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Os noivos na obrigatória sessão fotográfica
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Os noivos na obrigatória sessão fotográfica

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os noivos na obrigatória sessão fotográfica

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

De máscara de renda e copo-de-água na varanda. Fomos a um casamento em plena pandemia

Joana e Filipe não quiseram esperar mais e casaram. Com o país em estado de calamidade, o dia não foi como sempre sonharam. Entre a cerimónia a dois e festa com vizinhos, fomos ao casamento.

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A pandemia não demoveu Joana e Filipe de casar, apenas lhes condicionou ligeiramente os planos. Às 16h30 da última sexta-feira, chegaram (separados, apesar de já viverem juntos) à Conservatória do Registo Civil de Alcochete. Ele de fato, ela de vestido branco, trocaram votos e alianças. O “sim” ficou entre os dois e a conservadora, numa sala decorada por plantas e dossiers, cenário em tudo diferente da festa de arromba que tencionam dar, quem sabe no próximo ano.

“O amor não tem limites”, concordaram os casados de fresco, embora o calor humano próprio da ocasião tenha sido constrangido pela necessidade de manter a distância. O barulho da música e dos convidados, outro dos barómetros da festa, esteve lá. Dezenas de vizinhos jantaram na varanda, numa espécie de copo-de-água remoto, que teve direito a uma dança dos noivos. Do princípio ao último confete, fizemo-nos de convidados e acompanhámos esta meia festa de quem achou que um vírus não merece que a vida pare.

“O amor não tem limites”, ao contrário de uma conservatória

Há tradições a cumprir, mesmo num casamento em pleno estado de calamidade. Noivo e noiva prepararam-se em casas diferentes e chegaram separados à porta da Conservatória do Registo Civil de Alcochete. “Estávamos bastante nervosos e ansiosos para nos vermos um ao outro, então viemos um bocadinho mais cedo”, justifica Filipe Macedo, de 32 anos.

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Filipe e Joana casaram na Conservatória do Registo Civil de Alcochete, às 16h30 do dia 22 de maio de 2020

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Com duas filhas pequenas em casa, Joana Gonçalves, a noiva de 24 anos, esforça-se por manter o distanciamento social. Apesar de simples, o vestido em renda branca, de manga curta e bainha pelo joelho, era o que estava planeado desde o início. “Logo à noite é que vou ter o vestido a sério”, exclama. “O de princesa”, acrescenta ele, de fato azul escuro e gravata grená. A rua está deserta e, num relance, nem a própria conservatória parece estar aberta. Filipe telefona a quem está no interior. Após um breve compasso de espera, a porta abre-se para entrarem.

É esta a imagem um pouco por todo o país, pelo menos, para quem manteve os planos de assinar o contrato matrimonial. Após o levantamento do estado de emergência, durante o qual as apertadas restrições apenas permitiam uma exceção — casamentos in articulo mortis, ou seja, na iminência de morte, sem qualquer processo preliminar –, as conservatórias voltaram a celebrar estas uniões. Devidamente agendadas, a presença é reservada aos nubentes e a testemunhas, quando as há.

Casamentos com metade da lotação, medição de temperatura e sem self-service. Setor já propôs medidas ao Governo

Em Alcochete, nas exíguas instalações, apenas entraram os noivos. A máscara é obrigatória e Joana e Filipe cumpriram o procedimento com distinção — ambos de máscaras branca, a dela com uma renda na mesma cor, numa versão nupcial do acessório do momento. O bouquet de rosas vermelhas e uma fina bandolete compuseram o visual, ou melhor, o primeiro deles. Lá dentro, os cerca de 15 minutos renderam — os noivos trocaram votos, juntamente com as alianças e a própria conservadora voluntariou-se a tirar algumas fotografias. Em vez de flores e grinaldas, o cenário é que ficou por conta de uma coleção de dossiers.

A cerimónia não durou mais do que 15 minutos e contou apenas com a presença dos noivos

Fotografia cedida por Filipe Macedo

Do lado de fora, há mais do que uma espera impaciente — há pequenos lamentos face à dureza das circunstâncias. José Mário e Maria Edite viram o filho entrar solteiro e aguardam que saia, a qualquer momento, já casado. “É sempre marcante. Normalmente, associamos o casamento a uma festa, com muitos amigos, muita gente. É bom que, nestas alturas, nos sintamos perto de quem gostamos. Mas se não é possível, adaptamo-nos”, admite o pai, à conversa com o Observador, enquanto aguarda a saída de filho e nora, de máquina fotográfica em riste.

Vieram do Porto para presenciar o momento à distância e hão-de voltar ainda hoje. José Mário é médico, mas o rigor científico não lhe arrefece as emoções . “Este tempo não pode contar, pelo menos, para mim, não tem contado. Vamos saber dar a volta e quando passar temos de nos recompensar por estas perdas”, reflete. Dentro do carro está uma mãe de poucas palavras. “Seria muito melhor se as coisas corressem como é normal, tenho muita pena. Mas fico contente por ver o meu filho feliz”, afirma.

A porta abre-se com estrondo e chiadeira e uma funcionária da conservatória, de viseira posta, anuncia os noivos. Joana e Filipe saem já de aliança no dedo. Filho e pais têm de contentar-se com intenções de abraços. Da Croácia, o irmão mais velho felicita os recém-casados por videochamada. Em agosto, se tudo correr como previsto, será ele a dar o nó, a milhares de quilómetros daqui.

À saída da conservatória, Filipe exibe a aliança numa videochamada com o irmão

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Não há limites para o amor”, apregoa Filipe, enquanto entra no carro, diretamente para o lugar do condutor. “Não foi só um contrato legal, a conservadora deu um toque de amor — o casamento deve ser um caminho feito a dois, lado a lado, sempre”, relembrou. Radiante, Joana fala de uma “cerimónia bonita”. “É claro que, mais tarde, quando houver um desconfinamento total e já pudermos andar à vontade e sem máscara, queremos que haja uma festa para toda a família. Mas estamos felizes. É um dia especial para nós e que vai marcas as nossas vidas”.

Máscaras novas e uma desistência: eles estão prontos para casar

Filipe e Joana estão juntos há quase um ano. Aos olhos de muitos pode parecer um avanço precoce para um compromisso de papel passado, mas para os noivos, o grande dia já vem tarde. Estava inicialmente marcado para o dia 28 de abril, mas o estado de emergência trocou-lhes as voltas. “Como já tínhamos outros gastos para este ano, começámos logo no início a planear uma coisa ao estilo elopement: os dois sozinhos no registo civil e a festa viria mais tarde”, explica o noivo ao Observador, ainda em vésperas do casamento.

Mas até a mais furtiva da cerimónias exige preparativos e os de Filipe e Joana ficaram comprometidos logo no final de fevereiro, quando o novo coronavírus começou a atingir a Europa. O plano ficou suspenso, mas a vontade de casar o quanto antes continuou lá. Ao primeiro respirar fundo do desconfinamento, casar na primavera voltou a estar em cima da mesa.

Depois da cerimónia, Joana vestiu o vestido "de princesa" para a sessão fotográfica

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Falámos com a conservatória. Disseram-nos que só recebem uma pessoa de cada vez, por marcação, de meia em meia hora, e que estava tudo cheio. Entretanto, houve uma desistência de alguém que ia renovar o cartão de cidadão. Avançámos”, recapitula. As restrições não ficaram pela data e pela hora — 15 minutos a meio da tarde, numa sexta-feira. O uso de máscara seria obrigatório e nem familiares nem amigos poderiam entrar na pequena sala, forçosamente reservada a apenas três pessoas — noivos e conservadora.

“Foi uma pequena alteração à nossa ideia original, mas não deixa de ser um momento diferente e bonito em tempo de pandemia”, reflete Filipe. Quanto à ideia original a que se refere, essa passou por muitas fases. O casal chegou a ponderar chamar um conservador, não a casa, mas ao pátio coletivo que serve de zona de recreio aos moradores dos apartamentos à volta.

Através das janelas e varandas, os vizinhos também estariam convidados, mas sem grandes ajuntamentos, claro. O à vontade dos primeiros dias de desconfinamento alterou-lhes, mais uma vez, os planos. “Achámos que a beleza do momento iria perder-se com o risco de contágio”, desabafa. As decorações previstas ficaram sem efeito, mas a música estaria sempre garantida.

10 fotos

“Há gente que namora durante dez anos e se divorcia depois de seis meses”, admite o noivo, em justificação do casamento relâmpago e a oficialização desta família, que cresceu muito antes de os dois darem o nó. É que Joana trouxe duas filhas, fruto de uma relação anterior. Mas apesar do dia ter sido de celebração, as mais pequenas ficaram em casa.

Micro casamentos, festas ao ar livre e transmissões em direto: a resposta do mercado à pandemia

O novo coronavírus não tem facilitado a vida nem a noivos, nem aos profissionais da área dos casamentos. Desde março, antes mesmo do início do estado de emergência, que este mercado se viu impossibilitado de prosseguir a sua atividade, o que ameaçou de imediato aqueles que são os meses mais fortes — julho, agosto e setembro, trimestre que representa cerca de 50% da faturação desta indústria. Sem poder juntar os convidados, muitos têm um decisão para tomar — casar e guardar a festa para depois, esperar que melhores tempos venham para gozarem do pacote completo ou simplesmente cancelar o que já tinham marcado.

Segundo um estudo internacional feito pela The Knot Worldwide, empresa responsável pela plataforma Casamentos.pt, 92% dos casais optaram por adiar em vez de cancelar o casamento. Em Portugal, a fatia sobe para os 95%, enquanto 97% não tenciona reduzir o orçamento, tão pouco o número de convidados. Os resultados baseiam-se numa amostra de mais de 14 mil casais, distribuídos por mais de uma dezena de países.

Da readaptação já se adivinham tendências, até porque ninguém sabe ao certo quando é que será possível levantar por completo as restrições às grandes aglomerações de pessoas. Além de acessórios como luvas e máscaras poderem ser integrados nas indumentárias cerimoniais, também as festas ao ar livre parecem ser o fenómeno que se segue. Os minimonies, como são conhecidos os casamentos de pequena escala no mercado norte-americano, tendem a ser cada vez mais frequentes. Tal como Joana e Filipe, muitos optam por oficializar a união e deixar a festa para depois.

Noivas de máscara, bodas adiadas e profissionais a fazer contas à vida. Nem os casamentos escapam à pandemia

Um micro casamento é algo diferente e consiste na redução do número de convidados ao mínimo considerado indispensável. Se, mesmo assim, não for uma opção, receber os convidados por turnos pode ser a solução, pelo menos possibilita que os noivos estejam com toda a gente, mas sem juntar dezenas no mesmo espaço. Este manual de ideias e alternativas elaborado pela The Knot Worldwide prevê ainda um aumento significativo das transmissões em direto, sobretudo para quem está longe e continua a ter reservas ou restrições a viajar.

Bolo, espumante e baile. O que é que se pode pedir mais de um atípico casamento português?

Na Alameda do Tejo, no bairro da Quinta dos Flamingos, já está tudo a postos. É ali que moram os noivos e é ali que os vizinhos os esperam. Através de um grupo de Facebook, que conta com quase 300 membros, a celebração foi concertada, como se nota aliás pelos balões e lençóis brancos à janela. “Vieram para o casamento?”, pergunta uma mulher a partir da varanda, num primeiro andar. Chama-se Sandra e, juntamente com o marido, Carlos, alinhou no plano.

Com os vizinhos nas varandas, Joana e Filipe desceram até ao pátio da Quinta dos Flamingos e houve beijo

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Também eles vieram para aqui morar quando casaram, há quase 14 anos. “Que eu saiba, é o primeiro casamento que se festeja aqui”, responde. Ainda no final de março, os moradores começaram a promover serões dançantes. Com cada um na sua casa, desde então que a música soa todas as noites, à semelhança do que vimos acontecer um pouco por todo o país. No final de abril, foi aqui que um bebé chamado Bernardo foi recebido com palmas e canções de embalar. Mas hoje a festa é diferente: “Às oito é para jantarmos nas varandas e depois há um brinde”, diz Sandra, explicando como vai ser esta espécie de copo-de-água.

Mas primeiro, a tarde reserva outros planos a Filipe e Joana. Os noivos voltam a sair de casa, desta vez já com o vestido “de princesa” que tinha sido prometido. De carro, seguem ao encontro do fotógrafo. À beira rio? Parece que encontraram tudo demasiado cheio, mas também não se saíram nada mal com o postal alternativo. No centro de Alcochete, o coreto da Praça Almirante Gago Coutinho foi o cenário ideal — e Filipe que nunca pensou voltar a subir aquelas escadas sem ser para fugir de uma largada de touros, daquelas características de Alcochete. Em vez de uma valsa, ouviu-se Abba. A tradição não é tudo e é preciso aprender a fazer cedências aos novos tempos e gostos.

Já ao entardecer, é hora de regressar à varanda de casa para partir o bolo e de fazer saltar a rolha do espumante. Os vizinhos assim esperam, tal como os pais do noivo, que não arredaram pé. Mais uma vez, tiveram de assistir ao longe, de olhos postos no segundo andar. Aqui e ali, abrem-se garrafas à janelas, brinda-se e há até quem tente, ainda que sem uma adesão massiva, puxar ao beijo dos recém-casados com o tradicional bater dos talheres.

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Num dia marcado pelas emoções a dois, o ponto alto acontece com uma descida dos noivos, diretamente paro o meio do pátio. Os jogos de luzes ainda estavam à mão e iluminaram o lusco-fusco, já por volta das nove da noite. O momento teve direito a três danças ao som das escolhas musicais do casal, mais uma batelada de fotografias. A viver fora do país, a família de Joana deixou uma mensagem à distância. Houve lágrimas, confetti e piropos ligeiros. Porque num no típico casamento português, há coisas que não mudam, nem com uma pandemia.

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