiras dos diversos Estados brasileiros
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Congresso Nacional em Brasília. No centro, a bandeira nacional e as bandeiras dos diversos Estados brasileiros

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Congresso Nacional em Brasília. No centro, a bandeira nacional e as bandeiras dos diversos Estados brasileiros

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Combater a corrupção no Brasil é cada vez mais difícil. "Hoje não seria possível uma Lava Jato"

O Brasil tem vivido retrocessos no combate à corrupção. Dois procuradores explicam como os erros da Lava Jato, o enfraquecimento das instituições e as alterações legislativas ameaçam o trabalho do MP.

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Alterações à lei, enfraquecimento das instituições e constantes tentativas de interferência política. O combate à corrupção no Brasil tem sido estrangulado nos últimos anos, com uma reversão de muitas das conquistas recentes no país, e não existe no horizonte próximo um bom caminho — enquanto isso, a perceção é a de que a grande corrupção está longe de ter diminuído. Ao Observador, dois procuradores brasileiros — Roberto Livianu, em São Paulo, e Vladimir Aras, em Brasília — , defensores da Lava Jato, explicam que o que essa operação fez de positivo não seria possível fazer nos dias de hoje, mas salientam também que foram cometidos erros que têm de servir de exemplo futuro. Já o diretor executivo da Transparência Internacional Brasil esquematiza os problemas atuais do combate à corrupção, responsabilizando o Governo pelo desmantelamento de três eixos fundamentais: o accountability político, o judicial e o social.

Vladimir Aras é, além de procurador regional, professor da Universidade Federal da Bahia e do Instituto de Direito Público em Brasília, onde ensina o processo penal e temas ligados ao combate à corrupção. Garante que é impossível não reconhecer os grandes méritos que a operação Lava Jato — com a qual trabalhou indiretamente — teve. Mas também admite que agora, a esta distância, podem ser identificadas diversas falhas no processo. Algo com que Roberto Livianu, procurador de Justiça no Ministério Público do estado de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, concorda. E até vai mais longe: “Quando aconteceu a operação Lava Jato, a minha perceção a respeito de tudo aquilo foi positiva, porque não podemos ter um combate à corrupção apenas na dimensão dos miúdos, daqueles que desviam uma folha de papel da repartição. Você tem de ter o combate à corrupção daqueles que praticam a corrupção de grosso calibre”.

Lava Jato: um amplificador dos erros que sempre se cometeram com os pobres

Mas o que aconteceu a seguir não o deixa descansado. “Não podemos desconsiderar factos posteriores que são relevantes. O juiz que presidiu ao processo, por força de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, foi considerado parcial. E esse mesmo juiz [Sérgio Moro], que decidiu considerar o então candidato Lula ficha suja [pessoa com cadastro], resolveu exonerar-se das suas funções, sendo convidado para ministro da Justiça do candidato que beneficiou”, critica Livianu, também autor do livro “Corrupção”, lançado no início de 2018 e que tem prefácio de Sérgio Moro — na altura ainda juiz. O procurador conclui ainda que, ao aceitar o convite para ministro, Moro colocou um grande “ponto de interrogação” sobre o trabalho feito na Lava Jato e que isso “teve desdobramentos ainda piores”: “A versão que o PT construiu é bastante plausível, de que tenha havido a seleção de um alvo. A cada dia, a versão do PT passa a assumir ares de ter razoabilidade de ser verdadeira”.

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Sérgio Moro, ainda juiz, durante o interrogatório de Lula da Silva

Reprodução/Vídeo JFPR

Vladimir Aras, que é também primo do atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é da opinião que, em algum momento, as instituições terão de tirar ilações sobre tudo o que aconteceu nessa operação que era vista como o exemplo do combate à grande corrupção. Ao Observador, o magistrado disse falar enquanto professor universitário, considerando que é um assunto relevante até para a academia. “Vai chegar um momento em que o Ministério Público brasileiro, mas também o poder judiciário, deverão fazer uma autocrítica em relação à sua contribuição para certos eventos da vida nacional. E, evidentemente, no caso concreto da Lava jato, é preciso reconhecer [os erros], para ser justo, para não ser injusto, como muitos críticos costumam ser, dizendo  que nada prestou e que foi tudo um absurdo”, diz, reforçando que “grande parte do trabalho é muito elogiável, ao demonstrar as entranhas da corrupção no Brasil”.

E depois do reconhecimento dos erros, diz, é preciso que o Ministério Publico passe a ter “mecanismos de autodefesa institucional”, para evitar a repetição de violações — “não dos direitos de pessoas importantes, mas do direito de qualquer pessoa, seja um brasileiro comum, seja um indivíduo que pertence às elites económicas ou políticas”. Até porque, mais do que a questão da competência para julgar o ex-Presidente Lula, Vladimir Aras destaca “a suposta quebra de imparcialidade do juiz que o julgou” e que foi conhecida a posteriori: “Isso é algo muito importante, tanto no contexto europeu quanto no contexto brasileiro. E o Brasil tem sido muitas vezes alvo de reprimendas internacionais, exatamente porque nós não cumprimos os nossos deveres de investigação, de processo e de julgamento justo”. Sobretudo quando nos bancos dos réus estão os mais desfavorecidos, defende.

Vladimir Aras, procurador regional em Brasília, professor da Universidade Federal da Bahia e do Instituto de Direito Público

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Talvez em 2023, adianta, “com a institucionalidade do país restabelecida”, seja possível “iniciar esse debate, dentro das associações representativas da magistratura, do Ministério Público e da magistratura judicial, o que deverá ser encabeçado pelos chefes dessas instituições”.

As alterações à lei que enfraqueceram o combate à corrupção

Mas o enfraquecimento das instituições e os problemas do combate à corrupção nos dias de hoje têm outras causas, que não só as que decorreram diretamente da Lava Jato. Algumas são de raiz política.

Aras frisa que houve um retrocesso generalizado do “macro jurídico e da política institucional”. “No ano de 2019, o Presidente da República sancionou, em dezembro, uma lei nacional conhecida como pacote anticrime, que, embora tenha alguns aspetos positivos, tem vários negativos. Um deles foi ter enfraquecido as disposições legais que regulam a colaboração premiada, algo que é muito importante para a eficiência de uma investigação criminal em lavagem de capitais e em branqueamento de ativos.”

É por isso que, afirma, se fosse preciso lançar uma operação como a Lava Jato hoje, não haveria condições por parte do Ministério Público, da polícia, nem dos restantes órgãos competentes para combater a corrupção no país.

Conclusões acompanhadas pelo presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, que não tem dúvidas de que o atual Presidente “mente” quando diz que o país está melhor ao nível da corrupção. “Nós tivemos grandes e graves prejuízos na luta anticorrupção. Tivemos, por exemplo, perdas graves em relação à lei de improbidade — a principal lei que protege o património público no Brasil (a lei 8429 foi substituída pela lei 14230) e que é usada no dia a dia pelo Ministério Público para proteger o património do Estado. Essa lei foi destruída com o patrocínio da Presidência da República, a base parlamentar do Governo foi utilizada para que esta lei fosse destruída”.

Roberto Livianu, procurador de Justiça no Ministério Público do estado de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Além das alterações à lei, ambos os procuradores salientam ao Observador a tentativa de se aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição “de vingança contra o Ministério Público”. “Todos os corregedores são escolhidos pela própria instituição, todos, 100%. Mas eles queriam que o corregedor nacional do MP fosse escolhido pelo Congresso Nacional, queriam que, dos membros do conselho nacional do Ministério Público, a maior quota de conselheiros fosse escolhida pelo Congresso.”

Desmantelamento de três pilares: “O accountability político, o jurídico e o social”

Para Bruno Brandão, diretor-geral da Transparência Internacional Brasil, ao “atacar as instituições de controlo da corrupção”, o atual governo “desmontou o sistema de freios e contrapesos do regime democrático brasileiro, ou seja, o sistema de checks and balances“. Segundo a sua análise, isso aconteceu através do desmantelamento dos três pilares de accountability (controlo e fiscalização): o político, o jurídico e o social.

  • No campo jurídico: Para a Transparência Internacional Brasil, “Bolsonaro neutralizou os órgãos de controlo, mas em especial a Procuradoria-Geral da República, ao decidir nomear o Procurador de forma diferente da dos seus antecessores”. “Desde o primeiro governo de Lula, as nomeações do PGR eram feitas através de uma eleição da associação nacional dos procuradores da República, que indicava três nomes. Esses nomes mais votados eram apresentados ao Presidente da República para que ele pudesse indicar um. Bolsonaro interrompeu essa tradição e escolheu um, completamente subordinado. E, além disso, já trocou quatro vezes o diretor-geral da Polícia Federal.”
  • No campo político: Bruno Brandão defende que “este pilar foi neutralizado através da compra do Congresso Nacional pelo esquema de macro-corrupção do orçamento secreto — este esquema garante a sua impunidade, os esquemas de corrupção do PT, como o Mensalão e a Lava Jato, serviam para garantir apoio à governabilidade”. E acrescenta: “Atualmente dormem na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que é o grande senhor do orçamento secreto, 142 pedidos de impeachment de Bolsonaro”.

Sérgio Moro saiu da magistratura para ser ministro da Justiça de Bolsonaro

Getty Images

  • No campo social: Segundo o diretor-geral desta organização, o Presidente “busca desmantelar o pilar de controlo social ao decretar sigilos abusivos e retrocessos sem precedentes na transparência e no acesso à informação pública”. Além disso, “ao atacar constantemente a atuação da imprensa, principalmente da investigativa, e a sociedade civil, que realiza o controlo social, acaba por desmantelar os mecanismos que eram reconhecidos internacionalmente no Brasil de democracia participativa”.

Corrupção só aparece quando se sai do poder. O que esperar do futuro?

Jair Bolsonaro tem afirmado por diversas vezes que a corrupção não existe no seu governo, atacando sempre os vários processos e condenações de casos de corrupção da era do seu adversário nestas eleições, que foram investigados pela Justiça. Mas para Roberto Livianu “basta ter bom senso para perceber que a grande corrupção não acabou”: “Na história do uso do poder, nós nunca vamos saber as dimensões exatas da quantidade de corrupção que existe hoje, até porque temos um indivíduo que está no poder. Saberemos depois, quando não mais estiver no poder”. Mas há vários casos que permitem ter já uma perceção do que se passa, garante.

Juliana Sakai, diretora-geral da Transparência Brasil, concorda em absoluto com esta visão de não ser possível mensurar para já a corrupção, mas diz que a perceção que se tem da corrupção é a de que o fenómeno não abrandou. “Na verdade, como as construtoras pararam de ser uma fonte de corrupção, apostou-se em ir para outro lado. O negócio vai-se movendo, fecha de um lado e abre-se do outro. É difícil dizer quanto é maior ou menor. Mas o potencial [para haver corrupção] é muito grande”, sublinha, numa referência ao orçamento secreto.

Roberto Livianu lembra ainda que há mais indícios que permitem construir essa perceção: “Nós tivemos casos gravíssimos no âmbito do Ministério da Educação. Aliás, nós tivemos uma sucessão de ministro da Educação recorde no atual governo. Um ministro da educação [Milton Ribeiro] foi preso por corrupção e, na sua pasta, ao invés de serem encontrados livros, foi encontrada uma arma de fogo que disparou no aeroporto. E tivemos um outro ministro falsificador de currículo. Se você pesquisar o currículo dele, consta lá que ele foi ministro da Educação sem nunca ter tomado posse”.

Este procurador, que acompanhou ao detalhe todos os processos de corrupção da era PT, como o Mensalão e a Lava Jato, não está otimista quanto ao futuro, seja quem for que fique aos comandos do país. “É uma situação extremamente desconfortável. Qualquer que seja o desfecho, não trará uma situação confortável para o país. Falou-se no início desse processo em termos uma terceira via, mas isso acabou não se viabilizando”, comenta.

Já Vladimir Aras, ressalvando também não poder entrar em questões político-partidárias, lembra que é preciso que o Brasil assegure pelo menos os “padrões mínimos que tanto são reconhecidos na Europa quanto são reconhecidos internamente, no que toca à proteção internacional dos direitos humanos”. “A corte europeia de direitos humanos tem se manifestado por diversas vezes sobre a questão do sistema de Justiça na Polónia, na Turquia e na Hungria. O enfraquecimento do judiciário, do Ministério Público, enfraquece os direitos do cidadão. Então, qualquer que seja o desfecho, é importante que esses valores mínimos, inclusive apontados pelas Nações Unidas no Código de Conduta Judicial, sejam preservados: a independência, a imparcialidade e a eficiência. Valores fundamentais para qualquer Estado democrático de direito”.

Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, cumprimenta apoiantes depois de sair da cadeia, a 9 de novembro de 2019

Getty Images

Para Bruno Brandão, o horizonte está cheio de pontos de interrogação. “Com Bolsonaro haverá a continuidade desse processo de desmanche da luta contra a corrupção. E com Lula haverá um quadro de muitas incertezas, porque a experiência do governo Lula foi paradoxal.” Se, por um lado, diz, foi graças às políticas implementadas pelo ex-Presidente que se deu “um salto na capacidade de enfrentamento da corrupção e da impunidade”, por outro coexistiram “esquemas de macro-corrupção durante os governos do PT, continuando aquilo a que sempre se assistiu na história da política brasileira”.

Outro dos pontos que gera incerteza num mandato Lula, acrescenta, é como será feita a discussão sobre o controlo e a fiscalização do Ministério Público. “O controlo do MP é necessário e a instituição tem muito a responder na ponta de baixo, na atuação em relação às populações pobres, que sofrem com um punitivismo exacerbado, violador crónico e sistémico de direitos individuais, liberdades e garantias. Mas as propostas de mecanismos de controlo do Ministério Público que têm surgido até então são de controlo político e não de controlo democrático”.

E um controlo político, defende, seria uma tragédia. “Imagina, na Amazónia, um procurador que está lá lutando contra a máfia de desmatamento ou invasão de terras indígenas, ter de lutar contra retaliações do conselho nacional”. Para que isso nunca aconteça, é necessário estudar um controlo que passe por “dar transparência — o MP é das instituições mais opacas –, reformar o sistema disciplinar do Ministério Público, acabar com o racismo institucional e que as queixas dos que estão na base cheguem a quem tem capacidade de análise, por exemplo, através de uma ouvidoria”.

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