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O Monte Testaccio está longe de ser um dos sítios arqueológicos mais espectaculares de Roma e tende a ser ignorado pelos turistas, mas é um dos mais reveladores. É uma colina artificial, construída em terraços, com cerca de 35 metros de altura e 1000 metros de perímetro, junto às antigas instalações portuárias na margem do Tibre – o que a torna extraordinária é que o seu volume de 580.000 m3 é constituído por cacos de cerâmica romana, a esmagadora maioria dos quais corresponde a ânforas usadas no transporte de azeite.
No seu período de máximo esplendor, por volta do século I d.C., Roma tinha cerca de um milhão de habitantes e um caudal ininterrupto de mercadorias era desembarcado nas margens do Tibre para satisfazer o apetite desta multidão, algumas delas a expensas do Estado. Entre as principais mercadorias que ali eram desembarcadas estava o azeite e estima-se que os cacos do Monte Testaccio (o nome vem de “testae” = cacos) correspondam a um total de 53 milhões de ânforas, com uma capacidade estimada de 6.000 milhões de litros de azeite. Antes que se pense que os romanos tinham o hábito de encharcar todos os seus cozinhados em azeite, é bom ter presente que este tinha então muitas aplicações extra-culinárias, como sejam a higiene pessoal (sobretudo após a prática desportiva), as massagens, a iluminação e a preparação de perfumes e mezinhas.
O cultivo da oliveira estava difundido na Península Itálica, mas estes olivais eram incapazes de saciar a procura de azeite de Roma. Os arqueólogos apuraram, através dos tituli picti (inscrições nas ânforas com informação sobre o local de expedição, o peso do conteúdo e o nome do responsável pela pesagem), que 80% das ânforas eram provenientes da Baetica, a província mais meridional da Hispânia (correspondendo aproximadamente ao que é hoje a Andaluzia), 17 % da Tripolitânia (correspondendo ao que é hoje o noroeste da Líbia) e Byzacena (Tunísia oriental), e os restantes 3% da Gália meridional e da Península Itálica. As inscrições nas ânforas revelaram também que o azeite foi, maioritariamente, importado a custas da administração, para ser distribuído entre o povo de Roma – viver na capital do império dava direito não só ao proverbial “pão e circo” como a azeite e outros bens essenciais
O Monte Testaccio exibe sinais claros de não ser o resultado do despejo aleatório de ânforas vazias – foi erguido de forma planeada, ao longo dos primeiros três séculos da era cristã, possivelmente sob a supervisão das mesmas autoridades que eram responsáveis pela distribuição de azeite. O mais curioso é que quase todas as ânforas do Monte Testaccio são do mesmo “modelo”, conhecido nos meios arqueológicos como Dressel 20 (os romanos eram muito inclinados à padronização e à produção em massa) e não se conhecem “aterros” similares para ânforas de vinho. Há quem explique esta peculiaridade sugerindo que as ânforas Dressel 20 seriam de difícil reutilização e que seria mais barato simplesmente descartá-las quando o azeite fosse consumido. Por outro lado, enquanto as ânforas que tinham servido para vinho podiam, depois de trituradas, servir para fazer cimento (opus signinum), os resíduos de gordura prejudicariam a qualidade do cimento fabricado a partir de cacos de ânforas de azeite.
O conceito de embalagem descartável não é, portanto, uma invenção do nosso tempo, mas nunca assumiu as proporções que hoje tem: a esmagadora maioria da infinidade de produtos líquidos que consumimos não prevêem a reutilização das embalagens e estas representam em média 14% dos resíduos sólidos urbanos nos países desenvolvidos. A produção destes no mundo moderno faz o Monte Testaccio parecer modesto: são 2000 milhões de toneladas/ano, dos quais 680 milhões (cerca de 1/3) correspondem aos países desenvolvidos. 11% destes resíduos são incinerados (contribuindo para 5% das emissões globais de dióxido de carbono), 13.5% são reciclados, 5.5% são compostados, 37% são colocados em aterros (mais ou menos controlados) e 33% são vertidos em lixeiras a céu aberto ou atirados para onde calha. Os arqueólogos do futuro não terão, portanto, falta de elementos que lhes revelem como vivemos e quais as nossas preferências em termos de comida e bebida e serão capazes de identificar, no tempo e no espaço, a ascensão e declínio de vogas, como a das “bebidas energéticas” ou das cervejas artesanais.
David Farrier consagra parte de Pegadas: Em busca dos fósseis futuros (edição Elsinore, tradução de Raquel Dutra Lopes) a meditar no destino que terão os nossos resíduos sólidos, mas também considera legados menos imediatamente palpáveis ou visíveis, como uma atmosfera mais rica em dióxido de carbono e metano e um clima sobre-aquecido. Outra parte do nosso legado não serão adições mas subtracções: muitas espécies de animais e plantas já desapareceram e muitas mais poderão vir a desaparecer, e o mesmo poderá acontecer com as estruturas construídas por um conjunto particular dessas espécies – os recifes de corais.
A (tardia) tomada de consciência da humanidade quanto à duvidosa sustentabilidade da civilização moderna e à amplitude dos estragos que esta tem infligido ao planeta tem suscitado nos últimos anos a publicação de numerosos livros sobre o tema, mas a perspectiva de Pegadas: Em busca dos fósseis futuros é original. Não só por fazer um exercício prospectivo a longo prazo, como por cruzar a perspectiva das ciências do ambiente com a da literatura – Farrier é professor de literatura na Universidade de Edinburgh – como ainda por mesclar a perspectiva global com as experiências pessoais do autor, umas extraídas do seu quotidiano, outras resultantes das viagens e entrevistas que empreendeu em busca de respostas para as suas interrogações e inquietações. A edição original – Footprints: In search of future fossils – surgiu em Março de 2020, pelo que é de saudar a sua rápida tradução em português, pois o tema não podia ser mais premente.
Fósseis do Antropoceno
“Antropoceno” é um termo que já entrou na linguagem corrente, embora não tenha ainda sido reconhecido oficialmente pelas duas instâncias responsáveis pela nomenclatura das épocas geológicas, a Comissão Internacional de Estratigrafia e a União Internacional de Ciências Geológicas. A palavra terá surgido na década de 1960 nalguns meios científicos soviéticos, mas só ganhou o significado que tem hoje – o de um período da História da Terra em que as marcas da actividade humana são patentes no registo geoquímico à escala global – em artigos do biólogo americano Eugene F. Stoermer, na década de 1980.
O termo ganhou curso mais generalizado no ano 2000, quando Stoermer e o químico atmosférico holandês Paul J. Crutzen, um especialista em alterações climáticas que foi distinguido em 1995 com o Prémio Nobel da Química, propuseram formalmente a sua adopção: “Atribuir uma data específica ao início do Antropoceno pode parecer arbitrário, mas propomos o final do século XVIII […] pois foi nos últimos dois séculos que os efeitos globais das actividades humanas se tornaram claramente perceptíveis. Este é o período em que os dados resgatados às amostras de gelo revelam o início do crescimento das concentrações atmosféricas de vários ‘gases de estufa’, em particular o dióxido de carbono e o metano. Essa data coincide também com a invenção da máquina a vapor por James Watt, em 1784”.
Escreve Farrier que “em 2009, a Comissão Internacional de Estratigrafia encarregou um grupo de geólogos, biólogos, químicos atmosféricos, cientistas polares e marinhos, arqueólogos e cientistas das ciências da Terra da tarefa de estabelecer se a [Tabela Cronostratigráfica Internacional] deveria ou não ser actualizada” (Farrier). Porém, 11 anos depois, a comissão ainda não chegou a uma conclusão, em parte porque estão em confronto propostas muito diversas para a delimitação temporal do Antropoceno.
Há quem – como o paleoclimatologista William Rudimann – proponha que começou há cerca de 8000 anos, com o começo da sedentarização e da agricultura. Farrier dá relevo às teorias de Rudimann, que defende que a agricultura influiu no clima de duas formas: pela desflorestação necessária à instalação de culturas, que libertou para a atmosfera grandes quantidades de dióxido de carbono, e, com início há cerca de 3000-4000 anos, pela disseminação do cultivo do arroz, que, por se fazer em terrenos inundados, fomenta a libertação de metano, gás que tem, por unidade de peso, um efeito potencial no aquecimento global 21 vezes mais poderoso do que o dióxido de carbono. Segundo Rudimann, já deveríamos estar hoje no início de uma glaciação – de acordo com os ciclos históricos de aquecimento e arrefecimento do planeta – se não fosse o efeito desta interferência humana iniciada há 8000 anos.
Há quem sugira que se faça coincidir o Antropoceno com o Holoceno, época geológica que teve início há cerca de 11.650 anos, com o fim do último período glacial, mas é legítimo argumentar em favor de um início ainda mais remoto do Antropoceno, pois, bem antes de o homem ter começado a alterar a química atmosférica, é perceptível no registo fóssil um claro declínio da megafauna nos territórios por onde o Homo sapiens se foi expandindo.
A queda no número de espécies de grandes mamíferos em África é menor e menos abrupta porque, uma vez que o Homo sapiens é daí originário, a megafauna co-evoluiu com ele e foi aprendendo a evitá-lo ou a defender-se; mas nos territórios onde o Homo sapiens apareceu “de supetão”, já com as suas técnicas de caça perfeitamente desenvolvidas, e onde os animais ignoravam o terrível risco representado por aquele bípede sem pelos de aspecto relativamente frágil, os resultados foram catastróficos. Poderia, assim, fazer-se recuar o Antropoceno à chegada do Homo sapiens à Austrália, há cerca de 46.000 anos.
Uma outra proposta situa o início do Holoceno há cerca de 2000 anos, coincidindo com o início da erecção do Monte Testaccio e o pleno florescimento do Império Romano, ao mesmo tempo que na China, Índia, México e Peru outras civilizações prosperavam e causavam mudanças dramáticas no uso do solo em vastas áreas.
Como as fronteiras entre ciência e activismo político andam hoje muito esbatidas, há também quem proponha fazer coincidir o Holoceno com o início da colonização das Américas pelos europeus. Ora, se uma das consequências mais nefastas atribuídas à acção humana é o aquecimento global, os séculos XVI-XVII até correspondem a um recuo nessa tendência, culminando um declínio na temperatura global conhecido com a Pequena Idade do Gelo, que sucedeu ao Período Quente Medieval. É possível que o declínio das temperaturas registado a partir de meados do século XIV resulte dos efeitos devastadores da Peste Negra na Europa (que teve um pico em 1347-51), matando 1/3 da população e permitindo que vastas áreas de campos agrícolas fossem reconquistados pelas florestas, o que resultou na remoção de dióxido de carbono da atmosfera sob a forma de troncos e raízes. A chegada dos europeus à América teve um efeito análogo ao da Peste Negra, mas ainda mais pronunciado: as doenças levadas pelos europeus poderão ter eliminado 90% da população pré-colombiana das Américas (com a ajuda dos massacres e dos maus tratos), causando um abandono da agricultura em vastas áreas e a consequente reocupação destas pelas florestas. Ou seja, o início da colonização das Américas foi, indiscutivelmente, calamitoso para os povos indígenas, mas foi (momentaneamente) benéfico do ponto de vista do aquecimento global, pelo que a sugestão deste marco temporal para o Antropoceno acaba por ser dúbia.
As cidades submersas
No capítulo “Cidades subtis”, Farrier entretece habilmente a ameaça que a subida do nível dos oceanos, em resultado do aquecimento global, com A Epopeia de Gilgamesh e lembra que o risco para as cidades costeiras não decorre apenas da subida das águas: muitas cidades costeiras estão também a afundar-se, em resultado do peso das construções, da natureza pouco consolidada dos sedimentos sobre os quais foram erguidas e da extracção maciça de água do subsolo (outro factor de risco, que Farrier não menciona, é o aumento da intensidade e frequência dos furacões e outros fenómenos climáticos extremos, que são potenciados pelo aumento da temperatura média dos oceanos).
O furacão Katrina, que submergiu 80% de New Orleans e matou 1833 pessoas, pode ter sido invulgarmente poderoso, mas parte do seu impacto resultou do colapso dos diques construídos sobre areias movediças: “algumas das barreiras mais antigas tinham-se afundado praticamente um metro abaixo do nível do mar antes de a tempestade ter começado” (Farrier). Por outro lado, em resultado da extracção de água subterrânea e da retenção de sedimentos em barragens a jusante na bacia do Mississipi, New Orleans afunda-se 12 milímetros por ano – o que faz com que a subida do nível médio dos oceanos em 1.7 mm/ano que se registou ente 1901 e 2010 pareça um problema menor para a cidade (na verdade não o é, pois esta média de 1.7 ao longo de mais de um século oculta uma realidade mais preocupante: o ritmo da subida tem aumentado nos últimos tempos e vai já em 3.3 mm/ano).
O problema não é exclusivo de New Orleans: “Desde 1900, Bangkok afundou-se 1.6 metros, Xangai, 2.6 metros, e a zona oriental de Tóquio, uns impressionantes 4.4 metros” (Farrier). Mas New Orleans teve um ponto de partida mais desfavorável e hoje “cerca de metade da cidade já se encontra abaixo do nível do mar – no ponto mais baixo, fica 2 metros abaixo do nível do mar”. Farrier lista mais cidades de grande dimensão em situação periclitante: “Bangkok (um metro acima do nível do mar), Singapura (ao nível do mar) e Amesterdão (em certos locais, 2 metros abaixo do nível do mar)”.
E, claro, há Veneza, que “está habituada a inundações desde a sua fundação”, mas que, rompido o equilíbrio – “as dinâmicas da lagoa foram alteradas por dragagens e reclamação de terras e [a extracção de águas subterrâneas] provocou o afundamento de partes da cidade” – está cada vez mais vulnerável a inundações: “nos últimos 80 anos, houve 17 cheias com um metro ou mais [de altura]”. Na sua reflexão sobre Veneza, Farrier apresenta o fenómeno da acqua alta, como sendo consequência apenas das marés. Na verdade, a subida das águas na laguna resulta não apenas dos factores astronómicos que condicionam as marés propriamente ditas, mas de uma combinação desfavorável de factores meteorológicos: ventos soprando para norte de forma intensa e persistente no norte do Adriático, pressão atmosférica baixa sobre a laguna, afluxo de grande volume de água à laguna em resultado de precipitação intensa na sua bacia hidrográfica. A interacção destes factores é tão complexa que torna muito difícil prever qual a altura que a acqua alta irá atingir, mesmo recorrendo a modelos matemáticos.
Farrier recorre ao romance de ficção científica Cataclismo solar (The drowned world, 1962), de J.G. Ballard, e ao ensaio The earth after us (2008), do geólogo Jan Zalasiewicz, para imaginar o destino das grandes cidades construídas nos sedimentos depositados nos deltas dos rios: “[…] a água do mar é altamente corrosiva para o betão e o aço. As orgulhosas linhas do horizonte de Pudong e Manhattan degradar-se-ão como uma boca cheia de dentes negligenciados, talvez durante mil anos, até ao derradeiro colapso”.
A Era do Plástico
O plástico não poderia faltar num livro desta natureza: sendo dificilmente biodegradável, sendo produzido em quantidade e diversidade estonteantes e sendo omnipresente, será um dos legados mais duradouros da nossa civilização. Farrier dedica-lhe um capítulo – “A garrafa como herói” – em que, habilmente, entrelaça os factos sobre a produção de plásticos com um artigo que Roland Barthes escreveu em 1956 para a revista Les Lettres Nouvelles, a propósito da vista a uma “exposição de plásticos comerciais”. Para Barthes, o plástico era “a própria ideia de transformação infinita”, “a primeira substância mágica que se dispôs a ser prosaica”. Escreve Farrier que “a divindade do plástico é uma presença que se auto-anula na vida quotidiana, tão ubíqua, na verdade, que nos habituámos a não a ver […] Não reparamos no plástico porque, como notou Barthes, os artefactos de plástico são inteiramente subsumidos pelo presente. Enquanto a madeira e a pedra retêm algo das suas origens na texturas e na densidade, o plástico é isolado do seu passado e absorvido pelo presente. Na sua maioria, os plásticos estão feitos para existir apenas no momento do uso”.
E foi assim que acabámos com os oceanos poluídos por uma infinidade de plásticos, em diferentes estádios de fragmentação e degradação, uns aprisionados indefinidamente no Grande Giro de Lixo do Pacífico Norte, outros depositando-se nas praias de ilhas remotas ou acumulando-se nas entranhas das baleias e libertando toxinas que irão envenenar o leite com que amamentam as suas crias.
A perspectiva de Farrier deixa de fora uma evolução recente na percepção dos plásticos: após muitas décadas de invisibilidade, os plásticos tornaram-se no símbolo de tudo o que está mal na relação do homem com a Natureza. As imagens de aves marinhas estranguladas com plásticos, de tartarugas e golfinhos afogados por terem ficado enredados em redes de plástico, de autópsias a baleias que revelam estômagos entupidos com dezenas de sacos de plástico, são pungentes e correspondem a um problema real: estima-se que todos os anos morrem 400.000 animais marinhos em resultado da poluição por plástico.
Mas isto não é razão para nos lançarmos em cruzadas anti-plástico fundamentalistas e pretendermos suprimi-lo das nossas vidas, pois alguns dos seus substitutos têm custos ambientais comparáveis ou ainda maiores. O problema está menos nos plásticos em si do que do destino que se lhes dá após terem cumprido a sua (frequentemente efémera) função. Muitos activistas anti-plástico falam como se todo e qualquer plástico que nos passa pelas mãos fosse acabar a amordaçar uma tartaruga e fazê-la morrer à fome ou fosse convertido em microplásticos e aparecer-nos no prato quando trinchamos uma dourada. O destino dos plásticos depende, antes de mais, do comportamento de cada um: se os colocarmos no contentor do lixo, acabarão – nos países desenvolvidos – num aterro sanitário, onde ficarão durante milhões de anos (salvo cataclismo planetário); se fizermos a separação do lixo doméstico e encaminharmos o plástico para a reciclagem reencarnará noutro produto ou embalagem em plástico. Dos 270 milhões de toneladas de plástico produzidas anualmente, apenas 3% (oito milhões de toneladas) chegam aos oceanos.
“Apenas” oito milhões de toneladas de plástico a entrar no mar todos os anos ainda é um gravíssimo problema ecológico. Mas não temos de prescindir de usar plástico só porque cidadãos, empresas ou governos irresponsáveis dão destino inadequado a 3% desse plástico – temos é de evitar que esses 3% cheguem ao mar, melhorando sistemas de recolha e gestão de resíduos, sensibilizando a população e os agentes económicos e punindo-os, quando não cumprem as regras. E, neste domínio, nem todos os países são igualmente culpados e não são necessariamente os que mais consomem artigos e embalagens em plástico e geram mais resíduos que mais poluem os oceanos.
É entre os europeus e norte-americanos que brotou recentemente um discurso anti-plástico mais veemente e maniqueísta, mas os campeões da poluição por plásticos e os maiores responsáveis pela sua presença no meio oceânico, estão do outro lado do planeta: são a China (8.8 milhões de toneladas de plásticos descartados impropriamente, dos quais 3.53 milhões acabam no oceano – dados de 2010), a Indonésia (3.2 milhões de toneladas de plásticos descartados impropriamente, 1.29 milhões no oceano), as Filipinas (1.9 milhões de toneladas de plásticos descartados impropriamente, 0.75 milhões no oceano), o Vietnam (1.8 milhões de toneladas de plásticos descartados impropriamente, 0.73 milhões no oceano) e Sri Lanka (1.6 milhões de toneladas de plásticos descartados impropriamente, 0.64 milhões no oceano). Seguem-se a Tailândia, o Egipto, a Malásia, a Nigéria, o Bangladesh, a África do Sul e a Índia.
A actuação prioritária deverá ser pressionar (e auxiliar, com financiamento, tecnologia e know-how) estes países, não é patrulhar a secção de sumos dos supermercados portugueses ou noruegueses em busca de pacotes que incluam palhinhas não-biodegradáveis. O que não quer dizer que não seja desejável (e viável) reduzir consideravelmente a produção global de plásticos, rever o embalamento de produtos para suprimir plástico redundante, prescindir sempre que possível de embalagens descartáveis (deixando de beber água engarrafada, por exemplo), fomentar o uso de plásticos biodegradáveis nos usos que sejam compatíveis, usar sacos duradouros e reutilizáveis (podem ser de plástico ou plastificados) para fazer compras, colocar mais empenho da separação de plásticos, aperfeiçoar os sistemas de recolha e reciclagem, pesquisar novos usos para o plástico reciclado.
Há marcas que a nossa civilização já deixou, como sejam cidades, auto-estradas, pontes, viadutos e túneis, que não são remediáveis ou disfarçáveis, mas temos ainda a opção de minimizar outras, como sejam os aterros que abrimos para enterrar os resíduos que geramos ou os combustíveis fósseis que queimamos para sustentar a nossa agitação incessante e o nosso dissipador estilo de vida. Reflectir sobre o legado que vamos deixar – em milhões de metros cúbicos de lixo enterrado ou girando incessantemente nos vórtices oceânicos, em espécies extintas e em espécies invasoras disseminadas por boa parte do planeta, em glaciares derretidos e em recifes de coral branqueados e mortos – ajuda-nos a perceber que se mantivermos o “business as usual”, como fazemos desde a Revolução Industrial, tal terá graves e duradouras implicações. Como escreve Farrier, “os fósseis do futuro mostram-nos que não temos uma obrigação apenas para com as gerações que se seguirão directamente à nossa, aos filhos dos filhos dos nossos filhos, mas para com seres humanos que estão separados de nós por centenas e talvez até milhares de gerações […]. Quanto mais aprendermos a ver o novo mundo que é prometido pela nossa inacção, mais, creio, seremos capazes de imaginar uma alternativa”.