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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Do quadro e do giz às meninas do tempo. As caras da meteorologia em Portugal

Em Portugal, meteorologia e televisão uniram-se há quase 60 anos. É uma história de avanços tecnológicos, peripécias de bastidores e muitas caras -- muitas ainda presentes no ecrã, outras nem tanto.

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Que outra forma teríamos de saber o que é o anticiclone dos Açores? Ou de conhecer os efeitos das baixas pressões no tempo que vai fazer? Em Portugal, a informação meteorológica chegou à televisão em 1961, decorridos apenas quatro anos da criação da RTP. Até aí, o interesse noticioso da previsão do tempo foi pontual, quase sempre justificado pela realização de eventos importantes que dele dependessem. O compromisso entre o Serviço Meteorológico Nacional, atual Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), e o canal era explícito: a estação fornecia os meios, o serviço os profissionais, pagos a 300 escudos por apresentação, mais despesas de transporte.

Quase seis décadas depois, o formato caiu em desuso, consequência do avanço das tecnologias móveis que puseram as previsões da meteorologia, deste ou do outro lado do mundo, na ponta dos dedos. Mas a prova de quem nem sempre foi assim está na quantidade de rostos que preenchem, até hoje, a memória coletiva. Do meteorologista de fato e gravata à menina do tempo que marcou o formato já nos anos 90, a coleção pode equiparar-se a uma caderneta de cromos, sem ponta de desrespeito.

Atido ao noticiário, o boletim oscilou sempre entre o rigor e a simpatia. Por muito exata que seja a ciência em si, a forma como foi apresentada aos telespectadores não foi indiferente a tendências, muito menos às orientações de diretores, fossem de informação ou de entretenimento. A SIC aligeirou o tom e, mais do que novas caras, criou uma nova função em televisão, a do apresentador do boletim meteorológico para o estúdio. A TVI, canal de génese católica, voltou a dar palco aos meteorologistas de formação.

Nos últimos anos, o ecrã LED veio substituir as muitas ferramentas postas ao serviço da comunicação das previsões meteorológicas. Para trás ficou o chroma key, por sua vez sucessor do quadro magnético e, recuando ainda mais, do rudimentar quadro de giz. Hoje, o boletim meteorológico sobrevive na estação pública de televisão como rubrica do programa informativo “Bom Dia Portugal”.

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Anthímio de Azevedo e os anos dourados do boletim meteorológico

O reputado meteorologista não deu a cara desde o primeiro dia, mas quase. Estreou-se no grande ecrã a 1 de novembro de 1964 e por lá ficou durante cerca de três anos. O quadro era de giz e o meteorologista usava um ponteiro para indicar as figuras (desenhadas minutos antes enquanto decorria o Telejornal) que ilustravam as previsões. O aparato chegou a inspirar Raul Solnado numa das suas muitas rábulas. Quanto a Azevedo, foi o primeiro a granjear a simpatia do público. Chamavam-lhe o “explicadinho”, segundo partilhou numa entrevista dada ao jornal i, em 2013. Prever o tempo assentara até então num conjunto de preceitos populares, muitas vezes associados a provérbios. Na voz e no detalhe de Anthímio de Azevedo, a ciência entrava na casa das famílias portuguesas.

Anthímio de Azevedo a apresentar o boletim meteorológico na RTP, nos anos 60 © Captura de ecrã

À semelhança de outros colegas de profissão, chegou aos estúdios da RTP em resultado da estreita colaboração entre a estação pública de televisão e o então Serviço Meteorológico Nacional. “[…] um colega meu encarregou-se de formar um grupo. Lá detetou este e aquele e eu fui um dos chamados. Não sei porquê”, afirmou na mesma entrevista, cerca de um ano antes da sua morte.

Anthímio voltou à RTP — entre 1971 e 1977 e ainda entre 1981 e 1990 –, mas a rotatividade é bem-vinda em televisão e depois dele outras caras ingressaram na carreira e com métodos de recrutamento em tudo semelhantes. “As pessoas eram escolhidas pelo Serviço Meteorológico Nacional. Tivemos uma reunião com alguns realizadores onde foi feita uma primeira abordagem e se falou dos problemas que podiam surgir diante da câmara. Depois, fomos largados e cada um de nós ajustou-se àquele buraco negro”, recorda Manuel Costa Alves, rosto do boletim meteorológico da RTP entre 1984 e 1994, ao Observador.

Chegou um ano após a adoção do modelo do Centro Europeu de Previsão do Tempo, segundo o próprio um primeiro passo na melhoria da informação veiculada. Já não apanhou o quadro de ardósia, mas ainda trabalhou nos estúdios do Lumiar. Embora tenha sido um dos rostos da meteorologia, Costa Alves diz não guardar memórias especiais da década que passou à frente do tal “buraco negro”. Em 1994, , troca a RTP pela recém-criada TVI. Ali trabalha até 1998, juntamente com Teresa Abrantes e sob a orientação de Anthímio de Azevedo.

“Aí sim, já havia esse hábito de ajudar a pessoa a preparar-se. A informação que tínhamos também já era muito mais segura com as imagens de satélite em tempo real. E eu fazia o papel de realizador — tinha o chroma atrás de mim e o comando na mão — mesmo em direto no noticiário”, recorda ainda o meteorologista.

As primeiras meteorologistas na televisão

Foi preciso esperar até 1985 para ver uma mulher no boletim meteorológico da RTP. Teresa Abrantes fez parte do trio de estreantes, seis anos depois de ter entrado para o Serviço Meteorológico Nacional como estagiária, foi “empurrada” para a televisão. “O meteorologista Costa Malheiro, que vinha do tempo dos quadros de giz, era meu chefe e fez um convite, que acabou por ser mais um empurrão”, admite Teresa, em conversa com o Observador.

Destaca a formação garantida, na época, pelo próprio canal — dicção, respiração e projeção de voz para as jovens que assumiriam o papel de primeiras mulheres meteorologistas a chegar à antena. “Foi numa fase em que o instituto começou a ter mais meteorologistas mulheres do que homens, além de todo o movimento social pela igualdade de direitos. Acho que foi uma conjugação das duas coisas”, resume.

Teresa Abrantes durante a última passagem pela RTP © Arquivo RTP

“Não me recordo bem da primeira emissão, acho que por causa do estado de nervos”, continua a meteorologista, à semelhança de Costa Alves, já retirada do IPMA e da televisão. Recorda, isso sim, os momentos “terríveis” em que os símbolos do quadro meteorológico, na altura ímanes dispostos sobre um quadro magnético com o mapa de Portugal, escorregavam em direto. “Estava a falar da região Norte e o símbolo descia para o Sul”, completa.

Lembra-se também das escolhas de guarda-roupa. Se nos primeiros anos na RTP, a emissão passou ao lado desse tipo de detalhes, Teresa lidou mais tarde com o desconforto de entrar em estúdio com escolhas pouco consensuais. “Quando me indicavam uma determinada roupa que não combinava tanto com o meu gosto, já não ia tão satisfeita. Acontecia sobretudo com vestido, gosto muito mais de calças. E também nunca quis muitas cores”, remata.

A sua passagem pela estação pública de televisão terminou em 1990, ano em que os boletins meteorológicos passaram a fazer apenas com imagens e voz off. Em 1993, integrou a equipa de especialistas ao serviço da TVI e disse olá ao verde intenso do chroma. “Não foi uma adaptação muito fácil, mas aprendi alguns truques, nomeadamente ficar o mais afastada possível do painel para melhor disfarçar quando olhávamos para os monitores que tínhamos de lado”, explica. A passagem pela estação de Queluz de Baixo terminou em 2000. Após essa data, Teresa Abrantes regressou à RTP.

SIC, “uma lufada de ar fresco”

Em outubro de 1992, vai para o ar a emissão do primeiro canal privado em Portugal. Na antena da SIC, houve logo desde início lugar para o boletim meteorológico, separador final do Jornal da Noite. No ecrã surgiram figuras até então inexistentes, os apresentadores da meteorologia. Ana Marques e Ana Paula Félix, ambas vindas da Rádio Azul, em Setúbal, e José Figueiras. “Era jornalista na RDP e mandei a minha candidatura para a redação da SIC. Éramos quase mil pessoas, fui passando nas várias fases até que ficámos nós os três”, recordar ao Observador.

Depois da surpresa, ao saber que não era na redação do canal que se ia sentar, e de uma pequena formação, abraçou o desafio de dar ao boletim meteorológico um novo tom, mais descontraído e informal, em contraste com a linguagem predominantemente técnica dos especialistas no canal um. “Foi uma lufada de ar fresco, na altura. A informação vinha de um departamento de meteorologia em Inglaterra, tudo pronto e com as imagens de satélite, e nós só tínhamos de traduzir e de utilizar uma linguagem que as pessoas em casa entendessem, não falar em pluviosidade e baixas pressões”, comenta.

José Figueiras, entre 1992 e 1993 © Captura de ecrã

Com uma escala rotativa, durante os seis meses a apresentar o boletim, José Figueiras manteve o trabalho como jornalista de rádio. Imagens e texto chegavam pelas quatro da tarde, os três minutos de emissão eram gravados cerca de uma hora antes de irem para o ar. Sem internet, foi nos livros que procurou saber mais sobre fenómenos meteorológicos. à frente da câmara, ganhou à vontade para aligeirar ainda mais o tom. “Lembro-me de dizer: ‘Se está na região Norte, o melhor é pôr mais umas mantinhas na cama porque vai estar frio’. Ou: ‘No Alentejo, se tem cavalos, tire o cavalinho da chuva porque amanhã vai mesmo chover’. Eram coisas parvas, mas foram frases que marcaram”, prossegue.

As frases eram proferidas por um José Figueiras de 25 anos, com “cara de miúdo” e a quem as mangas dos blazer ficavam, muitas vezes, demasiado compridas. “Estava lá há uns três meses e a secretária do Dr. Balsemão disse-me que ele tinha mandado perguntar quem é que eu era. Tinha ficado admirado com o rapazinho da meteorologia”, conta ainda.

Na memória ficou também o boletim do dia 31 de dezembro de 1992. Depois do apresentador ter inventado um guião em russo, o realizador optou por escolher essa cassete para ir para o ar. A peripécia não lhe trouxe prejuízo. No ano seguinte, Emídio Rangel puxou Figueiras para o entretenimento do canal, mas não sei antes deixar um recado: “Vão entrar meninas novas, elas vão precisar do vosso apoio”.

Lembra-se das meninas do tempo?

Marcaram a televisão dos anos 90 e vieram confirmar o que, entretanto, já se suspeitava: os portugueses não precisavam de meteorologistas a detalhar o estado do tempo. A simpatia, o à vontade à frente da câmara e uma figura esbelta bastavam. As “meninas novas” de que falava Emídio Rangel eram maioritariamente modelos a apalpar terreno na apresentação: Maria João Pinheiro, Maria Gameiro, Cristina Möhler e Alexandra Fernandes.

O chroma estava no auge e os boletins abrangiam, muitas vezes, as previsões para as principais capitais europeias. De pés assentes no Norte de África, cabelos e maquilhagem no ponto e um guarda-roupa mais do que nunca sensível às tendências — assim se apresentaram as meninas do tempo até à transição para os anos 2000.

Depois da chegada triunfante do terceiro canal, em 1992, a RTP seguiu a tendência. Em meados da década, a estação pública injetava sangue novo para a grelha. O casting deu-se a nível nacional, foram selecionadas oito novas caras, entre elas Maria Vasconcelos, Adelaide Sousa, Paula Castelar e Sofia Cerveira. “Já tinha experiência em estar em frente a uma câmara, porque trabalhava muito como modelo para publicidade. Lembro-me que, na altura, tirámos um pequeno curso no instituto, onde aprendemos a analisar e a interpretar as cartas”, conta Sofia Cerveira ao Observador.

Sofia Cerveira chegou à RTP em meados dos anos 90 © Captura de ecrã

O boletim meteorológico da RTP foi a rampa para iniciar uma carreira como apresentadora, mas também um lugar solitário. “Apresentávamos algumas vezes por mês e nunca nos cruzávamos. Estávamos sozinhos a apresentar. Recebíamos a informação do IPMA, interpretávamos a carta e havia coisas que tínhamos de referir, claro. Explicávamos porque é que o anticiclone dos Açores estava a influenciar o tempo. Acho que a forma como nos dirigíamos e a leveza que trazíamos ao formato é que fazia a diferença”, conclui.

Em 1997, Sofia fez um caminho semelhante ao de tantos outros colegas de profissão — deixou o boletim e tornou-se apresentadora no segmento do entretenimento, no caso com o concurso “Os Reis do Estúdio”. Na memória ficaram, além das peripécias entre a câmara e o chroma, os telefonemas diários das amigas. Todas queria saber como é que ia estar no tempo no dia seguinte.

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