Criado no final da década de 1970, o Poynter Institute é, ainda hoje, uma das mais prestigiadas e reconhecidas escolas de jornalismo em todo o mundo. Quase 45 anos depois de ter sido criado, nasceu, em setembro de 2015 o projeto Poynter International Fact-Checking Network, integrado no contexto do Poynter Institute e cujo objetivo principal é ajudar a dar forma e promover o movimento de fact-checking que foi despontando nas principais democracias ocidentais.
E é também de democracias, sobretudo de democracias saudáveis, que se fala, quando se discute o movimento de fact-checking. “É muito difícil alcançarmos um mínimo consenso como sociedade se não tivermos um leque partilhado de factos“, nota Alexios Mantzarlis, que lidera esta rede internacional desde a sua criação, depois de ter ajudado a fundar e a liderar o Pagella Politica, um site italiano especializado em fact-checking.
Ao Observador, Mantzarlis explica que projeto é este e os desafios que enfrenta. Fala das eleições norte-americanas, da vitória de Donald Trump, mas também do referendo italiano e das notícias falsas que circularam sem qualquer escrutínio. Evita, ainda assim, visões catastrofistas e apocalíticas sobre o fim do jornalismo e o início da era da pós-verdade. “Os estudos recentes mostram que, quando confrontadas com factos, as pessoas mudam de opinião mesmo que esses factos contrariem as suas preferências políticas“. O combate está longe de estar perdido à nascença, sublinha.
Mas, para que isso seja possível, é preciso uma ação decidida e conjunta para combater as notícias falsas e as afirmações não fundamentadas — nos órgãos de comunicação, mas também nas redes sociais, para muitos a principal, senão única, plataforma de consumo de informação.
Recentemente, o Facebook decidiu permitir que organizações especializadas em fact-checking — e que sigam o código de princípios definido pela Poynter International Fact-Checking Network — possam verificar a veracidade dos factos de uma determinada notícia partilhada naquela rede social e que depois, se for o caso, essa informação possa ser assinalada como falsa ou não fundamentada. “Um importante passo” para combater a proliferação de notícias falsas, mas que deve ser entendido apenas como o início, diz o responsável. Alexios Mantzarlis, diretor do Poynter International Fact-Checking Network, em entrevista ao Observador.
Começando pelo princípio. Que projeto é este, a Poynter International Fact-Checking Network, e o que é que estão a tentar alcançar?
A Poynter International Fact-Checking Network foi lançada no outono de 2015. É uma aliança de iniciativas de Fact Check. O nosso objetivo é juntar fact checkers, um movimento que está a crescer em todo o mundo, em torno de um projeto comum, que permita a troca de experiências sobre as melhores práticas neste campo e acompanhar as principais tendências de Fact Check. No fundo, o nosso objetivo é permitir que as organizações possam aprender umas com as outras. Além disso, disponibilizamos formação, online e offline, e recursos para que o movimento possa crescer.
O Facebook assinou uma parceria com várias organizações, como a The Associated Press ou a PolitiFact, que vão apurar a veracidade de artigos assinalados como falsos. Numa altura em que tantas pessoas consomem informação através das redes sociais, este é um passo na direção certa?
Esta decisão do Facebook é absolutamente fundamental, ainda que seja precoce dizer se vai ou não ser eficaz. Numa altura em que vemos tantas histórias completamente fabricadas sobre as eleições norte-americanas ou sobre o referendo italiano, que chegam a audiências enormes, ainda maiores do que as alcançadas pelas notícias verdadeiras, penso que é um importante passo no sentido de tornar a informação que circula mais precisa.
Está otimista?
Durante meses o Facebook negou qualquer tipo de responsabilidade e recusou tomar qualquer tipo de ação [contra a proliferação de notícias falsas]. Acho que é de louvar o facto de terem tomado este tipo de medida, adotaram uma estratégia cautelosa e penso que temos de esperar para ver. Estou otimisticamente expectante.
Falou nas eleições norte-americanas. O candidato mais vezes desmentido pelos factos, Donald Trump, venceu as eleições. Podemos dizer que os media tradicionais perderam influência ou esta é o reflexo da tão propalada era da “pós-verdade”?
De facto, nunca houve tantos Fact Check como nas eleições norte-americanas de 2016. Ainda assim, acho que é uma falácia dizermos que os políticos que mentem muito vencem eleições e que os factos já não têm relevância. Como sabemos, os eleitores tomam as suas decisões com base em vários fatores diferentes. Basta recordar o exemplo de Barack Obamba. Em 2008, Obama conseguiu o voto de milhões de novos eleitores com base na esperança e na mudança. E isso não são factos. São sentimentos, emoções. A política é muito mais do que um conglomerado de factos. E isso é bom.
Então é exagerado dizer que vivemos na era da “pós-verdade”?
Acredito que para qualificarmos esta era como a “era da pós-verdade” temos de encontrar evidências de que os cidadãos não mudam de opinião quando confrontados com factos. E não é isso que dizem as investigações. Estudos recentes mostram que quando confrontadas com factos as pessoas mudam de opinião mesmo que esses factos contrariem as suas preferências políticas. Vivemos num mundo demasiado complexo, onde os factos e as emoções concorrem entre si e influenciam as decisões que tomamos.
Devemos olhar para o Fact Check como uma ferramenta para assegurar a saúde das nossas democracias?
Bem… É importante que os cidadãos, leitores, jornalistas, enfim, todos os intervenientes na discussão pública, deem mais importância ao apuramento dos factos? Claro que é. Não podemos discutir objetivamente nada se não tivermos presentes todos os factos. É muito difícil alcançarmos um mínimo consenso como sociedade se não tivermos um leque partilhado de factos. Dito isto, sim, acredito que o Fact Check pode ser uma parte importante de uma democracia que se quer saudável.
Imagino que este tipo de investigação não seja a favorita da classe política…
O Fact Check insere-se num contexto mais alargado de jornalismo de responsabilização, de exigir ao poder político evidências e rigor sobre as afirmações que faz. Os jornalistas de Fack Check não são os favoritos da classe política, mas creio que estão a ganhar cada vez mais respeito. Um dos maiores desafios que enfrentamos passa por ter acesso a fontes primárias de qualidade que transmitam informação fidedigna — muitas vezes porque as instituições não publicam essa informação ou fazem-no demasiado tarde. E, por causa da velocidade com que temos de trabalhar, numa altura em que é tão fácil publicar uma mentira viral e transmiti-la por todo o mundo, os fact checkers precisam de encontrar uma forma de tornar o seu trabalho mais rápido para impedir que a informação falsa [sem contraditório] chegue a uma audiência maior.