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De "azul forte" a "vermelho por dentro". Quem é Erin O'Toole, o homem que fez Trudeau tremer?

Candidato conservador surpreendeu e ameaça maioria do primeiro-ministro canadiano. Erin O'Toole virou à esquerda e colheu votos — mas estratégia centrista ainda lhe pode valer dores de cabeça.

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É um clássico das campanhas eleitorais: o candidato surge vindo do backstage, aperta a mão a muitos dos que estão ali à espera de ouvi-lo e dirige-se para cima do palco. Em fundo, toca uma canção inspiradora que tenta passar uma mensagem de otimismo: Born in the USA a tocar para Ronald Reagan; Theresa May a abanar-se ao som de Dancing Queen; Emmanuel Macron confiante com o Hino da Alegria a tocar em fundo.

A campanha eleitoral deste verão no Canadá não conta com os mesmos hits. Erin O’Toole, o conservador quase desconhecido que desafiou o primeiro-ministro Justin Trudeau e que pode surpreendê-lo, surge sempre ao som de um riff de guitarra — mas a canção é desconhecida e não tem letra (pode ouvir-se a partir do minuto 4:40 do vídeo). A falta de palavras, porém, talvez tenha uma justificação. Há cerca de um ano, O’Toole poderia escolher True Blue de Madonna e a canção assentaria perfeitamente no homem que usou essa mesma expressão para se afirmar como líder do seu partido “azul”; agora, com uma mensagem muito mais encostada à esquerda, é mais difícil definir O’Toole candidato a primeiro-ministro.

A ambiguidade faz com que o antigo advogado, militar e deputado, seja alvo de críticas por parte dos conservadores mais ferrenhos, que se sentem traídos. Mas também faz com que O’Toole — que passou de líder “verdadeiramente azul” a um político que pretende ressuscitar as raízes do conservadorismo “vermelho” de outros tempos no Canadá —, esteja mais próximo do vencer umas legislativas do que os seus antecessores dos últimos anos.

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A decisão de Trudeau de fazer os canadianos regressarem às urnas esta segunda-feira pode correr-lhe mal, se se confirmar uma derrota ou até uma redução da maioria de 155 deputados de que dispõe atualmente. Já O’Toole será certamente a surpresa, depois de uma campanha em que refez a imagem do Partido Conservador (centro-direita), alinhando-se muito mais ao centro e apoiando até temas habitualmente defendidos pela esquerda canadiana. O problema é que ainda não é certo para os eleitores qual dos O’Toole é o verdadeiro: o conservador que usava o lema “Take Canada Back” e criticava a “esquerda radical” ou o moderado que quer combater “a desigualdade económica” e fazer as minorias sentirem-se incluídas no seu partido?

Discreto e eterno segundo. O’Toole, o “anti-Trudeau”

Justin Trudeau é primeiro-ministro do Canadá desde 2015 e, nos seus primeiros tempos de governação, liderou um governo popular. Agora, a situação do Partido Liberal é bastante mais crítica, como comprovam as sondagens: se em junho a força política de Trudeau seguia com 38% de aprovação, três meses e uma campanha eleitoral depois segue nos 33%.

A maioria dos canadianos não foi a favor da convocação de eleições extraordinárias — e O’Toole soube explorar bem esse sentimento. Assumindo-se contra a ida às urnas, aproveitou a curta campanha para apontar baterias a Trudeau: tentou retratá-lo como um membro da elite política (é filho do antigo primeiro-ministro Pierre Trudeau), alienado do eleitor comum e mais preocupado com a sua imagem do que com os destinos do país. “Um poster boy”, chamou-lhe. E, por oposição a isso, tentou retratar-se a si próprio como um homem que mete as mãos na massa.

Canadian Prime Minister Trudeau Campaigns In Port Coquitlam Ahead Of Next Week's Election

O'Toole tem tentado assumir-se como o "anti-Trudeau". O primeiro-ministro (à direita) é visto como mais carismático

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Nascido em 1973, O’Toole é natural de Montreal, mas cresceu em Bowmanville (perto de Toronto), quando o pai se mudou para ali a fim de trabalhar na General Motors. O líder dos conservadores puxou sempre das credenciais de classe trabalhadora: “Éramos uma família católica de origens irlandesas tradicionais”, descreveu. A família sempre votou no Partido Liberal, garante. O seu pai foi o primeiro a aproximar-se do Partido Conservador: “Era um conservador tradicional, daqueles com ‘c’ minúsculo”.

Esse ‘c’ minúsculo, porém, não impediu o pai de se candidatar ao parlamento regional de Ontário pelo partido, cargo que ocupou de 1995 a 2014 — um facto que O’Toole tem preferido não destacar. Em vez disso, o candidato conservador gosta de lembrar as suas origens e a sua passagem pela Força Aérea. “Apaixonei-me pela mística de puxar por mim fisicamente e de aprender a liderar”, disse. E essa experiência já foi usada como estratégia de campanha: “Quando Justin Trudeau estava em festas — e já todos vimos as fotos — eu participava em missões de resgate”, disse O’Toole num comício no início da semana. “Todos os canadianos já conheceram um Justin Trudeau na vida: um tipo privilegiado que tenta sempre destacar-se”.

O'Toole tentou retratar Trudeau como um membro da elite política (é filho do antigo primeiro-ministro Pierre Trudeau), alienado do eleitor comum e mais preocupado com a sua imagem do que com os destinos do país. "Um poster boy", chamou-lhe. E, por oposição a isso, tentou retratar-se a si próprio como um homem que mete as mãos na massa

O’Toole não tem o carisma de Trudeau, nem teve o mesmo destaque ao longo da vida. Mas o líder dos conservadores tenta fazer das fraquezas forças, como quando conta que não era normalmente o protagonista nas peças de teatro da escola: “No Grease, não fui o Danny”, revelou em tempos, sublinhando contudo que esse papel foi para o colega de escola Jonathan Goad, que atualmente é ator profissional. O tom do discurso é semelhante quando fala da sua experiência militar: “Entrei no centro de recruta a achar que ia ser o Maverick”, afirmou, referindo-se ao papel interpretado por Tom Cruise em Top Gun. “Afinal, fui o Goose e andava num helicóptero velho e antiquado”.

Não se pense, porém, que ao tom auto-depreciativo corresponde uma carreira profissional cheia de falhanços. O’Toole saiu da Força Aérea para estudar Direito e pouco tempo depois já trabalhava em grandes firmas de advogados, a que se seguiu uma passagem pela gigantes Procter&Gamble e Gillette. Em 2012, entrou na política e foi eleito para o círculo de Durham, em Ontário; rapidamente se tornou membro da equipa do primeiro-ministro Stephen Harper, tendo até recebido a pasta dos assuntos relacionados com ex-militares.

Vigil in Canada for 4 Muslim family members

O'Toole foi piloto da Força Aérea, advogado e deputado. Conquistou a liderança do Partido Conservador em agosto de 2020

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Em 2017 arriscou uma candidatura à liderança do partido, mas foi derrotado. Três anos depois — e com recurso a uma retórica mais aguerrida — foi bem sucedido. Mas continuava a não ser um político destacado para a maioria dos canadianos: “Os eleitores não o veem como particularmente atrativo ou carismático; alguns nem sequer sabem quem ele é”, admitiu ao Politico um membro do partido. “As primeiras duas semanas de campanha foram um referendo a Trudeau”.

O’Toole e a sua equipa perceberam isso e foi por essa razão que insistiram na tónica de se tentar diferenciar do estilo do primeiro-ministro. “O mundo precisa de mais Canadá. Precisa é de menos Justin Trudeau”, foi uma das frases utilizadas pelo candidato ao longo da campanha. Uma estratégia que para os analistas tem resultado: “O’Toole tem uma oportunidade para provocar danos reais à marca dos liberais”, avisou o cientista político Andrew McDouggal ao Washington Post. Apesar de oferecer pouca substância, como apontou Darrell Bricker: “As pessoas estão zangadas com Trudeau. Portanto ele apresenta-se como uma alternativa”, resumiu o especialista em sondagens e diretor da Ipsos à France24.

De “True Blue” a “Red Tory”: a viragem à esquerda nas propostas

A grande questão que sobra é que alternativa apresenta O’Toole a Trudeau. Quando concorreu à liderança do partido em 2020, O’Toole tentou uma tática diferente da que tinha usado em 2017, encostando-se mais à direita e assumindo-se como “True Blue”: “Estamos numa batalha pelo coração e a alma do Partido Conservador. Esta corrida é uma campanha sobre que tipo de partido queremos ser, um partido mais igual aos liberais ou um que acredita que vencemos quando nos assumimos como conservadores”, disse no anúncio da sua candidatura.

Olhando para a campanha de 2021, ou O’Toole estava a fazer bluff, ou não acredita que é possível vencer no Canadá com essa mensagem. “Já não somos o Partido Conservador do tempo do vosso pai”, diz agora o candidato a primeiro-ministro. As suas propostas são aquilo que o cientista político Brian Budd define como sendo imagens de marca de um “Red Tory”: manutenção de ideias conservadoras ao nível fiscal, combinadas com posições mais progressistas em questões sociais.

Federal Election Leaders' Debate In Canada

Independentemente de quem vencer estas eleições, o mais provável é que o Canadá tenha pela frente um governo minoritário

NurPhoto via Getty Images

O número de matérias em que a postura de O’Toole se aproxima da dos liberais não tem parado de crescer. No discurso de vitória após conquistar a liderança do partido, afirmou que espera que os eleitores se sintam confortáveis ali, independentemente da sua raça, orientação sexual ou religião: “Somos um partido que está firmemente no centro da política canadiana”, disse. Agora, na campanha, vai somando declarações que parecem muito mais à esquerda do que tem sido habitual no partido: O’Toole já disse que, consigo no poder, a interrupção da gravidez continuará disponível “de costa a costa” do Canadá; tem sublinhado que pretende apoiar a comunidade LGBT em questões de saúde; afirma que a toxicodependência deve ser tratada como uma matéria de saúde e não penal; e tem apoiado a ideia de taxar a indústria do carvão para combater as alterações climáticas.

O candidato conservador já prometeu que, consigo, os subsídios de apoio estatal para quem tem baixos rendimentos serão aumentados. Mais: o candidato tem insistido na tecla de que é preciso melhorar a proteção social dos canadianos. “Queremos mesmo uma nação de condutores de Uber? Queremos mesmo abandonar uma geração de canadianos e deixá-los à mercê de uma luta quase darwiniana?”, questionou

Para além disto, o candidato do Partido Conservador decidiu apresentar-se com uma política económica muito mais ao centro do que é habitual no partido. Erin O’Toole quer promover uma política de nomeação de representantes dos trabalhadores nas administrações de empresas privadas, à semelhança do modelo alemão, e já prometeu que, consigo, os subsídios de apoio estatal para quem tem baixos rendimentos serão aumentados. Mais: o candidato tem insistido na tecla de que é preciso melhorar a proteção social dos canadianos. “Queremos mesmo uma nação de condutores de Uber? Queremos mesmo abandonar uma geração de canadianos e deixá-los à mercê de uma luta quase darwiniana?”, questionou. Não admira que analistas como Elizabeth Goodyear-Grant, da Queen’s University, considerem que este é o Partido Conservador “mais moderado” desde 2003.

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Erin O'Toole tem promovido uma agenda muito mais ao centro do que é habitual no Partido Conservador, inclusive nas questões económicas

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A grande questão é como pode um candidato como O’Toole conciliar esta viragem ao centro com os interesses de eleitores firmemente conservadores. “São dois grupos que vivem em planetas completamente diferentes”, avisou um antigo estratega conservador ao New York Times. As ondas de choque já se fazem notar: “Sentimo-nos traídos”, avisou o presidente de um grupo pró-armamento do Quebec, referindo-se à postura hesitante nesta matéria do candidato, que admitiu que poderia apoiar a decisão dos liberais de banir determinadas armas.

Do outro lado, também há quem não acredite que O’Toole defende mesmo estas ideias agora: “Fico contente que ele diga estas coisas? Sim. Acredito que ele acredita nelas? Não”, resumiu Jerry Dias, líder do maior sindicato de empresas privadas do Canadá.

Canadá, um laboratório onde a política se faz ao centro

Como explicar então que uma postura que desagrada a tantos possa redundar num dos melhores resultados recentes do Partido Conservador? Bom, numa palavra: centro. A política mais à direita dos conservadores não tem vindo a resultar e, por isso, mover um pouco para a esquerda pode ser a solução: “Os conservadores têm feito a mesma campanha uma e outra vez desde 2006”, reconheceu um conselheiro do candidato ao National Post. “Se queremos ganhar, temos de fazer algo de diferente.”

Não só os liberais de Trudeau têm dominado a política nacional desde 2015, como a radicalização do discurso dos conservadores não tem tido os mesmos resultados que o partido conseguia outrora. Stephen Harper, primeiro-ministro “azul” de 2006 a 2015, ficou sempre aquém das maiorias conquistadas por Brian Mulroney — o conservador que dominou os destinos do país de 1984 a 1993 e que se assumia como um “Red Tory”. Mulroney, não por acaso, já anunciou o seu apoio a O’Toole nestas eleições e até já fez comparações entre os dois.

Canadian Prime Minister Brian Mulroney Delivering Speech

Brian Mulroney foi um primeiro-ministro conservador que se assumia como "progressista" e que agora apoia O'Toole

Bettmann Archive

Talvez seja um sintoma de que a política no Canadá se faça bem mais ao centro do que noutros países, como os vizinhos Estados Unidos. Isso mesmo considera Max Cameron, professor da Universidade de British Columbia: “Esta tem sido uma campanha muito canadiana, no sentido de que há um grande consenso sobre que temas são importantes e na forma de lidar com eles”, disse à Agência France-Press. “Isto não é como os republicanos vs. democratas na nossa fronteira sul”.

O’Toole e a sua campanha parecem ter compreendido isso e encontrado uma receita vencedora: a última sondagem divulgada antes da campanha deu um empate técnico aos dois principais partidos, com 32% cada um.

Mas, com um cenário de maioria absoluta aparentemente afastado para qualquer um dos lados, isso não significa que tudo sejam rosas para Erin O’Toole. Se perder, a estratégia ao centro pode ser encarada pelo partido como um falhanço e a sua cabeça poderá rolar; e, mesmo que ganhe, terá de liderar um governo minoritário e encontrar equilíbrios entre as diversas fações dos conservadores.  Afinal, talvez True Blue fosse um refrão apropriado para a música de campanha de Erin O’Toole. Não pela tonalidade azul, mas porque em inglês blue também significa triste.

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