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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Crime da Travessa de S. Mamede. Há 120 anos, a pintora Josepha Greno assassinou o marido e sentou-se a comer pão com manteiga

A pintora Josepha Greno esperou que o marido e também pintor Adolpho Greno adormecesse e, com um revólver que escondera debaixo do colchão, matou-o com três tiros. Foi considerada louca.

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Eram quatro da manhã quando Virgínia das Neves e Cunha acordou com um estrondo. A mulher, que vivia no rés do chão do n.º 44 da Travessa de S. Mamede, a atual Rua Nova de S. Mamede, julgou tratar-se das pancadas de um martelo. Rapidamente mudou de ideias — às supostas marteladas, seguiram-se os gritos aflitos de uma outra mulher, que pedia por socorro. Assustada, Virgínia levantou-se da cama. Ao chegar à rua, cruzou-se com Manuel Lopes Pessoa, que vivia no n.º 38 e que saía disparado em busca de ajuda. Pessoa voltou pouco depois, acompanhado por um polícia da 10.ª esquadra de Lisboa, que andava a fazer a ronda. No primeiro andar do seu prédio, Josepha Greno, famosa pintora de flores, tinha disparado três tiros contra o marido, o também pintor Adolpho Greno, que jazia morto sobre uma poça de sangue no chão do quarto onde ambos dormiram.

A notícia espalhou-se rapidamente. Enquanto no primeiro andar do n.º 38 o polícia 192 fazia as primeiras diligências, uma pequena multidão reunia-se na rua que ainda hoje liga a Rua do Salitre à Rua da Escola Politécnica. E Virgínia apercebia-se de que o som de algo a cair, que tinha sucedido ao estrondo inicial, tinha sido o som do corpo de Adolpho Greno a cair da cama para o chão do apartamento onde morava. Enquanto fazia estas deduções, a criada dos Greno apareceu na rua e pediu-lhe que mandasse um dos seus filhos à vacaria buscar um pouco de leite. Adrião, de nove anos, foi enviado, regressando momentos depois com o leite que, veio-se depois a saber, se destinava ao pequeno-almoço da homicida.

Josepha Greno recebeu o polícia 192 com cerimónia. Admitiu-lhe tranquilamente que tinha assassinado o marido durante aquela madrugada de 26 de junho de 1901. Porém, quando o agente lhe indicou que tinha de o acompanhar ao Juízo Criminal, recusou-se a fazê-lo. “Acompanho-o onde quiser, senhor polícia, mas primeiro tem de me deixar almoçar. Vou tomar umas fatias de pão com manteiga e uma chávena de café com leite”, declarou. O polícia insistiu. O cabo 33, que depois apareceu, insistiu. Nenhum dos dois conseguiu demover Josepha de comer as suas torradas e beber o seu café, o que acabou mesmo por acontecer perante o pasmo dos agentes e dos vizinhos do rés-do-chão e segundo andar, que entretanto tinham enchido o apartamento. Serena, Josepha encaminhou-se para a sala de jantar, onde tirou, de cima do aparador, um bule. Encheu uma chávena, barrou uma fatia de pão com manteiga e comeu tranquilamente. Na divisão ao lado, o cadáver de Adolpho Greno continuava estendido no chão.

— Pronto!

Terminada a refeição, levantou-se. Colocou o chapéu e a capa e nem esqueceu o pó de arroz. Convencida de que voltaria rapidamente, procurou à saída tranquilizar a sobrinha e a criada: “Não se impacientem, que eu volto já”. Nunca mais voltou. Josepha morreu a 26 de janeiro de 1902 no hospital de Rilhafoles, onde foi internada ainda em junho de 1901 após um conselho médico-legal, presidido por Miguel Bombarda, ter concluído que o homicídio que tinha cometido era o resultado de uma doença mental. O caso foi noticiado pela imprensa como um “triunfo” para os alienistas, mas houve quem duvidasse da loucura da pintora de flores, que morreu aos 54 anos, de uma suposta doença renal, num quarto isolado do manicómio lisboeta. Bombarda, que tinha proibido as visitas, foi responsável pela autópsia que atestou as conclusões médicas. Estava também entre aqueles que confirmaram a identidade do cadáver — há sete meses que ninguém via Josepha Greno.

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Josepha Greno matou o marido na casa que os dois partilhavam há 25 anos na antiga Travessa de S. Mamede, atual Rua Nova de S. Mamede, em Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A espanholita inteligente de olhos escuros e o promissor estudante de Belas Artes

Josepha conheceu Adolpho quando este era um jovem estudante. Nascida na localidade de Medina Sidonia, a 46 quilómetros de Cádis, no sul de Espanha, a 1 de setembro de 1850, Maria Josepha Garcia mudou-se para Portugal com a mãe, Maria Seoane, após a morte do pai, José Garcia Sáez, general do exército espanhol, numa altura em que o país vivia uma época de grande instabilidade política, marcada pela Segunda Guerra Carlista. As duas mulheres estabeleceram-se em Lisboa, na mesma rua onde vivia Greno, então um promissor estudante de Belas Artes. Segundo Luís Varela Aldemira, autor de uma biografia de Josepha Greno publicada 50 anos após o chamado “Crime da Travessa de S. Mamede”, Josepha era “uma espanholita de olhos escuros, elegante”. Pepita, como era conhecida entre os amigos, tinha “a alegria contagiosa do sol andaluz na expressão do rosto e na plenitude da sua figura aparente”. “Inteligente”, apreciava a literatura e as artes, tendo publicado alguns contos e poemas em revistas espanholas. Para se sustentar, trabalhava em Lisboa como bordadeira e costureira.

Adolpho de Medeiros Greno, quatro anos mais novo, era filho de Thomás de Aquino Greno e Carolina de Medeiros Greno. Nascido em 1854, na antiga freguesia de S. João da Praça (hoje parte da freguesia da Sé), mostrou desde cedo aptidões para a pintura, iniciando em criança os estudos. Em 1870, data em que terá conhecido Josepha, matriculou-se nas Belas Artes, onde se tornou discípulo do famoso retratista português Miguel Ângelo Lupi. O talento que mostrava levou a que lhe fosse atribuído um pensionato de Pintura de História em Paris, para onde se mudou em 1877, após se ter casado, em segredo, com Josepha. Na altura, não era bem visto que os pensionistas se casassem, mas Adolpho Greno não terá ligado ao que os seus mestres pensavam — a 18 de setembro de 1876, uniu-se em matrimónio com Josepha Garcia. O registo do casamento na Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Socorro, consultado pelo Observador no no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, mostra que teve apenas como testemunhas Artur Gentil Greno, irmão de Adolpho, e o escrivão, João de Almeida, o que é indicativo do sigilo que o casal teve de manter.

O primeiro ano na capital francesa correu bem. A ata da sessão de 30 de novembro de 1877 da Academia de Belas Artes, consultada por Fernanda Pedro para a sua dissertação de mestrado sobre a vida e obra de Josepha Greno, apresentada em 2002 na Universidade Lusófona, fala nos progressos do artista, que estudava com o pintor de influência clássica Alexandre Cabanel. O ano seguinte foi já diferente — 1878 passou sem que Adolpho escrevesse aos seus professores na Academia de Belas Artes. O contacto foi retomado em 1879, quando enviou provas do segundo ano do pensionato e mais alguns trabalhos. Desculpou-se com a vontade que tinha de melhorar a sua prestação e com o ritmo de trabalho no estúdio de Cabanel, que os alunos frequentavam alternadamente duas semanas por mês, passando os restantes dias em ateliês privados. A Academia não ficou satisfeita e deu conta disso mesmo na ata de 18 de abril de 1879, onde frisou a irregularidade dos contactos e o comportamento errático do estudante em Paris, que preferia frequentar os cafés a contactar com os outros artistas. Terá sido também por essa altura que surgiram os primeiros problemas no casamento. Mais tarde, Josepha queixar-se-ia que o marido a preteria a outras companhias (houve discussões por causa de uma francesa chamada Leóntine) e que tinha sido obrigada a trabalhar como “um homem” para sustentar a família, que por esta altura incluía também a sua mãe, que tinha viajado com o casal.

O registo do casamento de Adolpho e Josepha Greno na Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Socorro. À direita, um pormenor do documento, onde se vê a assinatura dos noivos (Imagem cedida pelo ANTT)

ANTT, Registos Paroquiais, Lisboa, Socorro, Registos de Casamentos, Liv. 19, Cx. 25 - PT/ADLSB/PRQ/PLSB53/002/C19

No ano seguinte, Adolpho voltou a não enviar quaisquer trabalhos para Lisboa, alegando ter estado doente. Depois de várias ameaças, o pensionato foi suspenso em 1881. Em vez de regressarem, os Greno decidiram permanecer na capital francesa. Foi nesse ano que, por sugestão do pintor Artur Loureiro, posaram para Concerto de Amadores, de Columbano Bordalo Pinheiro, então a viver em Paris. O quadro, que integra a coleção do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC), mostra um grupo de pessoas cantando ao som de um piano. A figura feminina mais próxima do instrumento, de olhos baixos, é Josepha. Atrás de si, de perfil, está Adolpho, de barba e bigode. Este trabalho de Columbano, que dava ainda os primeiros passos como artista, é o único retrato conhecido do casal, que permaneceu em Paris até 1886. Por essa altura, Josepha tinha começado a dedicar-se à pintura, inicialmente sob a orientação do marido, que muitas vezes a usava como modelo para pinturas a óleo, de que sobrevivem vários exemplos, ou para meros exercícios.

Mais do que uma paixão, a pintura terá sido para Josepha Greno uma alternativa. Perdido na boémia, Adolpho pintava cada vez menos. Com as contas a acumularem-se, Josepha terá procurado uma forma alternativa de sustento. Tentou aprender a tocar piano, mas foi para a pintura que se virou de forma definitiva. A estreia como pintora aconteceu em junho de 1884, na XIII Exposição da Sociedade Promotora de Belas Artes. A artista apresentou-se como discípula do marido, mas foi ela, e não ele, quem arrancou os maiores elogios aos críticos. Incrédulos, alguns questionaram-se como podia ser. “Ele não sabe de si, quanto mais ensinar os outros! Alguém a conhece pessoalmente? Não? Pois aqui deve haver marosca!”, citou Varela Aldemira na sua biografia. Houve quem sugerisse que tinha havido uma troca e que os quadros dela eram dele e os dele eram dela. Como podia uma mulher sobrepor-se assim ao marido? Já este tinha-se tornado, nas palavras do Século, um “artista distinto, bem que o seu talento não o tornasse uma glória nacional”. Com o passar dos anos, o outrora promissor aluno da Academia de Belas Artes, acabaria, para grande desgosto do mestre Lupi, que nele tinha apostado, renegado para a segunda liga das artes plásticas nacionais.

A “surpresa Greno”, como lhe chamaram, convenceu até António Carvalho da Silva Porto, que a chamou para o Grupo do Leão. O que mais impressionava em Josepha era a forma como apresentava as flores na pintura. Para Sandra Leandro, diretora do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora, e especialista na obra da artista, Josepha Greno representou uma verdadeira “renovação na pintura de flores e frutos na sua época”. “Ela veio dar um novo fulgor à forma como se pintava flores. Era mais vigorosa do que muitos outros e outras que pintavam [esse tema]”, explicou ao Observador. Maria de Aires Silveira, curadora do MNAC, considera que Josepha era uma artista com “uma sensibilidade especial na pintura de flores, nas tonalidades”. Tinha “uma certa liberdade emocional nesse tipo de pintura, que não era muito vulgar. Tinha essa sensibilidade e liberdade nas tonalidades de pétala”. Para a curadora, é evidente “um puro prazer de pintar”, que era aproveitado como “pretexto para esta pintura de flores”.

Dois retratos de Josepha Greno pintados pelo marido durante a estadia do casal em Paris. O primeiro, recentemente vendido em leilão, está datado de 1884 e o segundo de 1887

Wikimedia Commons

Na Travessa de S. Mamede: o sucesso de uma artista com “sensibilidade especial” e as ameaças de quem já não aguentava mais

Os Greno regressaram a Portugal em 1886. Fixaram-se no primeiro andar do n.º 38 da Travessa de S. Mamede, onde viveriam mais de 20 anos até à tragédia que levou à morte de Adolpho e à prisão de Josepha. Adolpho Greno deu continuidade ao seu trabalho de retratista com cada vez mais incursões pelo mundo do restauro. Josepha Greno continuou a pintar flores e frutas. A fama que tinham começado a ganhar em Paris, sobretudo Josepha, estabeleceu-se definitivamente em Lisboa. As encomendas começaram a multiplicar-se e apareceram os primeiros alunos. Josepha teve várias discípulas, que Adolpho cobiçava, e alguns discípulos. O elevado volume de trabalho obrigou os dois artistas a procurarem um ateliê próprio. Ficava localizado no n.º 40 da Rua do Vale de Pereiro (uma perpendicular da Rua Braamcamp), perto de casa. O casal tornou-se presença regular nas exposições da capital, tendo Josepha recebido medalhas de segunda e terceira classe em mostras promovidas pela Sociedade Protetora de Belas Artes e pelo Grémio Artístico. Também Adolpho foi premiado com algumas medalhas e menções honrosas, mas era Josepha quem brilhava mais — a certa altura, vendia mais do que José Malhoa, ainda longe de ter a popularidade que viria a ter anos mais tarde.

A grande maioria das obras de Josepha Greno pertence a colecionadores privados, mas existem algumas em museus portugueses. É o caso de Flores e Frutos, que integra a coleção do MNAC, que tem também um retrato da pintora feito pelo marido. Nenhuma está exposta. O único quadro de Josepha em exposição permanente está no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora. Chama-se Pomba entre flores. Existem também algumas pinturas no Brasil. “Para mim, a pintura dela é muito boa”, considerou Sandra Leandro, que acredita que a pintora não era apenas uma “moda”, mas uma artista que merece ser lembrada. “Como em todos os pintores, há obras melhores e piores mas, de uma forma geral, ela sabia o que estava a fazer”, afirmou. “Era uma pintora de mão cheia e profissional. Não teve uma aprendizagem formal, mas tinha talento natural.”

“Dois artistas considerados e apreciados”, como referiu o Diário de Notícias após a tragédia da Travessa de S. Mamede, Adolpho e Josepha teriam, em conjunto, um rendimento mensal superior a 200 mil reis. Contudo, tanto ele como ela se queixavam de falta de dinheiro. Segundo O Século, Adolpho Greno ter-se-ia queixado a um grupo de amigos, entre os quais José Malhoa, que tinha problemas financeiros “pelos gastos que fazia em casa e com a educação da sobrinha”, Beatriz Greno, que vivia em sua casa desde a morte do irmão Artur. Já Josepha Greno queixava-se que o dinheiro não chegava porque o marido “gastava tudo”, deixando-lhe apenas 5 reis para as suas despesas pessoais. Esse “tudo” era o que ela própria ganhava — já em Paris, tinha sido obrigada a tornar-se o “homem da casa”, fazendo bordados e depois pintura para sustentar a família, já que, em vez de se dedicar ao trabalho, Greno aproveitava ao máximo a vida parisiense, falhando, como se viu, os compromissos com a Academia de Belas Artes. Adolpho Greno fazia “o que queria” — e Josepha não gostava.

Quatro pinturas de flores de Josepha Greno vendidas nos últimos anos em leilão. A maioria da obra da artista integra coleções privadas

Palácio do Correio Velho

Luís Varela Aldemira, na sua biografia da pintora, revelou que a conta no Montepio que o casal abriu em setembro de 1887 e que estava em nome de Adolpho Greno estava constantemente a ser esvaziada apesar dos rendimentos elevados. De acordo com Sandra Leandro, Josepha, já farta das traições do marido e de ter de trabalhar por dois, começou “a juntar dinheiro para se afastar dele, mas ele roubou-lhe as economias e ela nunca conseguiu fazer isso”. Mas não parece que Greno tratasse mal a mulher. Josepha apontou-lhe duras críticas, mas nunca falou em maus tratos nas declarações que fez às autoridades. Em entrevista ao Diário de Notícias após a sua detenção, a pintora contou que, embora tivesse dito várias vezes ao marido que a abandonasse, este nunca o fez. “Enchia-me de carinhos, chamava-me tola”, admitiu. Os jornais, que desde o início se colocaram do lado do pintor, alimentando a ideia de que Josepha era doida e Adolpho era um santo, foram também sempre unânimes em garantir que Greno a tratava com todos os cuidados, lembrando que este não a deixou quando começou a mostrar que não estaria bem psicologicamente. Os amigos aconselhavam-no a interná-la numa casa de saúde, mas o pintor, talvez porque precisasse dela para o seu sustento, nunca o fez e desvalorizou sempre as ameaças da mulher, que dizia que um dia o haveria de matar. Para ele, não passavam de ciúmes de “espanhola arrebatada”.

Os primeiros sinais de que algo não estaria bem surgiram em 1895, um ano negro para Josepha. Soube-se que “Adolpho atraiçoara o laço conjugal”. “Dera certo escandalozinho com uns amores estranhos, facto que impressionou notavelmente a pintora”, revelou O Século. A pintora não seria alheia às aventuras amorosas do marido (já em Paris se queixara por causa de Léontine), mas talvez o facto de o caso se ter tornado público que lhe tenha causado alguma impressão. A esta situação veio juntar-se outros problemas — a apropriação das suas poupanças por Greno e “uma paralisia”. Josepha Greno, “que até ali saboreava a vida com delícia, esmerando-se no trajar, desde então perdeu toda a alegria e começou de despreocupar-se do vestuário”, escreveu o portuense Jornal de Notícias. Uma grande tristeza abateu-se sobre ela e começou a falar em suicídio. Dizia que um dia haveria de atirar ao mar. Josepha, que sempre aguentara as traições e a exploração do marido, parecia estar a chegar ao limite.

Quando o agente lhe indicou que tinha de o acompanhar ao Juízo Criminal, recusou-se a fazê-lo. “Acompanho-o onde quiser, senhor polícia, mas primeiro tem de me deixar almoçar. Vou tomar umas fatias de pão com manteiga e uma chávena de café com leite.”

Carlos Alberto de Medeiros Greno, o outro irmão de Adolpho Greno, contou ao Diário de Notícias, que foi depois da traição do pintor que o humor da cunhada começou a mudar. “Por vezes mostrava-se irritável, apreensiva, como se um grande desgosto a dominasse, embora seu motivo”, porque, garantia o jornal, Adolpho Greno “não podia ser para ela mais meigo e carinhoso do que era, chegando mesmo a desculpar-lhe a sua irritabilidade, que ele atribuía a um estado mórbido, mas passageiro”. Apesar de tanta meiguice, Josepha parecia ter ganho um verdadeiro asco ao marido, ao ponto de começar a evitar o filho de Carlos Alberto, Abel, que então estudava em Lisboa e que seria “o retrato do marido naquela idade”. “Uma anomalia cerebral que nem mesmo posso explicar”, lamentou o irmão do pintor, frisando que a cunhada era “uma senhora” que, até àquele momento, “sempre primara por ser carinhosa e meiga para com todos” e que todos “a estimavam pelo seu génio bondoso e pela sua alma de verdadeira artista”.

A situação terá piorado após a morte da sua mãe, que vivia ainda com Josepha, em 1888. A pintora começou a ameaçar o marido, dizendo que um dia o mataria enquanto dormia. A sobrinha Beatriz, filha de Arthur Gentil Greno, que tinha morrido em maio de 1901, foi muitas vezes testemunha dessas ameaças. Adolpho desvaloriza-as sempre. “Não é nada, há-de passar-lhe”, dizia. Já Josepha estava decidida a fazer o contrário. Certa vez, colocou sobre a almofada do marido uma toalha, com a qual tentou lhe envolver o pescoço para o asfixiar. A 17 de abril de 1901, comprou uma arma numa loja da Rua Augusta por 18 mil reis, esperou que Adolpho Greno adormecesse e premiu o gatilho. A bala ficou alojada na guarnição da porta. “Outra vez será!”, terá exclamado. António da Silva Menezes, que vivia no mesmo prédio, ouviu o tiro e apressou-se a bater à porta dos Greno. Adolpho convenceu-o a não chamar a polícia. No mesmo dia, atirou a arma, com as cargas, a um dos lagos da Avenida da Liberdade.

"Concerto de Amadores", de Columbano, mostra (da esquerda para a direita) Maria Augusta Bordalo Pinheiro, sua irmão, Greno, um cantor italiano (centro), Josepha Greno e Artur Loureiro (ao piano)

MNAC

A morte de Adolpho Greno: a “última pintura” da pintora de flores

A partir dessa noite, Adolpho e Josepha passaram a dormir em quartos separados. Isso não impediu a pintora de arquitetar um novo plano — a 25 de junho, dois meses após a primeira tentativa de assassinato, Josepha Greno deslocou-se novamente à Baixa para comprar outra arma. Numa espingardeira que existia na Rua do Ouro, adquiriu, por 9 mil reis, um revólver “Bull Dog” de sete milímetros, que manteve escondido até ao momento do crime. Não se sabe como a artista passou o resto do dia. Sabe-se apenas que jantou em casa dos Sottomayor, uma família amiga, na Calçada da Estrela, regressando à Travessa de S. Mamede pelas 22h. Greno, que tinha estado em Sintra dando aulas, entrou em casa pelas 23h, “bem disposto e alegre”. Dirigiu-se à sala de jantar, onde encontrou a mulher, que “beijou afavelmente”. Josepha recebeu-o “friamente”, segundo as descrições dos jornais.

Adolpho pediu-lhe um chá, que Josepha lhe serviu, recolhendo-se depois para o quarto, que ficava ao lado da sala de jantar, “onde esteve por algum tempo, talvez a preparar-se a munir-se do revólver”, sugeriu O Século. Quando a sobrinha e a criada já estavam deitadas, a pintora regressou à sala e disse a Adolpho que queria passar a noite com ele. Sem desconfiar de nada, o artista acedeu ao pedido. Deitaram-se no quarto de Josepha, ele de barriga para baixo, do lado da parede, ela na outra ponta do leito. Era uma divisão pequena. Além da cama, “de pão santo, com pés torneados e lavores na cabeceira”, tinha apenas um roupeiro com um espelho e um toucador, ambos de mogno, descreveu o Diário de Notícias. O chão estava coberto por um oleado escuro e as paredes por um papel de parede desbotado. Havia alguns quadros pendurados e um vaso junto à cama.

Josepha Greno aguardou até às 4h20 da manhã para tirar a arma de entre os colchões e apontá-la ao lado esquerdo do marido. O pintor acordou com o tiro e tentou levantar-se, apoiando a mão esquerda na almofada e voltando-se de costas para a mulher, que estava de pé aos pés da cama. Josepha voltou a disparar, uma e outra vez. A primeira bala alojou-se na zona cervical, a segunda atingiu o dedo indicador da mão esquerda. Adolpho ainda se terá tentado virar, caindo pesadamente no chão do quarto, em cima do vaso, onde ficou a sangrar abundantemente “pelos ferimentos, pelo nariz e pelos ouvidos”. Beatriz Grenoe a criada acordaram com o som dos disparos. Lembrando-se do que tinha acontecido em abril, acorreram à sala de jantar, de onde lhes foi possível ver o corpo de Adolpho Greno estendido no chão (o quarto ficava ao lado). Em pânico, abriram a porta de entrada, alertaram a vizinhança, pediram socorro pela janela e foram chamar o inquilino do rés do chão, Manuel Lopes Pessoa, que saiu disparado para ir buscar ajuda. Josepha, com toda a calma do mundo, trocou as calças e camisa que tinha vestido para dormir pelo vestido claro com que recebeu o polícia 192, que combinou com uma capa preta com e um chapéu cinzento, que colocou para o acompanhar ao Juízo de Instrução Criminal.

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Pelas 6h30, duas horas após Virgínia das Neves e Cunha ter acordado com o som dos tiros do revólver de Josepha Greno, compareceu na Travessa de S. Mamede o subdelegado de saúde, António Rodrigues Pinto, para verificar o óbito da vítima. Cumprida essa formalidade, o cadáver foi envolvido num lençol, “coberto com uma colcha branca, das que se tecem em fábricas portuguesas”, e levado para a morgue da cidade (o atual Instituto Nacional de Medicina Legal) numa maca transportada por dois moços de fretes. A  maca ficaria de tal modo ensopada em sangue que teria de ser lavada. A conta da limpeza, no valor de 200 réis, foi paga pela sobrinha do assassinado, que assumiria também as custas do funeral, três dias depois.

Na morgue, Greno foi colocado em cima de uma mesa numa sala que partilhava com outros quatro cadáveres: o do operário que tinha morrido num desastre na Rua da Junqueira, “com a cara num bolo, coberto de sangue”; o de um velho que se tinha enforcado na Rua dos Anjos com o retrato de um neto pregado ao peito com um alfinete; o de um homem que tinha sido atropelado por um comboio em Alcântara; e o de uma bebé de 16 meses que tinha morrido “subitamente nos braços da mãe”. O Século, que viu o cadáver, pintou um quadro de horror: “O infeliz tinha o olho direito aberto e o esquerdo semi-cerrado, o olhar fixo de cadáver, os lábios num último rebelião da morte, a cabeleira e as barbas em desalinho, remolhadas no sangue, e as mãos enclavinhadas sobre o peito forte e musculoso”, escreveu o jornalista, admitindo que tinha saído da morgue “com o coração aos pedaços, o desespero na alma”. “Miserável condição da natureza humana”, lamentou.

A população que se tinha reunido à porta do n.º 38 da Travessa de S. Mamede começou a dispersar ao início da manhã, levando a todos os cantos da cidade a história da morte trágica do pintor de retratos. A notícia espalhou-se rapidamente e “ao meio-dia já o crime era sabido por toda a parte, e à Travessa de S. Mamede acudiam os curiosos para observarem o local e inquirirem as vizinhas como o caso verdadeiramente se passara”. O “pavoroso drama de sangue”, como lhe chamou O Século, continuaria a ser alvo de acesa discussão nos cafés da capital nos dias seguintes, com os lisboetas a tentarem adivinhar o motivo de tamanha crueldade. “Se uns lamentavam a sorte do infeliz marido, vítima de uma morte afrontosa, colhido a meio do sono pelo traiçoeiro revólver, outros lastimavam o insólito proceder da esposa tresloucada, cuja ação era apreciada de diversa forma, inclinando-se a maior parte a admitir que só uma perturbação nas faculdades mentais poderia ter dado causa a tão incrível desgraça”, comentou o mesmo jornal a 28 de junho. Cientes do interesse do público, os diários de Lisboa, mas também os de outras localidades, alimentaram a história, acompanhando atentamente as diligências judiciais que culminaram na decisão de enviar Josepha Greno para o manicómio.

O Século, que viu o cadáver de Greno, pintou um quadro de horror: “O infeliz tinha o olho direito aberto e o esquerdo semi-cerrado, o olhar fixo de cadáver, os lábios num último rebelião da morte, a cabeleira e as barbas em desalinho, remolhadas no sangue”.

Remorsos? “Ninguno”. “Matei porque uma mulher também tem os seus direitos”

A viagem da pintora até ao seu derradeiro destino começou na Calçada da Estrela, onde ficava o Juízo de Instrução Criminal. Josepha apresentou-se mais uma vez serena, respondendo calmamente às questões que foram colocadas pelo chefe Aguiar, da 3.ª Secção Judiciária. Revelou que, dois meses antes, tinha tentado matar o marido, mas sem sucesso, repetido a tentativa na noite de 26 de junho. Não podiam “viver os dois”, explicou. “Ele gastava o dinheiro que eu ganhava. Era um desequilibrado. Não podíamos viver bem.” Questionada sobre se estava arrependida, disse: “Ninguno”. De maneira nenhuma. Mais tarde, foi ouvida pelo conselheiro Veiga, juiz de instrução criminal, ao qual repetiu as mesmas declarações. Pelas 15h30, foi levada para o Tribunal da Boa Hora, na Baixa.

Por essa altura, a postura da artista começou a alterar-se. Josepha apresentou-se na Boa Hora “notavelmente excitada, nervosa”, de tal forma que foi necessário sentá-la por uns momentos no gabinete do escrivão Paulo Robertes, o funcionário que estava de semana no 3.º distrito criminal. Quando entrou na sala de audiências, estava exausta e mostrou ter dificuldades em responder a questões simples, por exemplo, qual era o nome do seu pai e da sua mãe. Quando o juiz Pina Callado lhe perguntou por que razão tinha matado o marido, repetiu, misturando o português com o espanhol, o que tinha já dito no Juízo de Instrução Criminal — que Greno “era um desequilibrado”, que “gastava tudo” e que um dos dois tinha de morrer. Em momento algum negou o crime que tinha cometido.

— Porque matou seu marido? Ele era mau homem? — perguntou Pina Callado.
— Fazia-me sofrer muito, muito. Era dos que não ralham, mas fazem o que querem.
— Mas que lho fazia ele?
— Muitas coisas, muitas. Era um desequilibrado, gastava tudo quanto eu ganhava — 125 mil réis por mês — e deixava-me com 5 réis, sem ter que vestir. Se fosse só isso!
— Gostava muito dele?
— Se gostava, dios mio! Por ele me fiz artista. Nunca fiz outra coisa que pintar, pintar, sempre pintar! Esta foi a minha última pintura.
— Está arrependida?
— Muito, muito.
— Mas então não o matasse — comentou o juiz.
— Matei porque uma mulher também tem os seus direitos.

A seguir, apresentaram-lhe a arma do crime, o revólver “Bull Dog” de sete milímetros que tinha comprado um dia antes numa loja da Baixa. Josepha Greno tinha escondido novamente a arma entre os dois colchões da cama, um de palha e outro de lã, quando o polícia 192 e o vizinho Manuel Lopes Pessoa lhe bateram à porta. Ao ser confrontada com ela em tribunal, desatou aos gritos, pedindo que não a martirizassem mais, que já tinha dito tudo. Lavada em lágrimas, impressionou todos os assistentes. Sem condições para continuar o interrogatório, o juiz Pina Callado deu a sessão como terminada e ordenou que a homicida fosse levada para a cadeia do Aljube, a secção feminina do Limoeiro, onde deu entrada nessa tarde numa “terrível angústia”, desmaiando à chegada. O Século deu conta da diferença de postura, lembrando que a mulher que “baqueou e desfaleceu” à entrada da prisão era a mesma que “com tanto sangue frio e resolução acompanhara a polícia e respondera aos interrogatórios do chefe da judiciária”. Era como se tivesse perdido “o ânimo e a coragem à sua entrada no tribunal e ao saber que ia ser encerrada numa infame prisão”.

Instituto de Medicina Legal

O cadáver de Adolpho Greno, envolvido num lençol e “coberto com uma colcha branca, das que se tecem em fábricas portuguesas”, foi levado para a morgue, o atual Instituto de Medicina Legal

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

No Limoeiro, onde teve de fazer o registo de entrada, Josepha voltou a mostrar sinais de amnésia, esquecendo-se mais uma vez dos nomes dos seus pais. Muito abatida, seguiu depois para o Aljube, onde pediu ao encarregado da prisão, Manuel Fernandes, que não a mandasse para junto das outras mulheres, que a colocasse numa cela individual. Apercebendo-se do frágil estado em que se encontrava, o responsável temeu deixá-la sozinha. Josepha foi então conduzida ao segundo andar do edifício, onde entrou na sala geral, que acomodava outras cinco reclusas, condenadas por delitos comuns. Sem dizer uma palavra, sentou-se a um canto e, tremendo compulsivamente, começou a chorar, limpando as lágrimas com um lenço branco que tinha levado.

Eram 20h quando saiu desse torpor e mandou chamar Manuel Fernandes para lhe comunicar que tinha fome e que desejava comer. Sem dinheiro (a polícia tinha-lhe ficado com a carteira), teve de ser o encarregado a adiantar a quantia necessária. Com o dinheiro na mão, Josepha mandou buscar um bife, um pão pequeno e duas bananas, que comeu avidamente. Seria uma constante nos meses que passaria na cadeia — nunca perderia o apetite, mesmo nas alturas em que se encontrava mais fragilizada, chegando mesmo a admitir era a única distração que tinha. Após a refeição, escreveu uma carta à sobrinha pedindo que lhe levassem um colchão e duas almofadas. Sem receber uma resposta, Manuel Fernandes teve mais uma vez de se chegar à frente — mandou que lhe fosse entregue uma almofada, um lençol e um cobertor, com os quais a pintora se acomodou a um canto da sala, passando assim a primeira noite na prisão.

Em Rilhafoles: uma louca e uma paranoica, com uma “megalomania incontestável”

Josepha Greno foi submetida a exame psiquiátrico a 1 de julho. A pintora chegou à morgue ao meio-dia, acompanhada pelo oficial de diligências Costa, um “pobre e honrado velho” que tremia sempre que algum jornalista se aproximava dele. Josepha ia de preto. Levava a cabeça coberta por um mantilha de renda, “posta com certa elegância”, descreveu O Século. Abatida, voltou a mostrar dificuldades em se movimentar: foi com grande esforço que conseguiu subir as escadas que conduziam ao primeiro andar do atual Instituto de Medicina Legal, onde se realizou o exame, deixando-se depois cair sobre uma cadeira. Aí ficou durante três quartos de hora, com o olhar fixo numa janela. Pelas 13h, constituiu-se o conselho médico-legal, presidido pelo conselheiro Silva Amado e composto por Bello de Moraes (professor de medicina-legal), Miguel Bombarda (alienista e diretor do hospital de Rilhafoles) e Manuel de Sousa Valadares (médico antropologista criminal). Estiveram também presentes o juiz Pina Callado, o delegado do Ministério Público, o procurador régio, o advogado de defesa José Benevides e o escrivão Paulo Robertes. A sessão decorreu à porta fechada.

O processo de apreciação da irresponsabilidade criminal era complexo, “não só pelas grandes dificuldades” que oferecia, mas porque os próprios alienistas não compreendiam “essa irresponsabilidade de uma forma idêntica, desde que a categoria dos estados mentais conducentes à irresponsabilidade não é a mesma aos olhos de todos os médicos”, explicou O Século. Alguns médicos eram a favor de uma “irresponsabilidade parcial” se o crime tivesse sido praticado num momento em que não se tivesse verificado qualquer delírio, mesmo que o seu autor padece de alguma doença mental; já outros eram a favor de uma irresponsabilidade total, defendendo que o criminoso devia ser “considerado como irresponsável pelos seus atos”, mesmo aqueles que parecessem “estranhos à esfera do seu delírio”. Ferraz de Macedo, encarregado da secção de antropologia junto do juízo de instrução criminal, disse ao Século que no caso de Josepha Greno era a favor do primeiro, isto é, de uma irresponsabilidade parcial. Para o alienista, embora manifestasse um “evidente desequilíbrio mental”, a pintora tinha cometido o crime de forma premeditada, planeando-o. “A loucura, se existia, só se manifestava numa ideia persistente e exclusiva, o desejo de vingança que por fim satisfez”, defendeu. A opinião do conselho médico-legal seria outra.

Quando o juiz Pina Callado lhe perguntou por que razão tinha matado o marido, repetiu, misturando o português com o espanhol, o que tinha já dito no Juízo de Instrução Criminal — que Greno “era um desequilibrado”, que “gastava tudo” e que um dos dois tinha de morrer.

Na morgue, Miguel Bombarda e colegas começaram por colocar várias questões a Josepha relacionadas com a sua vida — quem eram os seus pais, de que doenças padecia e como era a relação com o marido até à morte deste. Tal como tinha acontecido nos interrogatórios na Boa Hora, Josepha Grenho respondeu com dificuldade. Algumas respostas foram contraditórias, sobretudo as que diziam respeito ao homicídio do marido, cuja descrição interrompeu várias vezes para exclamar: “Oh, meu Deus! Sofro muito, muito!”. Repetindo-se, dizia que tudo tinha sido “uma fatalidade” e que a morte de Adolpho Greno era inevitável. “Foi uma fatalidade! tinha de ser assim… Ou eu, ou ele. Não estou arrependida, nem tenho remorsos, porque havia de ser assim. Ou eu, ou ele! O que não julgava é que ele sofresse tão pouco”, admitiu. “Foi Deus que me inspirou. Tinha de ser assim, porque a vida entre nós era impossível!”

Foi decidido por unanimidade que Josepha Greno deveria ser imediatamente internada no Hospital de Rilhafoles, o primeiro hospital psiquiátrico do país, para que lhe fosse feita uma observação mais completa. A mudança aconteceu ainda nesse dia, pelas 16h. Uma hora antes, apareceu no Aljube o oficial de diligências Costa, com a ordem de transferência assinada pelo diretor da prisão do Limoeiro. A despedida foi comovente — as companheiras de cela, já habituadas à presença da artista, choraram ao verem-na partir para o manicómio. A estas, Josepha confessou que não se sentia bem da cabeça, apesar de a ter bastante forte. Talvez a mudança fosse para melhor. Em relação ao crime, repetiu o mesmo de sempre — que os homens eram maus e que um dos dois tinha de desaparecer. Saiu acompanhada pela juíza da prisão. À porta do Aljube, despediu-se de Manuel Fernandes, que por diversas vezes a ajudara, fornecendo-lhe dinheiro para as suas despesas. “Deus queira que não volte cá”, disse o carcereiro. “Deus o queira”, respondeu a criminosa.

Depois de três meses de observação, o conselho médico-legal entregou, a 15 de outubro, o relatório de 21 páginas com as conclusões do exame feito a Josepha Greno. Neste, os médicos Silva Amado, Miguel Bombarda e Sousa Valadares concluíram que a pintora não tinha responsabilidade criminal e que estava doida, tendo o crime sido consequência da loucura de que padecia. Segundo expuseram os alienistas, há muito que Josepha mostrava indícios de “desarranjo mental”, ao qual se veio juntar “um ciúme desesperado, de que o próprio marido se queixava, e um ódio” por este. Durante as conversas com a homicida, esta dizia sofrer muito, mas esse sofrimento tinha apenas origem na situação em que se encontrava e não de “qualquer paixão” que sentisse por Adolpho Greno, que descrevia como “um mau homem, um hipócrita”, um bruto que lhe fazia a vida num inferno e que lhe falava de “mulheres perdidas”. Os médicos refutaram essa ideia, garantindo que, pelo contrário, “Adolpho Greno era bondoso e de boa acusação”. “As acusações têm um cunho infantil”, escreveram. Ao mesmo tempo que arrastava o nome do marido “pela lama”, Josepha referia-se a ela própria como a melhor das mulheres, chegando mesmo a justificar o porquê de ter matado o marido e não ela própria: “Matar uma criatura tão boa, tão trabalhadora!”.

Miguel Bombarda, diretor do hospital de Rilhafoles, que haveria de receber o seu nome, estava decidido a provar a doença mental de Josepha Greno e a conseguir o seu internamento

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Perante as conclusões dos médicos, o Ministério Público pediu o arquivamento do processo e que a pintora se mantivesse internada em Rilhafoles, de onde só deveria sair caso se comprovasse que estava totalmente curada. A decisão não agradou a todos. Numa altura em que ainda era alvo de disputa a figura legal da inimputabilidade por doença psiquiátrica (Miguel Bombarda foi, aliás, um precursor na defesa do princípio, sendo bastante evidente desde o início a sua vontade de internar Josepha em Rilhafoles), um tema que, como vimos, não era unânime entre os alienistas e ainda menos entre os especialistas em Direito Penal, nem todos se mostraram satisfeitos com o que foi decidido. Nesse sentido, o caso de Josepha Greno foi de facto um “triunfo”, como referiram os jornais da época, pois ficou decidido que uma suposta doente mental fosse internada num hospital próprio em vez de ser atirada para uma das celas do Aljube. Contudo, a decisão pode não ter sido a mais acertada.

Em janeiro de 1902, os responsáveis pelo exame psiquiátrico de Josepha publicaram, em Lisboa, os seus resultados. Com o título O caso de Josepha Greno pelos peritos do processo, o texto incluiu como acrescento a opinião de vários especialistas estrangeiros, como o famoso Cesare Lombroso, pai da criminologia moderna, que baseava as suas conclusões em conceitos relacionados com fisionomia e teorias da degeneração, e portugueses, como Júlio de Matos, diretor do hospital de alienados do Conde de Ferreira e médico do conselho médico-legal da 2ª circunscrição que Miguel Bombarda tinha contactado para validar as suas conclusões. “Todos concluem pela morbidez mental de Josepha Greno”, escreveu. Mas muitos apontaram também críticas, nomeadamente a falta de uma descrição mais completa do estado físico da doente. O médico justificou-se com as condições da organização médico-judiciária portuguesa. “Culpando a lei, Bombarda justificou as falhas do seu relatório”, comentou Fernanda Pedro na sua tese de mestrado.

A propósito do seu trabalho, a investigadora pediu a Carlos Nunes Filipe, psiquiatra e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, que revisse as conclusões dos alienistas publicadas no folheto de 1902 e desse o seu parecer médico sobre o mesmo. Após a leitura do relatório, o especialista concluiu que não havia “sintomatologia” que preenchesse “os critérios de diagnóstico de perturbação psicótica”. Os sintomas da pintora estavam antes de acordo com “os critérios de diagnóstico para perturbação paranoide de personalidade”. Não parecia ter havido “incapacidade” no momento do crime, como tinha sido defendido. Josepha Greno sabia o que fazia.

Não reconhecia ninguém e apenas a voz da enfermeira parecia provocar nela alguma reação. Foi nesse estado que terá morrido, durante a noite do dia 27 de janeiro, às 21h, de acordo com o livro de registo, numa “lenta agonia”, “parva por completo, doida”.

Morreu Josepha. Sem cérebro ou coração, foi enterrada junto ao marido

Em janeiro de 1902, começou a dizer-se por Lisboa que Josepha Greno teria em breve alta de Rilhafoles. A pintora estava encerrada no manicómio desde 2 de julho do ano anterior, quando aí entrou após os médicos alienistas responsáveis pelo exame psiquiátrico, entre eles o diretor do hospício, Miguel Bombarda, terem concluído que o assassinato do seu marido se devera à doença mental de que padecia. O livro de registo de entradas das doentes, conservado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e consultado pelo Observador, indica as 19h30 como a hora de entrada da “viúva de Adolpho Greno”. O campo correspondente à “moléstia” está preenchido com “abscesso arterial (padecia de paranoia primitiva)”.

Josepha ocupava um quarto privado de terceira classe em Rilhafoles e recebia os cuidados de uma enfermeira, que por ela zelava. Ia alternando entre momentos de plena lucidez, durante os quais admitia o crime que tinha cometido e compreendia a razão do seu internamento, e outros, em que mostrava o mesmo “entusiasmo por si mesma” que os médicos tinham considerado um sintoma da sua doença. Segundo o O Século, o ódio pelo marido tinha apenas aumentado. A pintora referia-se a ele “com um rancor inexprimível” e com recurso a “injúrias vindas do fundo da alma”.

Por altura do surgimento dos relatos que davam conta da sua saída do hospital psiquiátrico, a saúde da artista começou a deteriorar-se. O Diário de Notícias, que desmentiu “essa versão”, espalhada pelas ruas de Lisboa com um propósito desconhecido, escreveu “que efetivamente” Josepha “sairia em breve do manicómio, mas para a sepultura, porque os seus dias estavam contados e esperava-se a todo o momento um triste desenlace”. A pintora tinha começado a ter sintomas graves, que a deixaram acamada. Aos poucos, foi perdendo a lucidez, entrando num estado de “demência aterradora”. A situação ter-se-á agravado na semana de 13 de janeiro. Segundo O Século, Josepha já “não dizia coisa com coisa”. Não reconhecia ninguém e apenas a voz da enfermeira parecia provocar nela alguma reação. Foi nesse estado que terá morrido, durante a noite do dia 27 de janeiro, às 21h, de acordo com o livro de registo, numa “lenta agonia”, “parva por completo, doida”. A causa teria sido uma “uma dolorosa enfermidade de rins, consequência de outras perturbações viscerais”, informou o mesmo jornal.

Livro com o registo das entradas e saídas das doentes de Rilhafoles, hoje na Torre do Tombo. À direita (terceira a contar de cima), a entrada referente a Josepha Greno (Imagem cedida pelo ANTT)

Hospital de São José, liv. 7206 - PT/TT/HSJ-ZHRL/005/7206

Pina Callado foi informado do óbito a 28 de janeiro, através de um ofício. O juiz ordenou que fosse feito o reconhecimento do cadáver, o que, segundo o noticiado pelo Diário de Notícias, teve como objetivo provar que Josepha Greno nunca tinha saído de Rilhafoles. Miguel Bombarda tinha proibido as visitas à artista, o que, a juntar aos relatos de que Josepha estaria prestes a deixar o manicómio, poderia levar a desconfianças relativamente à identidade do cadáver. Além de Bombarda, assistiram à diligência Silva Beirão, Henrique de Vasconcelos (em representação do Ministério Público), o escrivão Fortunato Pereira, em substituição do colega Paulo Robertes, que se encontrava doente, e algumas pessoas que tinham visto a artista viva e podiam atestar a sua identidade. Ainda nesse dia, pela manhã, foi realizada a autópsia, que confirmou uma doença inflamatória que afeta os rins (doença de Bright) como causa de morte. Foi, porém, no cérebro que os médicos concentraram as suas atenções.

Numa época marcada por um certo positivismo, “os achados anatómicos eram decisivos e valiam mais do que todas as considerações psicológicas sobre a personalidade e conduta”, apontou, décadas mais tarde, o psiquiatra Henrique de Barahona Fernandes, numa separata da revista O Médico, onde revisitou o caso por altura do centenário do nascimento de Miguel Bombarda e em resposta à biografia do pintor Luís Varela Aldemira. “É certo que se ignorava, como ainda hoje se ignora, o ‘substrato cerebral” da paranoia; cria-se, porém, que quaisquer lesões observadas poderiam explicar os sinais de ‘degenerescência’ mental, observados em vida, e até, em caso de dúvida, demonstrar a sua existência.” Para Barahona Fernandes, ele próprio crítico de algumas conclusões de Bombarda, o diagnóstico feito pelos médicos devia ser entendido segundo o espírito da época, quando a psiquiatria dava ainda os primeiros passos e só então começavam a aparecer os primeiros estabelecimentos médicos para doentes mentais.

O estudo do cérebro de Josepha Greno foi, segundo o jornal O Século, “um verdadeiro triunfo dos alienistas”, que observaram “importantes depressões e lesões” no órgão, “deformidades” que tinham vários anos. O Diário de Notícias, que teve oportunidade de ver o cérebro ao vivo, considerou-o “um exemplar deveras curioso pelas anormalidades” que apresentava, “mais que suficientes para explicarem as grandes perturbações do seu espírito”. Prova definitiva das conclusões de Bombarda e colegas, o cérebro de Josepha seria exposto a 1 de fevereiro de 1902 numa sessão da Sociedade de Ciências Médicas, presidida pelo diretor de Rilhafoles, juntamente com o seu coração que tinha mais do dobro do peso e da medida de um coração feminino. No resumo da autópsia, publicado em janeiro de 1902 juntamente com as conclusões do conselho médico-legal, Bombarda, que redigiu o texto, referiu que os órgãos da artista seriam guardados e conservados e não seriam perdidos. Em 1951, Aldemira perguntou por eles em Rilhafoles. Ninguém sabia o que tinha acontecido ao cérebro e coração de Josepha Greno.

O cérebro de Josepha seria exposto a 1 de fevereiro de 1902 numa sessão da Sociedade de Ciências Médicas, presidida pelo diretor de Rilhafoles, juntamente com o seu coração que tinha mais do dobro do peso e da medida de um coração feminino. Em 1951, Aldemira perguntou por eles em Rilhafoles. Ninguém sabia o que tinha acontecido ao cérebro e coração de Josepha Greno.

Em 2002, Carlos Nunes Filipe olhou também para a autópsia da pintora, apontando aquela que lhe parecia ser a causa provável de morte, acidente vascular cerebral (AVC), e destacando a “existência de numerosas lesões isquémicas cerebrais antigas, algumas bastante extensas (…), o que nos faz considerar a hipótese da existência de uma demência vascular, para a qual a avaliação clínica já apontava”. De acordo com o Manual MSD, a demência vascular caracteriza-se pela perda da função mental devido à destruição do tecido cerebral, provocada pela redução no fluxo sanguíneo. A causa mais comum é o AVC. Pode também provocar os sintomas descritos no relatório médico de Josepha Greno, como “alterações de memória, alterações do estado de consciência, sinais neurológicos focais, tipo de evolução, etc.”, que Josepha começou a sofrer após ter tido uma “paralisia”. “Sabendo que podem estar frequentemente associadas à demência ideias delirantes, haveria necessidade de apurar até que ponto estas possíveis ideias delirantes teriam determinado o ilícito. Assim sendo, poderia levar a que fosse invocada a inimputabilidade parcial”, considerou o especialista.

O estado mental em que a pintora se encontrava poderia, portanto, não ser o resultado de uma doença mental, mas a consequência de uma outra doença, que, com os meios disponíveis na época, seria “muito difícil, senão impossível”, detetar. É isto, aliado “ao clima romântico que envolvia as discussões científicas, bem como a deficiente informação psicopatológica e neuropsicológica existente na altura”, que explica o diagnóstico possivelmente errado que os médicos. Hoje em dia, o chamado “Crime da Travessa de S. Mamede” poderia ter um desfecho muito diferente — Josepha Greno poderia escapar ao manicómio, mas quase de certeza não escaparia ao Aljube. Em 1901, o seu destino foi logo selado — as primeiras notícias deram-na logo como doida (O Século apresentou-a como “uma senhora de cujas faculdades mentais muito se duvida” e o Jornal de Notícias disse que, embora se desconhecessem as razões do crime, “quase de certeza” tinha sido “devido a um ataque de loucura da esposa do desventurado pintor”) e foi como doida que acabou por ser considerada, explicando-se assim, sem qualquer razão lógica, o homicídio que tinha cometido.

Josepha Greno foi sepultada a 30 de janeiro, no cemitério do Alto de S. João. Um mês depois, foram colocados no mesmo jazigo os restos mortais de Adolpho Greno

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Com o passar dos anos, outros olhares surgiriam, mais humanos e mais complacentes. Luís Varela Aldemira, que na sua biografia procurou encontrar outras razões para o crime de Josepha (o que levou a duras críticas da parte do contemporâneo Barahona Fernandes, que considerou as suas interpretações irracionais e emotiva), defendeu uma outra visão criminosa e lamentou que Adolpho Greno recebesse “toda a desculpa e piedade”. “Nunca o Greno se portou homem de ação e de iniciativa, quer em casa, na rua, em sociedade ou na sua oficina de pintor. Fraco e mole em tudo, desde as coisas mais notórias até às inconfessáveis, o seu exemplo foi dos mais pataqueiros e negativos para a sensibilidade requintada de uma mulher”, escreveu em A pintora Josefa Greno: nova autópsia de um velho caso. “Por isso o Mundo, sem contemplações e sob um aspeto mais humanitário, censurou em artigos de fundo, a mania de ir para o morto toda a desculpa e piedade, lançando contra a sobrevivente a anátema fácil de doida que mata por ciúmes injustificados. se a mulher honesta e fiel não tem o direito de roubar a vida ao homem, é preciso que o homem não atraiçoe a mulher.”

Também Sandra Leandro vê em Josepha Greno não uma louca, mas uma mulher que agiu por desespero, para se libertar de um homem que durante os 25 anos que durou o seu casamento apenas a fez infeliz. “Foi acumulando e chegou um dia em que tomou uma atitude menos racional. Acho que ela foi levada ao extremo”, considerou a diretora do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo. “Quase desde que casaram que ele começou nessa vida de devasso. Ela foi aguentando, aguentando, até ao dia em que não aguentou mais. Ela era uma mulher muito bonita e foi ficando progressivamente mais desleixada [os jornais dão conta disso mesmo], as características que vemos numa mulher mal amada.” A historiadora de arte lamenta que a triste história de Josepha, com o seu desfecho trágico, apague o “brilho” que teve o seu percurso artístico. “Ela foi muito bem sucedida. Na Sociedade de Belas Artes, naquela altura em que aconteceu o crime, as obras dela foram todas compradas. Há um sentido de morbidez bastante assinalável. E depois é muito triste ver as enciclopédias, as páginas de jornal daquela altura, que a deram como louca e esqueceram a sua obra. Foi completamente esquecida.”

Josepha Greno foi sepultada a 30 de janeiro, no cemitério do Alto de S. João, num jazigo que, segundo Luís Varela Aldemira, foi cedido por Filomena Palhares de Mesquita. O cortejo fúnebre, composto por cinco carruagens, tinha apenas oito pessoas, provavelmente os amigos fiéis que a visitavam no Aljube e que tiveram de a abandonar após a transferência para o hospital de Rilhafoles. Contactada pelo Observador, a Divisão de Gestão Cemiterial da Câmara Municipal de Lisboa indicou que a pintora encontra-se sepultada no jazigo particular n.º 3257, na rua 17 do cemitério. Uma estrutura alta, que se destaca das que a rodeiam. Desde 27 de fevereiro de 1902, encontram-se também aí os restos mortais de Greno, trasladados do jazigo n.º 1902, indicou a Santa Casa da Misericórdia, atual proprietária. Afastados na vida, Josepha e Adolpho partilham o mesmo espaço na eternidade.

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