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Avelino Farinha, do grupo AFA, garante orgulho nas empresas que criou
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Avelino Farinha, do grupo AFA, garante orgulho nas empresas que criou

Avelino Farinha, do grupo AFA, garante orgulho nas empresas que criou

Como o grupo AFA de Avelino Farinha se tornou "dono da Madeira toda". Quem é o construtor que diz "de joelhos só perante Deus"

"Vemos com os pés e ouvimos com os olhos" é a máxima de Avelino Farinha, o poderoso construtor da Madeira, a braços com uma investigação judicial que o trouxe onde nunca quis estar - às televisões.

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Era a segunda vez que se apresentava perante os deputados da Assembleia Regional da Madeira. Estava a decorrer a comissão de inquérito sobre as relações do Governo Regional com os grupos económicos. O grupo AFA era um dos que estavam sob escrutínio e José Avelino Farinha foi chamado, em março de 2023, para falar sobre os seus negócios, depois de já ter estado no Parlamento em 2019. “É a segunda vez que me desloco a esta casa. Curiosamente para um assunto de que também hoje se vai falar. É sinal que eu não consegui explicar-me, fico muito triste por isso”.

O desconforto era visível e o motivo da audição também. “Aqui na Madeira um madeirense com sucesso é ladrão”, atirava Avelino Farinha na comissão de inquérito, promovida no Parlamento regional, a pedido do PS, depois de declarações do social-democrata Sérgio Marques ao DN, nas quais falava em “obras sem necessidade”. “A dada altura começou a inventar-se obras”, disse ao DN, acendendo o rastilho que o levou a renunciar o mandato de deputado na Assembleia da República por ter deixado de reunir “condições políticas”.

A comissão de inquérito — cujo relatório foi produzido pela deputada regional do PSD Clara Tiago, aprovado pela maioria do PSD e CDS, tendo os votos contra do PS e PCP — concluiu que as declarações de Sérgio Marques eram “meras convicções, opiniões e perceções pessoais e não constituem realidades factuais passíveis de ser sindicadas judicialmente”. Da comissão ficou o “não apurou”, relativo a relações entre empresas ou grupos e o Governo Regional que fossem irregulares ou de conflitos de interesse, e concluiu pela “não existência de qualquer indício de favorecimento a grupos empresariais por parte do Governo Regional”. E ainda deixou uma recomendação para que os deputados que apresentem “de forma deliberada e consciente” declarações de interesses incompletas ou falsas possam ser alvo de sanções.

O PS Madeira não apenas votou contra o relatório como formalizou junto do Departamento de Investigação e Ação Penal do Funchal uma queixa “relativa às denúncias feitas pelo ex-deputado Sérgio Marques sobre obras inventadas, cedência a pressões e favorecimentos do Governo Regional a grupos económicos”, pedindo o presidente da estrutura socialista regional que “a justiça faça o seu trabalho e que seja aberto um processo de inquérito a todas estas matérias que visam, acima de tudo, o presidente do Governo Regional e o Governo Regional da Madeira”, segundo declarações transcritas no site do PS Madeira.

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Ora, conforme noticiou o Observador, a investigação que provocou uma crise política na Região Autónoma iniciou-se com duas denúncias. Numa só constava o nome de Miguel Albuquerque, presidente demissionário do Governo madeirense e que foi constituído arguido.

Na segunda já havia o envolvimento de Pedro Calado, presidente da Câmara do Funchal, que chegou a trabalhar no grupo AFA. Na comissão de inquérito, Avelino Farinha disse mesmo que Calado “é quadro do grupo”, mas não da Afavias, a empresa de construção que tem os contratos públicos adjudicados pela região.

Pedro Calado foi detido pela operação que levou a Polícia Judiciária a reforçar a equipa para buscas na Madeira, no âmbito da qual foi também detido Custódio Correia, da construtora e imobiliária Socicorreia, e Avelino Farinha, do grupo AFA, indiciado por quatro crimes de corrupção ativa e que vai continuar a ser ouvido na segunda-feira pelo juiz.

Madeira. Três detidos estão indiciados por crimes de corrupção ativa e passiva, prevaricação, abuso de poder e tráfico de influência

Avelino Farinha é um self made man que se tornou num dos maiores empresários da região. Quem se mexe nos negócios da Madeira admite que é a versão insular do “dono disto tudo” (como era conhecido Ricardo Salgado quando era presidente do BES). “Quando o Avelino liga não há quem não atenda”, diz-se em relação à Madeira, embora o próprio afaste esse peso dos seus ombros. Ainda que garanta que o seu telefone está sempre disponível. O número de telemóvel é o mesmo de sempre.

Foi na Calheta da Madeira onde tudo começou para o grupo AFA

HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

Tudo começou na Calheta….

Calheta significa baía. Foi neste ponto da Madeira, que Gonçalves Zarco — descobridor do arquipélago — escolheu para doar terras aos seus filhos, que há mais de 60 anos nasceu José Avelino Aguiar Farinha. Pouco se sabe sobre a vida familiar, à parte de que é casado com Fernanda e que um dos seus filhos, Ricardo, é um dos rostos principais do negócio turístico. Ricardo teve um percurso bem diferente do pai. Estudou engenharia civil e foi para fora adquirir especializações. Em Paris e em Nova Iorque, onde estudou na Columbia Business School. Voltou a Portugal e assumiu a área comercial do Savoy, negócio que o pai adquiriu em 2015.

Avelino Farinha, nascido na Calheta, estudou no seminário Dehoniano, primeiro no Funchal, depois em Coimbra. Aliás, diz que foi essa formação que lhe deu a máxima: “De joelhos só perante Deus”. Uma forma de dizer que “não peço nada a ninguém, nem ando de gabinete em gabinete”.

Do seminário para os negócios foi um salto pouco conhecido. Começou como topógrafo na autarquia e hoje preside à principal construtora da Madeira, com um grande peso nos contratos públicos. Foi aos 20 anos que criou a empresa originária, a Avelino Farinha & Agrela. Decorria o ano de 1981. Ao fim de 43 anos o grupo, que foi sendo criado a partir de subempreitadas e fornecimento de matéria-prima para a construção, tem ativos de quase mil milhões de euros.

A casa-mãe é atualmente a companhia Calhetas SGPS, constituída em 2006. O principal ativo é outra holding, a AFA SGPS, através da qual “exerce controlo indireto do conjunto de sociedades coligadas que constitui o grupo AFA, sendo também a sociedade dominante do grupo para efeitos de tributação sobre o rendimento”, descreve a Calhetas SGPS no seu relatório e contas de 2022, ano em que o volume de negócios atingiu os 277,4 milhões de euros.

A construção — que começou por “umas casinhas na Calheta” — é hoje o principal negócio e teve um crescimento, em 2022, superior a 40%. O crescimento da atividade “verificou-se em todas as geografias onde a Afavias atua, nomeadamente Madeira, Angola e Açores”, explica a empresa.

A Afavias é uma das principais empresas do grupo. E a principal na construção, onde o grupo ainda tem a Afavias Açores e a CTM (Construtora do Tâmega Madeira). Segundo informação do site do grupo, as três companhias já executaram mais de três mil empreitadas. É através da Afavias que Avelino Farinha tem negócios em Angola, Colômbia e Guiné Equatorial. Já teve obras na Mauritânia e no Senegal.

“O nosso crescimento teve um incremento grande quando entrámos nas obras públicas, mas teve um crescimento muito maior quando fomos para fora”, assumiu perante os deputados Avelino Farinha, acrescentando que na Mauritânia, onde teve a seu cargo uma obra de 300 quilómetros no meio do deserto, “correu muito mal”, com “prejuízos de dezenas de milhões”. Já no Senegal “foi como o Melhoral, nem fez bem nem fez mal”. Já a Colômbia e a Guiné Equatorial estão, neste momento, sem atividade. Angola sim, é um país no qual “a vida nos tem corrido bem em termos empresariais”.

Na Madeira, é a maior construtora e a que fica com mais contratos públicos. Avelino Farinha diz que não é de estranhar: “Somos a maior empresa da Madeira de construção civil, é lógico que a maior parte [das obras públicas] seja feita por nós”. O PS Madeira contabilizou em sete anos (de 2016 a 2022) perto de 320 milhões de euros em adjudicações de obras públicas da região à Afavias.

Numa pesquisa ao portal Base aparecem, por outro lado, em 2023, empreitadas para Afavias — do governo central e de autarquias — de mais de 69 milhões de euros. E deste ano surgem duas obras municipais de valor, total, superior a 1 milhão de euros. Isto na Madeira e só respeitante à Afavias. A Construtora do Tâmega Madeira (atualmente designada CTM – Construções Técnicas) tem também um portefólio vasto de obras públicas.

A CTM nasceu como Tecnorocha, sociedade de escavação e desmonte de rochas que tinha know-how muito especializado e necessário à construção de estradas na Madeira, com muitos túneis e pontes. Em 2005 passa a Construtora do Tâmega Madeira, que tinha no capital a Opway, construtora que gravitou na esfera do Grupo Espírito Santo e que foi à falência. Foi a janela que se abriu para a entrada da AFA, que acabou a controlá-la em 2013.

Segundo o Expresso, o grupo AFA recebeu mais de metade do dinheiro de contratos públicos desde 2015, ano em que Miguel Albuquerque tomou posse como presidente do Governo Regional da Madeira, contabilizando em 332 milhões o dinheiro (de um total de 540 milhões) que foi para a Afavias e para a Construtora do Tâmega Madeira ou para consórcios de que faziam parte. Avelino Farinha recusa avaliar a pertinência das obras. “Pagam-nos para fazer obra, pagam-nos para trabalhar, não para pensar, muito menos para dar opinião”, declarou aos deputados, a quem revelou a sua máxima de gestão: “Vemos com os pés e ouvimos com os olhos”.

Através destas duas construtoras, o grupo AFA é um dos principais acionistas das concessões rodoviárias Viaexpresso e Vialitoral, onde o Governo Regional detém 20%, e que gerem 69 e 36,9 quilómetros de estradas na Madeira, respetivamente.

Rede da Viaexpresso

Rede da Viaexpresso

Rede da Vialitoral

As duas concessões, sem portagens, poderão custar de 2002 a 2029 mais de 2,3 mil milhões de euros, segundo o Funchal Notícias.

E embora tenha muito negócio gerado pelo Governo e entidades públicas, Avelino Farinha diz não receber subsídios públicos. Agora. Porque no início da atividade foi mesmo, orgulha-se, a primeira empresa a receber, na Madeira, um apoio do sistema de incentivo de base regional. “Nessa altura beneficiámos muito de subsídios”.

O grupo detém, além destas construtoras e concessionárias, uma empresa de comercialização de cimentos (Cimentos Europa, sedeada na Zona Franca da Madeira) e várias de extração de inertes (Solinertes, Arinerte, Navinerte). Juntamente com a gestão de resíduos (Ecoram) e com a AFA Energias, compõem negócios que o grupo consolida com um volume de negócios de quase 7 milhões de euros (dados de 2022).

Quem paga esta festa? “É você”. A “hora de burro” de Avelino Farinha

Com um total de mais de 4.000 trabalhadores, a construção é responsável por cerca de 2.500. Qualificados serão cerca de 200. E Avelino Farinha gosta de garantir que o salário mínimo no seu grupo é “muito acima do legal” e, em mais de 40 anos, “nunca falhámos um dia o ordenado nem um dia a um fornecedor. Mesmo quando o Governo Regional, que era o nosso principal cliente, tinha os pagamentos em atraso, nunca falhámos o pagamento a ninguém”.

É Avelino Farinha que garante que “temos bolsas de estudo para os nossos funcionários e para os filhos dos nossos funcionários; temos seguro de saúde, que inclui os familiares diretos; durante muitos anos, e quem é da Calheta e da Ponta do Sol sabe disto, ajudámos a fazer centenas de casas aos nossos funcionários com a ajuda de materiais e muitas vezes empréstimos em dinheiro para irem descontando ao longo da vida”.

Um acordo arbitral com o Governo regional

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O Ministério Público estará também a investigar, segundo o jornal Público, o lítigio que levou o Governo Regional da Madeira a acordar o pagamento de 55 milhões à Afavias. É outro caso que a comissão parlamentar de inquérito levantou.

O caso remonta a 2015, quando a Afavias reclamou uma dívida do Governo Regional (ainda liderado por João Jardim) de 96 milhões de euros acrescida de juros de mora e uma sanção pecuniária. A Região Autónoma contestou por não reconhecer as dívidas.

Depois de pedidos do tribunal fiscal para que a Afavias documentasse melhor o caso, surgiu, em 2017, perante o juiz com um acordo firmado com o Governo Regional que assumia o pagamento de 55,75 milhões de euros, em seis prestações.

Na comissão de inquérito, Avelino Farinha disse que o acordo foi homologado pelo juiz e disse que até levou a um perdão de dívida pela AFA. “A contrapartida foi começarmos a receber o dinheiro que é nosso”, declarou.

Não é raro que os trabalhadores se juntem nas inaugurações de obras. É o que, na construção, se chama de pau de fileira, uma tradição que promovia uma festa quando a estrutura de uma obra era concluída. Um desses pau de fileira foi promovido quando a ligação entre a Rua da Ribeira de João Gomes e o Campo da Barca, no Funchal, foi reaberta. Uma obra de 16,3 milhões de euros. E uma festa na qual esteve presente Miguel Albuquerque. Inquirido, nesse dia 18 de setembro de 2019, pela RTP sobre quem pagava o banquete, Avelino Farinha apontou o dedo à repórter e disse: “Você”.  Miguel Albuquerque sorriu.

Quase quatro anos depois, o empresário explica que a festa é paga pelas empresas. “Nós estávamos num pau de fileira, que é quando uma obra chega ao fim do tosco. É uma festa dos trabalhadores. O senhor presidente do governo, se calhar por razões óbvias, quis associar-se à nossa festa”, mas garantiu que “quem paga são as empresas”. E, agora, quando foi ouvido na comissão de inquérito ainda acrescentou: “todos nós temos uma hora de burro na vida, essa foi a minha hora. Há perguntas tão parvas que a resposta tem de ser condizente”. A hora de burro já tinha sido uma expressão utilizada, na mesma audição, para explicar as afirmações de Sérgio Marques contra os grupos económicos e as obras “inventadas”.

Foi nessa audição que Avelino Farinha convidou os deputados a participarem no pau de fileira do Monumentalis, um empreendimento de 150 apartamentos no Funchal. Não há notícias sobre se já aconteceu essa cerimónia, mas a conclusão do projeto foi apontada para 2024. Os apartamentos já estão à venda e um imóvel com dois quartos custa perto de um milhão de euros. O investimento terá sido de 100 milhões.

Outro dos empreendimentos do grupo, do qual há imagens do pau de fileira com a presença de Miguel Albuquerque e do seu então vice Pedro Calado, é o Insular. Também tem a chancela Savoy Residence. Nasceu da recuperação de quatro edifícios no Funchal. Os apartamentos vão até aos 3,3 milhões de euros. E reabilita a área e os edifícios que fazem parte da história do Funchal e que outrora albergaram a Companhia Insular de Moinhos.

O edifício principal e o quarteirão foram comprados ao grupo Sá — que era conhecido pelos supermercados e que teve de entrar num processo de revitalização em 2013 — por 7,5 milhões de euros. Já na posse do grupo AFA, cuja primeira intenção era transformá-lo em unidade hoteleira, o estado de degradação do edificado intensificou-se, até que, em 2019, um incêndio consumiu o interior. O hotel deixou de fazer parte dos planos e acabou em empreendimento residencial.

O empreendimento Casa Branca, no Funchal, já está todo comercializado. São 21 apartamentos. E os créditos são iguais nos três projetos. Quem implementa é a Savoy Signatures; as vendas são da AFA Real Estate; o construtor é a Afavias; e o gabinete de arquitetura é a RH+Arquitectos.

As ligações a Luís Filipe Vieira e à empresa com terrenos para cemitérios no Brasil

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Na altura o nome até passou despercebido. Em 2021, no âmbito da operação Cartão Vermelho, que apanhou Luís Filipe Vieira, o Ministério Público suspeitou que a AFA, de Avelino Farinha, tinha sido envolvida, de forma artificial, num procedimento concorrencial para a aquisição da dívida da Imosteps junto do Novo Banco.

A empresa de Luís Filipe Vieira (Imosteps) tinha uma dívida de 54 milhões de euros junto do banco e uma participação na Oata, onde estavam igualmente como acionistas a AFA, o BCP e o próprio Novo Banco. A AFA tinha 25% da Oata, tal sociedade que tinha ativos no Brasil, entre os quais terrenos para construção de cemitérios.  A Oata tinha ainda, indiretamente e segundo o Ministério Público através de uma cascata de empresas, direitos de construção no Rio de Janeiro.

A Imosteps tinha 50% dessa sociedade, da Oata. Luís Filipe Vieira ficou com a Imosteps, a pedido, segundo disse no Parlamento, de Ricardo Salgado.

Com uma dívida de 54 milhões para a qual Luís Filipe Vieira deu avales pessoais. No âmbito da Operação Cartão Vermelho, o juiz de instrução, Carlos Alexandre, chegou a falar de um “esquema ardiloso” traçado pelo ex-presidente do Benfica e pelo filho que permitisse comprar a dívida da Imosteps “por um baixo custo” para ficarem com os ativos mas libertando-se das garantias pessoais. E é aqui que entra a AFA, já que, segundo o processo, o Novo Banco teria recebido duas propostas para a venda dos créditos da Imosteps: uma da AFA e outra de José António Santos, da Valouro.

A Oata hoje em dia é detida em 50% pela AFA. Segundo o relatório e contas da AFA de 2022, “com o novo controlo acionista, foi possível iniciar um processo de reestruturação interno que permitirá retomar os desenvolvimentos dos projetos em carteira, situação que se manteve no decorrer de 2022”. Não é dada mais informação.

A proposta da AFA foi descrita por Carlos Alexandre como “aparente”, mas a AFA negou que tivesse sido concertada esta proposta. O Novo Banco escolheu a proposta da Iberis, de José António Santos, mas o Fundo de Resolução travou essa venda por alegar ligações a Luís Filipe Vieira.

Acabou vendida numa carteira de malparado colocada pelo Novo Banco junto da Davidson Kempner em setembro de 2019.

Como Vieira se apropriou de 8 milhões de euros do Novo Banco que acabaram por ser compensados pelo Fundo de Resolução

A parceria com a Socicorreia que levou o Dubai à Madeira

Nasceu em 2016 a parceria entre a AFA e a Socicorreia, que assumiu a designação de Varino. Avelino Farinha e Custódio Correia são sócios em vários projetos imobiliários e, agora, respondem ambos judicialmente no caso da Madeira. A Socicorreia opera na área imobiliária, construção, turismo, decoração e foi nos escritórios em Lisboa que Custódio Correia recebeu Miguel Albuquerque, em fevereiro de 2023. Filho de um empresário de Braga, Custódio Correia, sempre vestido de preto, decidiu lançar-se por conta própria nas ilhas, primeiro nos Açores, mais tarde na Madeira onde acabou a sediar a Socicorreia, empresa que hoje tem projetos nas ilhas mas também no continente, em Lisboa, Braga e Porto.

Os primeiros negócios na Madeira de Custódio Correia foram ainda com a empresa ACF (Arlindo Correia & Filhos), do seu pai, que tem construções no arquipélago desde 1997. Só mais tarde, já nos anos 2000, é que o imobiliário passou a ser trabalhado pela Socicorreia Investimentos Imobiliários. O primeiro edifício inaugurado por este empresário no Funchal foi com a marca que criou, a Século XXI, em 2008.

“Os meus últimos anos de governação foram vividos sob hostilidade do Governo Passos/Portas. A Madeira mesmo assim resistiu à maior pressão vinda do exterior desde a institucionalização da Autonomia Política na Constituição de 1976. Foi Custódio Correia que, sem abrandar minimamente, segurou a cadência do mercado imobiliário, com óbvias consequências positivas para todo o povo madeirense”. As palavras de Alberto João Jardim, ex-presidente do Governo Regional da Madeira, estão escritas numa revista interna do grupo Socicorreia, de 2010, e são acompanhadas por fotografias de Custódio Correia a ser condecorado pelo próprio Alberto João Jardim.

Fonte: Newsletter da Socicorreia de março de 2010

A parceria da Socicorreia com a AFA resultou, para já, em oito projetos — cinco dos quais em Lisboa e os restantes no Funchal — entre os quais o designado de Dubai Madeira. E é este último que também ligará os dois sócios da Varino a Pedro Calado, que foi vice-presidente do Governo Regional e depois presidente da Câmara do Funchal, que terá, segundo o Correio da Manhã, estado no licenciamento do projeto que tem várias fases e cujo investimento noticiado atinge os 300 milhões de euros.

“O Dubai é, sem dúvida, uma inspiração pela exclusividade dos projetos que lá se encontram e que é algo que pretendemos fazer neste terreno da Estrada Monumental”, explicou Custódio Correia ao Construir, a quem referiu que o empreendimento, com vários edifícios, deverá ficar concluído em 2030. Ocupará 32 mil metros quadrados. À sua conta tem estado suspenso parcialmente o plano de urbanização do Amparo, o que aconteceu no mandato de Paulo Cafôfo na autarquia funchalense, à espera da alteração ao plano de urbanização.

A Sábado noticiou mesmo, em 2018, que o projeto Dubai Madeira teria sido autorizado sem estudo de impacte ambiental. As polémicas em torno do projeto não ficam por aqui.

Também pela Sábado foi noticiado que Bruno Martins, que foi vereador na Câmara Municipal do Funchal, com o pelouro do Urbanismo, na coligação Confiança, liderada por Paulo Cafôfo (até 2019), voltou à iniciativa privada depois de sair da autarquia e para se entregar ao projeto da Varino, o Dubai Madeira, como arquiteto de um dos edifícios. À Sábado, Bruno Martins explicou, então, não ver conflito de interesse, uma vez que o plano de urbanização é anterior à sua presença na autarquia e nunca contrariou pareceres dos serviços. Além disso, qualquer projeto que faça tem de ter luz verde camarária, que passou a ser do PSD em 2021.

Ainda houve protestos pelo ruído, mas no final o projeto segue o seu curso. Tal como em Lisboa, nos três empreendimentos da Varino: na Av. 5 de Outubro; na Av. João Crisóstomo; e na rua. D. Francisco Manuel Melo.

Por conta apenas da Socicorreia, também os empreendimentos de luxo em São Martinho, no Funchal, mereceram dúvidas de que tinha sido autorizada uma densidade maior do que a possível. Os projetos da Socicorreia foram passando por governos autárquicos do PSD e do PS, no Funchal. A comissão de inquérito do Parlamento regional não olhou para os negócios desta empresa que, segundo tem vindo a ser noticiado, também tem várias obras contratadas pelos entidades públicas do arquipélago. Uma pesquisa no portal Base devolve contratos de 6 milhões para a Socicorreia, em 2023, por entidades públicas madeirenses.

Custódio Correia com Miguel Albuquerque

AFA e Socicorreia estão, juntas, na segunda fase da construção do Hospital Central e Universitário da Madeira, um contrato de 75 milhões de euros entregue em 2022 ao consórcio Tecnovia Madeira, Afavias, Socicorreia e RIM. A primeira fase, de escavação e contenções periféricas, tinham ficado com a Afavias por 18 milhões. Isto é só parte do projeto que estará também a ser investigado pelo Ministério Público, segundo a CNN.

Madeira assina contrato de 74,6 milhões de euros para construção da segunda fase do novo hospital

Também sobre o hospital, Avelino Farinha garantiu aos deputados que não teve nada que ver com a forma como a obra foi dividida. “Como não quero que ninguém mande nas nossas empresas, não me quero meter onde não sou chamado, muito menos a dar conselhos e sugestões”, dizendo, mesmo, que a divisão em vários concursos até prejudica a Afavias porque aparecem mais construtoras mais pequenas a concorrer. Assim, diz, “se eu tivesse de dar algum conselho ou de pedir ao senhor secretário [regional] para fazer alguma coisa era: ‘lance a obra toda, por favor'”.

Custódio Correia, Pedro Calado, Miguel Albuquerque e Avelino Farinha (da esquerda para a direita) na apresentação da Varino

Micaela Silva

Em investigação pelo Ministério Público estão outros negócios como o teleférico do Curral das Freiras ou os projetos para a Praia Formosa, onde tanto o grupo Pestana como o grupo AFA têm interesses.

Negócios na Madeira. Duas denúncias anónimas, contratos suspeitos, um teleférico e patrocínios de ralis

Até o Presidente Marcelo inaugurou o Savoy… mas teve de esperar

Foi preciso esperar pelo fim do confinamento e pelo aligeirar das medidas de combate à Covid-19 para fazer uma inauguração oficial. Inicialmente marcada para março de 2020, a abertura do hotel Savoy Palace, no Funchal, teve de ser adiada. O país fechava-se nessa mesma semana em casa. O hotel já estava aberto desde 2019. A placa acabou descerrada por Marcelo Rebelo de Sousa em julho de 2021.

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São 146 mil metros quadrados de área de construção (Avelino Farinha até o comparou com o Convento de Mafra que tem 40 mil metros quadrados). Sete quilómetros de varandas. 1.800 quilómetros de jardim. O orgulho de Avelino Farinha foi a contestação de outros. A volumetria salta à vista na paisagem do Funchal e houve ações em tribunal a tentar impugnar o projeto. Nada feito. Foi mesmo inaugurado.

Paulo Cafôfo, que em 2019 compareceu ao pau de fileira desta obra enquanto presidente da autarquia, assumiu, então, que não permitiria o empreendimento: “Tem uma volumetria bastante elevada e não teria aprovado na forma como o projeto foi” aprovado por Miguel Albuquerque. Que por sua vez afirma: “Aceitei e assumo. Não tenho medo de tomar decisões nem ando aqui ao sabor do politicamente correto. Tudo legal”, assegurava, em declarações transmitidas pela TVI, já então como presidente do governo. Nessas mesmas imagens vê-se Avelino Farinha a cumprimentar Alberto João Jardim, que já tinha saído do governo, com uma continência. “Na Madeira tudo o que se faz é polémica. A Madeira tem o pecado grave da inveja. Criticam tudo. Desde que seja um madeirense critica-se tudo. Não se liga. Façam como eu, não liguem”, comentou Albuquerque a essa mesma reportagem.

Nesse evento pau de fileira atrás de Avelino Farinha aparecia, várias vezes, o incontornável Joe Berardo, empresário madeirense que tinha sido dono, com Horácio Roque (que morreu em 2010), do Savoy na Madeira, através da Siet Savoy. Berardo e os herdeiros de Roque venderam-no em 2015, depois da crise financeira e da crise soberana, ao grupo AFA por mais de 110 milhões.

A história do Savoy na Madeira já andava agitada desde que em 2009 Berardo e Roque decidiram fechar o Hotel Savoy Classic, conduzindo-o a uma polémica demolição por se tratar de um edifício centenário. O projeto para a construção de uma nova unidade já tinha sido dada. A demolição aconteceu em 2010 mas os trabalhos do novo hotel acabariam por parar no ano seguinte com problemas de financiamento. Joe Berardo já estava envolvido nas guerras do BCP (no Parlamento, Filipe Pinhal até declarou que “de 2008 a 2012, o presidente do BCP foi o Sr. Berardo”)…

Com o travão das obras, a cratera no centro da cidade ficou. Depois de adquirir o negócio em 2015, o grupo AFA retomou o projeto que mudou a linha de horizonte do Funchal. A compra foi “uma decisão minha. Em 2015 o mundo ia acabar”, explicou já Avelino Farinha, assumindo que a decisão foi “a mais difícil da minha vida, tomei-a sozinho, não ouvi mais ninguém, nem família nem administradores. Para ouvir, eu sabia quais eram as respostas e não eram aquelas que eu queria”. Comprou, investiu e abriu. E agora tem a placa de inauguração com os nomes de Miguel Albuquerque e Marcelo Rebelo de Sousa.

Nessa inauguração, que acabou por ser a do Savoy Palace e do Next, Miguel Albuquerque não deixou dúvidas: “Aprovaria mais três Savoy se fosse preciso”, segundo o JM.

Dar música na Calheta foi o início da aventura na comunicação social

Os projetos de construção, as concessões, o imobiliário e a hotelaria não são os únicos que colocam o grupo AFA nos holofotes. Avelino Farinha detém rádios e jornais na Madeira. Duas rádios. Dois jornais. O empresário tem assumido que não se trata de controlar a comunicação social e até diz que ajudou, com a compra de alguns títulos, ao pluralismo na Madeira.

A sua aventura na comunicação começou pelas rádios. Em 2001 criou a Rádio Calheta e em 2003 adquiriu a Santana FM. “Estamos nos media há muito tempo, há mais de 20 anos”, mas “não queremos, nem precisamos, nem de importância política, social, religiosa, nem qualquer outra importância”, atira Avelino Farinha que ainda acrescenta à pretensão de discrição o facto de não fazer qualquer publicidade nos seus órgãos de comunicação social, nem noutros meios. E diz que nem as obras do seu grupo têm a indicação de que são da Afavias (já a Socicorreia foi uma das patrocinadoras do piloto Pedro Calado, com um grande destaque no carro do autarca).

Criou a rádio em 2001 na Calheta, a sua terra natal, porque “era importante que alguém pusesse música para as pessoas ouvirem, e não havia mais ninguém. Entrámos nisso”.

Continuou a trilhar o caminho da comunicação social, adquirindo em 2017 uma participação de 50,5% na EJM, detentora da Rádio JM e do Jornal da Madeira, num processo de privatização. O consórcio onde estava a AFA ofereceu 10 mil euros. “A proposta de compra no valor de dez mil euros é superior à avaliação independente pedida no início do processo, e existe um compromisso de investimento de um milhão de euros”, notou, na altura, o secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, Sérgio Marques, que mais tarde faria as denúncias sobre o poder dos grupos económicos.

Porque entrou a AFA? Porque se pode dar ao luxo de perder alguns milhares de euros num jornal. “Precisamente uma empresa como a AFA é que pode entrar ali. Todos nós sabíamos e eu sabia que o JM é deficitário”. Perdia, contou Avelino Farinha, cinco milhões euros há muito tempo, passou para três milhões “no tempo de Sérgio Marques, resta saber se os custos estavam todos lá”, disse no Parlamento, onde assumiu que continua a perder dinheiro com o jornal — 400 mil euros negativos. “Não se compara com os milhões. A nossa gestão é diferente, é privada” — pior que o dinheiro que perde no Jornal da Madeira só mesmo o que perdia todos os anos com a Madjet, desabafou Avelino Farinha. Era uma empresa de aviação executiva que, entretanto, foi dissolvida.

Comprou o JM porque “acedeu” ao pedido “insistente” de Sérgio Marques — “o ex-secretário falou mais comigo sobre o jornal, porque era um problema dele, do que sobre tudo o resto”. “Uma empresa como a AFA tem fôlego, e credibilidade, para aguentar isso”.

Sérgio Marques vendeu o JM ao grupo AFA enquanto foi secretário regional. Depois de sair denunciou ligações com grupos económicos do governo regional

Em 2020 chegou a um acordo para ficar com uma posição de perto de 37% da EDN – Empresa Diário de Notícias, que tem o DN Madeira e a TSF Madeira. O maior acionista é o grupo Sousa, outra empresa madeirense que esteve sob escrutínio na comissão de inquérito. É uma sociedade marítimo-portuária, de logística, energia e turismo, liderada por Luís Miguel Silva Sousa.

Com estas duas aquisições, o grupo AFA ficou com posição em dois jornais. “Se hoje temos dois jornais, espero que alguém um dia reconheça isso — não estou à espera de palmadinhas — é porque alguém pensou pela Madeira e pela pluralidade da comunicação social”, defendeu Avelino Farinha que, mais uma vez, diz ter sido contactado para entrar no DN Madeira. “Não é a nossa vida, não sei fazer isto, não tenho gente para fazer isto. Até porque a minha relação com jornalistas não era a melhor do mundo”.

Foi Luís Miguel Silva Sousa — que tinha ficado com 70% do negócio — quem convenceu Avelino Farinha a entrar no projeto. Não é administrador nem do DN Madeira nem do JM. “Nunca falei com jornalistas do DN, a não ser nos jantares de Natal”. Foi a dois. E garante que não tem telefones dos jornalistas, com exceção do diretor, Ricardo Oliveira. Também a ligação de Avelino Farinha à comunicação social está a ser investigada. Conforme avançou o Observador, o Ministério Público suspeita que o empresário, Miguel Albuquerque e Pedro Calado utilizavam as ligações para condicionar o trabalho dos media na região, controlando informação publicada e evitando a publicação de notícias com potencial repercussão negativa.

São muitos braços para um grupo que é praticamente desconhecido fora da Madeira, ainda que tenha vários projetos no continente — e que contratou Martinho Oliveira, que esteve na Mota-Engil, para a Afavias para ajudar a cimentar mais o negócio fora da ilha. Um dos  projetos mais emblemáticos é o Cais do Ginjal, em Almada. Em ruínas há décadas tem projeto aprovado pela Câmara mas os imbróglios jurídicos têm-se sucedido. Porém, o Tribunal da Relação já proferiu a sentença para que o projeto orçamentado em 300 milhões possa avançar. Era disso que o grupo estava à espera, segundo disse ao jornal online A Mensagem. A sentença tem data de julho de 2023.

Será uma marca do grupo AFA na área metropolitana de Lisboa. Mas, entretanto, o nome do seu “chefe” já está em todas as televisões, envolvido numa investigação de alegada corrupção. Avelino Farinha não faz publicidade nas rádios nem nos jornais. Não dá entrevistas. Nem gosta deste mediatismo. Na Madeira, no entanto, não há quem não saiba quem é o que outrora foi apelidado de “Berardo da construção” ou até de “dono disto tudo”. O empresário não gosta mas tem poder: “Não estou habituado a estes ambiente”, disse quando foi ouvido no Parlamento: “Peço desde já desculpa por alguma coisinha. Não se esqueçam que não sou político, não sou filiado em partido nenhum [mas nessa audição assumiu ter votado no PSD] e a minha vida não é fazer política. (…) Não sou político, não sou jornalista, nem comentador. Sou empresário”.

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