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Octavio Passos/Observador

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Depois de Paris e Milão, a Pé de Chumbo quer conquistar o seu próprio país, fio a fio

Há 24 anos, Alexandra Oliveira montou um pequeno atelier em Guimarães. De alcunha de adolescência, Pé de Chumbo virou roupa usada nos 5 continentes. Em Portugal, a marca continua na segunda fila.

Há mais de uma década que o segredo de Alexandra Oliveira está nos quilómetros de fio que, estação após estação, correm nas máquinas desta fábrica situada em Brito, no concelho de Guimarães. A norte do Porto, onde estudou moda durante três anos, a designer dá forma, mas sobretudo textura, à Pé de Chumbo, marca que viveu um tímido início em meados dos anos 90 e que, a partir de 2007, ganhou escala e alcance internacional. O nome de Alexandra Oliveira pode ser novo, mas esta criativa está longe de ser uma novata. A especificidade da técnica, impossível de resumir numa só palavra, já a levou longe. Sem teares nem bordadeiras, o que aqui se faz é alvo de curiosidade nos quatro cantos do mundo.

Na pequena fábrica trabalham 19 pessoas, todas mulheres. E laborar aqui não é como estar na típica confeção do norte. Além de preceitos que, da porta para fora, viram segredo, há uma margem de criatividade que cabe a cada costureira, em prejuízo do habitual trabalho em série. Da mesa de corte à zona de acabamentos, passando pelas máquinas de costura, pela vaporização dos fios (truque usado em alguns materiais para que o fio deslize melhor na máquina), quem começa uma peça acaba-a, contrariando tudo o que o taylorismo nos ensinou. O resultado final são fios que não precisam de ser tecidos para se entrelaçarem, sobreporem e formarem malhas, redes e texturas fechadas, como se de tecido se tratasse. No próprio do tecido, Alexandra não pega há anos.

© Octávio Passos/Observador

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“Sempre gostei mais de texturas do que propriamente de formas e também sempre achei que, de um ano para o outro, os tecidos eram sempre a mesma coisa. Então, comecei a experimentar esta técnica em pequenos pedaços e a usá-los como aplicações nas peças. Foi quando comecei a ir às feiras lá fora e aí percebi que só vendia isto”, recorda Alexandra, em conversa com o Observador. O “isto” de que fala é a técnica de manipulação do fio com que substituiu por completo os tecidos. Esses ficaram relegados a meias dúzia de peças que produz só para o styling do desfile. Chama-lhe “isto”, em parte, para não revelar o processo que converte quilos e quilos de bobinas vindas da Covilhã em peças, muitas vezes, sem uma única costura.

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Quem tropeça na Pé de Chumbo nas feiras de moda internacionais bem tenta. Alexandra acumula histórias de gente que toca, inspeciona e pergunta. A diretora criativa deixa que os curiosos naveguem na sua própria especulação, despistando as suspeitas sempre que estas se aproximam demasiado ao método usado na confeção das peças. Nunca a velha máxima de que é o segredo a alma do negócio teve tanta aplicabilidade. Já outras marcas fizeram propostas tentadoras para que a pequena fábrica de Brito lhe produzisse algumas peças. “Enquanto der, vou trabalhar só para mim”, reage Alexandra.

© Octávio Passos/Observador

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E pensar que tudo começou com uma t-shirt, a primeira peça que a Pé de Chumbo produziu com a técnica que, menos de um ano depois, viria a adotar em exclusivo. Em Madrid e Paris, foi um sucesso de vendas. Hoje, o método evoluiu. Fazem vestidos iluminados por lantejoulas, um deles já em fase de acabamento. Nunca uma peça demorou tanto tempo a fazer — cerca de 16 horas, para sermos exatos. É para Espanha a maioria das encomendas que, de momento, ocupam as mãos das costureiras. Há uma que vai seguir para Veneza e que já começou a ser gentilmente acomodada em caixas. Uma outra, já pronta a seguir viagem, tem como destino Omã, no Médio Oriente. Ao pé destes clientes, a única loja própria da Pé de Chumbo, no centro de Guimarães, é insignificante. Insignificante, mas importante para tentar que uma marca vá existindo no seu próprio país.

Madrid, Paris, Milão e Nova Iorque: a Pé de Chumbo no mundo

Em 1995, Alexandra era uma recém-licenciada de regresso à sua cidade natal. No Citex, atual Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil, Vestuário, Confeção e Lanifícios, no Porto, foi colega de faculdade de Maria Gambina, e parte de uma fornada de designers portugueses que inclui Luís Buchinho e Nuno Gama. Escolheu Guimarães para criar um pequeno atelier. “Tinha uma costureira a trabalhar comigo e comecei logo a fazer uma coleção. Depois, pegava na mala e ia vender. Era muito fácil, havia muitas lojas multimarca e algumas com conceitos muito interessantes”, conta a designer. Feita com feltro da Covilhã, em dois tons de cinzento, bordô e preto — assim foi a primeira coleção desenhada por Alexandra. Pouco tempo depois, começou a dar aulas numa outra escola, a Cenatex.

“Ou fecho e vou fazer outra coisa, ou vou para outro lado, porque aqui em Portugal não dá” — o pensamento fez de 2007 um ponto de viragem para a marca. Na época, Alexandra já empregava quatro costureiras. Ou dava o salto e arriscava todas as fichas na internacionalização, ou esmorecia perante a insuficiência do mercado interno. Escolheu a primeira, apanhou um voo para Madrid, depois outro para Paris, e aventurou-se nas grandes feiras do setor. Em solo português, montou a pequena fábrica que mantém até hoje. É a cabeça de uma equipa de 21 pessoas e conta com a sobrinha de 24 anos, Inês Alves, como braço direito.

Alexandra Oliveira, fundadora e diretora criativa da Pé de Chumbo © Octávio Passos/Observador

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Numa só estação, o investimento em feiras e showrooms internacionais pode variar entre os 30 e os 40 mil euros. Valores que podem ser comparticipados por associações que apoiam o setor, como é o caso da ANJE (Associação Nacional de Jovens Empresários), entidade responsável pelo Portugal Fashion, ou por fundos provenientes de candidaturas próprias. Madrid, Paris, Milão e Nova Iorque são o roteiro da praxe. Abrir mão dele é morrer na praia, continuar é abraçar riscos impossíveis de contornar. “Neste momento, dá para pagar às pessoas, fazer estes investimentos e tirar o meu ordenado. Podia aumentar a produção fazendo crescer a escala da própria fábrica, mas isso é um risco. Trabalhamos de seis em seis meses, tenho 20 pessoas comigo e, se vou a uma feira e não vendo, ou porque não gostaram da coleção, ou porque nevou muito e nenhum avião pôde aterrar em Paris, não tenho dinheiro para lhes pagar o ordenado”, admite Alexandra.

Mas há 12 anos que a engrenagem funciona. Em Paris, a designer conquistou os seus melhores e mais fiéis clientes, em Itália, a marca concentra o maior número de pontos de venda, 10 no total. O maior cliente está na Turquia. Vakko, a cadeia de armazéns voltada para o segmento de luxo, rende à volta de 90.000 euros à marca portuguesa, por estação. A Pé de Chumbo está presente em oito países, da América Latina ao Japão, onde a clientela seletiva é atraída sobretudo pelas peças mais minimais. “Se aquele vestido fosse Chanel, em vez de dez, bastava-me vender um. E eu quero poder vender cinco”, confessa Alexandra, enquanto aponta para uma peça da última coleção, pendurada num charriot.

Valorizar o produto é o próximo passo. Em média, um vestido de festa custa 600 euros. Na última edição dos Globos de Ouro, em maio do ano passado, a apresentadora Carolina Loureiro pisou a passadeira vermelha com um vestido dourado Pé de Chumbo. Em abril, já Raquel Strada tinha usado uma peça da marca na Condé Nast International Luxury Conference, em Lisboa, e na inauguração de uma exposição da Louis Vuitton em Madrid. Em setembro, a atriz Teresa Tavares também escolheu a marca para levar à cerimónia dos Emmy Awards, em Lisboa. O impacto do mediatismo foi imediato — dezenas de novos seguidores das redes sociais, gostos, mensagens privadas e consultas de preços. Mas o mercado forte continua a ser além-fronteiras. “Portugal tem poder de compra, mas quando tem dinheiro para comprar gosta de comprar uma etiqueta”, admite a criadora.

© Octávio Passos/Observador

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A contribuir para o tal risco inerente a um aumento da capacidade de produção da marca está uma leve instabilidade do setor. Milão, um destino de vendas forte para a Pé de Chumbo, decorreu a médio gás em janeiro. Paris tem vindo a decair. “Há cada vez mais feiras — umas três ou quatro a acontecer ao mesmo tempo e centenas de showrooms. Em 2007, íamos à Who’s Next e as pessoas concentravam-se ali. Agora, dispersam-se. E Paris está a perder muito em termos de moda. Temos clientes que nos dizem que não estão dispostos a ir para lá. Os árabes, sobretudo, passaram a ir a Itália. Dizem que não estão para andar na rua e, de repente, alguém lhes puxar ou véu, nem para ouvir coisas desagradáveis no aeroporto”, relata Alexandra.

Neste momento, parte da coleção da Pé de Chumbo está em Los Angeles para ser mostrada a clientes. Nos showrooms, a dinâmica é outra. Não são locais de passagem, mas sim salas que cada agente convida os seus buyers de estimação a visitar. Nunca deram tantos frutos como as grandes feiras em que Alexandra tem apostado. Em Portugal, nos últimos anos, a designer foi canalizando o trabalho da fábrica para as exportações, deixando pouco espaço (ou nenhum, praticamente) para clientes de atelier e para a produção de modelos para a loja própria, em Guimarães. Ainda assim, o método de produção é amigo das exceções. Alexandra recorda a Panamar, concept store do Porto que vende peças Pé de Chumbo, tamanhos S e M, maioritariamente. Quando são requisitados outros tamanhos, a encomenda segue em poucos dias. Inês recorda o pedido especial que acaba de chegar do México. A cliente fotografou o vestido Pé de Chumbo numa loja e desenhou por cima as alterações pretendidas.

Outro caminho que permanece mais ou menos por explorar é o e-commerce. Em março do ano passado, a marca viu a sua primeira peça à venda na Farfetch. Não que tenha encetado algum tipo de contacto com a plataforma portuguesa de moda de luxo, mas através de uma boutique londrina que começou a comercializar produtos de várias marcas no site. “Não temos stock para trabalhar diretamente com eles. Neste momento, não conseguimos produzir mais. Não tenho dificuldade em vender, o problema é a produção e ainda não investimos online porque temos essa limitação”, remata Alexandra, referindo ainda que começar a produzir fora da própria fábrica não é uma opção.

Alexandra Oliveira, uma designer no anonimato

Aos 51 anos, Alexandra dirige a marca que criou. É um trabalho feito a solo, embora delegue algumas responsabilidades à sobrinha. Inês tem 24 anos, estudou gestão e quis a tia que tivesse uma primeira experiência profissional na indústria. Embora tenha crescido com a Pé de Chumbo, só foi trabalhar para a empresa em junho do ano passado. “Costumo dizer que quero ser como a Vivienne [Westwood], ter 80 anos e ainda andar aqui, mas com ela a tomar conta disto. Tenho duas filhas e elas não querem nada com isto”, exclama. “Quero continuar a fazer o que faço, mas gostava que a Pé de Chumbo tivesse mais notoriedade”, completa.

Se por um lado a marca permanece imersa num desconhecimento nacional, por outro, o nome de Alexandra Oliveira nunca chegou a afirmar-se como designer de moda. A criadora é a primeira a reconhecê-lo. “Não me sinto desvalorizada, sinto que as pessoas não apreciam o que faço, essencialmente, porque não conhecem. Em Portugal, dá-se muito valor ao que os outros usam, o que, às vezes, é muito pouco. Mas valoriza-se só porque esta ou aquela vestem”, admite.

Alexandra Oliveira e Inês Alves © Octávio Passos/Observador

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Em março de 2016, estreou-se na passerelle do Portugal Fashion. Pé de Chumbo, a marca, sempre se sobrepôs a Alexandra Oliveira, a criadora de moda, e ao lado autoral das propostas. A designer recorda os tempos em que lhe pediram para mudar o nome da própria marca. “Foi uma professora minha”, admite. “O nome não tem sido uma barreira para vender, tem sido uma barreira para me afirmar como designer. A Pé de Chumbo não aparece entre os designers portugueses e tenho lutado contra isso. O meu percurso foi um bocado ao contrário. Sempre mostrei primeiro o meu trabalho e me mantive atrás”, continua.

Hoje, lamenta não ter aparecido mais, lamenta ter regressado a Guimarães em 1995, enquanto outros colegas de curso permaneceram no Porto. “Acredito que, se tivesse ficado lá, tinha sido diferente. Perdi muito”, remata. Mas mantém a identidade da marca e fez finca pé à tentação de deixar cair “Pé de Chumbo”, alcunha que ganhou no fim da adolescência por usar botas Dr. Martens e por se vestir maioritariamente de preto. A estrutura está criada, o método está voltado para a experimentação e para pôr a técnica à prova, estação após estação. Entretanto, já começou a pesquisar as primeiras texturas para coleção do próximo verão, não este, o de 2020. Pela primeira vez, terá uma pequena coleção de vestuário masculino, só com partes de cima. São 27 os anos que separam Alexandra Oliveira de Vivienne Westwood. É o tempo que vamos ter de esperar para saber se sempre seguirá as pisadas do seu ídolo.

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