Faltavam poucos minutos para as dez da noite quando uma das trabalhadoras de uma loja de roupa interior se preparava para recomeçar o trabalho. Enquanto entrava, já dentro do Almada Fórum, ouviu tiros. No total, três disparos. E deu conta de que começava uma enorme confusão à sua volta, com muitas pessoas a correr. Nesse momento, uma das balas atingiu, de raspão, uma criança de cinco anos. Ferida, a criança foi então levada pela família, que se encontrava ali às compras este sábado, para dentro da loja onde esta mulher trabalha.
“A família estava no centro comercial a fazer compras e foram apanhados no meio da confusão. A criança ficou aqui até chegar a ambulância para ser levada para o hospital. A polícia não deixava ninguém sair”, contou a trabalhadora que não quis ser identificada. Nervosa, a criança chorava enquanto esperava pela ambulância. Quando a ajuda médica chegou, a criança foi de imediato transportada para o Hospital Garcia de Orta, também em Almada. Mais ninguém precisou de assistência médica.
Tiroteio no Almada Fórum. Menina de cinco anos ferida no joelho
Lá fora, tudo tinha começado com o som de louça a partir-se e gritos vindos da zona da restauração, sons que clientes e lojistas do Almada Fórum que falaram ao Observador dizem ouvir muito raramente. Mais do que isto, conta quem andava pelo centro comercial este domingo, nunca aconteceu. Ou melhor, nunca tinha acontecido — até este sábado.
Ninguém estava à espera de tiros e, por isso, as reações foram várias. “Achei que tinha caído uma cadeira”, contou uma das lojistas que trabalha ali há cerca de cinco anos. Outra pensou que “era mais uma coisa a partir-se no piso da restauração, como é habitual”. Mas não era. E veio o segundo disparo. “Só aí é que percebi que era mesmo um tiro. Nunca tinha ouvido nenhum. Quando saí da loja para ver o que se passava, estava toda a gente a correr para dentro das lojas”, acrescentou.
A arma foi disparada no rés do chão, mesmo na entrada principal do centro comercial. Uma das balas parou no vidro do elevador, junto das escadas rolantes que dão acesso ao primeiro piso, que ficou completamente estilhaçado e, no meio da confusão, uma das três balas disparadas atingiu então, de raspão, a perna de uma criança de cinco anos.
Logo depois de se ouvirem os disparos, os seguranças do centro comercial deram ordens para o encerramento de todas as lojas e todas as grades automáticas fecharam-se de imediato. Lá dentro, além dos lojistas, ficaram os clientes que encontraram um porto de abrigo nas lojas. “Um momento de pânico, as pessoas não sabiam para onde ir, começaram a ver a polícia. Isto parecia um filme, porque ninguém sabia o que ia acontecer. Alguns clientes pediram para subir as grades, porque queriam sair e nós não podíamos fazer nada, tínhamos de deixá-los sair.”
Durante cerca de uma hora, as pessoas que ficaram dentro das lojas viram os seguranças e os agentes da PSP, vestidos com coletes à prova de bala. E, rapidamente, várias fotografias e vídeos começaram a circular pelas redes sociais. A zona onde aconteceram os disparos foi vedada, para que os possíveis suspeitos não pudessem fugir para outras zonas e a circulação entre os três pisos daquele centro comercial também foi proibida.
Polícia Judiciária confirma desentendimentos entre dois grupos
Depois da confusão e do pânico, as autoridades anunciaram que já não existia perigo e que as lojas poderiam regressar ao seu normal funcionamento – houve quem decidisse reabrir, outros não quiseram por considerarem que não estavam reunidas todas as condições. Aliás, a PSP chegou logo a reter o suspeito de ter disparado a arma ainda no local.
E a Polícia Judiciária confirmou, já este domingo, em comunicado, que o homem foi detido e será presente no Tribunal Judicial da comarca de Almada na segunda-feira para conhecer as respetivas medidas de coação. As suspeitas são a “prática de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, que visaram um homem e uma mulher”.
“O suspeito disparou em direção às duas vítimas, só não as tendo atingido por factos alheios à sua vontade”, lê-se no comunicado.
Entre os tiros, a detenção e o regresso à normalidade passou cerca de uma hora. Não houve tempo para que as pessoas que estavam no Almada Fórum percebessem exatamente o que motivou os disparos. E, por isso, logo começaram a circular versões daquilo que poderia ter acontecido. “Há duas versões: uma é que tentaram assaltar uma ourivesaria, outra versão é que foi uma rixa”, contou outra lojista que, tal como as anteriores, preferiu o anonimato. Estas duas versões são contadas por várias pessoas, mesmo por quem não presenciou e apenas ouviu a história contada por amigos. Aliás, enquanto uma das trabalhadoras recordava o que aconteceu este sábado à noite, uma cliente interrompe: “Uma amiga ligou-me quando começaram aos tiros. Disse que estava toda a tremer”.
Ao Observador, fonte da PJ confirmou que se tratou de um desentendimento entre dois grupos e adiantou que os desacatos entre as pessoas envolvidas não são recentes e, portanto, terá sido uma continuação de discussões antigas. Além disso, o suspeito detido terá sido o único autor dos disparos. De resto, as autoridades recolheram informações no local, como os invólucros das balas disparadas e estão ainda a investigar o caso para perceberem quais os motivos dos desentendimentos.
Ainda assim, quem trabalha no Almada Fórum tem mais um elemento a acrescentar: “É comum estes grupos passarem aqui à sexta-feira e ao sábado à noite, às vezes ao domingo. Nós já sabemos quem são. Às vezes há confusão, ouve-se um grito, ou outro, mas os seguranças aparecem logo e aquilo fica por ali”.
Um regresso muito rápido à normalidade
Mesmo depois de as autoridades garantirem que já não existia perigo, as pessoas começaram a ir embora e poucas sobraram para ocupar as lojas que decidiram manter as portas abertas até ao horário normal de encerramento. Mas este domingo, poucas horas depois dos disparos, a circulação de clientes era semelhante a um domingo normal.
PJ detém suspeito de tiroteio no Almada Fórum por tentativa de homicídio qualificado
Alguns clientes, que ouvem conversas sobre o assunto, assumem que nem sequer sabiam o que tinha acontecido dentro daquele espaço e dizem nunca ter ali presenciado qualquer forma de violência: “Não vejo notícias, não sabia, mas sou cliente desde que isto abriu e nunca ouvi tal coisa”.