O Rio de Janeiro continua lindo
O Rio de Janeiro continua sendo
O Rio de Janeiro, fevereiro e março…

O Rio de Janeiro não mente. Nem quer. É o Brasil dos pensamentos românticos, é o Brasil das notícias. O sorriso aberto, o olhar pesado; a bunda de novela, o garoto impecável, com penteado e gravata no sítio. Corpos esfarrapados, alguns. O passo apressado, a gargalhada sonora. A multidão que encaixa, sem saber, num bailado urbano. A beleza rara daqueles que vestem pele escura, dos que andam na luta, daqueles que pesam 300 quilos em preocupações. Há casas e prédios que choram de velhice. O Observador chegou há poucas horas ao Rio de Janeiro, para acompanhar os Jogos Olímpicos, e já sentiu o jeitinho carioca…

O rapaz do violão não parava. Não parava de encher a sala, que era a rua. Não parava de dar goles na cerveja, nem sabia não gargalhar alto. Estamos em Santa Teresa, de noite, numa esquina onde está a rolar uma festa. A caipirinha cai bem, a música tão bem ou melhor. No outro lado da mesa está Augusto, um engenheiro agrónomo, filho de mãe que cozinha doces portugueses que já nem se fazem em Portugal. “Há nove gerações que é assim. Sabe, é a história das netinhas que se juntam à avó para aprender.”

Antes desse papo bom, a boleia até à nova casa para os próximos 20 dias também levantou o véu a mais uma bela história. João, que já troca português com espanhol, é chefe de cozinha e viveu oito anos no Chile, que compara com a “Europa”. Quer vender tudo e voltar, de vez. Entre o Aeroporto Santos Drumont e o destino final, as recomendações do costume e algumas cautelas…

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— Upa, aqui é perigoso. Deixa eu fechar a janela e botar um arzinho pra gente…
— Aqui é a Lapa. Lapa e Santa Teresa são as zonas mais boémias.
— Você é fotógrafo? Cuidado com a câmara. Ah, jornalista. É como o telefone, não o veja em qualquer lado. Olhe à volta.
— Seu cartão de multibanco não funcionou? Teve-o junto do telefone? Hmm, me desculpe, não veja como ofensivo, mas você o usa para ajeitar cocaína? Isso desmagnetiza também. Muita gente não sabe, mas é verdade…

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Enquanto uma garota, quem sabe a aniversariante, dançava lá no tal bar e cantava para Santa Teresa inteira, arranjava um intervalo para pedir uns reais para o cantor do bigode e voz especial — a atuação acabou com um “Fora Temer, fora Temer, fora Temer”, cantando contra o homem que sucedeu a Dilma Rousseff. Chovia, estava fresquinho, mas agradável. Duas ou três vezes passou um carro azul de patrulha, com metralhadoras em riste do lado de fora. “É, é assim mêmo”, comenta alguém que estava perto e reparou no desconforto ou surpresa alheios. Rapidamente aquilo mudou a agulha, quando o homem que cozinhou as caipirinhas descobriu a nacionalidade deste escriba. “Restauradoooooores! Alfama… Ui! Bairro Alto, você trabalha lá? Beleza!” Já António, que passou 20 dias em Portugal há um par de anos, deixou uma dica mais surpreendente: “Alcochete! Vocês têm Alcochete, né? Come-se bem lá!”

“Mais amor por favor”

O Rio de Janeiro ainda se está a vestir para o que vem aí. Vaidosa, a cidade leva o seu tempo a arranjar-se. O bonde, que faz lembrar o elétrico lisboeta, com uma corda ao longo do teto para ser puxada e servir de campainha, levou o Observador de Santa Teresa para o coração do Rio. Há obras em muitas avenidas com muito movimento, a missão parece impossível de terminar a tempo. Na avenida dos armazéns, perto da Baia de Guanabara, onde está o Museu do Amanhã, está tudo a ser erguido também. “Uma água? Não há nada para vender aqui, não”, dizia um rapaz numa das dezenas de barraquinhas ao longo da avenida. Esta zona portuária será o palco de muitos concertos e atividades de lazer.
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Irresistível é o mural gigante — “Etnias” — pintado por Eduardo Kobra (e ajudantes), ali ao lado, que conta três mil metros quadrados de dimensão. Foi inspirado nos cinco anéis olímpicos, que representam cinco continentes. Kobra deu-lhes um rosto. “É um privilégio poder trazer um trabalho aqui para o Rio de Janeiro num momento tão peculiar e importante”, disse à Agência Brasil. “Mesmo passando os Jogos, o mural ainda vai fazer bastante sentido para o Rio de Janeiro, que acaba acolhendo e recebendo pessoas do mundo inteiro.”

Na mesma avenida, também conhecida por Boulevard Olímpico, estará a NBA House, que espera receber mais de 50 mil visitantes, contou a Exame Brasil. São três mil metros quadrados, com capacidade para 1500 pessoas, para reuniões de satisfações dos aficionados do basquetebol norte-americano. A NBA House será um espaço temático da liga que vai funcionar entre os dias 12 e 21 de agosto no Armazém da Utopia.

Uns metros à frente começava a juntar-se uma multidão. Dezenas de polícias apareceram também. Alguém chegaria ali, com certeza. Bastou olhar à volta para ver o navio Silver Cloud. Ou seja, confirmava-se: as equipas norte-americanas de basquetebol ficariam naquele imponente navio. E lá chegaram eles, poucos minutos depois. Quase todos saíram do autocarro com phones, sem olhar para a grade. O passo era lento, de gigante, rumo ao check-in para fazer daquela a sua casa para as próximas semanas. Não sendo o Dream Team de 92 ou o Dream Team 2.0 de há quatro anos, em Londres, não será nenhuma surpresa ver Kevin Durant, Carmelo Anthony e companhia vencerem o ouro olímpico.

O Observador subiu então ao terraço do Museu de Arte do Rio, que tem uma vista privilegiada para a Baía de Guanabara. A vista é desafogada, com mar, prédios, porto e montanhas ali à frente. Tudo no mesmo caldeirão. Uma garota fazia ballet junto ao Museu do Amanhã, ao mesmo tempo que um homem mais velho tocava violino, ao pé de uma fonte. O ambiente é leve, apesar da muita presença policial. A arte de rua está em todo o lado. As maiores vítimas são as paredes, que gritam grafitis, com assinaturas, mensagens e imagens que desmontam e explicam o Rio. A frase “Mais amor por favor” é e será uma companheira nesta viagem.

De lá de cima foi ainda possível ver a tocha olímpica passear-se pela estrada. Se em algumas zonas do Rio onde o Observador gastou sola não se nota muito entusiasmo com os Jogos, ali ficou mais ou menos percetível uma coisa: até podem não acordar a pensar nisso, mas muitos cariocas vão achar irresistível não aderir à movida gerada pelos Jogos Olímpicos.

Primeiro surgiram os batedores, depois os carros da polícia, camiões com música e artistas a atuar. Depois chegou um corredor sem fim de elementos da polícia militar. Tudo isso para evitar problemas e tentativas de roubo da tocha, como já aconteceu. Depois veio a tocha, colada à mão de uma senhora. O aparato era muito, as pessoas sentiam-se atraídas pela energia e juntaram-se à estrada. Do nada, eram dezenas. Lá está, o Rio fala verdade. E quer quando diz não querer…

A canção do início do artigo é de Gilberto Gil, chama-se “Aquele Abraço”. É uma carta de amor à “cidade maravilhosa” e será, segundo rumores, a primeira música na Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos, agendada para 5 de agosto.

Alô, moça da favela
Aquele abraço!
Todo mundo da Portela
Aquele abraço!
Todo mês de fevereiro
Aquele passo!
Alô Banda de Ipanema
Aquele abraço!

Meu caminho pelo mundo
Eu mesmo traço
A Bahia já me deu
Régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele abraço!
Pra você que me esqueceu
Aquele abraço!
Alô Rio de Janeiro
Aquele abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele abraço!