Perto de três meses de paragem, uma pandemia mundial, um regresso à porta fechada. Se há um ano — já com o Benfica consagrado campeão nacional, depois de o Sporting conquistar a Taça de Portugal e até após o Liverpool levantar a Liga dos Campeões — alguém tivesse colocado esta mistura de ingredientes numa batedeira, poucos teriam adivinhado que a receita teria como resultado final o ano de 2020.
E a verdade é que, em Portugal, a temporada foi interrompida no momento mais interessante desde que tinha começado — quase como se as luzes do cinema se tivessem acendido quando o fim de “Fight Club” é desvendado, durante a cena em que Uma Thurman e John Travolta dançam em “Pulp Fiction” ou até quando Darth Vader diz a Luke Skywalker que é seu pai em “Guerra das Estrelas: O Império Contra-Ataca”. Afinal, quando tudo parou, o Benfica tinha desperdiçado uma vantagem de sete pontos e o FC Porto era líder, Rúben Amorim tinha acabado de trocar o Sp. Braga pelo Sporting a troco de 10 milhões de euros e a luta pelo acesso às competições europeias estava aguerrida, com Rio Ave, V. Guimarães e Famalicão à mistura.
Passaram praticamente três meses e esta quarta-feira, com o Portimonense-Gil Vicente a partir das 19h00, tudo recomeça. O FC Porto joga um pouco mais tarde, Benfica e Sporting voltam aos relvados na quinta-feira e o Sp. Braga só regressa na sexta. E com o reinício da Liga, reiniciam também as três principais questões ainda sem resposta: quem é que vai ser campeão nacional?; quem é que vai à Liga Europa?; e quem é que desce à Segunda Liga?. Recordamos como estavam as contas na altura da interrupção, lembramos o que tinha mudado pouco antes da paragem e fazemos uma análise às dez jornadas que cada equipa integrada numa destas corridas ainda tem pela frente.
Luta pelo título: um ponto, um troféu, dois candidatos
1.º, FC Porto, 60 pontos, qualificação direta para a fase de grupos da Liga dos Campeões
2.º, Benfica, 59 pontos, qualificação para a 2.ª pré-eliminatória de acesso à Liga dos Campeões
Apenas um ponto separa FC Porto e Benfica no recomeço da Primeira Liga. A partir desta quarta-feira e até ao final de julho, dragões e águias vão disputar a cada jornada a liderança da tabela e a vitória final: para uns, a atípica temporada 2019/20 pode tornar-se a reconquista do título perdido há um ano; para outros, esta época pode ser o confirmar de mais um bicampeonato nacional e a consagração final de Bruno Lage depois da brilhante primeira metade de 2019.
Tanto FC Porto como Benfica perderam pontos no último jogo antes da paragem: os dragões empataram em casa com o Rio Ave (1-1) e os encarnados fizeram o mesmo resultado no Bonfim com o V. Setúbal. Ainda assim, o cenário da equipa de Bruno Lage era mais preocupante. Nas últimas cinco partidas para a Liga, o Benfica perdera duas vezes, com FC Porto e Sp. Braga, empatara outras duas, com o Moreirense e o V. Setúbal, e vencera apenas uma, num resultado tirado a ferros contra o Gil Vicente. Os oito pontos desperdiçados, que anularam os sete de vantagem que tinham em relação ao FC Porto, deixaram os encarnados no segundo lugar, um ponto atrás dos dragões e numa situação mais suscetível.
Na altura da interrupção, o Benfica não estava a conseguir implementar a rotina vencedora do início da temporada e acabou por deixar que a derrota no Dragão, ainda em fevereiro, fosse um ponto de viragem nas contas do campeonato. Nesse dia, os encarnados interromperam uma série de 15 jogos consecutivos a ganhar para a Liga: não perdiam qualquer ponto desde que foram derrotados logo no início da época, também pelo FC Porto, na Luz. Uma vitória teria deixado a conquista do título praticamente entregue ao conjunto de Bruno Lage, mas a derrota e os consequentes resultados negativos relançaram a corrida.
Do outro lado, a equipa de Sérgio Conceição venceu os três jogos seguintes ao encontro com o Benfica (V. Guimarães, Portimonense e Santa Clara), o que lhe permitiu então beneficiar dos deslizes do Benfica e saltar para a liderança. Ainda assim, e além do empate com o Rio Ave antes da paragem, o FC Porto tinha perdido em casa com o Sp. Braga pouco antes da receção ao Benfica e já depois de ceder um empate ao Belenenses SAD no Jamor, o que indica que não estava a viver o período mais constante a nível de resultados e exibições. A vitória frente ao Benfica, contudo, e a consequente subida à liderança, teve nos dragões um impacto diametralmente oposto àquele que teve nos encarnados. No Dragão, depois de ter estado a sete pontos do principal rival, de mais de dois meses de paragem, numa altura de eleições para os órgãos sociais e de alguma agitação institucional, e de problemas orçamentais, a única certeza é que os últimos dez jogos da Liga são para ganhar e para evitar surpresas.
Dez jornadas em que, em teoria, ambas as equipas têm obstáculos de dimensão semelhante pela frente. O FC Porto ainda tem de visitar Famalicão, Tondela e Sp. Braga, para além de que ainda recebe o Sporting, e o Benfica desloca-se aos terrenos de Rio Ave, Marítimo e Famalicão, além de jogar na Luz com os leões e o V. Guimarães. Apesar das deslocações tradicionalmente difíceis e do risco que podiam ter associadas, a verdade é que o fator “casa” raramente será uma condicionante nesta fase, em que os adeptos não estão nas bancadas. Na Bundesliga, que já começou há três semanas, a teórica vantagem da equipa que joga em casa tem sido anulada, com os conjuntos visitantes a obterem melhores resultados. Se esta lógica ficar espelhada em Portugal, a dificuldade acrescida de uma visita do FC Porto à Pedreira ou do Benfica a Vila do Conde acaba por ficar algo esvaziada.
Como ponto de especial distinção entre os caminhos que restam às duas equipas, destaca-se apenas a viagem que os encarnados terão de fazer à Madeira, para defrontar o Marítimo — e que implica um voo fretado e provavelmente um regresso a Lisboa no próprio dia, já que a partida está marcada para as 18h.
Os dez adversários de FC Porto e Benfica até ao fim da Primeira Liga são os seguintes:
— FC Porto: Famalicão (fora), Marítimo (casa), Desp. Aves (fora), Boavista (casa), P. Ferreira (fora), Belenenses SAD (casa), Tondela (fora), Sporting (casa), Moreirense (casa) e Sp. Braga (fora);
— Benfica: Tondela (casa), Portimonense (fora), Rio Ave (fora), Santa Clara (casa), Marítimo (fora), Boavista (casa), Famalicão (fora), V. Guimarães (casa), Desp. Aves (fora) e Sporting (casa).
Na comparação com o período homólogo da primeira volta da temporada, o Benfica saiu-se melhor do que o FC Porto. Na primeira metade da época, os encarnados venceram estes dez encontros e conquistaram os 30 pontos inerentes. Já os dragões levaram apenas 23: perderam no Dragão com o Sp. Braga e empataram com o Marítimo e o Belenenses SAD.
Corrida pelo apuramento para as competições europeias: Sporting quer o pódio, Sp. Braga não quer eliminatórias, Rio Ave sonha com a Europa
3.º, Sp. Braga, 46 pontos, qualificação direta para a fase de grupos da Liga Europa
4.º, Sporting, 42 pontos, qualificação para a 3.ª pré-eliminatória de acesso à Liga Europa
5.º, Rio Ave, 38 pontos, qualificação para a 2.ª pré-eliminatória de acesso à Liga Europa
6.º, V. Guimarães, 37 pontos
7.º, Famalicão, 37 pontos
Além da luta pelo título, também para a disputa dos lugares europeus as dez jornadas restantes serão de importância capital. Com FC Porto e Benfica, praticamente confirmados como os dois representantes portugueses na Liga dos Campeões, na final da Taça de Portugal, a quinta vaga que dá direito à Liga Europa salta para o quinto lugar — onde está, nesta altura, o Rio Ave, com apenas mais um ponto do que V. Guimarães e Famalicão. Quer isto dizer, portanto, que tanto os vimaranenses como os famalicenses ainda têm uma chance plenamente válida de discutir com a equipa de Carlos Carvalhal o apuramento para a 2.ª pré-eliminatória de acesso à Liga Europa. Se para o V. Guimarães esta seria uma nova oportunidade depois de não ter ido além da fase de grupos esta época, para o Famalicão seria a confirmação de uma temporada muito acima do esperado, depois das semanas consecutivas no primeiro lugar no início da competição, da chegada às meias-finais da Taça e da qualidade muito superior à da Segunda Liga de onde saiu há apenas um ano.
Ora, na altura em que a Liga foi interrompida, o Sp. Braga estava no terceiro lugar da classificação com mais quatro pontos do que o Sporting, que era quarto: nas últimas dez partidas antes da paragem, e numa retrospetiva que vai até ao início do ano, os leões ganharam apenas metade dos jogos, perderam com todos os principais rivais (Benfica, FC Porto e Sp. Braga), foram derrotados pelo Famalicão e ainda cederam um empate ao Rio Ave. Rúben Amorim, acabado de chegar a Alvalade quando a pandemia tomou conta do país, só teve tempo de se estrear com uma vitória em casa frente ao Desp. Aves. A tão aguardada mudança de fase no Sporting, que em teoria vinha associada ao ex-treinador do Sp. Braga, ficou adiada para este retomar da competição — um recomeço que terá de ser praticamente incólume para conseguir o último lugar do pódio e a qualificação direta para a fase de grupos da Liga Europa.
Já os minhotos, antes da paragem conquistaram a Taça da Liga, com sete vitórias nos últimos oito jogos, incluindo os resultados positivos perante FC Porto, Sporting e Benfica. O trabalho de Rúben Amorim, que para além da vitória na terceira competição nacional conseguiu aproveitar a má fase dos leões para saltar para o terceiro lugar, iria ser continuado por Custódio, depois da saída do técnico principal para Alvalade. Tal como Amorim, Custódio também só teve tempo para orientar uma partida — uma vitória em casa contra o Portimonense — e terá agora de responder ao autêntico teste de fogo que será esta reta final de temporada. Certo é que, com quatro pontos de avanço perante os leões, os minhotos ainda terão de defrontar o Famalicão, o Rio Ave, o V. Guimarães e o FC Porto; enquanto que do outro lado, num calendário igualmente exigente, o Sporting ainda terá de visitar Guimarães, ir ao Dragão e à Luz até ao fim da época.
Rúben Amorim, o David sensato que aprendeu com Jesus mas quer ser Mourinho, encontrou o seu Golias
Já esta quinta-feira, aliás, a equipa de Rúben Amorim viaja até ao D. Afonso Henriques para defrontar o V. Guimarães, num jogo importante nesta corrida pelas competições europeias: uma vitória deixaria os vimaranenses a apenas dois pontos dos leões, um cenário que, em caso de resultado positivo do Rio Ave perante o P. Ferreira, colocaria a equipa de Carlos Carvalhal a apenas um ponto do Sporting.
Os dez adversários de Sp. Braga, Sporting, Rio Ave, V. Guimarães e Famalicão até ao fim da Primeira Liga são os seguintes:
— Sp. Braga: Santa Clara (fora), Boavista (casa), Famalicão (fora), V. Guimarães (casa), Rio Ave (fora), Desp. Aves (casa), P. Ferreira (fora), Belenenses SAD (casa), Tondela (fora) e FC Porto (casa);
— Sporting: V. Guimarães (fora), P. Ferreira (casa), Tondela (casa), Belenenses SAD (fora), Gil Vicente (casa), Moreirense (fora), Santa Clara (casa), FC Porto (fora), V. Setúbal (casa) e Benfica (fora);
— Rio Ave: P. Ferreira (casa), Moreirense (fora), Benfica (casa), V. Setúbal (fora), Sp. Braga (casa), Gil Vicente (fora), Portimonense (casa), Marítimo (fora), Santa Clara (casa) e Boavista (fora);
— V. Guimarães: Sporting (casa), Belenenses SAD (fora), Moreirense (casa), Sp. Braga (fora), V. Setúbal (casa), Portimonense (fora), Gil Vicente (casa), Benfica (fora), Marítimo (casa) e Santa Clara (fora);
— Famalicão: FC Porto (casa), Gil Vicente (fora), Sp. Braga (casa), Moreirense (fora), Portimonense (casa), Tondela (fora), Benfica (casa), V. Setúbal (fora), Boavista (casa) e Marítimo (fora).
Na primeira volta, nestas mesmas dez jornadas e entre estas quatro equipas, o Sp. Braga foi o conjunto que atingiu os melhores resultados. Os minhotos conquistaram 19 pontos, entre seis vitórias, um empate e três derrotas (contra o Boavista, o Desp. Aves e o P. Ferreira). O Sporting registou menos um, 18 pontos, entre seis vitórias e quatro derrotas (contra Tondela, Gil Vicente, FC Porto e Benfica). O Rio Ave não foi além dos 15 pontos, com quatro vitórias, três empates e três derrotas (contra Benfica, Sp. Braga e Marítimo), o V. Guimarães somou 13 pontos, entre três vitórias, quatro empates e três derrotas (contra Sporting, Sp. Braga, Benfica), e o Famalicão registou apenas 12 pontos, com três vitórias, quatro empates e quatro derrotas (contra FC Porto, Portimonense, Tondela e Benfica).
Luta pela manutenção: Desp. Aves e Portimonense perto da queda para a Segunda
15.º, Marítimo, 24 pontos
16.º, P. Ferreira, 22 pontos
17.º, Portimonense, 16 pontos, despromoção à Segunda Liga
18.º, Desp. Aves, 13 pontos, despromoção à Segunda Liga
Com Nacional e Feirense praticamente garantidos na próxima edição da Primeira Liga — ainda que a decisão esteja suspensa até à Assembleia-Geral da Liga, na segunda-feira –, resta saber que outras duas equipas realizam o caminho inverso e descem de divisão. Nesta altura, parece certo que o Desp. Aves dificilmente conseguirá resistir à despromoção: com apenas 13 pontos conquistados em 24 jornadas, a equipa de Nuno Manta Santos ainda terá de defrontar FC Porto, Sp. Braga e Benfica até ao final da temporada e encontra o Portimonense, conjunto que está logo a seguir na classificação, na derradeira jornada — sendo que na primeira volta perdeu de forma inequívoca em casa por 0-3. A confirmar-se este cenário, o Desp. Aves desce à Segunda Liga depois de três anos na Primeira e dois após o ponto alto da história do clube, a conquista da Taça de Portugal no Jamor perante o Sporting. A despromoção seria o culminar de uma temporada negra não só a nível desportivo como institucional, entre salários em atraso e a ausência dos jogadores de um treino em forma de protesto.
Plantel do Desportivo das Aves falhou treino e reclama salários em atraso
Em zona de despromoção na altura da paragem estava também, precisamente, o Portimonense. Com apenas mais três pontos do que os avenses, o conjunto de Paulo Sérgio vai cruzar-se com o P. Ferreira e o Marítimo, as duas equipas imediatamente acima da tabela, e ainda terá de enfrentar Benfica e V. Guimarães. Depois de dois anos na Primeira Liga, os algarvios estão em risco de voltar a descer. Mais longe da despromoção mas ainda em risco estão também P. Ferreira e Marítimo, separados por apenas dois pontos mas em fases diferentes de forma na altura da interrupção: se os pacenses levavam duas vitórias em quatro jogos, incluindo contra o Famalicão, os madeirenses somavam três derrotas consecutivas. No confronto direto, porém, o Marítimo foi inequivocamente superior ao vencer por 3-0 e cavou a distância de que ainda goza, apesar dos pontos desperdiçados nas últimas três jornadas de competição.
Os dez adversários de Marítimo, P. Ferreira, Portimonense e Desp. Aves até ao fim da Primeira Liga são os seguintes:
— Marítimo: V. Setúbal (casa), FC Porto (fora), Gil Vicente (casa), Portimonense (fora), Benfica (casa), Santa Clara (fora), Boavista (fora), Rio Ave (casa), V. Guimarães (fora) e Famalicão (casa);
— P. Ferreira: Rio Ave (fora), Sporting (fora), Belenenses SAD (casa), Tondela (fora), FC Porto (casa), V. Setúbal (fora), Sp. Braga (casa), Moreirense (fora), Portimonense (casa) e Gil Vicente (fora);
— Portimonense: Gil Vicente (casa), Benfica (casa), Santa Clara (fora), Marítimo (casa), Famalicão (fora), V. Guimarães (casa), Rio Ave (fora), Portimonense (casa), P. Ferreira (fora) e Desp. Aves (casa);
— Desp. Aves: Belenenses SAD (casa), Tondela (fora), FC Porto (casa), Gil Vicente (fora), Moreirense (casa), Sp. Braga (fora), V. Setúbal (casa), Santa Clara (fora), Benfica (casa) e Portimonense (fora).
Contra os mesmos dez adversários, na primeira volta, o Desp. Aves alcançou um registo que acaba por espelhar o porquê de estar à beira da despromoção: em dez encontros seguidos, somou apenas três pontos, entre nove derrotas e uma vitória (curiosamente, contra o Sp. Braga). Já o Portimonense, o P. Ferreira e o Marítimo juntaram todos 12 pontos, ainda que com conjugações distintas. Os algarvios registaram duas vitórias (contra Famalicão e Desp. Aves), seis empates e duas derrotas (contra Benfica e V. Guimarães), os pacenses tiveram três vitórias (contra Tondela, Sp. Braga e Moreirense), três empates e quatro derrotas (contra Sporting, Belenenses SAD, FC Porto e V. Setúbal) e os madeirenses tiveram também duas vitórias (contra Boavista e Rio Ave), seis empates e duas derrotas (contra Gil Vicente e Benfica).