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[este é o segundo de uma série de dois artigos sobre a história de marcas da indústria química mundial. Pode ler o primeiro aqui]

DuPont

A marca que ao longo do século XX foi sinónimo de inovação e de materiais que revolucionaram a vida quotidiana e até ficaram associados à Space Age, como o nylon, o teflon, o mylar, o kevlar e a lycra, remonta a alguém com um nome que parece simbolizar a “velha ordem”: Éleuthère Irénée du Pont de Nemours.

Éleuthère nasceu em 1771, em Paris, na família du Pont, que, em 1784, seria nobilitada por Luís XVI, adicionando ao seu nome “de Nemours” (uma comuna na Île de France, cujo nome provém possivelmente do celta “nemetum” = recinto sagrado, santuário). O jovem Éleuthère manifestou desde cedo interesse por química – foi aluno de Antoine Lavoisier no Collège Royal – e em particular por explosivos. Embora Éleuthère e o pai fossem, inicialmente, apoiantes da Revolução Francesa, não pactuaram com os excessos por onde esta enveredou, o que lhes valeu serem presos e verem a sua casa pilhada.

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Antoine Lavoisier e Éleuthère du Pont (à direita) no laboratório, por Frederic William Wright, c.1790

Face ao clima opressivo e imprevisível vivido em França, Éleuthère du Pont decidiu estabelecer-se com a família nos EUA. Ao aperceber-se, durante uma caçada, da fraca qualidade da pólvora usada nos EUA, Éleuthère fundou em 1801, em Wilmington, no Delaware, a firma E.I. du Pont de Nemours (adiante designada por “DuPont”, pois assim se tornou conhecida), que começou a produzir pólvora em 1801 – e fê-lo com tal sucesso que em meados do século já era o maior fabricante nos EUA. Após ter diversificado a actividade a outros explosivos, desenvolvido a pólvora sem fumo e adquirido várias empresas rivais, em 1912 a DuPont tornara-se tão poderosa que caiu sobre a alçada das leis anti-trust (o Sherman Act de 1890) e foi forçada a desfazer-se de parte dos seus activos.

Após o falecimento de Éleuthère, em 1834, a DuPont manteve-se nas mãos da família mas em 1902, após a morte de Eugene du Pont, neto do fundador, alguns herdeiros decidiram vendê-la; os primos Pierre, Alfred e Coleman du Pont entenderam que o negócio deveria ficar na família e juntaram-se para o comprar. Para se ter ideia do formidável património que os du Pont tinham amealhado no início do século XX bastará um exemplo: o presente de casamento de Alfred du Pont para a sua esposa Alicia Bradford foi uma mansão estilo Luís XVI com 105 divisões e um complexo de jardins ocupando 120 hectares e inspirado por Versailles, conjunto que foi terminado em 1910 e baptizado como Nemours, evocando as origens francesas e (vagamente) aristocráticas da família.

Versailles no Delaware: Um dos muitos jardins da Mansão Nemours, em Wilmington

Após ter dilatado ainda mais a fortuna na I Guerra Mundial, em que foi o principal fornecedor de explosivos das tropas aliadas, a DuPont reorientou-se nas décadas de 20 e 30 para os polímeros sintéticos, lançando o neoprene, uma borracha sintética criada em 1930, e o nylon, criado em 1935 e comercializado a partir de 1939, sob um nome cuja origem suscitou alguma especulação, mas que parece ter sido uma criação arbitrária, exceptuando o “on” final, escolhido por afinidade com os nomes de fibras naturais (“cotton” = algodão) e sintéticas (“rayon”, designação adoptada nos EUA, em 1924, para o têxtil produzido a partir da viscose, uma fibra sintética patenteada em 1894).

O nylon teve sucesso avassalador, com vasto leque de aplicações que vão dos pára-quedas aos pneus, passando pelas meias. A comercialização de meias de nylon teve início em 1939, em Wilmington (que continuava a ser a sede da DuPont) e os 4000 pares disponíveis venderam-se em três horas, prefigurando o que viria a ser o entusiasmo febril pelo novo produto, que registaria o seu pico nos “nylon riots” de 1945-46 – o mais célebre teve lugar em Pittsburgh em 1945, quando 40.000 mulheres aguardaram impacientemente numa fila de 16 quarteirões de comprimento para comprar meias de nylon e se engalfinharam à pancada quando descobriram que só havia 10.000 pares.

Fila para adquirir meias de nylon, Miller’s Department Store, Oak Ridge, Califórnia, Janeiro de 1946

Entretanto, em 1938, Roy J. Plunkett, investigador da DuPont, tinha inventado (acidentalmente) o teflon, que uma lenda apócrifa extraordinariamente difundida apresenta como tendo sido criado pela NASA na década de 1960 e como exemplo dos benefícios indirectos da “corrida ao espaço”. A designação formal do composto é politetrafluoretileno (PTFE), sendo registado em 1945 sob a marca comercial Teflon, que retém algumas letras do nome oficial. O composto só teve a primeira aplicação prática em utensílios de cozinha em 1961, com o aparecimento da Happy Pan.

Anúncio à frigideira Happy Pan, revestida a teflon, década de 1960

Nas décadas de 1950 e 1960, a DuPont inventou, aperfeiçoou ou adquiriu a patente de uma série de materiais sintéticos que são omnipresentes no nosso quotidiano, nomeadamente no vestuário e embalagem, sob diversas designações, que, por vezes, se sobrepõem e que variam de país para país, como mylar, orlon, dacron (ou terylene), lycra (ou spandex) e nomex. É quase impossível não usar ou tocar num objecto ou material que não tenha o dedo da DuPont – algo tão corriqueiro como uma folha de papel branco requer a adição, como agente branqueador, de dióxido de titânio, composto cujo fabricante mundial n.º 1 é a DuPont. No século XXI, a DuPont alienou várias das suas divisões (nomeadamente as fibras têxteis) e investiu fortemente na biotecnologia, tornando-se num dos maiores produtores de sementes geneticamente modificadas.

Em 2015, foi anunciada a fusão da E.I. du Pont de Nemours (recorde-se que era este o nome formal da empresa), então a n.º 10 do ranking da indústria química, com a Dow, a n.º 2 do ranking, dando origem, em 2017, à maior firma mundial do ramo, a DowDuPont, que, apenas dois anos depois, se desagregou na Corteva (agroquímica), Dow Inc. (ciência de materiais) e DuPont (produtos para a indústria) – ou seja, a firma que, entre 1802 e 2017, foi informalmente conhecido por DuPont é diferente da DuPont nascida em 2019… Estas operações de fusão, desagregação e rebranding não visam tornar as coisas claras e, por vezes, nem sequer se destinam a beneficiar as empresas, antes os hedge funds e os especuladores que tiram partido das flutuações do valor das empresas em bolsa que estas operações suscitam.

Dow

Em 1889, Herbert Henry Dow (1866-1930), um americano nascido no Canadá, inventou um novo processo de extracção de bromo a partir de salmoura e pôs esta descoberta de imediato em prática através de uma fábrica, que faliu poucos meses depois de fundada. Dow obteve financiamento para lançar uma nova firma, a Midland Chemical Company, e desenvolveu um método de extracção de bromo mais aperfeiçoado, empregando electrólise, que patenteou em 1891. Porém, quando quis pesquisar novas aplicações para o seu processo de electrólise, deparou-se com a oposição dos investidores que o tinham financiado. Dow acabou por ser despedido da companhia que fundara e, após uma angariação de fundos junto de investidores, lançou em 1897 a sua terceira empresa, a Dow Chemical Company, que, como as anteriores, tinha sede em Midland, no Michigan.

Se nas suas primeiras décadas de história a Dow Chemical cresceu e diversificou a sua carteira de produtos (que passou a incluir cloro, fenóis, corantes e agroquímicos), recebeu um forte impulso (tal como a Monsanto) com a declaração de guerra dos EUA à Alemanha, em 1917, pois eliminou do mercado americano as empresas químicas alemãs que o dominavam há décadas e fez com que o Governo americano se tornasse no seu principal cliente.

“A química da esperança”: Neste anúncio de 1944, a Dow realça o seu contributo para o esforço de guerra dos EUA

Na década de 1930, a Dow fez um forte investimento no ramo então nascente dos plásticos e tornou-se num dos primeiros produtores em massa de poliestireno, que hoje é omnipresente nas nossas vidas, em formas diversas, que vão dos copos de iogurte à “esferovite” (poliestireno expandido ou EPS, na sigla inglesa, mais conhecido na América do Norte como “styrofoam”). Nem todos os produtos fabricados pela Dow eram tão inócuos: a marca também produziu o tristemente célebre desfolhante conhecido como Agente Laranja (ver Monsanto), e viu-se envolvida em processos judiciais movidos por trabalhadores agrícolas requerendo indemnizações por danos na saúde em consequência do manuseamento e aplicação de agroquímicos que a Dow publicitava como sendo mais seguros do que realmente são.

Anúncio à película aderente Saran, fabricada pela Dow, 1953

Quando, em 2001, a Dow Chemical adquiriu a Union Carbide, também herdou as sequelas na saúde e no ambiente, os processos judiciais e a “má imprensa” decorrentes de um desastre ambiental ocorrido 17 anos antes: a fuga de uma nuvem de gás tóxico, numa fábrica de pesticidas da Union Carbide situada em Bhopal, na Índia, que matou 3800 pessoas de imediato e poderá ter causado, ao longo dos anos, mais 16.000 mortes, bem como meio milhão de pessoas feridas ou afectadas por problemas de saúde.

Em 2017, a Dow Chemical fundiu-se com a E.I. du Pont de Nemours, dando origem à DowDuPont, e voltou a autonomizar-se, como Dow Inc. em 2019.

Anúncio à divisão farmacêutica da Dow, 1946

Monsanto

A Monsanto já foi um dos mais poderosos nomes da indústria química, mas, entretanto, mudou de ramo e tem-se esforçado por fazer esquecer o seu passado – o que se compreende, pois inclui episódios comprometedores.

A empresa foi fundada em 1901 por John Francis Queeny (1859-1933), cujo princípio de vida fora árduo, uma vez que o Grande Incêndio de Chicago de 1871 deixara a sua família na penúria, forçando-o a deixar os estudos aos 12 anos e a começar a trabalhar numa farmácia. Após quase três décadas de experiência neste ramo, nomeadamente na Meyer Brothers Drug Co., em 1899 Queeny decidiu lançar-se por conta própria e investiu todas as suas poupanças numa refinaria de enxofre, que foi consumida por um incêndio no dia seguinte à aquisição. Em vez de desanimar, abriu em 1901 uma fábrica de sacarina (um adoçante sintético), baptizando a empresa com o nome de solteira da sua esposa, Olga Méndez Monsanto (isto é “monte santo”), que provinha de uma família de judeus sefarditas, com origem na Andaluzia, que se instalara na Louisiana no início do século XVIII e enriquecera com o comércio, o tráfico de escravos e vastas plantações (operadas por escravos, naturalmente).

Anúncio à Monsanto, 1939

Desta vez não houve um incêndio a interpor-se na vida de Queeny e em 1906 o florescente empresário despediu-se dos Meyer Brothers para se concentrar na Monsanto, que passara também a fabricar os aromatizantes vanilina (com sabor a baunilha) e cumarina (com sabor a canela). A empresa ganhou um formidável impulso com a declaração de guerra dos EUA à Alemanha, em 1917, e partir de 1919 foi diversificando a produção, que passou a incluir aspirina, borracha sintética, PCBs (sigla inglesa dos bifenis policlorados, usados sobretudo em circuitos de refrigeração e em permutadores de calor), viscose, poliuretanos e, a partir de 1944, o insecticida DDT (diclorodifeniltricloroetano).

O DDT tinha sido inventado em 1874 por Othmar Zeidler mas quase não teve aplicação até que, em 1939, o químico suíço Paul Hermann Müller se apercebeu das suas propriedades insecticidas. O DDT iria, nos anos seguintes, salvar milhões de vidas, graças à sua eficácia na eliminação de piolhos, um dos principais agentes do tifo, e no controlo dos mosquitos responsáveis pela transmissão da malária e dengue, o que valeu a Müller a atribuição do Nobel da Medicina de 1948. O DDT começou por ter aplicação nos teatros de combate, mas, a partir de 1945, passou a estar disponível para os agricultores, que dele fizeram uso maciço.

Soldados americanos demonstram as virtudes do DDT na desinfestação

Porém, o DDT e os PCBs, que, quando começaram a ser comercializados, pareciam cintilantes triunfos da indústria química, foram revelando os seus graves inconvenientes para a saúde e para o ambiente.

No caso dos PCBs, a empresa estava consciente do seu efeito cancerígeno desde 1938 e ocultou o facto do público e das autoridades durante décadas e o produto só muito depois foi interditado, no Japão em 1972, na Suécia em 1973, nos EUA em 1979, no Reino Unido em 1981.

No que se refere ao DDT, os EUA interditaram a sua aplicação em 1972 e a sua exportação em 1985; na Europa, alguns países interditaram-no no início dos anos 70 e a CEE interditou o seu uso e exportação em 1986. Ainda assim, o DDT continua hoje a ser usado no combate à malária em 12 países (incluindo a Índia, que é hoje o principal fabricante de DDT, ainda que em quantidades modestas) e a OMS recuou nas disposições que desaconselhavam o seu uso – mas apenas em regiões afectadas pela malária.

Entretanto, nas décadas de 1960 e 1970 a Monsanto ficou associada a mais um composto obnóxio, ao tornar-se num dos principais fornecedores de Agente Laranja (Agent Orange), um desfolhante, constituído por partes iguais de ácido 2,4,5-triclorofenoxiacético e ácido 2,4-diclorofenoxiacético, desenvolvido pelos EUA em 1945, com o fito de destruir as culturas agrícolas do inimigo. Não chegou a ter aplicação durante a II Guerra Mundial, mas pareceu ideal ao Governo dos EUA para combater a guerrilha vietcong que se ocultava na selva densa e foi um dos principais ingredientes da Operação Ranch Hand, que, entre 1962 e 1971, pulverizou as florestas, campos de arroz e aldeias do Vietnam do Sul com 76 milhões de litros de desfolhantes e herbicidas, apesar de repetidos e veementes alertas da comunidade científica internacional para os efeitos da aplicação desregrada deste compostos. Para lá de ter desfolhado 24% do coberto florestal do Vietnam do Sul, a Operação Ranch Hand deixou sequelas duradouras em 3 milhões de vietnamitas e o Agente Laranja foi responsabilizado pelo nascimento de meio milhão a um milhão de crianças com defeitos congénitos. Milhares de militares americanos foram também vítimas do Agente Orange, pois foi-lhes dito que o produto era inócuo, pelo que não tomaram as precauções necessárias na sua manipulação.

Helicóptero americano em acção durante a Operação Ranch Hand

Para tentar contrabalançar a ideia da Monsanto como “dark satanic mill”, poderá colocar-se no prato positivo da balança a invenção da relva sintética (AstroTurf), em 1964, e o pioneirismo na produção em massa de LEDs, em 1968. Porém, em 1973, a Monsanto lançou outro produto que viria a tornar-se extremamente controverso: o herbicida glifosato, comercializado sob a marca RoundUp, que se tornou no mais utilizado nos EUA. O glifosato tem vindo a ser acusado de ser cancerígeno e embora os estudos sejam contraditórios e inconclusivos e o uso de glifosato continue a ser autorizado na UE e em vários estados americanos, a falta de transparência da Monsanto e os seus antecedentes têm jogado contra ela, levando a que, nos últimos anos, tenha sido obrigada pelos tribunais a pagar vultosas indemnizações a trabalhadores agrícolas que alegam que o manuseamento e aplicação do herbicida lhes causou cancro e outros problemas de saúde.

Entretanto, em 1983, a Monsanto voltou a dar provas de pioneirismo, agora no domínio das plantas geneticamente modificadas, e, através da sua própria investigação e da aquisição de outras grandes empresas no sector, tornou-se líder no mercado das sementes – nos EUA, as sementes da Monsanto representam mais de 80% da área plantada com milho e soja e ocupam posição de relevo no algodão e no trigo. Parte do sucesso do RoundUp resultou de a Monsanto ter desenvolvido variedades geneticamente modificadas de cultivos agrícolas resistentes especificamente a este herbicida. O facto de as suas sementes favorecerem a aplicação maciça de herbicidas e as condições leoninas e exorbitantes impostas aos agricultores que usam as suas sementes patenteadas, tornaram a Monsanto ainda mais odiosa aos olhos de ambientalistas e dos adversários da agricultura industrial. A estes motivos de agravo (fundamentados) soma-se o mito muito difundido de que os OGMs são uma perversão da ordem natural das coisas e têm todos efeitos perniciosos sobre a saúde.

O sucesso da Monsanto no sector das sementes foi tal que levou à restruturação da empresa: em 1997, remeteu todo o seu sector químico para uma nova empresa, a Solutia, e anunciou ao mundo o nascimento de uma “nova Monsanto”, com um novo logótipo e o slogan “Alimento-Saúde-Esperança” e tão impecavelmente branqueada que se apresentava no seu website como “uma companhia relativamente recente […] focada na agricultura”.

A “nova Monsanto” continuou a crescer, adquirindo vários dos seus competidores no ramo das sementes geneticamente modificadas e chegou, em 2015, a tentar engolir outro gigante do ramo, a Syngenta. Porém, este negócio abortou e no ano seguinte, foi a vez de a Monsanto ser adquirida por uma rival, a Bayer.

A Solutia acabou por abrir falência em 2003, em resultado dos numerosos processos judiciais movidos pelos que apresentaram como vítimas dos seus produtos (a empresa acabou por ser reactivada e comprada pela Eastman Chemical Company em 2012). Este tipo de processos veio também a repercutir-se na Bayer, que, após a fusão, passou a ver-se a braços com os processos judiciais relativos ao glifosato e outros produtos da Monsanto e com processos resultantes de antigas infracções de regulamentação ambiental cometidas pela Monsanto ao longo de décadas. Para pôr termo a 100.000 das 125.000 acções judiciais relativas ao glifosato nos EUA, a Bayer dispôs-se a pagar 10.000 milhões de dólares – estes problemas judiciais explicam que o valor das acções da Bayer tenha caído cerca de 1/3 desde a fusão.

O historial desfavorável da Monsanto na área da saúde e do ambiente e a sua preponderância no sector dos odiados OGMs levou a que, em 2013, fosse organizada uma March Against Monsanto, que, entretanto, se tornou num movimento permanente e com ramificações por todo o mundo. Embora existam outras marcas e empresas que são vistas como símbolos dos aspectos negativos do capitalismo e da globalização, nenhuma alcançou a pouco invejável posição de dar nome a um movimento. John Francis Queeny certamente que não foi capaz de prever que o nome da sua adorada esposa seria hoje sinónimo do Mal.

March Against Monsanto, Washington DC, Maio de 2013

Rhône-Poulenc

A Rhône-Poulenc partilha com a Agfa uma conexão musical: a segunda teve como fundador Paul Mendelssohn Bartholdy, filho do compositor Felix Mendelssohn, e a primeira remonta a Étienne Poulenc, avô do compositor Francis Poulenc. Na verdade, a empresa tem uma origem ainda anterior: Pierre Wittmann, um pasteleiro com experiência na farmácia e paixão pela química, assumiu, em 1845, a gestão de uma farmácia-drogaria, em Paris, que complementou, em 1852 com uma oficina de preparação de reagentes fotográficos. O seu genro, Étienne Poulenc, tornou-se seu sócio e acabou por ficar à frente do negócio a partir de 1858. No ano seguinte, formou sociedade com o cunhado e a firma passou a chamar-se Poulenc et Wittmann; com a morte de Étienne, em 1878, a firma passou a Veuve Poulenc et Fils e, a partir de 1900, a Établissements Poulenc Frères, sob a gestão dos irmãos Gaston, Camille e Émile, sendo este último o pai de Francis Poulenc (1899-1963).

Sucursal da Rue de Cluny, em Paris, dos Établissements Poulenc Frères

Entretanto, em 1869, em Lyon, Marc Gilliard, Prosper Monnet e Jean-Marie Cartier tinham fundado a Gillard, Monnet et Cartier, acompanhando o desenvolvimento explosivo da demanda por corantes sintéticos. A firma começou por estar dedicada à produção de fucsina, um corante magenta inventado simultânea e independentemente, em 1858, por August Wilhelm von Hoffmann e François-Emmanuel Verguin. Se a fucsina tem dois pais, o seu nome, que foi atribuído pela primeira empresa que o produziu, a Renard Frères, também tem origem dupla: resulta de “Fuchs” ser a versão alemã de Renard (raposa) e de o corante, quando adicionado a água, ganhar cor similar à da flor da Fuchsia, planta baptizada em honra do botânico alemão Leonhart Fuchs.

Em 1895, a Gillard, Monnet et Cartier passou a designar-se Societé des Usines Chimiques du Rhône (SCUR), em alusão ao Rio Rhône (Ródano, para os portugueses), que nasce nos Alpes suíços, passa por Lyon e desagua no Mediterrâneo, perto de Arles. Após dificuldades financeiras na viragem do século, a SCUR diversificou os seus produtos e expandiu-se para a Grã-Bretanha, Brasil e Itália – em 1927 desafiou os alemães no seu território, abrindo uma fábrica em Freiburg am Bresgau e em 1928 absorveu os Établissements Poulenc Frères, dando origem à Societé des Usines Chimiques Rhône-Poulenc (SUCRP), nome simplificado para Rhône-Poulenc em 1961. Em 1999, a Rhône-Poulenc, que se repartia pelos sectores da farmácia, produtos veterinários, fitofármacos, polímeros e fibras e têxteis sintéticos, fundiu-se com a alemã Hoechst, dando origem à Aventis (ver Hoechst, em De onde vêm os nomes das marcas? Indústria química 1: Alemanha).

AkzoNobel

A AkzoNobel é uma empresa nascida em Amesterdão em 1994, mas a sua origem remonta a meados do século XIX e a um dos nomes mais célebres da indústria química: o sueco Alfred Nobel (1833-1896).

O pai de Alfred, o inventor e empresário Immanuel Nobel (1810-1872) estabeleceu-se em 1837 em São Petersburgo como fabricante de maquinaria e explosivos, tendo sido responsável pela instalação dos primeiros motores a vapor nos navios da marinha de guerra russa. Alfred recebeu esmerada educação, ministrada por tutores particulares, em São Petersburgo, e completou estudos em Paris, onde se cruzou em 1850 com o químico italiano Ascanio Sobrero, que, em 1847, inventara a nitroglicerina. Com a Europa em plena Revolução Industrial e as obras de engenharia a crescer em dimensão e ousadia e as minas em profundidade, havia necessidade de explosivos mais potentes do que a pólvora, demanda a que Sobrero procurara responder com a nitroglicerina. Esta tinha, porém, o inconveniente de ser extraordinariamente instável e perigosa, óbice que Nobel se decidiu a superar.

Alfred Nobel, década de 1850

Ao mesmo tempo que desenvolvia investigação noutros domínios, Nobel nunca abandonou o projecto de “domar” a nitroglicerina, tendo, para esse fim, criado a empresa Nitroglycerin AB (AB ou “Aktiebolaget” significa, em sueco, “companhia limitada”). Após vários fracassos e acidentes (um deles custou a vida do seu irmão mais novo, Emil), Alfred Nobel acabou por lograr o seu intento em 1867, com a invenção da dinamite (do grego “dynamis” = força, poder), misturando dióxido de silício (ou outros materiais inertes) à nitroglicerina e acondicionando o preparado em bastões de 20 cm de comprimento; a Nitroglycerin AB, rebaptizada como Dynamit Nobel, foi a primeira empresa a fabricar em massa o novo explosivo.

Convém aqui dissipar a confusão (frequente) entre dinamite e TNT, pois são coisas diversas: o explosivo TNT (trinitrotolueno) foi inventado em 1863 pelo químico alemão Julius Wilbrand, mas, como era difícil de detonar, só veria o seu potencial reconhecido em 1891 e só teria a primeira aplicação prática – em ogivas de artilharia – em 1902. O seu uso é sobretudo militar, enquanto a dinamite tem um amplo espectro de aplicações na “vida civil” (algumas tão obtusas como a pesca).

Ao longo da vida, Nobel registou um total de 355 patentes, muitas delas dizendo respeito a explosivos (como a gelignite e a balistite), e fundou cerca de 90 empresas em diferentes países, a maior parte delas ligadas ao fabrico e comercialização de explosivos e armamento, pelo que seria preciso um longo artigo só para explanar as complexas conexões entre elas e as empresas que adquiriram ou com as quais se fundiram e as empresas que delas foram autonomizadas, até porque os nomes sofreram numerosas alterações ao longo do tempo.

Oven with ampoules for producing nitric acid

Preparação de cartuchos de dinamite, na fábrica de Val Bormida, perto de Cengio, Itália, 1888

No caso concreto da AkzoNobel, o fio que interessa seguir no emaranhado de empresas com “Nobel” no nome passa pela Bofors, um fabricante de armamento sueco cuja origem remonta a 1646 e que entre 1894 e 1896 fez parte da constelação de empresas controladas por Alfred Nobel. A partir de 1896, a Bofors passou por várias fusões, aquisições e mutações, e, quase um século depois, acabou por fundir-se com outro ramo da frondosa árvore Nobel, a KemaNobel. A origem remota desta era a Stockholms Superfosfat Fabriks AB, fundada em 1871 pelo engenheiro de minas Oscar Carlson; em 1970, esta empresa mudou de nome para Kema Nord ABV e em 1978, após ter adquirido o fabricante de explosivos Nitro Nobel AB, passou a designar-se KemaNobel. A fusão desta com a Bofors, em 1984, deu origem à Nobel Industrier.

É necessário, agora, seguir o rasto da empresa holandesa Akzo, com um longo e confuso historial que remonta a várias empresas químicas holandesas fundadas no início do século XX, que, após várias aquisições/fusões, deram origem aos grupos AKU (Algemene Kunstzijde Unie), com actividade na área das fibras e têxteis sintéticos (e cuja origem remota estava num negócio de importação de crepes para cerimónias fúnebres estabelecido em 1911) e KZO (Koninklijke Zout Organon), com actividade na química, papel, tintas e embalagens. Em 1969 a AKU e a KZO fundiram os activos e os nomes na Akzo, que em 1994, adquiriu a Nobel Industrier, dando origem à AkzoNobel, um dos gigantes europeus do sector químico, gerando, em 2019, 9.280 milhões de euros de receitas e 841 milhões de lucros.

ICI

Não terá sido por acaso que em 1926, um ano após a IG Farben ter concentrado as maiores empresas químicas alemãs, quatro grandes empresas químicas britânicas – Brunner Mond, Nobel Explosives, United Alkali Company e British Dyestuffs Corporation – se fundiram na Imperial Chemical Industries, um nome que realçava que, apesar de o seu protagonismo estar em queda, a Grã-Bretanha ainda detinha um império.

Anúncio à ICI, 1937: aplicações na indústria automóvel

A Brunner Mond fora fundada em 1873 em Northwich, por John Brunner e Ludwig Mond e começara por produzir carbonato de soda, alargando depois a actividade ao TNT e ao sabão. A Nobel Explosives tinha sido fundada em 1870, em Ardeer, na Escócia, por Alfred Nobel, para produzir dinamite para o mercado britânico e, entretanto, expandira a actividade a outros explosivos; a designação original da empresa era Nobel Industries Ltd., mas não tinha relação com a Nobel Industrier que em 1994 deu origem à AkzoNobel.

A United Alkali Company resultara da fusão, em 1890, de 48 empresas químicas britânicas e produzia carbonato de soda, composto essencial para as indústrias do vidro, têxteis, sabão e papel. A British Dyestuffs Corporation nascera em 1919 da fusão da British Dyes Ltd. e da Levinstein Ltd. e dedicava-se sobretudo a corantes.

Anúncio à ICI, 1948: tratamentos de superfície para metais

Durante mais de 80 anos, a ICI foi a maior empresa química da Grã-Bretanha, mas o seu brilho foi esbatendo-se: em 1993, autonomizou o seu sector farmacêutico numa empresa baptizada como Zeneca (um nome “vazio”, inventado por “marqueteiros”), que em 1998 se fundiu com a Astra AB (uma empresa sueca fundada em 1913), dando origem à AstraZeneca; em 2002, foi a vez da Nobel Explosives ser vendida à japonesa Inabata; e em 2006, a Brunner Mond foi vendida ao grupo indiano Tata, que a rebaptizou como Tata Chemicals Europe. Em 2007, a AkzoNobel ofereceu 10.600 milhões de euros pela ICI, negócio que foi finalizado no início de 2008 e levou à extinção da marca Imperial Chemical Industries. Por esta altura, o Império Britânico também já só era uma recordação, embora os britânicos que votaram (maioritariamente) no Brexit estejam convencidos do contrário.