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Da infância no Estoril aos Panama Papers. A história da Infanta Pilar, a "velha tia rabugenta"

Numa festa de arromba no Estoril, festejou a maioridade. Em 1963, arregaçou as mangas no grande desastre do Cais do Sodré. Aos 83 anos, a irmã mais velha de Juan Carlos não resistiu ao cancro.

[Artigo publicado originalmente em setembro de 2019 e atualizado a 8 de janeiro de 2020, na sequência da morte da infanta Pilar]

Vestia casualmente, trazia um chapéu de palha, e muitos fiéis abriram a boca de espanto quando surgiu na capela de Portals Nous para assistir à homilia de Pep Toni Guardiola, um dos sacerdotes mais conhecidos de Maiorca (não confundir com o quase homónimo treinador). Segundo o El Español, a irmã de Juan Carlos, que se fez acompanhar por um neto, pela sua fiel escudeira Mayte Spínola, e ainda pela sua segurança, subiu mesmo ao altar para ler uns salmos. Para a infanta Pilar, de 83 anos, tudo normal — apenas mais uns dias de descanso no tradicional destino de férias de verão, em pleno agosto de 2019. Afastada dos encantos do mar e da navegação, que tanto seduzem o rei emérito, a mais religiosa dos Borbón dividiu o seu tempo entre a missa e as praias mais discretas da zona. Em setembro de 2019, e no rescaldo de mais uma temporada estival, voltou a pregar um susto à família, chegando mesmo a receber assistência médica no dia em que Juan Carlos recebia alta na sequência da sua operação ao coração. Nada de grave, segundo o clã, apenas uma “baixa de defesas em geral” que afetou a infanta, internada a 31 de agosto no hospital Rotger de Palma, e que recebeu poucos dias depois. A notícia da morte foi avançada pelos jornais espanhóis esta quarta-feira, 8 de janeiro.

Foi em maio deste ano que Pilar, que à semelhança de Juan Carlos se submeteu já a inúmeras intervenções cirúrgicas ao longo dos anos, confirmou sofrer de cancro do cólon. O seu estado de saúde foi tornado público apenas poucos dias depois de o irmão ter anunciado a sua retirada da vida pública, aos 81 anos, decisão aliás que Pilar optou por não comentar quando reapareceu aos espanhóis depois de ter sido operada devido a uma obstrução intestinal.  “Ainda não falei com ele”, atirava então a infanta. Com o seu característico bom humor, revelou encontrar-se “divinamente” após a passagem pela clínica Ruber Internacional de Madrid, apesar de os amigos mais chegados sussurrarem que se encontrava “irreconhecível” desde que combatia a doença.

Em modo descontraído durante as férias de verão de 2016 em Palma de Maiorca © Getty Images

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A toada bem disposta vem de longe. Numa entrevista em 2017, a também duquesa de Badajoz desabafou sobre pequenos gostos e contrariedades do foro doméstico. Do lamentável encerramento da “tão boa sapataria Bravo Murillo”, que lhe servia os cómodos sapatos e que recomendou “a tanta gente” — “agora não sei onde ir” — até à água de colónia com perfume de rosas que “me traz a minha nora americana quando a encontra”. Sobre o bom aspeto que apresenta, a jornalista arriscou perguntar-lhe se recorreu a um lifting, para mais uma resposta cheia de personalidade: “O que se passa é que as gordas têm a vantagem de ter menos rugas. Herdei esta pele e estou gorda”.

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Da maioridade à enfermagem e a longa relação com Portugal

É estreita a relação entre Portugal e María del Pilar Alfonsa Juana Victoria Luisa Ignacia de Todos los Santos de Borbón y Borbón, o nome completo da infanta nascida em Cannes, a 30 de julho de 1936, filha de Juan de Borbón e Battenberg, conde de Barcelona e de María de las Mercedes de Borbón e Orleans, infanta de Espanha. Tratada como Alteza Real desde o berço, viu no entanto o título reconhecido apenas  bastante mais tarde, já o irmão subira ao trono. Depois de França, Pilar e o resto da família rumaram a Roma, onde ocuparam o Palácio Villa Montebello e posteriormente um piso inteiro do hotel Excelsior Gallia. Em 1946, nova deslocação, agora para se instalarem no Estoril. Da Villa Papoila, propriedade dos marqueses de Pelayo, para a Villa Bellver, até os condes de Barcelona comprarem a famosa Villa Giralda.

Com o irmão Juan Carlos, numa das primeiras caçadas © Hulton-Deutsch Collection/CORBIS/Corbis via Getty Images

Corbis via Getty Images

“Sim, tive uma infância muito feliz, e vivíamos muito bem, ainda que sem luxos, e com as conhecidas contrariedades e pequenos desgostos que podem ter as crianças. Mas tenho que reconhecer que tive uns pais muito compreensivos, uma mãe exigente mas muito liberal”, descreveu numa entrevista.

Foi na Costa do Sol que, a 12 de outubro de 1954, a primogénita atingiu a maioridade. A data foi assinalada com a devida puesta de largo, uma badalada festa que reuniu em Portugal cerca de 2 mil convidados, empenhados em prestigiar a jovem e acima de tudo uma família exilada, que com este gesto via reconhecida a sua legitimidade. Para a ocasião, no Hotel Palácio, “as damas exibiram condecorações e as suas melhores joias, incluindo as tiaras mais importantes da família real”, descreveu a Vanity Fair.

A Infanta na capa da revista Semana, quando cumpriu os 18 anos

O debute teve repercussão em revistas internacionais, que dedicaram o devido espaço ao glamoroso encontro, recuperado em novembro de 2018, quando Victoria Federica, sobrinha do rei Felipe, teve direito à sua mediática festa, 35 anos depois do último evento do género no seio da família real espanhola. Quase 65 anos depois, é possível encontrar à venda fotos e convites da festa de dona Pi, como sempre foi carinhosamente tratada.

O desastre do Cais do Sodré, como o episódio da cobertura das plataformas ficou conhecido, provocou 49 mortos e 69 feridos. A infanta dirigir-se-ia para o local para prestar auxílio às vítimas, gesto que viria a ser distinguido pelo Governo português. Em 2008, ao El Mundo, frisava que foi preparada para “ajudar”, afastando voos mais altos. “Pobre Espanha se eu tivesse sido rainha! Em boa hora se livrou disto”.

Foi com a sua avó, a rainha Victoria Eugenia, que Pilar aprendeu a comportar-se como membro da alta sociedade. Estudou no colégio católico Mont-Olivet e teve professoras particulares. No Estoril, frequentou o colégio do Sagrado Coração de Jesus e depois completou um curso de cultura geral, seguindo para o polo Artur Ravara da Escola Superior de Enfermagem. Durante anos exerceu a profissão no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, onde se encontrava de serviço quando às 16 horas e 7 minutos do dia 28 de maio de 1963 ruiu a cobertura dos alpendres da estação ferroviária do Cais do Sodré, soterrando mais de cem pessoas. O desastre do Cais do Sodré, como o episódio da cobertura das plataformas ficou conhecido, provocou 49 mortos e 69 feridos. A infanta dirigir-se-ia para o local para prestar auxílio às vítimas, gesto que viria a ser distinguido pelo Governo português. Em 2008, ao El Mundo, frisava que foi preparada para “ajudar”, afastando voos mais altos. “Pobre Espanha se eu tivesse sido rainha! Em boa hora se livrou disto”.

O casamento nos Jerónimos entre “a pompa e a informalidade”

De pouco serviu o incentivo familiar para uma pouco vistosa jovem se aprumar e a tentativa paterna de a ver casada com o rei Balduíno da Bélgica, país para onde Pilar seguiu na companhia da aia Fabiola de Mora y Aragón. Quis o destino que acabasse esta última a trocar juras e votos com o dito monarca, chegando assim a rainha. De resto, rezam as vozes da época que a jovem, “alta, de nariz grande, muito borbónica, dura, firme e com caráter decidido” dificilmente se entenderia com a “personalidade tímida” do belga.

Os (des)amores dentro da casa real espanhola

A infanta conheceria o seu futuro marido, um nobre de condição inferior, em casa de Simeón, antigo rei da Bulgária, então unido a Margarita Gómez-Acebo, prima de Luis Gómez-Acebo. O nome motivou enorme discussão em redor da boda, e só a grande custo conseguiu o aval dos condes de Barcelona. Por amor a Luis, Pilar abdicaria dos seus direitos dinásticos, caminho seguido mais tarde por Marguerita, a mais discreta das irmãs, que soma 80 anos.

Em maio de 1963 casava-se nos Jerónimos com Luis Gomez Acebo © Gianni Ferrari/Cover/Getty Images

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Luis Gómez-Acebo, Duque de Estrada e visconde da Torre, bem pôde reabilitar os títulos que ostentava em vésperas de se casar — para todos os efeitos, continuava a não ter sangue real nas veias. A custo, o par acabou por se casar a 5 de maio de 1967, no Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, numa cerimónia conduzida pelo cardeal Cerejeira. “À entrada do cortejo nupcial, o maestro Shegundo Galarza interpretou Prelúdio Coral, de Bach”, descrevia então o jornal ABC, sublinhando ainda a impressionante comitiva que à saída da cerimónia se encaminhou para o hotel Estoril Sol, onde foram mobilizados “570 empregados”.

Os ecos do enlace, que trouxe a Lisboa, segundo o mesmo diário, cerca de 200 jornalistas de todo o mundo, chegaram aos Estados Unidos, com o The New York Times a sublinhar a “pompa e informalidade” da cerimónia. Da relação nasceriam cinco filhos e uma vida fixada em Madrid, onde continua a residir, na sua propriedade em Puerta de Hierro, com mais de mil metros quadrados. Depois da morte de Luis, em 1991, forte impulsionador da vinda da coleção Thyssen para Espanha, Pilar dedicou-se a inúmeras atividades associadas à escola equestre. Chegou mesmo a presidir à Federação Equestre Internacional entre 1994 e 2005, quando foi sucedida pela princesa Haya da Jordânia.

Cavalos, eventos solidários e outros passatempos reais

Em 2018, passaram 50 anos sobre o lançamento da Novo Futuro, a associação de beneficência a que preside a Infanta Pilar. À Efe, a duquesa de Badajoz  não escondia o orgulho na sua Novo Futuro e na assistência prestada a centenas de lares e dezenas de milhar de menores sem família ou em risco de exclusão. Pilar de Borbón recordava então que o apoio prestado a órfãos há meio século “mudou até a forma de pensar do Estado”. O seu contacto com a associação fora feito através de uma amiga, que a desafiara a envolver-se com a sua câmara Polaroid comprada durante a lua de mel nos Estados Unidos, um ano antes de Menchu Herrero ter criado aquela organização. “Gostei da ideia desde o primeiro dia”, relatou, sem virar as costas à fama de que facilmente goza semelhante missão: “um bando de tias que se reúne por uma boa causa mas sobretudo pela vida social“. “Pois que foi assim que começou, sim”, admite, “como começam muitas outras coisas, graças a um grupo de amigas com títulos que se juntam. Mas hoje temos de tudo, o trabalho é extraordinário”, rematou em entrevista.

Com os filhos Bruno Alejandro, Simoneta e Filiberto, em 1972, na sua casa em Madrid © Gianni Ferrari/Cover/Getty Images

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Foi assim que ao longo dos anos a feira de solidariedade Rastrillo Novo Futuro teve a sua extensão também em Lisboa, recebendo a visita da irmã de Juan Carlos, que na edição de 2014 comentava a subida ao trono dos sobrinhos Felipe e Letizia, incontornável tema por essa altura. “O ambiente com os novos reis tem sido ótimo. Eu não posso julgar, sou tia, uma velha tia rabugenta, mas gosto muito dos reis. Para mim, estão a ir muito bem, estão muito bem preparados”, disse a infanta à revista VIP, chegando a interromper a conversa com os jornalistas na sequência de uma quebra de tensão. Pilar não se despediu sem revelar que de passagem por Lisboa aproveita para “comprar coisas que não há em Espanha, como peças do Bordalo Pinheiro” e para confessar, à boleia da quadra natalícia, que prescinde da consoada na Zarzuela porque a família é demasiado grande, marcando presença apenas no dia seguinte.

Escrever um livro de memórias? Está fora de questão, garantiu a infanta em 2017 em entrevista à Vanity Fair. “Sou muito desbocada e tinha que falar mal de muita gente que tem filhos e netos, alguns até ainda estão vivos. Para quê provocar danos inutilmente?”

Um ano antes, passara pela Comporta para presidir à entrega dos prémios internacionais ‘Terras Sem Sombra’, pretexto para deixar uma mensagem de solidariedade num tempo em que Portugal enfrentava especial período de crise. A infanta pedia então aos portugueses para “continuarem a lutar por aquilo em que acreditam”. Membro honorário do Comité Olímpico Internacional desde 2006, a infanta presidiu ainda à Europa Nostra, a federação paneuropeia para o património cultural entre 2007 e 2009.

O escândalo dos Panama Papers

Foi provavelmente a única mancha na biografia imaculada de uma figura tão “imponente como amável”, um eficaz cimento quando os problemas batem à porta da Casa Real espanhola, algo que não tem sido raro nos últimas anos (das acusações de desvios de fundos às relações pouco pacíficas entre os diferentes membros), e a única cujos almoços tiveram a virtude de reunir o clã em peso. Em 2017, recebia em sua casa a Vanity Fair para falar de um tópico polémico: Pilar de Borbón admitira ter sido titular de uma sociedade no Panamá entre 1974 e 2014. Em comunicado, divulgado dias depois de um momento de silêncio, defendia que “nunca incumprira” com as responsabilidades fiscais. Segundo a infanta, a referida empresas teria sido dissolvida por não contar com recursos suficientes “nem expectativas” que justificassem a sua manutenção.

Apesar dos rumores, Pilar contrariava ainda a ideia veiculada por diferentes meios de que a decisão de esclarecer publicamente esta pasta teria sido motivada pela entronização do seu sobrinho Felipe VI. Uma acusação “simplesmente errada”, defendeu-se na altura aquela que presidiu à empresa Delantera Financiera, sedeada no Panamá, desde agosto de 1974, cerca de um mês depois de o seu irmão Juan Carlos ter assumido interinamente as rédeas da chefia do Estado depois de o ditador Francisco Franco ter sido internado. Segundo os documentos divulgados há um par de anos, a empresa teria assim sido dissolvida apenas cinco dias depois da proclamação de Felipe, em 2014.

Com os reis, Felipe e Letizia, e ainda com o irmão e a cunhada, em janeiro de 2019, numa cerimónia de entrega de prémios © Carlos Alvarez/Getty Images

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O facto é que em 2016 a sua reputação teve que conviver com as consequências, quando o diário alemão Süddeutsche Zeitung a colocou no centro da imprensa internacional, já os espanhóis El Confidencial e La Sexta haviam divulgado os nomes dos líderes mundiais envolvidos na criação de empresas offshore naquele destino caribenho. Em abril desse ano, algumas publicações interrogavam-se sobre quais seriam atualmente as fontes de rendimento da infanta, que constava ainda como conselheira de uma seguradora e de uma empresa que engloba marcas de luxo e onde trabalha a sua filha Simoneta. Dona Pi apontava então para a reforma do marido e para a gestão de uma empresa familiar.

Uma fase que seguramente a infanta deixaria de fora do seu livro de memórias — pela simples razão de nunca ter tencionado escrevê-las. “Sou muito desbocada e tinha que falar mal de muita gente que tem filhos e netos, alguns até ainda estão vivos. Para quê provocar danos inutilmente?”. Arrependimentos? Só o de não ter “saltado em para-quedas”.

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