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Como a pandemia influenciou (e está a mudar) as plataformas de "online dating"

Nos meses do confinamento, a pandemia marcou o "online dating": fez parte da conversa e impulsionou a criação de novos registos. As apps de encontros estão a reinventar-se e o futuro passa pelo vídeo.

Ana* já tinha usado aplicações de encontros no passado, mas o confinamento com a família em Portugal, longe da cidade alemã onde atualmente mora, fê-la encontrar-se uma vez mais com o Tinder. “No início do confinamento voltei a falar com o meu ex-namorado. Percebi que isto foi uma ‘trend’ e, depois, o motivo por não estarmos juntos tornou-se óbvio outra vez. O ‘trigger’ para instalar o Tinder foi esse, bem como o facto de estar aborrecida. Estava com a família e senti imensa falta de ter aquele lado mais social que a minha vida normalmente tem”, conta ao Observador. Aos 30 anos, Ana faz uma observação curiosa: muitos dos perfis no Tinder, onde as pessoas normalmente têm uma descrição pessoal, falavam agora da pandemia. “Houve várias pessoas que adaptaram essas descrições dizendo que só queriam falar com alguém porque estavam aborrecidas.” A conversa comum no Tinder passa por “Onde é que estás? Onde é que moras? Como é que é a tua vida?”, que durante o confinamento mudou com a pergunta principal a ser “O que tens feito?”.

Mas se foi o aborrecimento que levou Ana ao Tinder, foi também o aborrecimento que a afastou da aplicação que, volta e meia, vai usando. “A certa altura as conversas não evoluíam. Quando já contaste a tua vida — que sim, que estás a trabalhar por casa —, a não ser que tenhas um ‘match’ incrível, é difícil… No Tinder a conversa é sempre um pouco mais leve e eu já não tinha nada para dizer: não ia a lado nenhum e a rotina era aborrecida. Sinto que as conversas não se aprofundaram mais por causa disso.”

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Se houve quem entrasse no mundo das aplicações para afugentar o aborrecimento durante a quarentena, houve quem arriscasse primeiros encontros com o fim do desconfinamento. “Esquece lá o típico beijo na cara de apresentação”, comenta Pedro*, de 32 anos, ao Observador. Em altura de pandemia “não há grande intimidade” numa primeira reunião a dois, “pelo menos até perceberes que a outra pessoa tomou cuidado no período da quarentena”. Nos encontros, diz Pedro, não houve necessidade de usar máscaras porque os programas eram quase sempre no exterior, “o que acaba por ser giro porque muda o paradigma de um primeiro encontro ter de ser um jantar”. Quanto ao distanciamento social, esse é “quase automaticamente ignorado”.

“Esquece lá o típico beijo na cara de apresentação”, comenta Pedro*, de 32 anos, ao Observador. Em altura de pandemia “não há grande intimidade” numa primeira reunião a dois, “pelo menos até perceberes que a outra pessoa tomou cuidado no período da quarentena.”
Pedro, 32 anos

“Acho que só houve uma pessoa que conheci num jantar, mas antes fomos ver o pôr do sol, sem máscaras. Beijos na boca, num primeiro encontro, o que às vezes até seria normal, não aconteceu com ninguém e acho que não aconteceria mesmo que houvesse química. Agora espera-se mais um pouco para se ter a certeza do que a pessoa andou a fazer, para se ganhar alguma confiança”, continua, constatando que, muito provavelmente, as pessoas estão mais seletivas.

De resto, a pandemia acabou sempre por surgir em conversa, com cada um a contar como a quarentena foi vivida. “A conversa surge mais até para a outra pessoa se sentir com confiança. Não acho que tenha dominado os assuntos e acho que esse tema surge quando estás frente a frente com as pessoas e não quando estás a falar com elas na aplicação.” Pedro diz que está o “mínimo de tempo possível” nestas aplicações, uma vez que migra as conversas para outras plataformas, como o WhatsApp e o Instagram. E isso não mudou com a Covid-19.

Questionada sobre a forma como a pandemia influenciou os relacionamentos, a psicóloga clínica e terapeuta familiar Catarina Mexia diz que a primeira palavra que lhe ocorre é “estranheza”. “Somos pessoas muito calorosas, que se beijam, abraçam, demonstram de forma muito física o prazer de estar com o outro. Por outro lado, o toque é uma das componentes fundamentais na expressão de sentimentos e emoções desde muito cedo no nosso desenvolvimento. As restrições que a pandemia impõe introduzem uma artificialidade no contacto, uma distância que para alguns é muito difícil de gerir. Para outros, uma bênção“.

Ao Observador refere ainda que o “online dating” pode ser uma forma poderosa no combate ao isolamento e à timidez, além de ter sido uma ferramenta eficaz para manter o contacto durante o confinamento. “Entabular conversações com pessoas no Tinder e outras apps do género ajudou muitas pessoas, que sentiram solidão, a alegrar os seus dias.” Pessoas que, muitas vezes, estavam apenas à procura de um amigo ou de um conforto, “mais do que uma relação com características amorosas ou sexuais”.

Mexia fala ainda de como no passado muitas relações sólidas começaram na troca de cartas e que não há muito tempo o mesmo acontecia em salas de chat, como no Facebook ou no Hi5. “O tempo tem mostrado que não só foram veículos muito úteis, como deram origem a relações duradouras e felizes para muita gente.”

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© Andrii Shyp/iStockphoto

586.917 mensagens com referências à pandemia

Entre março e abril, os meses de confinamento obrigatório em Portugal, mais 11.900 pessoas registaram-se na plataforma Felizes.pt, página portuguesa criada em 2015 e direcionada para solteiros que conta com mais de 200 mil inscritos (apesar de haver mais homens, as mulheres são os utilizadores mais ativos, sendo que a idade média é de 40 anos e a principal origem são os grandes centros urbanos, como Lisboa ou Porto; 8,3% dos novos utilizadores são do Brasil).

Os números apontam para um crescimento de 27% face a igual período do ano passado e constam de um relatório recentemente divulgado, da autoria do ISCTE Media Lab em parceria com o Felizes.pt. Com o nome “Influência da pandemia COVID-19 nas plataformas de online dating”, o estudo revela dados interessantes que ajudam a interpretar o comportamento de alguns portugueses durante o período em que ficaram fechados em casa.

Também os acessos ao Felizes.pt aumentaram 19% em março e abril face ao mês de fevereiro, ou seja, de 634 mil acessos para mais de 806 mil em maio, com o tempo médio de cada sessão, por utilizador, a ser de 19 minutos. Tempo que se enquadra nos valores médios já antes apresentados noutras investigações, o que sugere dois cenários possíveis: que em casa a prioridade terá sido outras tarefas ou atividades ou que, na fase da descoberta, os utilizadores poderão ter partilhado outras formas de contacto, como Facebook Messenger ou o WhatsApp, migrando as conversas para essas plataformas.

O tema da Covid-19 vai da presença nos perfis dos utilizadores à troca de mensagens, com as mulheres a revelarem mais preocupação com o coronavírus — mencionaram-no 65% das vezes — por comparação com os homens (35%). 

Ao aumento de registos e de acessos na plataforma, acrescentam-se as menções feitas à pandemia de Covid-19. O tema vai da presença nos perfis dos utilizadores à troca de mensagens, com as mulheres a revelarem mais preocupação com o coronavírus — mencionaram-no 65% das vezes — por comparação com os homens (35%). Num universo de quase 15 milhões de comunicações enviadas na plataforma, 586.917 mensagens tinham menções à Covid-19, o que torna seguro dizer que, em certos aspetos, a pandemia fez parte da conversa e até impulsionou a criação de novos perfis.

Interessante é também verificar que o consumo dos utilizadores revela que os dias em quarentena tornaram-se, de certa forma, todos iguais. Isto é, o tempo dedicado ao site foi o mesmo durante os dias de semana e o fim de semana. No relatório lê-se que a plataforma começou a verificar menções às palavras Covid-19 ou coronavírus em fevereiro, “atingindo o seu pico entre finais de março e início de abril”.

A plataforma assume que durante o confinamento tornou-se “uma forma de entretenimento que substituiu jantares e idas ao teatro ou ao cinema, durante a semana”. Um outro estudo elaborado pelo ISCTE Media Lab, “Online dating em tempos de Covid-19”, já antes tinha referido que o isolamento social fez com que os utilizadores destas plataformas reinventassem os seus encontros, “reproduzindo online, e com recurso a outros formatos como as videochamadas, situações que, antes da pandemia, aconteceriam pessoalmente (jantares, assistir a séries, jogar…)”.

Considerando os desafios que a pandemia apresenta para o “online dating”, Rui Sousa, fundador do Felizes.pt, esclarece ao Observador que a chegada da Covid-19 exigiu uma adaptação do negócio. Assim, a plataforma criou uma conta de Instagram, onde publica “frases inspiracionais” e testemunhos de casais que se encontraram no site, tornou-se mais ativa no Facebook e criou ainda os “felizgramas”, “telegramas de amor através do Instagram.” Perante uma muito temida segunda vaga, Rui Sousa confirma também que a plataforma está a preparar uma nova funcionalidade para que os utilizadores possam apresentar-se através da voz. A ideia de incorporar videochamadas é, por enquanto, uma ideia, uma vez que neste momento não é uma “opção viável”. Ainda assim, Rui Sousa diz que estão a “estudar alternativas para possibilitar interações mais divertidas através de parcerias com serviços de speed dating virtual”.

“Da nossa experiência, os meses mais frios trazem um maior número de novos utilizadores e de mais acessos ao site e este ano estimamos um aumento ainda maior. Não só as pessoas estarão mais em casa devido ao frio e à chuva mas, se se vier a verificar uma segunda vaga da pandemia Covid-19, acreditamos que as pessoas irão recorrer mais ao Felizes.pt, tal como aconteceu em março”, afirma.

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© Rinat Khairitdinov/iStockphoto

Videochamadas e livestream são a grande aposta

Num artigo datado do final de maio, publicado na CNBC, lia-se que antes da pandemia os downloads das 15 aplicações de “online dating” mais procuradas estavam a “diminuir globalmente”, além das investigações que davam conta de que o “swipe” — forma de escolher pessoas associada ao Tinder — deixava as pessoas mais solitárias. A chegada em força da Covid-19, pelo menos tendo em conta algumas métricas, teve um contributo positivo para o negócio. A empresa Dating.com, lançada em 1993 e operacional em 32 países, reportou um aumento global de 82% em março.

Outros números parecem confirmar uma tendência: também em março, a aplicação Bumble, na qual apenas as mulheres podem iniciar as conversas, registou um aumento de 26% tendo em conta as mensagens trocadas na sua plataforma, enquanto o Tinder assistiu a um aumento na duração das conversas entre os seus utilizadores, de 10 para 30%. Na Inner Circle também aumentou a troca de mensagens (mais 116%).

"Desde o surto, observamos um aumento notável da atividade entre os utilizadores, especialmente entre aqueles com menos de 30 anos, em todas as nossas marcas e todas as geografias. As pessoas estão a fazer 'match' com mais frequência, a enviar mais mensagens e a ter conversas mais longas. O número médio de mensagens diárias enviadas em todos os nossos produtos no mês de abril foi 27% superior ao da última semana de fevereiro e, para utilizadores com menos de 30 anos, foi 35% superior."
Carta enviada aos acionistas do grupo Match Group pelos respetivos CEO  e COO/CFO

Mas com a pandemia ainda aparentemente longe do fim é natural que a indústria e os media se questionem quanto mais tempo vai resistir o romance via internet, uma realidade que de certa forma, e ainda de acordo com o artigo citado, pode já estar a ter influência no gigante Match Group, dono do Tinder, Hinge ou PlentyOfFish.

Apesar do aumento de algumas métricas, em abril a empresa começou a assistir a um ligeiro declínio no número de assinantes, o que não é de todo incompreensível considerando que agora há “menos incentivos” para pagar por serviços extras — a 2 de abril, o Tinder anunciou a possibilidade de se fazer match com qualquer pessoa no mundo, uma opção então tornada gratuita (a 29 de março os utilizadores do Tinder fizeram 3 mil milhões de swipes em todo o mundo). O impacto pode vir a ter consequências para a empresa, sobretudo considerando os problemas económicos que se avizinham em diferentes países. Em maio, a britânica BBC explicava que desde o seu lançamento, em 2012, já foram feitos 340 milhões de downloads do Tinder, ainda que a maior parte das receitas provenha de subscrições pagas (cerca de 6 milhões).

A sua aplicação para encontros (provavelmente) é da família do Tinder

Numa carta enviada aos acionistas do grupo Match Group pelos respetivos CEO  e COO/CFO, lê-se que público-alvo dos produtos da empresa (os “solteiros”) estão a adaptar os seus comportamentos, com muitos a escolher encontros virtuais através do telefone ou vídeo — na Hinge, 70% dos utilizadores dizem estar disponíveis para um encontro via telefone ou vídeo e na OkCupid 94% diz querer continuar a namorar virtualmente.

“Desde o surto, observamos um aumento notável da atividade entre os utilizadores, especialmente entre aqueles com menos de 30 anos, em todas as nossas marcas e todas as geografias. As pessoas estão a fazer ‘match’ com mais frequência, a enviar mais mensagens e a ter conversas mais longas. O número médio de mensagens diárias enviadas em todos os nossos produtos no mês de abril foi 27% superior ao da última semana de fevereiro e, para utilizadores com menos de 30 anos, foi 35% superior”, lê-se também. Não obstante, a carta também confirma “alguns ventos contrários” tendo em conta a inscrição de novos utilizadores e a motivação de pagar por serviços extra.

Amor em tempo de coronavírus. Como anda a vida no Tinder e outras apps de encontros?

Mas as apps estão atentas ao mercado e à pandemia, com o Tinder a planear lançar o serviço de vídeo de um para um no segundo trimestre do ano — a 8 de julho a publicação The Verge escrevia que a app tinha lançado uma versão teste em 13 países, incluindo EUA, Austrália, Brasil e França. Curiosamente, a Bumble, que já tinha este serviço e cuja preferência disparou nos últimos tempos — o seu uso aumentou em 93% na semana em que Donald Trump declarou o estado de emergência nos EUA —, optou por alargar o raio de ação geográfica em que as pessoas se conhecem e tornou possível enviar notas áudio dentro da app.

A Hinge disponibilizou ainda o serviço “Date From Home” — recurso que permite aos utilizadores iniciar uma videochamada caso as duas pessoas estejam de acordo — e a PlentyOfFish lançou o “LIVE!”, que permite aos utilizadores fazerem uma transmissão ao vivo entre possíveis correspondências.

Não é por acaso que a Fast Company escreve que a utilização destas aplicações está a aumentar e que, ao mesmo tempo que se denota uma preferência por videochamadas, os utilizadores procuram conexões mais significativas.

*Nomes fictícios de pessoas que preferiram não ser ser identificadas

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