Discursos que vão subindo de tom e alterações pouco cirúrgicas. Com o ataque do Hamas contra Israel, a 7 de outubro, a esquerda portuguesa viu-se obrigada a uma ginástica diferente: conjugar o seu apoio de sempre à causa e autodeterminação da Palestina com uma condenação dos atos do grupo que a União Europeia classifica como terrorista. Durante estes dias, Bloco de Esquerda e PCP foram acusados de não condenarem liminarmente o Hamas, de agirem de forma “racista” e até de “apoiarem” atos terroristas, e responderam recusando “calúnias” e mentiras “grotescas”. E o partido liderado por Mariana Mortágua, em particular, reagiu dando uns toques no discurso e endurecendo o tom contra o grupo que levou mais de 200 reféns para Gaza.

A fórmula não foi imediata: do lado do Bloco, a reação do partido começou por se resumir a um tweet de Marisa Matias que não falava no Hamas, mas foi evoluindo ao longo da semana — com o passar dos dias, termos como “atos de terror” e “atos terroristas” entraram no léxico de sucessivos discursos bloquistas — e até acabou com Catarina Martins a arrasar o grupo islâmico, que disse considerar “de extrema-direita”, “o oposto de tudo aquilo em que o Bloco acredita”.

E o partido parece alinhado — pelo menos, a maior fação crítica da atual liderança (minoritária no partido), que se desentendeu com a direção sobre a questão da Ucrânia, desta vez mostra-se de acordo com a cúpula e faz equivaler os atos do Hamas ao “terrorismo” do Estado de Israel. “O Bloco já condenou os atos terroristas do Hamas contra população civil e já se demarcou politicamente do Hamas”, frisa a cara mais conhecida do movimento Convergência, Pedro Soares, em resposta ao Observador. “No entanto, se alguém espera que a esquerda se cale sobre o terrorismo de Estado de Israel contra o povo palestiniano, tenho a convicção que vai ter de esperar sentado. A luta palestiniana pela libertação já existia muito antes de haver Hamas. Não esquecemos a história que deu origem a tudo isto”.

A primeira reação do PCP também não continha nenhuma referência ao Hamas: a esquerda acredita que toda esta “escalada” de violência tem por base a forma como Israel trata a população palestiniana e a ocupação que faz dos seus territórios, e começou por direcionar apenas para aí as culpas deste conflito. Mas no lado comunista, embora o discurso não tenha mudado radicalmente, lá acabaram por chegar também as críticas ao Hamas — quando foi questionado pelos jornalistas, o secretário-geral, Paulo Raimundo, acusou o grupo terrorista de agir contra os interesses do povo e das forças democráticas da Palestina.

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Ainda assim, nenhum dos dois partidos responde diretamente e de forma oficial à questão colocada pelo Observador: afinal, consideram ou não o Hamas um grupo terrorista? E, se não, por que não o fazem — apesar de o Bloco já falar com frequência em atos de terror e atos terroristas?

O dilema continua a ser o mesmo: a esquerda insiste em lembrar as origens do conflito e as condições em que a população da Faixa de Gaza vive, assim como condenar o cerco de Israel a esse pedaço de território (que, entretanto, as Nações Unidas e o primeiro-ministro português também vieram condenar).

Mas, tendo este ataque partido do Hamas, precisa de garantir claramente que não está a desvalorizar o horror em território israelita — até porque nesse caso ambos os partidos poderiam encontrar-se numa encruzilhada e numa posição de isolamento muito semelhante à que o PCP enfrenta, graças às suas posições sobre a Rússia e a Ucrânia.

A cronologia das reações aos ataques de 7 de outubro ajuda a reconstituir o discurso dos dois partidos — e a perceber o que se mantém e, sobretudo, o que mudou nas suas declarações públicas.

Bloco de Esquerda: a evolução do discurso

O primeiro tweet (7 de outubro)

As vítimas inocentes dos dois lados são o efeito da ocupação. Parar a guerra implica pôr fim ao apartheid e à ocupação ilegal da Palestina por Israel. Aos palestinianos devemos o respeito do direito à autodeterminação como na Ucrânia ou em Timor, ou não haverá solução para a paz. (Marisa Matias)

Foi ao início da tarde de sábado, 7 de outubro — horas depois de ter sido conhecida a notícia dos ataques do Hamas, que matou e raptou dezenas de civis — que surgiu a primeira reação do Bloco de Esquerda, não de forma oficial, mas na conta de X (antigo Twitter) da eurodeputada Marisa Matias. Nessa primeira publicação, não se lia qualquer referência explícita ao Hamas nem ao ataque contra o lado israelita. Matias lamentava as “vítimas inocentes” dos dois lados e passava à condenação de Israel, argumentando que só com o final do “apartheid” e da ocupação ilegal de territórios palestinianos se poderá chegar a paz. E juntava-lhe o exemplo da Ucrânia, para defender que em ambos os casos está causa uma questão de autodeterminação dos povos. Foi graças a este tweet que o Bloco começou a ser acusado de ignorar a violência do Hamas.

A reação da líder (9 de outubro)

“Nós condenamos os ataques a civis e condenámos sempre que não nos perguntaram se condenávamos ou não o ataque de Israel a civis palestinianos, crianças assassinadas pelo Estado de Israel, um regime de apartheid, de limpeza étnica, de violência de Estado (…). A paz é o único caminho (…). Enquanto houver apartheid, enquanto houver um regime que tem uma política de limpeza étnica, de destruição em massa de outro povo, não pode haver paz”.

Dois dias depois, a coordenadora do Bloco, Mariana Mortágua, pronunciava-se sobre o assunto e usava uma fórmula semelhante: o Bloco condena os “ataques a civis”, sim, mas também recorda os ataques de Israel que atingem a população da Faixa de Gaza e os milhares de mortos que ali se acumulam há anos. A farpa vai, neste caso, para os jornalistas que em ocasiões não lhe “perguntaram” se condenava o Estado de Israel como agora perguntam se condenam o Hamas, sugeriu.

A primeira reação de Catarina Martins: “Não me chocam mais umas mortes do que outras” (9 de outubro)

“Há uma escalada de guerra imparável (…) por causa do incumprimento de Israel sucessivo e da sua política de ocupação e de não respeitar nenhuma resolução oficial sobre povo palestiniano ter direito ao seu território. (…) Este ataque choca-nos, e deve chocar-nos tudo isto. Mas os ataques e mortos do lado da Palestina também acontecem, acontecem há muito tempo, e infelizmente em grande número. Os meus mortos não pagam os teus mortos, mas é preciso um caminho para a paz. Durante muito tempo a política oficial da Palestina foi o caminho para a paz, mas há uma enorme revolta da população que está a ser dizimada e há uma dualidade de critérios do ponto de vista internacional. A mim não me chocam mais umas mortes do que outras (…)” (Catarina Martins)

Nessa noite, no seu espaço de comentário na SIC Notícias, a antecessora de Mariana Mortágua admitiu que o ataque do Hamas “choca” o Bloco, mas recusando que a defesa de Israel devesse passar pelo cerco e invasão de Gaza: “Os meus mortos não pagam os teus mortos”, defendeu. Durante esses minutos, em que acabou por ser acusada pela colega de painel, Cecília Meireles, de desvalorizar o ataque do Hamas ou de tentar justificá-lo, Catarina Martins frisou as responsabilidades de Israel na ocupação de território palestiniano e lembrou as vítimas desse lado.

A acusação de Moedas: “Extrema-esquerda racista” (11 de outubro)

“Antes o racismo estava só na extrema-direita. Mas temos visto uma extrema-esquerda racista, que apoia organizações terroristas que decapitam bebés. Isso dá cartas aos partidos moderados. Estas eleições europeias são muito importantes. A extrema-esquerda mostrou que é tão má como a extrema-direita. Há partidos que não admitem que o Hamas é uma organização terrorista”. (Carlos Moedas)

Carlos Moedas lançou o ataque mais duro contra Bloco de Esquerda e PCP: em entrevista à SIC Notícias, quatro dias depois do ataque do Hamas, recorreu às reações dos dois partidos para defender que a equivalência entre Bloco, PCP e Chega é justa e que os extremos do espetro político são igualmente “maus”. Não é verdade que estes partidos não tivessem então condenado o ataque ou “apoiado” o Hamas, mas sim que fizeram nenhuma declaração no sentido de o considerar uma organização terrorista — tendo o Bloco começado a falar em “atos de terror”. No mesmo dia, o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, acusava estes dois partidos no Parlamento de não terem dirigido “uma única palavra de condenação” aos “atos terríveis” perpetrados pelo Hamas.

A resposta às acusações “insidiosas e grotescas” (11 de outubro)

“O Bloco de Esquerda desde a primeira hora condenou o massacre de civis, condenou os crimes de guerra levados a cabo pelo Hamas, contra israelitas ou contra pessoas de outras nacionalidades. Fizemo-lo com a mesma veemência que condenamos os crimes de guerra perpetrados por Israel e que neste momento estão a acontecer no território de Gaza” (Pedro Filipe Soares)

O Bloco mostrou-se imediatamente indignado com as acusações de Moedas, que refutou dizendo ter condenado “desde a primeira hora” o massacre de civis e os “crimes de guerra levados a cabo pelo Hamas”, embora isso não tenha acontecido logo na primeira reação. O líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, voltava a explicar que o partido faz questão de condenar com a mesma “veemência” o ataque de Hamas e os “crimes de guerra” de Israel em Gaza. E também respondia a Rui Rocha, chamando-lhe “mentiroso” e aconselhando o deputado liberal a ler jornais. No mesmo dia, a bloquista Joana Mortágua condenava, no Parlamento, os ataques do Hamas “contra civis”, lembrando de novo que Israel “já cometeu vários crimes de guerra” e que o cerco a Gaza constituiria outro.

O “horror” no voto de pesar, sem Hamas (12 de outubro)

O horror da morte de civis em massa, de sequestros e prisões arbitrárias não pode deixar ninguém indiferente. Todos e cada um dos ataques a civis devem ser condenados com a determinação de fazer cumprir o Direito Internacional. Venham de onde vierem, tenham a tutela que tiverem. (…) Deve ser denunciada a dualidade dos critérios utilizados pelos Estados Unidos da América, pela União Europeia e pelo governo português. Enquanto reconhecem o direito da Ucrânia à sua autodeterminação, recusam o mesmo direito basilar à Palestina. (…) A causa da violência é a ocupação ilegal da Palestina. 

No voto de pesar que apresenta no Parlamento, o Bloco de Esquerda fala em “horror” para se referir a mortes e sequestros, condenando os ataques sem falar no Hamas — são condenáveis “venham de onde vierem” e a origem da violência tem na sua origem a “ocupação ilegal da Palestina”. Mais uma vez, o mesmo ponto: o Bloco diz que há uma dualidade de critérios que traz uma bonomia injusta relativamente aos atos de Israel e defende que o direito da Palestina a constituir-se enquanto Estado é essencial para chegar à paz.

As condenações de Mortágua (16 e 18 de outubro)

“O Bloco de Esquerda, desde o primeiro momento, condenou os atos de terror, os crimes, os sequestros e toda a política do horror do Hamas em Israel. Condenámos também sempre os atos de guerra do Governo de Israel contra civis palestinianos.

Depois do “terror dos crimes cometidos pelo Hamas”, há agora a continuação do “genocídio do povo de Gaza”. “Isto é um massacre de milhares de civis, crianças, jornalistas, representantes da ONU, tudo com a cumplicidade das mentiras da extrema-direita” (Mariana Mortágua

No início desta semana, Mortágua carregou nas críticas ao Hamas, passando a associar “atos de terror” e “política de terror” ao Hamas de forma clara, e sempre lembrando, a par disso, os “atos de guerra” do governo de Benjamin Netanyahu. Já no debate quinzenal, na quarta-feira, a líder bloquista voltou a falar em “terror” para se referir ao Hamas e associou a “extrema-direita” ao “massacre” que defende estar a acontecer na Faixa de Gaza.

O duro ataque de Catarina Martins ao Hamas (16 de outubro)

Os ataques terroristas são ataques terroristas, não há nenhuma dúvida sobre isso e é o que o Bloco tem dito. Tenho dificuldade em compreender quem diz que há um problema com a posição do Bloco mas tem dificuldade em caracterizar o que está a acontecer neste momento, que são ataques terroristas do Governo de Israel. (…) O Hamas é um movimento de extrema-direita, que não reconhece o outro, completamente oposto ao movimento de laicidade que sempre construiu a resistência palestiniana e que é fundamental aquela ideia da ONU de dois Estados. O Hamas é o contrário do que representa essa tolerância do caminho para a paz e os dois Estados. Nada poderia ser mais distante do que a esquerda, que esteve sempre do lado da Palestina, do que o Hamas. (…) A condenação que devemos fazer e que seguramente qualquer pessoa faz, a menos que seja profundamente perturbada, dos ataques terroristas do Hamas não podem ser um livre trânsito ao terrorismo de Israel sobre Gaza (…) O Bloco tem uma presença tão forte e já disse tanto sobre isto, sobre o Hamas, que é um movimento religioso extremista, o oposto de tudo aquilo em que nós acreditamos e somos, um movimento de extrema-direita que foi alimentado por Israel.

O segundo comentário televisivo de Catarina Martins foi bem diferente do que tinha sido o primeiro, uma semana antes. Desta vez, e embora naturalmente continue a carregar contra o tratamento dos habitantes de Gaza por Israel e a condenar o cerco à faixa de território, a antiga líder do Bloco é especialmente contundente nos comentários que faz sobre o Hamas e soma críticas atrás de críticas: é um movimento de extrema-direita (uma caracterização que o Observador tentou perceber se o Bloco assume como posição oficial, sem sucesso), oposto à esquerda e tudo aquilo em que acredita e representa. Apesar de na semana anterior ter condenado genericamente os ataques a civis, e de agora se dizer espantada com as críticas à posição do Bloco, desta vez Catarina Martins faz um discurso muito diferente e incomparavelmente mais duro com o Hamas.

O desafio aos liberais (18 de outubro)

O @ruirochaliberal e a @LiberalPT já condenaram os crimes de guerra que estão a acontecer em Gaza? Já condenaram a punição coletiva que está em curso? Passou mais um dia e ainda não vi a defesa dos direitos humanos e do direito internacional. Vai ser hoje? (Pedro Filipe Soares)

Na rede X (antigo Twitter), o líder parlamentar bloquista atirou-se aos liberais, como já tinha acontecido no Parlamento, para apontar o que acredita ser uma contradição. O argumento é que, se o Bloco deve condenar o Hamas pelo ataque de 7 de outubro, os restantes partidos também têm obrigação de condenar a violência sobre civis palestinianos, incluindo no atual cerco e bombardeamentos a Gaza. Aqui, os bloquistas são respaldados pela posição da ONU e, desde esta semana, a posição oficial do Estado português, com António Costa a considerar o cerco a Gaza uma violação do direito humanitário internacional.

Marisa Matias fala em “ataques terroristas” (18 de outubro)

Sem qualquer condescendência e com total condenação da barbaridade dos ataques terroristas do Hamas, o mínimo que a decência e a justiça podem exigir é que tenhamos o mesmo rigor e a mesma exigência em reconhecer os crimes contra a humanidade cometidos por Israel. Porque é que o sofrimento das mães palestinianas não vale o mesmo que o das mães israelitas? Não podemos aceitar a punição coletiva de um povo. Quandos milhares de pessoas inocentes terão de morrer em nome do direito à defesa? O cerco a Gaza, a ocupação, o corte de água, medicamentos, alimentos, são claras violações do direito internacional. (Marisa Matias)

Desta vez, Marisa Matias, que na primeira reação, 11 dias antes, não tinha sido clara a condenar a violência do Hamas, assume durante uma intervenção no Parlamento Europeu o termo “ataques terroristas” para caracterizar o que aconteceu a 7 de outubro. Pede depois, seguindo a linha que tem sido mais constante no Bloco, “o mesmo rigor e exigência” na condenação das ações de Israel, voltando a defender que o cerco a Gaza constitui uma violação do direito internacional.

As concentrações pela Palestina

A 19 de outubro, o Bloco de Esquerda participa e promove uma concentração “pelo fim da agressão a Gaza” e pela “paz no Médio Oriente”. Na semana anterior, tinha acontecido o mesmo, sob o mote “concentração pela paz no Médio Oriente e pelos direitos do povo palestiniano”.

PCP: as diferenças entre o que é escrito e dito

O comunicado sobre os “acontecimentos”, sem falar do Hamas (8 de outubro)

Os acontecimentos que se estão a desenrolar no quadro do conflito israelo-palestiniano são resultado de décadas de ocupação e desrespeito sistemático por parte de Israel do direito do povo palestiniano a um Estado soberano e independente, da permanente violação de todas as resoluções da ONU e acordos internacionais sobre a questão da Palestina (…) Quem permitiu que todos os acordos e resoluções ficassem por cumprir e fossem violados, quem inviabilizou toda e qualquer perspectiva de solução política para o conflito, quem foi conivente com a ocupação e opressão, a expansão dos colonatos, o bloqueio à Faixa de Gaza, a prisão de milhares de presos políticos palestinianos nas prisões israelitas, quem tolerou os crimes de Israel e a sua escalada pelo actual governo de extrema-direita, e só encontrou palavras de condenação para a resistência palestiniana, tem hoje perante si as consequências da sua política. (…) Expressando a sua preocupação e inquietação com a escalada do conflito, em particular com as suas trágicas consequências para as populações, o PCP alerta para o perigo do seu alastramento (…).

No primeiro comunicado que emite sobre o assunto, um dia e meio depois dos ataques, o PCP não faz uma única referência ao Hamas nem fala concretamente dos ataques da véspera, a que se refere simplesmente como “acontecimentos”. Os comunistas responsabilizam Israel e as “décadas de ocupação” de território palestiniano, mas também todos os que foram “convenientes” com o bloqueio da Faixa de Gaza e só condenaram o lado palestiniano, pelos ataques: “Tem hoje perante si as consequências da sua política”. Quanto aos tais “acontecimentos”, o partido limita as “trágicas consequências para as populações”, mas mais uma vez não refere os autores dos ataques. E mantém a sua posição política sobre o assunto, defendendo que é preciso chegar a uma solução diplomática e que a Palestina também tem direito a constituir-se enquanto Estado.

O voto de pesar (12 de outubro)

São profundamente preocupantes as consequências da recente escalada de violência, com inúmeras vítimas entre as populações israelita e palestiniana, o que merece o mais vivo repúdio e condenação. Impõe-se parar de imediato a escalada de guerra de forma a impedir ainda mais trágicas consequências para a população palestiniana, martirizada por décadas de ocupação e opressão, e para a população israelita – árabes e judeus –, em luta contra as arbitrariedades do governo de Israel. (…) A criação do Estado da Palestina está por cumprir. A substituição dos processos políticos, assentes nas resoluções da ONU, pela negação brutal dos direitos do povo palestiniano, só pode conduzir ao agravamento da situação e a trágicos acontecimentos.  (…). Manifesta o seu pesar pelas vítimas da atual escalada de violência na Palestina e em Israel, assim como pelas dezenas de milhares de vítimas palestinianas, sírias, libanesas, egípcias, jordanas e israelitas em resultado de 75 anos de negação dos direitos do povo palestiniano e de violações do direito internacional por parte de Israel.

No voto de pesar que apresenta na Assembleia da República, o PCP fala das vítimas dos dois lados e de uma escalada da guerra, voltando a não mencionar em concreto o ataque mais recente do Hamas. Mas defende que tanto a população palestiniana como a população israelita estão a sofrer as consequências do que, na visão comunista, são as “arbitrariedades” do governo de Israel, assim como os “75 anos de negação dos direitos do povo palestiniano”. E volta a expor a sua perspetiva sobre a solução para o conflito: se o direito da Palestina a constituir o seu próprio Estado não se concretizar, a situação no Médio Oriente só tenderá a piorar.

A primeira condenação do Hamas e as críticas de Raimundo (12 de outubro)

“Não há nenhuma dúvida. Tudo aquilo que envolva operações que tenham como objetivo e destinatário populações civis, é sempre condenável, seja ela do Hamas, seja de quem for. (…) “Uns atos são condenáveis, porque são atos de índole terrorista, e os outros são o quê? É justiça? É uma vingança? É o quê? (…)Basta olhar para a história, perceber quem ajudou a financiar, a criar, e qual foi o objetivo fundamental da sua criação – em particular, combater as forças democráticas na própria Palestina – para tirar as conclusões. Quem olhar para a história (…) perceberá que, se há coisa que não serve os interesses do povo palestiniano, é este conjunto de ações. E, portanto, nós condenamos essas ações, e em particular as vítimas civis, inocentes, que estão a ser, tal e qual como agora, as primeiras vítimas deste processo”. (Paulo Raimundo)

A maior condenação dos atos do Hamas chegou pelas palavras do secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, que tal como no caso da invasão russa da Ucrânia trouxe nuances à posição escrita dos comunistas. Neste caso, Raimundo condenou os ataques do Hamas ou “de quem for” contra populações civis, embora dizendo detetar alguma “hipocrisia” de quem não condena da mesma forma ações de Israel, como o cerco a Gaza. Depois, questionado diretamente pelos jornalistas sobre a caracterização que faz do Hamas, Raimundo não fala numa organização terrorista, mas diz que basta olhar para a história desse grupo, para o seu financiamento e para os seus objetivos de combater as “forças democráticas” da Palestina para “tirar conclusões”. A conclusão que tira é que o Hamas não serve o povo palestiniano.

Comunicado sem Hamas, Raimundo volta a criticar (16 de outubro)

“É uma situação inseparável de décadas de ocupação, opressão e desrespeito dos direitos do povo palestiniano por parte de Israel, intensificada agora pelo Governo de extrema-direita de Netanyahu (…) [Condenamos] como sempre (…) todos os momentos as ações que vitimem as populações e inocentes. O PCP condena a escalada da guerra de Israel contra o povo palestiniano, um povo já profundamente martirizado e que mais uma vez é alvo de bombardeamentos indiscriminados, bloqueio e ameaças que procuram condenar o povo palestiniano ou à morte ou à expulsão” (Comunicado do Comité Central)

“Basta olhar para o porquê da sua criação e do onde da sua criação para perceber, e basta ver a atitude que teve para aquilo que foi o combate às forças democráticas na Palestina, para perceber que o Hamas pode servir muita coisa, inclusive interesses muito obscuros, mas que as ações que tem desenvolvido, a maior parte delas, não interessam ao povo palestiniano.”(Resposta de Paulo Raimundo aos jornalistas)

Mais uma vez, diferenças entre o discurso escrito do PCP e a posição assumida pelo secretário-geral: no final de mais uma reunião do Comité Central, os comunistas voltam a condenar ataques contra populações inocentes, sem referir as vítimas israelitas e criticando a “martirização” do povo palestiniano. Minutos depois, quando é questionado pelos jornalistas, Paulo Raimundo volta a atacar o Hamas, as suas origens e os seus propósitos, para defender que representa “interesses obscuros” e não a população palestiniana.

PCP contesta “calúnias” no Parlamento (18 de outubro)

“Queremos reafirmar o distanciamento e condenação de de ações violentas que visem vítimas inocentes palestinianas ou israelitas. É preciso condenar o massacre que o Governo de Israel tem em curso na Faixa de Gaza”.

No Parlamento, a líder parlamentar comunista, Paula Santos, pede a palavra para falar contra as “calúnias” de que diz que o PCP tem vindo a ser alvo, já depois de figuras como Carlos Moedas ou Rui Rocha terem questionado a posição da esquerda. Aqui, especifica que o PCP condena violência contra vítimas “palestinianas ou israelitas”, embora não se demore na caracterização dos atos do Hamas e condene o “massacre” que diz estar em curso, pelo governo de Israel, na Faixa de Gaza.

As críticas do PCP a Joe Biden (18 de outubro)

“Joe Biden foi a Israel fazer duas coisas. Propaganda e sublinhar o seu apoio ao massacre que está em curso.”

Também presente numa manifestação pró-Palestina em Lisboa, Paulo Raimundo vira a agulha contra os Estados Unidos, aliados de Israel, e acusa o Presidente norte-americano de ter ido a Telavive fazer “propaganda” e apoiar o “massacre” que está em curso. Os Estados Unidos têm apoiado militarmente Israel, mas foi também nessa visita que Biden aconselhou Telavive a não repetir os “erros” dos norte-americanos na reação aos ataques do 11 de setembro, na resposta ao ataque do Hamas.