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Aharon Adriano Leszkowicz vivia com a família a 12 km de Gaza
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Aharon Adriano Leszkowicz vivia com a família a 12 km de Gaza

Aharon Adriano Leszkowicz vivia com a família a 12 km de Gaza

Como um brasileiro viveu o ataque do Hamas: "Corri até ao quarto das crianças e disse 'guerra, guerra, guerra, vamos para o abrigo agora"

Adriano esteve 12 horas trancado num bunker a 12 km de Gaza, onde vivia com a família. Ao Observador, o brasileiro recorda como viveu o ataque do Hamas e frisa: "Estamos num momento de guerra".

Aharon Adriano Leszkowicz vivia a 12 km de Gaza quando o Hamas atacou Israel, a 7 de outubro, sábado, dia sagrado de descanso semanal. Esteve trancado num bunker com a família durante 12 horas, até à primeira oportunidade para fugir dos grupos de militantes do Hamas que atravessavam o território israelita.

O brasileiro, de 52 anos, formado em engenharia eletrónica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, emigrou para Israel há 26 anos. É casado, tem quatro filhos. “Somos uma família normal, uma família como qualquer outra no Brasil, no mundo, em Portugal”, diz.

“Vivemos no que é chamado aqui em Israel de moshav, uma pequena vila, que fica a cerca de 12 quilómetros de Gaza. Somos considerados parte da região periférica de Gaza. Infelizmente, estávamos bem perto da área que foi atacada”. É já longe de casa, a partir de um hotel em Netanya, que relata ao Observador como viveu as primeiras horas do ataque do Hamas.

Como foi aquela manhã de sábado, 7 de outubro, o dia do ataque?
Sábado é um dia que respeitamos em Israel, é o shabat, que é o dia sagrado. Está escrito na Bíblia, na porção do Génesis. É um dia em que não usamos eletricidade, inclusive. No shabat não se pode fazer nenhuma atividade, dedica-se basicamente à família, a Deus e a orar.

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Ouça aqui o relato de Aharon Adriano Leszkowicz num episódio do podcast “A História do Dia”.

Adriano esteve 12 horas trancado num bunker

Não se pode trabalhar?
Não pode trabalhar, não usa a eletricidade e várias outras coisas. Por exemplo, não usamos o telefone no shabat, muito menos a televisão. No entanto, por causa da situação, que geralmente é complicada, não usamos o telefone, mas deixamos ligada uma app, que toca em caso de alarme. Infelizmente, é uma coisa a que estamos habituados em Israel, as sirenes. As nossas crianças já sabem o que têm que fazer: ouvem a sirene, correm para baixo. Na nossa casa, temos um porão que é um abrigo anti-bombas. Infelizmente, é uma coisa que as casas aqui em Israel têm que ter.

Lembro-me bem, eram seis e meia da manhã e a minha mulher acordou-me: “Adriano, escuta, estão caindo bombas em Modi’in, em Telavive, em Jerusalém”. Embora estejamos acostumados a bombas, geralmente nunca acontece numa velocidade tão rápida. Começa com uma bomba aqui, depois mais duas, mais três e a coisa vai crescendo aos poucos. Desta vez, foi totalmente diferente. Foi um ataque violento de bombas, uma coisa exagerada.

Eram milhares de foguetes.
Sim. Imaginámos logo que ia acabar em guerra, mas ainda não estávamos a entender a situação. Pensámos que era um bombardeamento.E sabemos o que fazer: trancamo-nos na casa e nada mais. Liguei logo para o meu pai, que é idoso e mora na região de Modi’in. Falei: “Pai, está a haver um bombardeamento, vão para o abrigo anti-bombas”. Ao mesmo tempo, a minha mulher pegou na nossa bebé de três anos e correu com ela para o abrigo. Corri até ao quarto das crianças e falei: “Guerra, guerra, guerra, vamos para o abrigo agora”.

Adriano vive com a mulher e os quatro filhos numa cidade a 12 Km de Gaza. Fugiu para um hotel na região central de Israel

Geralmente é difícil acordar as crianças, principalmente ao sábado, que é o dia livre – não se consegue acordá-las antes das nove. Mas quando ouviram “guerra, guerra”, as minhas duas meninas maiores, uma tem quinze e a outra tem treze, desceram automaticamente a correr. O menino foi mais devagar. Falei: “Nem cá, que eu carrego-te”, que ele é um pouco mais novo, tem dez anos. Ele falou: “Não, não deixa que eu vou sozinho”. Fomos todos para o abrigo anti-bombas. Mas, infelizmente, isso era só o começo da história. Alguns momentos depois, a gente começou a ouvir informações de que eventualmente estava a haver infiltrações de terroristas.

Quando é que percebeu que não era apenas um bombardeamento?
A minha mulher recebeu uma mensagem pelo WhatsApp. Uma vez que entendemos que existia aqui um risco de vida, nesses casos usamos o telefone, mesmo no shabat. É permitido. A minha mulher começou a receber mensagens no telefone, avisando para nos trancarmos nas casas, que existia o risco de estar a haver uma infiltração de terroristas. Tracamo-nos em casa e chegámos a ouvir tiros do que nos parecia metralhadoras semi-automáticas, o que geralmente não é usado pelo exército de Israel. Ou seja, provavelmente [eram] terroristas de facto. Durante esse período de tempo, também a rede elétrica foi bombardeada: desde cerca das 11h00 até às 18h00, ficámos sem energia elétrica em casa. A determinada altura, começou a a escurecer e utilizámos o telemóvel para iluminar. A eletricidade foi restaurada só mais tarde.

Quanto tempo ficaram trancados?
Cerca de 12 horas no total, com alguns intervalos. De vez em quando saíamos, mas voltávamos logo. A situação não era muito clara, não sabíamos o que estava a acontecer. E também não tínhamos como ver na televisão, porque não havia eletricidade.

Conhece pessoas que foram alvo de ataque?
Infelizmente, sim. A minha mulher acabou de voltar do enterro de uma mãe de um amigo nosso. Inclusivamente, era filha de um sobrevivente do Holocausto. É uma situação absurda. A mãe dele foi baleada, o pai ferido e não tinham nem como os resgatar. Estavam sobre um forte ataque de terroristas. Eles viviam bem mais perto, a poucos quilómetros da fronteira.

Antes de 7 de outubro, como descreve o seu dia-a-dia, um dia normal da família? Já explicou que as crianças estão habituadas aos alertas e aos avisos…
O nosso dia-a-dia, fora isso, é normal. Trabalho como engenheiro eletrónico para uma empresa grande. A minha mulher trabalha para uma outra companhia, como analista de negócios. Os filhos vão para uma escola normal. Temos uma filha de três anos, um cachorro também. Há uma semana que não estamos a viver na nossa casa. O tempo aqui passa e já nem damos conta. No domingo, quando tivemos a primeira oportunidade, abandonámos a nossa região. Agora estamos na região central de Israel.

Estão onde: num hotel, numa casa?
Estamos num hotel na região de Netanya. Várias famílias da região foram transferidas para aqui. Várias cidades de Israel foram evacuadas. Algumas pelo próprio exército… outras porque as pessoas, por vontade própria, fugiram com os seus próprios meios.

Não é seguro nesta altura viver na sua casa, teve que sair para viver noutra região. 
De facto. Infelizmente sim.

Para a realidade portuguesa, tudo isto é muito diferente. Tem uma casa segura, tem um quarto seguro na cave de casa, é isso?
Sim. Para as casas que foram construídas nos últimos anos — a nossa casa foi construída há mais ou menos oito anos — isso é um requisito. Para poder construir a casa, é-se obrigado a construir o que em hebraico se chama de mamads, é um quarto seguro em que as paredes são feitas de cimento maciço. Tem várias blindagens e a porta é de ferro, uma porta pesada. A janela também é uma janela de ferro, que seria à prova de bombas.

"Aqui em Israel aconteceram atrocidades que são inimagináveis. Normalmente até gosto de ver filmes policiais, com um certo grau de violência, mas recebi filmes que não consegui ver até o final"

Mas não é à prova de um ataque de pessoas, de uma infiltração a pé. Aí não funcionaria?
Funcionaria até certo ponto. O que que aconteceu no ataque do Hamas é que algumas pessoas se trancaram mamads, nesses abrigos, e algumas conseguiram escapar por estarem aí escondidas. Mas eles fizeram várias coisas para conseguir atacar. Tinham aqueles foguetes de ombro e usaram isso para abrir e incendiar as casas, estourar a porta do mamad. Em outros casos, puseram fogo e forçaram de certa forma as pessoas a saírem. Ou as pessoas foram queimadas [lá] dentro ou asfixiaram. A principal função do mamad é proteger-nos em relação a bombas. Ele é hermeticamente fechado, de certa forma. Eles lançaram fogo do lado de fora, por exemplo, e as pessoas tiveram que abrir. Ou agarravam numa pessoa e diziam: “Você vai lá e fala para abrirem a porta que a gente não vai fazer nada, porque senão a gente vai matar todo mundo”. E aí quando, quando abriam a porta, eram eventualmente mortos. Mulheres foram violadas, famílias inteiras foram dizimadas. Foi tristíssimo.

Viu imagens desses ataques?

Aqui em Israel aconteceram atrocidades que são inimagináveis. Tive acesso a alguns dos vídeos das coisas que aconteceram… Sou um cara que normalmente até gosto de ver filmes policiais, filmes de que tem um certo grau de violência, mas recebi filmes que não consegui ver até o final. Vi o filme, fiquei chocadíssimo com o que aconteceu. Cheguei a ter o meu coração palpitando muito forte por muito tempo depois de ver aquele filme. E foi só um dos filmes que vi do que aconteceu. Na cidade de Sderot, que foi muito atacada, um estabelecimento policial foi atacado pelos terroristas. Só para ter uma ideia do absurdo, estamos a falar de alguns milhares de terroristas, que invadiram simultaneamente a faixa, que cruzaram a fronteira. A minha mulher trabalha em Sderot. Felizmente, foi num dia em que ela não estava naquela região.

epa10904782 Wrecked cars and damaged buildings in the Israeli city of Ashkelon following rocket launches from Gaza, 07 October 2023. Rocket barrages were launched from the Gaza Strip early Saturday in a surprise attack claimed by the Islamist movement Hamas.  EPA/ATEF SAFADI

Carros destruídos na cidade israelita de Ashkelon depois de rockets atingirem Gaza, a 7 de outubro

ATEF SAFADI/EPA

Como é que a opinião pública israelita lida com o facto de isto ter acontecido? Temos Israel como sendo um dos países mais seguros do mundo, com mais exército, polícia, vigilância eletrónica. Como é que isto aconteceu?
Infelizmente, houve muitas falhas aqui. Foi algo totalmente inesperado. Isso mudou totalmente a mentalidade da população aqui em Israel. Foi uma tragédia muito grande. Era realmente inimaginável. A opinião geral é que vai ter muita coisa que vai ter que ser investigada aqui. Vão ser feitas muitas investigações. A coisa vai ser muito feia. Muitas pessoas vão ser mandadas embora, a níveis de militares ou serviços secretos.

Uma coisa muito importante é que existe um consenso que, infelizmente, agora estamos num momento de guerra. Esse aqui não é o momento de investigar o que aconteceu. Neste momento, Israel está 100% unida num esforço de guerra. Temos mais de 130 pessoas sequestradas, entre elas bebés, bebés de nove meses, crianças de dois, quatro anos. Estou quase com lágrimas de olhos só de pensar na ideia de uma criança de três anos, de nove meses, menores… 100% da população está concentrada nisso. O nosso foco é no futuro, em recuperar os nossos sequestrados, em apoiar o nosso exército e em defender-nos. As ações vão acontecer, vai ter o tempo correto. Esse não é o tempo correto.

Vemos as imagens que nos chegam de Gaza, onde não há eletricidade, não há água, não há mercadorias, a situação nos hospitais de Gaza, as crianças de Gaza. Como é que esse lado que passa também para cá, para Portugal, é visto pelos israelitas? Como é que olha também para o outro lado? 
Falo não só por mim, é a opinião de 90% da população israelita. Existem extremistas em todo lado, mas a grande maioria da população pensa dessa maneira, principalmente o governo, inclusive os militares. Lamentamos a morte de qualquer civil, qualquer criança, qualquer pessoa. A grande diferença — até o que explica, de certa forma, o número grande de feridos, infelizmente, que existe na região de Gaza — é que essa guerra é uma guerra que nós não queremos, que foi decretada pelo Hamas. Israel evacuou, todo mundo foi tirado. A nossa população foi toda evacuada. O Hamas faz justamente o contrário. O que é que o Hamas faz? Vai lá e vai se esconder nos hospitais. Vão atirar em nós dos hospitais. O Hamas usa as crianças como escudo.

Aqui, em Israel, por exemplo, trabalho com árabes, a gente tem árabes. Inclusive tem um médico árabe que foi ferido nisso aqui. Se for num hospital aqui em Israel, vai ver que a maioria dos enfermeiros, quase metade dos médicos são árabes. A gente tem uma população muito grande de árabes, de cristãos, de tudo. O Hamas não luta pelos árabes, não são muçulmanos. Isso aqui vai contra a religião cristã, vai contra a religião judaica e vai contra a religião muçulmana também. Nenhuma religião é a favor de matar outras pessoas, inclusive os muçulmanos. Isso vai contra a religião deles. O Hamas não representa o povo palestino. O Hamas quer se pintar como se estivesse defendendo os interesses do povo palestino. Isso não é verdade. Recentemente tive coisas que foram feitas na minha casa por pessoas da região da Palestina. Eles falaram: “Nós detestamos o Hamas!”. Contaram-me o seguinte: “Para a gente poder atravessar a fronteira tem que pagar entrada para o Hamas e para poder voltar para as nossas casas, a gente tem que pagar uma entrada para o Hamas”.

"Existe um consenso de que estamos num momento de guerra. Não é o momento de investigar o que aconteceu. Israel está 100% unida num esforço de guerra, num esforço de retornar"

Porque é que Gaza está nessa situação? Porque o Hamas tem muito dinheiro. Eles pegam o dinheiro da população, eles pegam o dinheiro que foi enviado para comprar remédios, para comprar o que for. Pegam o cimento para construir uma coisa que é sabido, uma asa subterrânea, ou seja, o Hamas não está sendo bombardeado. A infraestrutura está toda abaixo da rede de Gaza. Isso dificulta muito e explica também o grande número de feridos que existe, de crianças feridas. A grande diferença é que no nosso caso, são efeitos colaterais. Em Israel adoramos a vida, tanto a nossa como a vida de outras pessoas. Em qualquer ataque que Israel faz fazemos todo o possível para evitar atingir inocentes em geral e, sobretudo, crianças. Infelizmente, o Hamas faz justamente o contrário. Ele vai colocar as crianças onde ele está. Vai tentar guerrear onde as crianças estão, justamente para as usar como escudo.

A paz é possível? Acredita nisso?
Acredito, se Deus quiser, espero que sim. Vai ter que ser trocado todo o panorama político que existe. Não só político, tudo. Quando os terroristas forem eliminados da Faixa de Gaza, acredito que talvez. Vai ser um processo muito longo. Acredito que sim, mas talvez esteja errado. Não sei o que dizer. Se visse os vídeos e as informações que tenho, você ia entender que não existe como fazer paz. Não tem como fazer paz com pessoas que degolaram, literalmente, degolam crianças.

Mas, como falei, existem árabes vivendo em Israel. Eu acredito que que existem árabes que possam continuar vivendo na região. Existem muitos de lá que querem a paz. Vamos ver se a gente consegue. Acredito que, se Deus quiser, com a ajuda de Deus, nós acreditamos em Deus… Ele vai permitir que haja paz algum dia. Israel ofereceu várias vezes a possibilidade de ter dois Estados, o Estado de Israel e o Estado Palestino. Os palestinos não quiseram isso. Então, Deus queira que possa haver paz. Mas, infelizmente, no momento, isso está muito longe.

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