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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Dançaterapia: este baile pode curar

Em muitas doenças associadas ao foro psicológico a dança é usada como uma terapia. É uma outra via usada por terapeutas em todo o mundo para chegar aos pacientes.

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Nas sessões de dançaterapia todos os exercícios são feitos devagar. Primeiro os pacientes falam, depois dançam. O grupo dirigido por Liliane Viegas, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, está aberto a qualquer pessoa e não apenas a doentes do hospital. E ao longo dos anos já viu chegar e partir muita gente. Mas os que vão ficando gostam de dançar. A dança liberta-os.

Muitos têm esquizofrenia, distúrbios de personalidade, bipolaridade, autismo, síndrome de Asperger ou depressões profundas. Cada sessão dura pouco mais de uma hora mas os participantes vão da fala ao movimento em poucos minutos. São esses movimentos que ao longo dos anos lhes têm trazido melhoras significativas.

Liliane Viegas é psicóloga clínica, bailarina e formada em Dança e Movimento Terapia. Começa cada sessão por perguntar aos pacientes como se sentem e faz depois um pequeno aquecimento, da cabeça aos pés. Mais tarde, são os pacientes que, à vez, fazem os movimentos que quiserem e que serão depois repetidos por todo o grupo.

“Eu chamo-me Liliane”, diz a terapeuta. “Eu chamo-me Liliane”, repetem todos os pacientes. Repetem o nome da formadora tal como fazem com o nome de cada um dos presentes na sala.

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Foto: João Porfírio/Observador

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Liliane trabalha com adultos, tanto homens como mulheres, que nem sempre são fáceis de integrar nas sessões: há quem chore, há quem não fale, há quem fale demais e até há doentes que acabam por entrar em conflito uns com os outros. Alguns são doentes em tratamento e deslocam-se apenas ao hospital para estas sessões, outros são residentes. Mas as necessidades são quase sempre as mesmas.

“Eles precisam de rotinas, de se expressar, de melhorar a memória e, sobretudo, de se relacionar”, diz a psicóloga clínica, no hospital desde 2003. Mas não só. “É preciso estabelecer uma relação de confiança entre o grupo, os colegas e o terapeuta, partilhar com o outro o movimento é uma forma de facilitar também a expressão de cada um”, explica.

Poucos doentes querem partilhar a sua experiência. Rita Fernandes tem perto de 40 anos e há cinco que vai às sessões de dançaterapia. Tem esquizofrenia e encontra na dança uma maneira de se expressar e de não passar os dias em casa. Para trás ficou um sonho. “Eu queria ser jornalista, mas no segundo ano da faculdade tive um esgotamento nervoso e fui para casa. Há vários anos que não faço nada, porque não consigo”, conta Rita.

Olga também quer dar o seu testemunho. Já fez teatro, mas há 11 anos que está nas sessões de dançaterapia do hospital psiquiátrico Júlio de Matos. “A dança liberta-me daquilo em que não quero pensar e faz-me sentir bem”, diz Olga Varanda, no meio da sessão. “Também já fiz teatro, mas é aqui que me sinto bem”.

"Por acidente, em 1972, fui parar a um hospital britânico, para exercitar alguns pacientes", conta Jeanette [MacDonald, dançaterapeuta]. A experiência correu bem e Jeanette acabou por ficar encarregada de lidar, através do movimento, com os pacientes do serviço nacional de saúde inglês que sofriam de doenças mentais. "Aqui não há nada que possamos fazer que seja errado, portanto é tudo bom."

Entretanto, durante a sessão, dança-se aos pares. Durante uns minutos os pacientes dançam agarrados uns aos outros, seja por um dedo, uma mão ou um braço. “Este contacto fá-los sentir-se mais próximos, acarinhados”, conta Liliane. No fim, dançam livremente. Sozinhos. Dizem-se felizes.

A dança aliada à psicologia

No Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, a Dança Movimento Terapia foi acolhida pelo serviço de reabilitação no início dos anos 2000, e foi o primeiro sítio onde, em Portugal, a dança passou a ser integrada no âmbito das terapias. Mas lá fora, como contou Jeanette MacDonald não foi assim.

“Por acidente, em 1972, fui parar a um hospital britânico, para exercitar alguns pacientes”, conta Jeanette. A experiência correu bem e Jeanette acabou por ficar encarregada de lidar, através do movimento, com os pacientes do serviço nacional de saúde inglês que sofriam de doenças mentais. “Aqui não há nada que possamos fazer que seja errado, portanto é tudo bom.”

Jeanette MacDonald também é dançaterapeuta. Começou, há mais de 40 anos, no Serviço Nacional de Saúde Inglês. Tal como Liliane Viegas, a quem chegou a dar uma formação em dançaterapia, há uns anos, Jeanette trabalha com pessoas com problemas do foro mental.

“Como seres humanos estamos sempre à procura de significados e a dança dá-nos esses significados, somos nós que conduzimos a história, através da conexão entre o pensamento e o movimento”, explica Jeanette MacDonald, fundadora da Association of Dance and Movement Therapy, em Inglaterra.

Ainda durante o trabalho no hospital, Jeanette licenciou-se em Psicologia. “Precisava de saber e falar a linguagem destas pessoas”. Depois juntou um grupo de pessoas e criou a Association of Dance and Movement Therapy, em 1982. “A mente faz parte do corpo, não nos podemos dividir. A dança é uma forma de comunicar, com o ritmo. O ritmo é essencial… e é o movimento do corpo, a dança, que conta uma história e dá uma nova perspetiva à história de cada um”, explica Jeanette.

Foto: João Porfírio/Observador

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Mas a dançaterapia não tem nada a ver com a dança pela sua forma e pelo seu estilo. “Tem a ver com o uso do movimento conforme a disposição relacional e emocional do paciente e é a partir do movimento do paciente que nós trabalhamos, sem ter necessariamente de haver uma vertente pedagógica”, explica Liliane.

A componente mais importante da dança, ou aquilo que a dança provoca nas pessoas, é explicado por Amélia Bentes, professora na Escola Superior de Dança. “É importante que estes pacientes tenham atividades como a dança, porque libertam as endorfinas, a chamada hormona do prazer, o que acaba por ser um bocado uma terapia”.

A Dança e Movimento Terapia é uma área de intervenção no campo da psicopatologia, ou seja, associada a problemas mentais, e também do campo do tratamento físico, que pode ajudar a curar determinadas lesões. Exige formação tanto em dança como em psicologia, mas não só.

“Dentro da dança há vários tipos de terapias: umas mais viradas para a psicanálise, tendo por base os processos inconscientes, e outras que são mais viradas para as mudanças de comportamento”, explica Luísa Roubaud, professora na Faculdade de Motricidade Humana, com uma licenciatura em psicologia clínica e um doutoramento em dança.

Um dançaterapeuta precisa de ter uma formação especializada para poder intervir em casos como o autismo, a esquizofrenia, a depressão. Tal como um psicólogo tem que ter uma formação para terapias mais didáticas. Mas, então, qual é a diferença entre um dançaterapeuta e um psicólogo?

“O psicólogo usa a palavra como mediador terapêutico, enquanto o dançaterapeuta usa o movimento, não só entre o paciente e o terapeuta, mas também como via de autoconhecimento e descoberta do próprio paciente, porque o movimento desperta um certo tipo de reações”, explica Luísa Roubaud. “A dança é uma outra via de chegar ao paciente, porque tem como instrumento de trabalho o corpo e a sua expressão”.

"Em Portugal não existe Dança e Movimento Terapia de forma tão institucionalizada como lá fora. É vista, muitas vezes, como um departamento recreativo ou das artes, não como uma intervenção terapêutica", explica Diana Seabra, bailarina, coreógrafa, professora de dança e dançaterapeuta.

No caso do autismo, por exemplo, Luísa explica que é preciso conhecer bem o quadro do paciente, porque há diversos graus da doença. “Os autistas são muito de rotinas, rituais, repetir os mesmos comportamentos, e é justamente com a réplica desses comportamentos, das rotinas gestuais, que o terapeuta se pode aproximar do paciente”.

“Se eu só vivesse na mente dava em louca”

Mas ligar a dança à psicologia não chega. É preciso que os dançaterapeutas tenham uma formação extra que forneça os quadros teóricos e as metodologias necessárias para intervir em certos tipos de casos. Em Portugal, o mestrado em dançaterapia — a única formação que é possível fazer na área — terminou há cerca de 15 anos. Aquilo que acontece é que quem trabalha na área, por cá, formou-se no estrangeiro.

“Em Portugal não existe Dança e Movimento Terapia de forma tão institucionalizada como lá fora. É vista, muitas vezes, como um departamento recreativo ou das artes, não como uma intervenção terapêutica”, explica Diana Seabra, bailarina, coreógrafa, professora de dança e dançaterapeuta.

Diana estudou nos Estados Unidos, no Pratt Institute, depois de uma licenciatura em psicomotricidade, na Faculdade de Motricidade Humana, e de ter ganho uma bolsa de estudos através da Fundação Gulbenkian. Explica que o mestrado em dançaterapia consta de uma série de matérias como o estudo do movimento, do desenvolvimento da personalidade, da história da dança, da arte terapêutica, e é leccionado por profissionais ligados à área.

No entanto, para integrar este mestrado é preciso ter tido experiência ou estudos na área da dança. “Nos Estados Unidos valoriza-se muito a experiência que cada pessoa já tem em dança, seja enquanto professor, aluno ou bailarino”, explica Diana.

Além da experiência em dança, todos os alunos têm apoio psicoterapêutico e fazem dançaterapia. “Somos alunos e estamos a fazer as sessões. É confuso, mas é bom para nós.” É passar à prática ainda antes de a aprender.

Foto: João Porfírio/Observador

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Durante o mestrado, que tem por base a dança, são também dadas ferramentas dentro do Laban Movement Analysis, com base no trabalho desenvolvido pelo bailarino Rudolf Laban. “Serve para termos uma ferramenta de análise quando estamos com os pacientes, porque temos de perceber o movimento do paciente. O movimento de cada um de nós reflete a nossa personalidade”, explica Diana Seabra.

Enquanto bailarina, Diana Seabra sentiu que a dança podia fazer mais por cada um. “É o movimento que salva o meu dia-a-dia. Se eu só vivesse na mente tornava-me louca, porque a dança é uma experiência muito óbvia”, refere.

Em Portugal, a única associação dedicada exclusivamente à dançaterapia é a PRAIA, uma rede de profissionais, estudantes e investigadores da Dança e Movimento em Terapia, criada em 2015, e membro associado da European Association Dance Movement Therapy.

Qualquer pessoa pode ter uma terapia que envolve dança. “Mas nem todos os quadros patológicos exigem o mesmo tipo de terapias”, alerta Luísa. O segredo é encontrar uma terapia que vá ao encontro das necessidades da perturbação de cada paciente, o que, segundo explica a professora, pode estar na dança, na pintura, na música ou noutro tipo de terapia qualquer.

Nos mais velhos o objetivo da dançaterapia acaba por ser diferente. “Falamos de uma terapia que está mais pensada para promover a integração social, numa sociedade que hoje em dia está cada vez mais desagregada, em termos de minorias étnicas e classes sociais, e as relações são cada vez mais virtuais”, explica Luísa Roubaud.

As mudanças são notórias em quem é aplicada uma terapia que tem por base a dança. “A primeira mudança que sinto nos pacientes acontece dentro das sessões, do início ao fim”, sublinha Liliane Viegas. “Sei que depois de 14 anos de experiência, a intervenção feita nos doentes através do corpo permite uma mudança imediata na sensação do presente, há um efeito que se traduz na descida no nível da ansiedade, por exemplo”, explica Liliane Viegas.

É a dançar que eles recuperam

Diana Bastos Niepse era bailarina profissional, com um curso tirado na Escola Superior de Dança, em Lisboa, e várias formações feitas na área. Em 2014, aos 28 anos, sofreu uma queda de um trapézio que a deixou paraplégica. O prognóstico era o de que Diana ficaria para sempre num estado vegetativo, mas não foi isso que aconteceu. Hoje, já consegue andar. E dançar. Reconhece que, em conjunto com a fisioterapia, foi a dança que a salvou.

"Tento que o aluno se liberte dos medos e fobias, embora já tenha tido casos de alunos que chegam a abandonar as aulas". Mas a melhor parte do contact improvisation, refere a professora, é que os alunos, com a dança, acabam por se sentir melhor. "Fazemos tudo na base do carinho, do toque, o que é bom, no caso de o aluno ter sofrido algum tipo de rejeição".

“O meu corpo tornou-se um vegetal e eu tive de adaptar a minha condição a uma nova forma de dançar, não sou uma bailarina clássica convencional. Aquilo que tenho é uma lesão medular, e para isso não há cura”, conta Diana. Ainda assim, um ano e meio depois do acidente, foi convidada para um espetáculo de um coreógrafo francês, Jerôme Bel. “Senti-me empurrada para o meio dos leões, e achei que nunca mais voltaria a dançar”, conta.

Hoje em dia, Diana Bastos dança em três companhias portuguesas. Em duas há pessoas que já nasceram com algum tipo de deficiência motora, mas, numa terceira, dançam apenas bailarinos de contemporâneo.

“A dança salvou-me a nível motor. Quando danço estou a fortalecer os músculos do meu corpo e, no fundo, estou a melhorar. Sei que a minha profissão depende do meu corpo e estou a evoluir muito”, sublinha Diana. “Sinto que agora reparam mais na minha maneira de dançar, porque aquilo que eu faço não pode ser copiado”.

Amelia Bentes, professora na Escola Superior de Dança, também sabe que a dança, além de ser o caminho que os seus alunos escolheram, ajuda-os a vários níveis. “Não tenho alunos com nenhum problema físico, mas eu faço por estar atenta para os ajudar ao nível do psicológico”. Amelia dá aulas na base do contact improvisation, a dança pelo toque, que pode ser feita com todas as pessoas. Mas “há alunos que rejeitam ser tocados, e percebo que há ali um trauma”, sublinha Amélia. É aqui que a dança entra.

“Tento que o aluno se liberte dos medos e fobias, embora já tenha tido casos de alunos que chegam a abandonar as aulas”. Mas a melhor parte do contact improvisation, refere a professora, é que os alunos, com a dança, acabam por se sentir melhor. “Fazemos tudo na base do carinho, do toque, o que é bom, no caso de o aluno ter sofrido algum tipo de rejeição”.

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