Enviado especial do Observador, em Tóquio
A probabilidade de haver irmãos gémeos a seguirem o mesmo caminho profissional na mesma modalidade e com um rendimento de tal forma parecido que permite qualificação olímpica é tudo menos grande. Só nestes Jogos de Tóquio, são seis casos. E só na ginástica são três de outros tantos países: as holandesas Sanne e Lieke Wevers (artística), as britânicas Jennifer e Jessica Gadirova (artística) e as russas Dina e Arina Averina (rítmica). No caso das últimas, o “feito” consegue ir mais ao extremo, atendendo ao que se passou nos últimos Europeus e Mundiais: Dina é a favorita a arrebatar uma vitória mas tem Arina como a mais complicada das adversárias. Das duas irmãs, uma sairá como figura. Mas esta será a edição onde até as estrelas consagradas têm oposição, ou não fosse habitual qualquer história com super heróis conhecer ao longo do seu enredo a luta com um vilão.
Aqui não é bem o caso. Pode haver super heróis, gigantes sem título ou referências sem capa mas essa coisa dos vilões fica reservada para aqueles habituais episódios que muitas vezes só são conhecidos após as competições. Estes serão os Jogos de Simone Biles? Sim, mas existem dois nomes que podem fazer alguma sombra naquela que será a tentativa da americana em repetir os cinco ouros do último Mundial. Estes serão os Jogos de Noah Lyles? Sim, mas há mais concorrência na prova dos 200 metros. Estes serão os Jogos de Caeleb Dressel? Sim, mas sem esquecer que até Michael Phelps teve a sua derrota com Joseph Schooling. Muitas vezes esse perigo pode até estar mais perto do que parece e existem sete grandes duelos a ter em conta na antecâmara do arranque.
MyKayla Skinner, uma (pequena) sombra de Simone Biles
Ponto prévio: Simone Biles vem a Tóquio para ganhar tudo. E tudo é mesmo tudo, incluindo a medalha de ouro na trave que lhe faltou nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016 (ganhou a holandesa Sanne Wevers). O objetivo pode ser ambicioso mas o Mundial de Estugarda, em 2019, provou que não existem impossíveis para a americana de 24 anos. Deixemos agora de parte tudo o que se passou na antecâmara destes Jogos na ginástica dos EUA (sendo um assunto que vamos continuar a falar porque está muito latente ainda), centremo-nos apenas na ginástica em si. Biles, a mais medalhada de sempre em Mundiais, é tão boa, tão superior à concorrência e tão inatingível que todos os exercícios que propõe estão num nível que a coloca logo na frente em relação às adversárias. Posto isto, há sobretudo dois nomes que podem impedir o pleno: a belga Nina Derwael, que conseguiu vencer no plano individual Biles em 2018, e sobretudo a compatriota MyKayla Skinner, que faz a estreia nos Jogos Olímpicos.
Joseph Schooling, a barreira de Caeleb Dressel
Caeleb Dressel é o grande fenómeno da natação masculina e entra em seis provas (três individuais entre livres e mariposa, três de estafetas) com o intuito único de subir ao lugar mais alto do pódio em todas. Nos Mundiais de 2017, somou por triunfos as sete provas realizadas; nos Mundiais de 2019, igualou as oito medalhas de Phelps numa só edição do Campeonato do Mundo, com seis ouros e duas pratas; nos Jogos de 2016, ganhou dois ouros mas nas estafetas. Os últimos resultados demonstram que o americano é o grande favorito em todas as provas que dispute mas há um nome a ter em conta, não só por ser campeão em título mas por ter sido também uma espécie de carrasco de Michael Phelps nos 100 metros mariposa no Rio de Janeiro, em 2016: Joseph Schooling, o fenómeno de Singapura que fez toda a carreira nos EUA e chega apostado em segurar o título de há cinco anos.
Ariarne Titmus, a fotocópia de Katie Ledecky
O outro fenómeno da natação americana, neste caso no quadro feminino, é Katie Ledecky. Ao contrário do que aconteceu com Missy Franklin, que entre muitas lesões acabou por nunca fazer aquela carreira que prometia, a (ainda) jovem de 24 anos deu uma primeira amostra do que era capaz de fazer nos 800 metros livre em Londres e confirmou esse domínio com quatro ouros e uma prata no Rio de Janeiro. Em condições normais, agora seria novo passeio mas apareceu, literalmente, um diabo da Tasmânia: Ariarne Titmus, a australiana de 20 anos que nasceu em Launceston e que chocou o mundo ao vencer a americana nos 400 metros livres dos Mundiais de 2019. Este vai ser talvez o maior duelo na natação. Pelo menos, o duelo que mais expetativa está a gerar.
Erriyon Knighton, o futuro Noah Lyles
Pode ser pela história de vida, que tão depressa chega a um Washington Post como a uma Vogue. Pode ser pelo que fez nos Mundiais do Qatar de 2019, a limpar a final dos 200 metros e os 4×100 pelos EUA. Pode ser até pela forma de ser, pelo carisma que cultiva apesar de ter apenas 24 anos. Uma coisa é certa: Noah Lyles, mesmo não fazendo a final dos 100 metros (que promete ser a mais aberta das últimas edições com a suspensão de Christian Coleman), chega a Tóquio como o rei da velocidade e grande figura para os 200 metros. Quem há mais? Yohan Blake, uma incógnita pelo momento em que chega, ou Andre De Grasse, que parece sobretudo virado para os 100 metros. Vitória certa? Tudo aponta que sim. Mas aquilo que Erriyon Knighton, o prodígio americano de 17 anos, fez nas últimas semanas abre a porta a uma possível surpresa – mesmo que não seja provável.
Ashleigh Barty, o outro lado de Naomi Osaka
Só o regresso de Naomi Osaka à ação já seria notícia mas o facto de ter colocado como um dos objetivos da época a vitória no torneio olímpico de ténis no seu país aumenta ainda mais todo o interesse em torno da japonesa que se retirou depois da polémica da não comparência nas conferências de imprensa de Roland Garros e falhou de seguida o torneio de Wimbledon. O facto de jogar sem público esvazia em parte o apoio que poderia sentir no court mas nem por isso diminui a expetativa dos nipónicos em ter a grande referência no ténis a conseguir o ouro. Quase em contraponto em termos de momento surge Ashleigh Barty, australiana que lidera o ranking WTA à frente da japonesa e vem de um moralizador triunfo em Wimbledon antes de participar nos Jogos.
Hisayoshi Harasawa, o calcanhar de Aquiles de Teddy Riner
Até pelo próprio calendário internacional e a respetiva organização das provas ao longo dos meses, o judo é uma das modalidades que promove mais duelos diretos e provas de fogo entre os grandes favoritos. Acima de todos está Teddy Riner, o gigante francês de 32 anos que esteve quase dez anos sem perder um único combate (ao longo de toda a carreira perdeu apenas em nove ocasiões) antes de ser derrotado no Grand Slam de Paris do último ano frente a Kokoro Kageura. Onde Big Ted toca, sai ouro. Fica ouro. Transforma-se em ouro. Mas todos os Midas têm um calcanhar de Aquiles nos piores dias – até porque o todo poderoso Riner já assumiu que teve uma lesão nos ligamentos do joelho em fevereiro – e o japonês Hisayoshi Harasawa aposta tudo em “casa” para poder quebrar a completa hegemonia do gaulês, aspirando ao primeiro grande triunfo internacional depois da prata dos Jogos de 2016 e da prata e do bronze nos Mundiais de 2017 e 2019. Até as imagens dessa final entre ambos no Rio de Janeiro não mentem: o nipónico tem sede de vingança depois do desaire há cinco anos.
Arina Averina, o espelho de Dina Averina
Esta é talvez uma das histórias mais impensáveis, improváveis e ao mesmo tempo bonitas dos Jogos, que envolve apenas uma família, duas atletas que são gémeas e três medalhas que estão em aberto no concurso all aroud na ginástica artística. Após ter ganho a medalha de ouro nos Jogos do Rio de Janeiro, a russa Margarita Mamun encerrou muito nova a carreira profissional logo em 2017 e a compatriota Yana Kudryavtseva, que ficou com a prata, foi também forçada a abandonar nesse mesmo ano devido às lesões por uma fratura na perna. A modalidade entrava numa nova era e foi mais uma dupla russa a tomar conta das grandes decisões, com Dina Averina a chegar aos Jogos de Tóquio como tricampeã mundial e grande favorita ao ouro tendo como adversária direta a irmã, Arina Averina, que foi vice-campeã mundial em 2017 e 2019 e campeã europeia já este ano.