Apoios pagos pelas empresas para cobrir os custos do teletrabalho (e que estão isentos de impostos e contribuições sociais). Ou uma clarificação na lei para definir que cabe aos empregadores assegurar os equipamentos e o pagamento dos custos inerentes ao trabalho à distância (como eletricidade e internet). E se tiver um acidente em casa? Na Áustria, não há dúvida que é acidente de trabalho. Com a chegada da pandemia, “muitos países procuraram encorajar” o recurso ao teletrabalho através de alterações, sobretudo temporárias, à lei, conclui a OCDE no mais recente “Employment Outlook”, divulgado esta quarta-feira. Mas uns foram mais longe do que outros na definição dos direitos e dos deveres de um lado e de outro.

A opção pelo teletrabalho generalizou-se no início da pandemia, com os países a adotarem diferentes estratégias. Países como Itália, Grécia ou Hungria deram ao empregador o poder de impor o teletrabalho “unilateralmente” durante a pandemia. Ao mesmo tempo, no caso específico de Itália e da Grécia, foi concedido o direito “temporário e incondicional” aos funcionários de aderirem àquele regime, caso o seu trabalho pudesse ser prestado à distância — em Espanha este direito era acessível a estudantes e vítimas de violência de género.

Já Portugal, ao lado da Bélgica, foi mais longe e impôs o teletrabalho obrigatório para todas as funções que o permitem durante grande parte da pandemia mesmo sem acordo entre as partes (atualmente, é obrigatório apenas nos concelhos de maior risco e recomendado para os restantes). E se em países como a República Checa, México ou Suíça, o acesso ao teletrabalho é atirado “por completo” para os contratos individuais ou coletivos, noutros, como na Bélgica, França, Alemanha, Japão ou nos EUA, os trabalhadores não podem fazer essa exigência. Ou ainda que o façam, o empregador tem “motivos ilimitados” para recusar.

Obrigatório ou não, uma das questões que o teletrabalho mais tem levantado no último ano está relacionada com os custos: afinal, quem deve pagar o aumento das despesas com luz, internet ou água? No caso português, o Governo já empurrou para a negociação coletiva o cálculo dessas compensações, embora no Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho defina que é preciso “afastar o acréscimo de custos do teletrabalho para os trabalhadores“. A lei, tal como está desde 2003, define que o empregador deve “assegurar as respetivas instalação e manutenção” dos instrumentos de trabalho (“respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação”) e “o pagamento das inerentes despesas”. Quais despesas? A lei não refere. Vários partidos já avançaram com propostas para definir quem paga o quê, mas os projetos de lei estão ainda na Assembleia da República: baixaram à comissão sem votação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Teletrabalho. Debate acentua diferenças, mas partidos tentam convergir: propostas baixam à especialidade sem votação

Nalguns países, a batalha dos custos do teletrabalho acabou em tribunal — e a razão ficou do lado dos trabalhadores

Em matéria de apoios financeiros à transição para o teletrabalho, o Japão e a Alemanha “reembolsaram parte dos custos das empresas”, escreve a OCDE, enquanto que a Bélgica permitiu que os empregadores concedessem um apoio isento de impostos e Segurança Social para cobrir os custos relacionados com o regime. Aliás, a Bélgica, a França, a Alemanha, o Luxemburgo e os Países Baixos celebraram acordos fiscais “para permitir que os trabalhadores transfronteiriços que trabalham a partir de casa continuem a ser tributados no país de trabalho e não no de residência”.

Também o México, em janeiro deste ano, aprovou legislação que introduz a obrigatoriedade de os empregadores detalharem as condições do teletrabalho nos contratos e que estabelece “as responsabilidades dos empregadores em matéria de equipamento e custos (como eletricidade e internet)”. A lei também versa sobre o direito à privacidade e o direito a desligar.

O tema dos custos do teletrabalho foi também alvo de alterações legislativas noutros países — segundo a OCDE, nalguns casos depois de decisões de tribunais. Em 2020, num processo que teve início já no pré-pandemia, o Supremo Tribunal Federal da Suíça deu razão a uma trabalhadora que exigia o pagamento pela entidade patronal dessas despesas. De acordo com a OCDE, decisões semelhantes foram determinadas na Califórnia — em que empregadores foram obrigados a reembolsar uma percentagem “razoável” das despesas com telefone e internet — e no Canadá — onde o governo criou a possibilidade de os teletrabalhadores deduzirem despesas ao IRS.

Já a Áustria deu resposta (pelo menos, temporariamente) a uma questão também levantada em Portugal — e que alguns especialistas em direito laboral dizem já estar salvaguardada na lei portuguesa: e se tiver um acidente em casa, onde está a cumprir o teletrabalho? O governo austríaco clarificou na lei que os acidentes ocorridos em teletrabalho “são classificados como acidentes de trabalho e cobertos pelos seguros de acidentes de trabalho”.

Mas além de medidas temporárias, houve países que foram mais longe e começaram a delinear, nalguns casos em conjunto com os parceiros sociais, alterações mais permanentes à lei fora da pandemia. Aliás, a Áustria, em abril deste ano, criou legislação que obriga à especificação das condições de acesso ao teletrabalho em acordos individuais ou coletivos, assim como das responsabilidades do empregador e do trabalhador em relação aos meios de trabalho, à saúde e segurança.

Nessa mesma lei, a regulação da cobertura dos acidentes de trabalho passou de temporária (ligada só à pandemia) a permanente, mas estabeleceu que apenas se aplica a acidentes na casa do trabalhador, o que exclui outros locais onde este preste trabalho remoto. No caso alemão, está a ser discutida legislação para introduzir, entre outros aspetos, o direito do empregado solicitar o teletrabalho (os empregadores teriam de fundamentar a recusa) e um seguro de acidentes específico para o trabalho remoto.

“A experiência generalizada do teletrabalho em massa tornou a questão particularmente importante para os reguladores e o público em geral, nomeadamente no que toca ao risco de intensificação [do horário] de trabalho, a degradação do equilíbrio entre a vida profissional e familiar e a indefinição das fronteiras entre os horários laborais e não laborais e os espaços de trabalho e da esfera privada dos trabalhadores”, refere a OCDE.

É por isso que se o “direito a desligar” já estava inscrito nas leis de alguns países antes da pandemia, como em França e no Chile, o tema começa agora a ser discutido noutros países e entidades (nomeadamente em Portugal, com o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho). A OCDE lembra que, em janeiro de 2021, o Parlamento Europeu pediu à Comissão Europeia que apresentasse uma lei que regule o direito do trabalhador a “desligar digitalmente do trabalho durante as horas não laborais sem quaisquer consequências e que estabelecesse normas mínimas para o trabalho remoto”.

Em Portugal, o teletrabalho já estava previsto na lei desde 2003, mas em condições diferentes às que o Governo aplicou durante a pandemia — presumia acordo entre as partes, exceto no caso de trabalhadores com filhos até três anos de idade (que podem impor o teletrabalho sem aval do empregador). Em muitos outros países, a lei também já versava sobre este regime com foco na conciliação entre vida familiar e profissional. Por exemplo, em 2014, a Polónia começou a pagar apoios às empresas que criassem postos de trabalho remotos para pais com filhos menores de seis anos, ou para progenitores que se tivessem demitido de outro emprego para tomar conta dos filhos.

Ainda assim, apesar de já estar previsto, o teletrabalho estava longe de ser a regra. Em 2015, por exemplo, apenas 3% dos empregados da OCDE trabalhavam “regularmente” a partir de casa e 10% faziam-no “ocasionalmente”, refere a organização.

Número de pessoas desempregadas há mais de seis meses mais do que duplicou num ano

Teletrabalho à parte, o mercado de trabalho continua “vulnerável”. Portugal viu o número de pessoas desempregadas por um período entre os seis e os 12 meses mais do que duplicar no quarto trimestre de 2020 face ao mesmo período do ano anterior, à semelhança do que aconteceu com a média dos países da OCDE. Isto apesar de muitos países terem adotado mecanismos de apoio ao emprego, como Portugal fez com o layoff simplificado ou o seu sucedâneo, o apoio à retoma progressiva. Uma das explicações é o facto de “muitas das pessoas” atualmente desempregadas ter suspendido a procura de empresa “por vários motivos relacionados com a pandemia”.

Em Portugal, é considerado desempregado de longa duração quem não tenha trabalho há mais de 12 meses. A OCDE não refere especificamente o caso português, mas mostra preocupação em termos genéricos para todos os países analisados, referindo que o aumento dos desempregados entre 6 e 12 meses já é um “forte indicador” de como o desemprego de longa duração “vai em breve subir”. E isso pode ser um obstáculo à recuperação económica. É que se curtos períodos de desemprego “não causam grande preocupação”, “sobretudo quando os desempregados estão cobertos por esquemas de apoio ao desemprego ou outras formas de apoio financeiro”, os períodos mais prolongados “são mais problemáticos”.

“Além das dificuldades financeiras, e do stress mental e material que as acompanha, o desemprego de longa duração pode ‘marcar’ [o trabalhador] e impedir as perspetivas de emprego futuro.” Segundo a OCDE, vários estudos já se debruçaram sobre a empregabilidade dos desempregados de longa duração, concluindo que estes têm, tendencialmente, mais dificuldades em ser contratados do que quem perdeu o emprego há pouco tempo. Uma das razões é o “estigma associado a períodos prolongados de desemprego”.

A OCDE espera, porém, que desta vez o estigma, ainda que existente, seja mais moderado. “No clima económico atual”, o desemprego é “sobretudo reflexo dos limites excecionais à atividade económico e das dificuldades financeiras de muitos empregadores e não da qualidade do trabalho dos indivíduos que foram dispensados”. Como resultado, “o estigma associado ao desemprego de longa duração pode ser moderado no contexto do choque externo da Covid-19”.

A OCDE procurou ainda avaliar quais as profissões mais afetadas pela pandemia. Um dos indicadores usados foi o número de horas trabalhadas — que, em muitos casos, foram reduzidas a zero, mantendo o trabalhador o vínculo à empresa. De acordo com a organização, foram as profissões mais mal pagas as que mais sofreram nos primeiros meses da crise, com destaque para Portugal e Espanha. Os dois países viram o número de horas trabalhadas cair cerca de 40% em 2020 face ao ano anterior nestes postos de trabalho de baixa remuneração.

“As profissões de baixa remuneração sofreram um duro golpe nos primeiros meses da crise. De facto, a redução média de horas nessas profissões, em toda a OCDE, foi de 28% o que excedeu a redução registada nas profissões com salários mais elevados em mais de 18 pontos percentuais. Em países como Portugal e Espanha, estes empregos de baixos salários viram as horas diminuírem mais de 40% quando comparado com o ano anterior”, conclui a OCDE.

A recuperação foi também mais difícil nestes empregos. No terceiro trimestre de 2020, o número de horas trabalhadas nas profissões bem pagas já estava praticamente nos níveis pré-pandemia, mas nos empregos mal pagos o valor ainda estava 10% abaixo do registado em 2019.

De 0 a 25. Quem dá mais dias de férias?

Segundo o “Employment Outlook”, os portugueses têm 35 dias por ano de “férias” —  22 de férias efetivamente pagas e 13 feriados nacionais (a contabilização ignora, contudo, os feriados que calham a um fim de semana). É, assim, o quarto país da OCDE com mais dias de descanso, um lugar que ocupa com países como o Luxemburgo ou a Suécia.

Olhando apenas para os dias de férias pagas (pelo menos 22), Portugal compara bem se o termo de comparação for os EUA, onde a lei não determina um limite mínimo, ou o México, que concede seis dias. Mas situa-se ainda longe de vários países europeus, como França, o Luxemburgo ou a Suécia, que dão 25 dias.

Ainda assim, está em linha com “a maioria” dos Estados-membros da UE — está, por exemplo, ao lado de Espanha. Já na Alemanha, o mínimo legal são 20 dias, mas, segundo a OCDE, a média dos contratos coletivos é de 30 dias fora do trabalho.