A sigla esconde muito mais do que um nome. Nas três letras de um prefixo escocês mal grafado estão dois países e milhares de pessoas. Portugal e Inglaterra, na primeira manifestação novecentista da velha aliança, resmas de leitores e várias vidas. O M podia vir de Melómano, o E de Expresso e o C de Conservador, que a cronologia por si só estaria certa. De facto, é impossível escrever sobre Miguel Esteves Cardoso sem lembrar que foi pela voz da Escrítica Pop que primeiro se cantou em Portugal o ressurgimento do rock britânico ou que as suas crónicas do Expresso, reunidas em A Causa das Coisas ou Os Meus Problemas, foram mais populares do que o maior dos populares detentor de camisolas com o “sardão das berlengas” em vez do crocodilo Lacoste. E se isto já não seria pouco, que dizer do papel do Independente para folegar o conservadorismo do princípio do século, para alimentar o repertório melancólico de jornalistas de meia-idade, saudosos dos “tempos loucos” do Indy ou do papel que teve na viragem do farol cultural português, de França para Inglaterra?
Não há escrita humorística contemporânea, feitas de irritações comezinhas e de atenção aos pormenores quotidianos, que consiga cortar os laços com o laçarote que encantou as Noites da Má-língua, nem alta cultura que não ensaie aquele admirável casamento entre as banalidades mais bregas e as referências mais eruditas. É impossível não admirar a frescura com que Miguel Esteves Cardoso sempre conseguiu perfumar os mais bafientos e remoídos assuntos, e a leveza com que ergueu um dos edifícios intelectuais mais populares da transição do século.
O fim do século XX teve vários escritores de estilo apurado, uns quantos com uma certa cultura e solidez intelectual e uma mão mais vazia do que cheia de escritores com graça; mas destes poucos, ainda menos conseguiram usar a graça, a cultura ou o estilo para criar qualquer coisa duradoura. É óbvio que Miguel Esteves Cardoso não inventou a crónica de humor; mas a crónica de humor contemporânea deve-lhe mais do que a Fernando Assis Pacheco, Mário Viegas ou José Sesinando. É ainda mais claro que MEC não inventou o conservadorismo; no entanto, em Portugal, inventou o modo de falar do conservadorismo.
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