A polémica marcou os últimos meses do seu antecessor e foi herdada por Cristina Gatões, quando tomou posse, em janeiro, como diretora nacional: os casos das crianças detidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa. Não nega que houve, de facto, três crianças detidas junto com a mãe por mais do que os sete dias definidos, mas garante que foi uma exceção: “O caso era de alguma complexidade”. Na primeira entrevista que dá desde que começou a liderar o SEF — ao programa Sob Escuta, a grande entrevista semanal da Rádio Observador —, assegura que o Serviço não separa “nunca as crianças dos pais” e admite que o Centro de Instalação Temporária do aeroporto não tem as “condições ideais para ter crianças”. Cristina Gatões garante que tem lutado por melhorias, mas vê-se de mãos atadas porque o espaço é da ANA – Aeroportos de Portugal: “O espaço é gerido pelo SEF, mas não é uma construção do SEF. E o espaço que temos é o espaço que temos”.
Inspetora de carreira, Cristina Gatões conhece bem aquele que é conhecido como um dos postos de fronteira mais complexos do país: o aeroporto de Lisboa. Ali trabalhou durante anos, antes de começar a ocupar cargos de topo no SEF: diretora regional do Norte e do Centro, diretora nacional adjunta e, agora, a diretora nacional. Por isso, rejeita as críticas do presidente da ANA, que disse que o SEF “não tem sabido responder às necessidades do turismo”. A dirigente diz que “esse tipo de críticas em nada beneficia o ambiente de trabalho” e aponta para “as fragilidades da estrutura aeroportuária” que não teve “a capacidade de se dimensionar para o crescimento absolutamente extraordinário que o turismo tem tido”. Para a diretora do SEF, as condições no aeroporto, para lidar com tantos passageiros, “estão desadequadas”.
[Veja aqui o best of da entrevista à diretora nacional do SEF, Cristina Gatões]
Claro que a falta de meios também não ajuda. Cristina Gatões diz que os 68 inspetores que já estão em estágio e os 100 que começaram a fazer formação não chegam. Diz que precisa “no imediato” de mais 200 — e que está a tratar de os pedir ao Governo.
Independentemente das dificuldades, a diretora nacional garante que “o trabalho é feito de uma forma célere” e “jamais descurando aquilo que é a responsabilidade” do SEF: a segurança. Nesse aspeto, os inspetores continuam atentos a criminosos que possam tentar entrar em Portugal e a potenciais vítimas de tráfico de seres humanos. Especialmente, numa altura em que o tráfico de seres humanos no futebol começa a ser um foco: há “miúdos de 14, 15, 16 anos, que são pura e simplesmente abandonados à sua sorte, sem muitas vezes saber se têm refeição nesse dia se não, com dificuldade de contactar os pais, e vivendo em condições degradantes a troco de nada”, conta.
Há três meses, o Ministério da Administração Interna pediu explicações sobre mais um caso de menores detidos no Aeroporto de Lisboa e mandou até abrir um inquérito. Quais foram as conclusões?
Esse inquérito ainda está em instrução e aguardamos as conclusões do mesmo porque ele foi, naturalmente, encaminhado para a IGAI, para avaliação das circunstâncias em que aquela situação ocorreu. E aguardamos as conclusões do inquérito.
E que resposta deu ao Ministério da Administração Interna quando ele pediu esclarecimentos sobre o que tinha acontecido?
Dei as explicações que havia que dar. O caso era de alguma complexidade. Também havia uma situação de avaliação judicial dos vários recursos que estavam ali. Mas entendi, naturalmente, que, havendo uma situação de menores ali e que já havia decisões anteriores sobre essa matéria…
Há mais tempo do que os sete dias, definidos pelo Ministério da Administração Interna?
Sim.
Estavam lá?
Estavam.
Por incapacidade de resolver a situação de outra forma?
Vamos ver o que é que as conclusões do inquérito vão apurar. Há explicações para elas. As explicações podem ser ou não válidas para o caso em concreto. Mas entendemos que devia ir para avaliação porque é, de facto, uma situação que nos preocupa. A situação dos menores, em qualquer circunstância, é uma preocupação muito grande para o SEF. Há regras bastante evidentes e muito explícitas sobre o que fazer nessas circunstâncias. E, quando não acontece, naturalmente que se impõe que percebamos o que é que aconteceu. Não só para avaliar o que é que falhou, mas para garantirmos que as situações não ocorrem futuramente. Portanto, foi o entendimento que tivemos que isto tinha de ser bem explicado e bem clarificado.
Neste momento, há alguma criança detida ou retida nos centros do SEF?
Neste momento não tenho dados sobre isso. Aquilo que lhe garanto é que não há nenhuma criança que fique no CIT (Centro de Instalação Temporária) do Aeroporto de Lisboa ou de outros aeroportos por períodos superiores a sete dias. Estejam acompanhados pelas suas famílias ou estejam sozinhos — ou seja, não acompanhados. E, dependendo das circunstâncias, sobretudo quando estão não acompanhados, a própria atuação é no sentido de avaliar a situação e retirá-las tão rapidamente quanto possível, garantindo que elas são o objeto de proteção pelo Estado português e encaminhadas para as instituições que, de facto, têm de salvaguardar os direitos das crianças. É neste momento o que está em vigor.
Mas estar lá sete dias, para uma criança, é aceitável?
As crianças não estão lá sete dias sozinhas. Como digo, quando são crianças não acompanhadas, há sempre mecanismos que envolvem um trabalho em conjunto, de rede, incluindo com o Tribunal de Família e Menores — porque estas situações são todas reportadas ao Tribunal de Família e Menores. É garantido que as crianças são retiradas e são encaminhadas, porque não podem ser abandonadas, como é evidente, e que transitam daquele espaço para um espaço adequado à sua idade e às suas necessidades.
Mas o que a Provedoria da Justiça dizia, na altura, era que o problema — e a vantagem — de ficarem com as famílias era que o espaço não estava preparado para ter crianças. As crianças não tinham sítios para brincar, não tinha brinquedos. Isso já acontece agora, depois desses alertas?
O CIT do Aeroporto de Lisboa é um espaço que é gerido pelo SEF, mas que não é do SEF, não é uma construção do SEF. E o espaço que temos é o espaço que temos. Ainda como diretora nacional adjunta e quando viemos assumir a direção, houve uma série de medidas e investimentos avultados que foram feitos naquele espaço por conta do SEF, em que houve melhorias substanciais para garantir melhores condições às pessoas que têm de aguardar naquele espaço até se decidir a sua entrada em território nacional ou regressar aos seus países de origem. Também foram melhorados os espaços que permitam às crianças que, quando estão acompanhadas dos pais, possam ter atividades lúdicas. Têm um espaço mais agradável e mais adequado a crianças. Se me pergunta se aquilo é o espaço ideal para ter crianças? Não, não é. Mas, no que temos e no espaço que temos, temos vindo, de forma muito firme e muito direta, a dar todas as garantias que é possível dar naquele espaço que não podemos alargar, que não podemos mudar, que é aquilo que temos.
O debate, na altura, centrou-se entre duas possibilidades do que era melhor: separar uma criança da sua família, para ela não ficar retida nas mesmas condições, ou deter a criança naquelas condições. Como é que isto se resolve?
Isso é um problema que ultrapassa o próprio SEF. Naquilo que ao SEF diz respeito, e, volto a dizer, a posição que temos é uma posição de Portugal e nós não separamos nunca as crianças dos pais, a não ser que o próprio tribunal entenda que, para melhor proteção das crianças, elas devam ser separadas dos pais.
Mesmo quando, às vezes, não têm a certeza se eles são mesmo os pais?
Mesmo quando não temos a certeza que eles não são os pais porque, volto a dizer, isso implica sempre uma avaliação do próprio tribunal. A retirada de uma criança aos pais não é da competência do SEF: implica necessariamente uma avaliação de técnicos e do tribunal. Já houve situações em que os tribunais decidiram que, de facto, pelo menos temporariamente, as crianças são afastadas dos próprios pais, para se perceber se são ou não, de facto, os pais. São feitos vários testes…
E as investigações normais…
Exatamente. O SEF não faz de todo, em circunstância alguma, a separação das crianças dos pais, mesmo que não existam evidências da relação familiar que é invocada. E, neste momento, sempre que há uma família que chega e que…
Levanta dúvidas?
O trabalho é sempre feito e as dúvidas procuramos esclarecê-las de uma forma conjunta, mas os próprios pais beneficiam do facto de existir essa determinação que procuramos e exigimos que seja rigorosamente cumprida, que é: as crianças não ficam mais do que sete dias. E, portanto, mesmo que os pais não reúnam de imediato as condições para entrar, o facto de impormos que a criança não pode permanecer naquele espaço, ainda que com os pais, mais de sete dias, a família entra em território nacional e é encaminhada para as entidades competentes que depois tratam do seu acolhimento e de garantir que o básico da família é garantido.
Quando lhe perguntámos se havia alguma criança retida, disse que não tinha informação sobre isso quer dizer: que saiba, não?
Que saiba, não existe.
O Centro de Acolhimento Temporário em Almoçageme apareceu como solução para este problema. Mas os moradores desta localidade em Sintra estão contra e até já fizeram uma queixa ao Ministério Público, que pediu explicações sobre supostas ilegalidades. Esse processo já foi desbloqueado?
Este processo está em avaliação pelo Ministério Público e a informação mais recente foi a de que foi prorrogado um prazo até final de agosto para que o SEF complete algumas lacunas no processo. Não há ilegalidades, não há irregularidades há algumas lacunas que o tribunal entendeu por bem solicitar o SEF e que o SEF naturalmente está a solicitar a outras entidades das quais necessita.
Ministério Público pede explicações ao SEF sobre novo centro de acolhimento em Sintra
Têm a ver com os pareceres?
Exatamente, exatamente. Portanto, neste momento, o processo está a correr e estamos convictos de que, até ao final do ano, vamos sanar estas lacunas até porque algumas resultam de algumas alterações que entretanto o próprio projeto foi tendo. Isso vai ser tudo devidamente encaminhado para o tribunal. E estamos em crer que, até ao final do ano, ou até antes, conseguimos inaugurar este centro que é fundamental, de facto, para melhorar as condições de permanência de cidadãos estrangeiros que se veem limitados na circulação e na entrada em Portugal.
E como é que olha para esta posição dos moradores, que temem pela sua segurança, isto nas palavras deles, e que dizem que construir aquele centro ali desvaloriza aquela zona?
Preferia não comentar o que é que entendo sobre isso. De facto, este centro é um centro que é necessário. É um centro que vai ser muito importante para melhorar as condições de instalação dos cidadãos estrangeiros e é isso que, de facto, nos preocupa. Aquilo que o SEF garante é que o projeto vai cumprir todas as regras relativas a impactos ambientais e integração no espaço. E, portanto, não se levantam nem questões de segurança, nem questões de nenhuma perturbação. São apenas umas instalações onde há pessoas que vão ficar temporariamente retidas, nomeadamente, porque estão a aguardar situações de afastamento.
Mas isto é um indício de que haverá ainda em Portugal, entre a população portuguesa, alguns obstáculos ou algumas dificuldades em lidar com o fenómeno da imigração?
Acho que o desconhecido é sempre perturbador. Para qualquer comunidade, desconhecido pode ser perturbador. Aquilo que ao SEF compete e que procurámos fazer nomeadamente na abordagem que temos tido com a própria comunidade — nós já participámos em várias sessões de esclarecimento, quer de moradores, quer da própria Câmara — é…
E ouviram estas mesmas preocupações?
Há várias preocupações.
Nomeadamente a desvalorização do valor do terreno?
Isso é algo que nos ultrapassa. Aquilo que procurámos fazer e que fazemos é mostrar evidências de que de todo, ponto um, os imigrantes não podem ser associados — não há nada que o evidência a não ser as famosas fake news — a um aumento de perturbação da ordem ou paz social ou da criminalidade. Nada aponta nesse sentido. E Portugal, de todo, não tem estatística ou evidências nesse sentido. Aquilo que procurámos garantir é que qualquer comunidade emigrante, desde que devidamente integrada e enquadrada, pode ela própria passar a fazer parte, de uma forma muito positiva da comunidade. Portugal tem uma tradição e, nestes 30 anos de trabalho no SEF, já assisti a muitas e trabalhei em muitas regularizações extraordinárias, assistimos a fenómenos de sucesso de integração na comunidade, de uma forma muito genuína e que traz vida nova às comunidades. Aquilo que eu acho que é importante fazer e é uma responsabilidade não apenas do SEF — acho que é quase de todos — é demonstrar e mostrar que os imigrantes são uma mais-valia, não apenas para a economia, não apenas para a demografia, mas também para as próprias comunidades que ganham uma vida completamente diferente, alargam os seus horizontes, conhecem novas realidades, crescem, desenvolvem-se e tornam-se melhores.
Em 2015, o então diretor nacional adjunto, Luís Gouveia, falava de algumas dificuldades na recolocação de migrantes que Portugal estava a receber, ao abrigo dos vários acordos de cooperação europeia, sobretudo vindos da zona do Mediterrâneo. E explicava que alguns não queriam ficar cá — aliás, falou-se muito sobre isso, de como os migrantes vinham para Portugal e depois abandonavam para outros países da Europa. Nesta altura, quantos migrantes é que Portugal já recebeu — se tem esse número — no âmbito desses acordos de cooperação e quantos é que ainda vivem cá?
No âmbito da recolocação — e eu tenho que ir ver a minha cábula — nós já recebemos 1552 requerentes. Destes, 1192 vieram da Grécia e 370 de Itália. Neste processo, seja da recolocação, seja da reinstalação, seja do acolhimento voluntário dos migrantes, há algo que é fundamental e que todos os países têm estado empenhados e a trabalhar cada vez de uma forma mais concertada, nessa matéria, que é: é importante que os migrantes, quando vêm para Portugal ou para outros países, tenham algum conhecimento do sítio para onde vão, o que é que os espera, quais são as oportunidades que têm, o que é que temos para lhes dar.
Isso não estava a acontecer antes, com os que vinham para cá?
Digamos que estávamos todos a apreender estas matérias. A crise do Mediterrâneo apanhou toda a Europa de surpresa. Foi uma situação nova. Ao longo destes anos, tem-se vindo a apreender e está-se a aprender e está-se a tentar melhorar. É importante que haja a responsabilidade e a solidariedade dos estados-membros em estarem disponíveis para acolher este migrantes, mas também é importante perceber quais são as expectativas deles. Naturalmente, todas estas pessoas que, de uma forma dramática, largaram as suas vidas, perderam família, têm de começar tudo do zero, é importante que também percebamos quais são as suas expectativas, quando vão para determinado país e o que é que podemos nós, já que temos esta disponibilidade, podemos fazer também e o que é que temos para lhes dar para ir ao encontro destas expectativas. Isto permite, na esmagadora maioria das situações, dar uma resposta muito mais positiva e tornar Portugal mais atrativo e haver uma intenção mais consolidada de virem e permanecerem.
Das pessoas que vieram, quantas é que ficaram?
Há sempre movimentos secundários: há uns que vão e regressam. Daquilo que era a responsabilidade e a intenção de Portugal, nós tivemos, recebemos e acolhemos, no âmbito da recolocação, 1552. Além disto, temos vindo a ter — e eu não tenho aqui os números totais…
Mas não sabemos ou não tem esse número agora de quantos ficaram e de quantos saíram do país?
Esse número não tenho aqui comigo.
E é feito um acompanhamento de quem chega?
O acompanhamento não é feito exclusivamente pelo SEF porque há várias entidades que estão envolvidas neste processo, nomeadamente as entidades que são responsáveis pelo acolhimento.
E é bem feito?
É feito de uma forma muito próxima porque estas famílias, estas pessoas, quando são recolocadas, não são largadas, por assim dizer. São muito acompanhadas, nomeadamente pelas Câmaras Municipais, pela rede que existe a nível das Câmaras Municipais, em que há um envolvimento quer da comunidade escolar, de trabalho, de assistências sociais, etc. Há um grande acompanhamento disto, mas há situações que são compreensíveis: se qualquer um de nós, a nossa família, os nossos laços estiveram do outro lado da Europa, é difícil começar do zero aqui porque todos procuramos — isto é humano — estar próximo dos nossos. Também por isso é importante trabalhar cada vez melhor aquilo que já fazemos e de uma forma muito concertada: ver as pessoas que vêm para Portugal, se elas de facto têm intenção de vir e se querem ficar porque o projeto tem de ser um projeto também delas. Não pode ser encarada quase como uma caridadezinha.
Contra a própria vontade, quase…
Exatamente.
Estamos em pleno verão. É o período maior de entradas e saídas do país, sobretudo a partir dos aeroportos. O SEF “não tem sabido responder às necessidades do turismo”, como diz a ANA, e, como diz o grupo hoteleiro Pestana “faz com que as coisas corram mal logo à partida”?
Não. De todo. Não é de todo correto que o SEF não tenha sabido responder a isso. O SEF é, provavelmente, o operador aeroportuário, nomeadamente no Aeroporto de Lisboa, que mais investimento e mais crescimento tem tido nos últimos anos, quer em termos de equipamentos, quer em termos de funcionários.
O que é que explica estas críticas vindas de José Luís Arnaut e do grupo Pestana?
Estas críticas têm a ver com várias fragilidades também da estrutura aeroportuária que, de todo, teve a capacidade de se dimensionar para o crescimento absolutamente extraordinário que o turismo tem tido, em Portugal. Só no primeiro semestre deste ano, já controlámos mais 800 mil passageiros do que em igual período no ano passado.
Está a dizer que o aeroporto de Lisboa não está preparado para receber tanta gente e que a ANA também não fez o que devia ter feito para se preparar para o aumento de pessoas?
Este volume de passageiros, este crescimento, é inequívoco. Surpreendeu toda a gente. O SEF tinha fragilidades e temos algumas e estamos a trabalhar no sentido de as colmatar, nomeadamente naquilo que é o mais importante neste momento que é o reforço dos meios humanos. Nós aumentámos e temos vindo a aumentar de uma forma extraordinária os recursos humanos alocados no controlo de fronteira no aeroporto de Lisboa, mas há toda uma série em cadeia de necessidades daquele aeroporto que também foram apanhadas de surpresa. E a estrutura aeroportuária é claramente também uma dessas situações porque um crescimento desta natureza, num espaço tão curto, não permitiu que houvesse uma plasticidade do equipamento que se adaptasse as estas novas necessidades.
Então a ANA está a atirar culpas para cima do SEF para esconder a própria responsabilidade em não se ter adaptado?
Eu não sei se está a atirar culpas. Eu sei é que o SEF assume responsabilidades que tem que assumir e assumimo-las e todos os dias temos estado a trabalhar para isto.
E prejudicar o turismo não é uma delas?
Não, de todo. Nós ainda neste último mês introduzimos mais uma série de medidas e foi criado um plano de contingência extraordinário para o Aeroporto de Lisboa e para os funcionários do SEF. Percebendo que não foi suficiente o reforço de recursos humanos, é também necessário fazer uma gestão ainda mais focada no controlo de fronteira. E, portanto, foram introduzidas uma série de medidas que estão neste momento em implementação para aumentar a capacidade de resposta de primeira linha e garantir que os tempos de espera diminuem — o que já se está a refletir, nas últimas semanas. Apesar deste tremendo aumento de voos e de passageiros com origens — também é importante salientar isto: as origens dos voos são origens que implicam um procedimento de fronteira acrescido face a outras origens. Desde logo, e sem entrar em grandes detalhes, o procedimento de fronteira de um passageiro que chega a Portugal e beneficia do regime de isenção de visto é muito diferente de quem vem com visto. Há necessidade de fazer uma série de trabalho de primeira linha que aumenta, quase que dobra, o tempo mínimo de trabalho com esse passageira. Ao aumentar o número de voos de origens a quem é exigido visto, também aumenta o tempo de trabalho de funcionário, por passageiro.
O sindicato também diz que a ANA não dá condições de trabalho aos inspetores do SEF no Aeroporto de Lisboa. Isto é verdade? Eles têm razão, quando dizem isto?
Nós temos, nos últimos meses, trabalhado de uma forma muito intensa e muito direta, quer com a TAP, que é quem traz os passageiros — temos uma belíssima relação e um belíssimo diálogo e estamos a procurar otimizar quer a nossa capacidade de trabalho, quer a própria como a comunicação da TAP nos chega — quer com a ANA. A ANA naturalmente também tem dificuldades que são compreensíveis porque é um espaço difícil de trabalhar e difícil de fazer mudanças. Mas a ANA também tem estado e tem manifestado uma disponibilidade quase que imediata para avaliar as nossas sugestões e as nossas decisões. Aquilo que vamos solicitando para melhorar as condições de trabalho dos funcionários…
Então esta crítica do sindicato é injusta?
Não é completamente injusta, mas também não é completamente verdade porque a ANA também está connosco e está numa fase de diálogo bastante aberto no sentido de procurar melhorar as condições de trabalho dos funcionários.
Um diálogo que ainda é possível depois de a ANA ter dito que o SEF prejudica o turismo e é um dos grandes entraves ao turismo em Portugal? Nessa relação que se quer necessariamente muito próxima, imagino que não deve ter recebido esta declaração do presidente da empresa com um sorriso nos lábios.
Não, de todo. Como calcula, nós estamos a fazer um esforço muito grande, mas também entendo que — aprendemos isto com a história — as piores contendas entre os piores inimigos, que não é o caso, têm de se resolver sempre na base do diálogo. É preciso sempre, independentemente das críticas, independentemente da injustiça delas ou não, encontrar pontes e encontrar soluções porque os problemas existem e compete-nos a nós, que temos responsabilidades nessa matéria de procurar soluções para os problemas que existem. E é essa a nossa postura.
Mas entende que os inspetores, eles próprios, possam ter ficado ofendidos?
Claro que ficaram. Mas também me compete a mim e ao SEF e à direção garantir que esse desconforto é transmitido de uma forma objetiva e positiva à ANA para que a ANA também perceba que esse tipo de críticas em nada beneficia o ambiente de trabalho que se quer de cooperação. E a postura da ANA também tem mudado e o que é importante é que consigamos encontrar caminhos de diálogo porque é inquestionável que o SEF, para poder fazer um melhor trabalho no aeroporto — e quer fazer e está a fazê-lo —, necessita necessariamente de ter uma boa forma de comunicar com a ANA e que a ANA perceba, sem qualquer filtro, quais são de facto as necessidades e que vão aos locais. E é isso que temos, junto dos responsáveis e do senhor presidente que já nos acompanhou em algumas visitas às instalações, demonstrado por que é que aquelas condições estão desadequadas e foram adequadas para um tempo e agora são de facto exíguas. Isso também tem permitido que o problema seja encarado de maneira diferente e que eles próprios nos estejam a propor soluções para esse problema. Acho que isso é que é o fundamental.
Mas isso só se resolve com um novo aeroporto?
Não sei, não sei. Porque este aeroporto vai continuar a funcionar e vai ter um investimento tremendo.
Mas, como dizia, os espaços não são plásticos.
Os espaços não são plástico, mas podem ser melhorados. Existem condições para serem melhorados. Mas, mais uma vez, é preciso diálogo. É preciso perceber que, por exemplo, o SEF neste momento tem a sua área espalhada por várias zonas do aeroporto e que há áreas que, para nos deslocarmos de um sítio para o outro, podemos demorar 30 a 45 minutos a pé, para poder executar uma tarefa. Isto não é exequível num sítio onde se exige e se espera que o SEF seja rápido e célere a resolver os problemas. E isto é importante que também seja percecionado por quem tem a possibilidade de distribuir espaços, de redefinir áreas, de fazer obras e que é o dono do espaço. É importantíssimo passar esta informação de uma forma clara, objetiva e propor soluções. E, algures no meio destas diferentes posições e das missões que ambos temos, há seguramente muito espaço para diálogo e para melhorar o trabalho. Não tenho dúvida nenhuma que aquilo que a ANA pretende é exatamente o que o SEF pretende na base: melhorar um serviço que é prestado à comunidade. Com missões diferentes, mas é isso que se pretende.
E esse serviço seria melhorado com mais meios no SEF? Faltam meios? É isto que também explica este problema que se vive no Aeroporto de Lisboa?
Claro que sim. Também não escondemos de todo que são precisos mais recursos humanos. Essa questão também está a ser trabalhada.
Quantos?
Nós temos, neste momento, mais 68 inspetores que estão em estágio. Entretanto, já foi finalizada e já foi publicada a lista final de mais 100 inspetores que entrarão em formação, este ano. Portanto, os recursos humanos que neste momento estão a ser e têm vindo a ser nos últimos anos disponibilizados para o SEF vão permitir responder a algumas a algumas das necessidades. Se é suficiente? Não, não é de todo porque nós precisamos de renovas estruturas. Os nossos inspetores já têm alguma idade, muitos vão para a reforma, outros estão em missões no estrangeiro. E as próprias responsabilidades que Portugal e o SEF têm no seio da Frontex exigem que, nos próximos anos, haja um reforço substancial de inspetores para podermos também continuar a contribuir, da forma que temos vindo a fazê-lo, naquilo que são as missões da Frontex.
Se este reforço não é necessário, quantos é que seria necessários para resolver este problema?
Neste momento, os números que temos apontam para que, pelo menos, no imediato, nós precisaríamos de mais 200.
Isso é possível?
É possível, mas isso é uma decisão política.
E já a pediu?
Já estamos a tratar do pedido.
O que é que tem ouvido?
Nós temos a sorte de poder estar a trabalhar com uma tutela muito sensível a estas matérias e com uma grande perceção daquilo que é a atividade do SEF e as necessidades do SEF. Isso é muito bom para quem está na função que eu desempenho.
Mas pode ser bastante inútil se não houver dinheiro para fazer essas contratações.
Mas há uma grande vontade e uma grande consciência e tem havido um grande empenho da parte da tutela, no sentido de fazer o que é necessário para que ao SEF sejam alocados os recursos humanos, quer na parte da carreira de investigação e fiscalização, quer nos administrativos. Porque nós também o conseguimos: está neste momento a decorrer, até 31 de julho, o primeiro concurso — e creio que único concurso externo que houve para o SEF para administrativos —, que quase nos permite dobrar a capacidade de atendimento porque estamos a recrutar 116 assistentes técnicos que vão ser vocacionados para a área do atendimento dos cidadãos estrangeiros que é de facto uma grande necessidade. O grande afluxo de estrangeiros a Portugal não se reflete apenas nos aeroportos. Tem se refletido também no número de residentes em Portugal e as pessoas que procuram Portugal para viver. Isso tem implicado uma sobrecarga imensa dos serviços de atendimentos que estavam dimensionados para quatro, cinco, seis, dez anos atrás. O esforço também tem sido grande e também nessa matéria conseguimos aumentar a nossa capacidade de resposta, tendo consciência que ainda não é o suficiente para aquilo que Portugal necessita, que o SEF deseja e que é legítimo que os cidadãos estrangeiros peçam.
É na fronteira que se travam muitos suspeitos, muitas potenciais vítimas de tráfico de seres humanos. Se os inspetores se sentirem pressionados em avançar com as filas nos aeroportos — isto não pode ser um problema? Esta pressão não pode levá-los a deixar escapar pessoas ilegais, no fundo?
Não porque isso é uma das questões que temos sempre defendido e deixamos muito claro quando há críticas relativamente ao quando o SEF pode prejudicar o turismo. É exatamente aí que nós chamamos a atenção. O SEF é inquestionavelmente um dos atores das forças que trabalham para que Portugal tenha vindo, ao longo dos últimos anos, a ganhar um papel, um número, uma posição, um ranking, bastante simpático no que toca à perceção de segurança, que também os estrangeiros têm de Portugal. Portanto, aquilo que, na fronteira, garantimos é que o trabalho é feito de uma forma célere mais jamais descurando aquilo que é a nossa responsabilidade primeira que é garantir e controlar de facto quem entra em Portugal e as pessoas que circulam. Os números também o têm demonstrado seja através das situações que detetamos de tráfico de pessoas, seja através de situações de tentativas de imigração ilegal, seja da fraude documental que continua a ser diariamente detetada no aeroporto. O facto de procurarmos melhorar os tempos de espera, não é que estejamos a aligeirar aquilo que é a nossa responsabilidade primeira. Não. Tem a ver com a melhor gestão e a melhor ocupação de filas, para que possamos fazer o que temos de fazer de uma forma mais expedita, mas sem nunca quebrar isso. Isso é algo que nunca será pedido aos inspetores porque seria negar a missão primeira do SEF no aeroporto e o trabalho que faz na fronteira.
As pessoas traficadas para Portugal como mercadoria e a equipa que as tenta salvar
O SEF tem esta função de fiscalização e até é mais conhecido por ela, mas tem também competências de investigação. Mas é o parente pobre da investigação criminal, sendo que quando se fala de investigação criminal pensa-se muito mais na Polícia Judiciária, eventualmente na PSP, e às vezes fala-se um bocadinho do SEF? Ou tem os meios de que precisa para trabalhar?
Estamos sempre a falar de meios. Mas, antes dos meios, gosto sempre de salientar aquilo que tem vindo a ser feito também no SEF, no que toca à investigação criminal. E é inquestionavelmente, a parte da investigação criminal, algo que de facto estamos muito empenhados, estamos apostados e é um dos pilares da nossa atuação. Sobretudo, na vertente do combate ao tráfico de seres humanos. Nos últimos meses, eu diria que nos últimos anos, de facto, o SEF tem demonstrado que tem as competências para combater este flagelo.
Até especificamente numa área pouco comum de que nós estamos pouco habituados a falar, que é o futebol. A eventualidade de haver jogadores muito jovens, até crianças, que são vítimas de tráfico de pessoas, quando vêm jogar para clubes portugueses, já começa a ser uma preocupação dos clubes ou até os adeptos ainda não têm muito bem essa ideia?
O SEF já há alguns anos tem vindo a trabalhar nesta matéria e já há alguns anos que vêm sendo feitas investigações e com resultados nesta área. Também neste contexto, nós convidámos a falarem connosco os responsáveis destas áreas: a Federação, a Liga e o Sindicato. Ao que eles responderam de uma forma muito positiva, muito construtiva. E, de facto, este diálogo que temos vindo a manter tem permitido evoluir na própria forma como as estruturas do futebol estão a lidar com a questão. Há, de facto, uma grande preocupação em sensibilizar as diferentes estruturas, os diferentes organismos ligados ao futebol. O SEF tem participado de uma forma muito ativa em sessões de esclarecimento sobre estas questões do futebol. Há, neste momento, a perceção destes responsáveis desportivos de que, independentemente do escalão ou das categorias onde estes fenómenos possam ocorrer, isto é um problema do futebol.
E é um problema real? Há, de facto, jovens muito jovens que são traficados para Portugal para clubes de futebol?
Há.
E é comum?
Diria que não acontece todos os dias, mas infelizmente acontece com muito mais frequência do que aquilo que uma situação envolvendo tráfico de crianças que pura e simplesmente não devia existir. E ocorre.
E há pessoas em Portugal a lucrar com isso?
O tráfico de seres humanos é uma atividade muito lucrativa. Seja ela em Portugal, seja onde for. É um dos negócios mais rentáveis para quem se dedica a ele. Também há uma responsabilidade acrescida das entidades e das autoridades que têm competência nesta matéria de uma forma muito firme, rápida, expedita, ir recolhendo provas inequívocas para poder de facto parar, pelo menos, estes criminosos. As situações são de facto muito complexas, são humanamente violentas do ponto de vista emocional e é muito complicado lidar com miúdos de 14, 15, 16 anos, que são pura e simplesmente abandonados à sua sorte, sem muitas vezes saber se têm refeição nesse dia se não, com dificuldade de contactar os pais, e vivendo em condições degradantes a troco de nada, basicamente. Há um empenho muito grande e um empenho muito grande do SEF nesta matéria que, independentemente da consciência que seria útil termos mais meios, o que importa é que, com os meios que temos, temos sido capazes de detetar estas situações e sobretudo consciencializar as pessoas envolvidas no fenómeno do futebol de que isto é um problema que tem que se resolver em conjunto e que deve ser muito mais preventivo do que repressivo. O repressivo ou o punitivo, nesta fase, envolve pessoas muito frágeis e que de todo deveriam ter de passar por isto.
A falta de meios foi, aliás, abordada pela organização internacional “Transparency” diz que Portugal não controla bem a atribuição de vistos gold, porque tem poucos funcionários. E, aliás, uma comissão especial do parlamento europeu também já veio defender que estas autorizações especiais de residência, conhecidas como vistos gold, devem ser abolidas porque há mais riscos do que vantagens. Devíamos acabar com os vistos gold?
A existência ou não dos vistos gold é também, mais uma vez, uma decisão política.
Mas há-de ter uma opinião…
Tenho, tenho uma opinião. Relativamente a Portugal, não reconheço de todo a objetividade nessa avaliação que é feita. O processo de atribuição de ARI’s (Autorização de Residência para Investimento) em Portugal é extremamente rigoroso. Tem mecanismos de controlo que têm funcionado e há evidências de que têm funcionado e funcionam, continuam a funcionar. Não é mais perigoso ou mais arriscado atribuir uma autorização de residência ou a pessoa entrar em turismo e fazer um investimento, não sendo residente. Os residentes altamente controlados. Há um rastreio bastante apurado dos antecedentes dos mesmo e, mesmo depois de serem residentes, como já foi público, há rastreios e consultas sistemáticas para garantir que os pressupostos que estiveram na base da atribuição daquele título se mantêm.
E por isso devem manter-se?
É uma decisão que não compete ao SEF, mas aquilo que nós podemos assumir e temos assumido, nomeadamente em alguns grupos de trabalho que estão a reunir a nível da União Europeia, que o nosso sistema, no que toca à questão da transparência e das consultas e das pessoas que beneficiam dessas autorizações de residência, é altamente credível, é altamente focado. Porque depois nós também temos um sistema diferente. Por exemplo, Portugal, ao contrário de outros países, não atribuiu a nacionalidade portuguesa aos residentes. Os requisitos para a atribuição da nacionalidade são os mesmos que a lei da nacionalidade prevê. Portanto, não há nenhum benefício em ter ARI para ter a nacionalidade portuguesa — o que não acontece noutros países. A cidadania portuguesa não se compra com ARI. A autorização de residência a única coisa que permite é a pessoa ter um investimento cá e ter o estatuto de residente e portanto poder entrar e sair do país ao abrigo desses estatuto, mas sem qualquer outro tipo de vantagem, benefício ou privilégio.
A atribuição de vistos foi novamente tema, na semana passada. Desta vez, os vistos para os cidadãos iranianos. Isto porque o ministro dos Negócios Estrangeiros veio revelar que esta emissão de vistos para cidadãos iranianos estava suspensa. Não revelou o porquê, mas disse apenas que era uma questão de segurança. O SEF foi informado de alguma ameaça ou aumento do nível de alerta no país?
Sobre essa matéria, remeto apenas para as palavras do senhor ministro dos Negócios Estrangeiros. A atribuição de vistos e a questão consular não é uma questão do SEF e, portanto, é uma questão que tem que ser apenas discutida com o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Mas o que é que poderia justificar eventualmente a suspensão?
Eu não sei o que é que está na base da decisão do senhor ministro e terão de ser dirigidas a ele essas questões.
Mas compreende que, quando é feita aquela declaração e é dito “eu não posso falar sobre as razões em público” por uma questão de segurança nacional, que tenha criado um certo, não direi alarmismo, mas que as pessoas ficaram a tentar perceber exatamente o que é que tinha acontecido. Dito isso, não é estranho que o SEF não tenha sido informado de algum problema com cidadãos iranianos? Não estamos a falar de uma pessoa, estamos a falar de toda uma nacionalidade.
O SEF, relativamente à questão dos vistos, não tem competência nenhuma. E também não tem competência nenhuma em relação às questões consulares. Relativamente à funções e à missão que o SEF tem, o Irão é um dos países que precisam de visto para vir para Portugal e é apenas nesse contexto que nós somos consultados ou não. Não há nenhum alerta especial, para além desta decisão do senhor ministro e, portanto, não há vistos portugueses a serem concedidos a cidadãos iranianos. E, neste momento, é quanto o SEF precisa de saber para trabalhar.
No ano passado, foi encontrado no SEF um cartão de residência em branco, mas assinado, pela então Diretora Regional do Norte — a senhora. A Visão avançava, na altura da notícia, que o caso tinha levantado muitas preocupações, por indiciar a eventualidade de riscos de irregularidades e corrupção. Porque é que assinou em branco aquele visto?
Sobre esse processo, apesar de ele já ser público, preferia não falar porque não me perece muito adequado estar a falar sobre ele. Esse processo foi arquivado pelo Ministério Público e as conclusões estão na sentença que foi proferida.
Quando é que isto foi comunicado ao Ministério Público? Foi só aquando da notícia?
Foi nessa altura.
E por que é que não foi comunicado antes?
Eu não queria falar sobre isso porque uma das conclusões é que não ficou provado que tivesse sido eu a assinar o cartão.
Então deixe-me perguntar-lhe de outra forma: não ficou provado que tenha sido a senhora a assinar. Este caso não foi nem comunicado ao Ministério Público, quando o cartão foi encontrado, nem foi comunicado ao gabinete de inspeção do SEF?
Não, não estou a dizer isso. O cartão só foi encontrado quando saiu..foi mais ou menos contemporâneo da saída da notícia.
Se, como Diretora Nacional, fosse confrontada com uma situação destas, de um cartão de residência em branco que tenha a situação de alguém, o que é que fazia?
Fazia aquilo que foi feito: foi aberto um inquérito interno, foi comunicado, foram feitas as comunicações
Só depois de haver a notícia.
Não, não foi porque o cartão é conhecido na altura em que sai a notícia. Não foi antes.
O que é que é na altura? Uma semana antes? Um mês antes?
Foi uma semana antes.
O seu nome esteve também envolvido numa investigação relacionada com uma alegada utilização dos meios do SEF para seu transporte pessoal e da sua família. O caso acabou por ser arquivado, mas o Ministério da Administração Interna pediu um parecer jurídico. De quem foi essa decisão de permitir que tivesse um carro com motorista e o utilizasse?
Está a referir-se relativamente à notícia da minha deslocação a Coimbra?
Exatamente.
A lei orgânica do SEF e o estatuto não é claro nessa matéria. Portanto, nessa altura, foi depois dado conhecimento ao senhor ministro e entendeu-se que se devia pedir um parecer de auditoria jurídica. E, quando veio o parecer de auditoria jurídica, pura e simplesmente, as deslocações passaram a ser asseguradas por mim — o que fiz durante o tempo todo em que fui Diretora Nacional Adjunta, que ainda foi um ano e meio.
E acha que foi a decisão certa?
Como?
Que elas deviam ser asseguradas por si?
A partir do momento em que se entende ou que existem dúvidas sobre a legitimidade ou não da utilização de motorista, não tenho dúvidas nenhumas que aquilo que tenho de fazer é fazer o correto ou o que se entende como correto.
Incomodou-a essa polémica, na altura?
Incomodou-me? Não. Eu gosto de conduzir. Já conduzia, quando ia para o Porto. Eu gosto muito de conduzir. Dá-me um tempo de reflexão sozinha muito interessante. Não foi algo que me custasse fazer. Naturalmente que, pessoalmente, me custou um bocado porque se há coisa que norteia a minha atuação é um elevado — gosto de pensar assim — sentido de missão de serviço público. E de todo permitiria que pudesse haver aqui a insinuação de estar a utilizar bens públicos para serviço próprio. E isso custou-me. Portanto, também foi com alguma tranquilidade e uma grande serenidade que suscitada a dúvida, eu própria decidi, não. Se há dúvida, eu não tenho dúvida nenhuma sobre o que é que devo fazer e passei a conduzir, corrigindo que, de facto, aquele período em que o motorista foi algumas vezes comigo, eram situações, foi logo do principio de ser Diretora Nacional Adjunta, em que as horas de sair da direção eram um bocadinho tardios. Sempre depois das 22h00, 23h00 da noite. E às vezes era um bocado perigoso ir a conduzir até Coimbra, mas passei a fazê-lo todos os dias, o tempo que teve de ser. E estaria disponível para o continuar a fazer, caso continuasse como Diretora Nacional Adjunta, sem levantar qualquer questão. E, há alturas que até se faz com algum agrado.
Doutora, está no cargo desde janeiro. Quais são os seus principais objetivos e prioridades enquanto Diretora Nacional do SEF?
De uma forma muito rápida, é garantir a máxima operacionalidade do Aeroporto de Lisboa e poder estender esta operacionalidade aos demais aeroportos que de facto também existem e que também têm necessidades de permitir que, qualquer cidadão estrangeiro que chega a Portugal e que pretende ver o seu processo de residência avaliado e decidido num espaço de tempo razoável e, no mínimo, aquilo que está previsto na lei o que consegue fazer. E permitir também e garantir que todas as situações que exijam investigação criminal, nomeadamente a questão do combate ao tráfico de seres humanos, é cada vez mais uma prioridade e com resultados efetivos neste assunto. Diria que, no imediato, são estas as três prioridades que a direção nacional atual, que também foi recentemente reforçada, tem como missão. E naturalmente já na vertente nacional, internacional, a preparação da presidência portuguesa da União Europeia, na qual o SEF também tem um papel muito importante e que fazemos questão também de contribuir, para que o sucesso da presidência também passe pelo SEF.
E o Brexit? É difícil fazer alguma previsão relacionada com a política britânica porque já ninguém sabe exatamente quando vai acontecer ou se vai acontecer, mas Portugal está preparado para enfrentar os desafios que, nas fronteiras, o Brexit trará?
Portugal está preparado. Não tenho dúvida nenhuma. Não sei se os nacionais do Reino Unido estão preparados para isso.
Mas nós vamos ter que passar a lidar com os turistas britânicos, por exemplo, de outra forma quando chegarem ao aeroporto, do que lidávamos até agora. É um acréscimo — e nós recebemos muitos cidadãos britânicos — de grande trabalho para as equipas do SEF?
O SEF e os vários ministérios que vão ter de lidar com a questão do Brexit, naturalmente, estão há bastante tempo — até porque o Brexit já era para ter acontecido — a preparar-se.
Temos tido tempo extra.
Temos tido tempo extra para nos preparamos para isto. Não tenho dúvida nenhuma que, caso — porque isto continua a ser um incógnita — venha a haver Brexit, seja hard, seja soft, nós vamos estar preparados para isso e para garantir aos cidadãos do Reino Unido que nos vão continuar a visitar e que vão continuar a escolher Portugal, quer como destino de férias, quer como de residência, vão continuar a ter um tratamento tão bom, com algumas diferenças, mas tão bom como tem tido até agora e que continua a fazer de Portugal um dos países mais escolhidos pelos britânicos para residir. Tenho algumas preocupações, como é evidente, sobretudo pela incerteza. Relativamente à nossa capacidade e ao facto de estarmos preparados ou não, estamos. Estamos preparados, quer em termos de infraestruturas, quer em termos de pessoas, quer em termos de legislação. Com o tempo extra que fomos ganhando, fomos ganhando alguma margem de manobra e estamos neste momento preparados para o Brexit.
[Veja aqui a entrevista completa à diretora nacional do SEF, Cristina Gatões]