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HUGO AMARAL/OBSERVADOR

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Duas gerações à conversa. A tua vida é melhor do que a minha?

Casamento, casa própria, filhos e trabalho para a vida. Será que tudo isto é coisa do passado? Convidámos duas mulheres, de 30 e 57 anos, a ilustrar o que se ganhou e se perdeu em quatro décadas.

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Geração Y e Baby Boomer frente a frente

“Aos 30 anos achava que já ia estar casada, com um emprego estável e uma casa própria.” É Reinalda Salgado quem arranca a conversa sem demoras. Na ponta da língua estão inúmeras perguntas à espera de respostas que lhe possam servir de orientação — Reinalda está desempregada e vive há 10 anos em Lisboa numa casa arrendada com mais quatro pessoas, duas delas em constante rotação. Do outro lado da mesa está Alice Donat Trindade. Aos 57 anos, é mãe de dois filhos já crescidos, proprietária de uma casa e dona de uma carreira académica que transpira sucesso — atualmente é vice-presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa.

Uma representa a geração Y (pessoas nascidas nas décadas de 1980 e 1990), a outra encaixa na faixa etária dos Baby Boomers (uma expressão associada ao aumento de natalidade pós-guerra entre 1946 e 1964 nos EUA e Reino Unido). Uma nasceu numa época onde é comum prolongar os anos de estudo e tentar a sorte num mundo profissional onde há 12,4% de desempregados, a outra foi adolescente em plena ditadura e poderia ter tido um trabalho para a vida, se assim o quisesse.

Sentar duas gerações à mesa para falar da vida pessoal e profissional de cada uma não é coisa que aconteça todos os dias. Mas o convite — inspirado no artigo que o britânico The Guardian publicou em meados de março — tem razão de ser: comparar vidas e oportunidades com quase 30 anos de diferença.

"Tinha ideia que os nossos pais herdavam imóveis. A minha mãe já não comprou [casa] e eu já não vou herdar nada. Agora é arrendar. Sinto que antigamente as pessoas trabalhavam para ter um património."
Reinalda Salgado, 30 anos

Dos dois lados da mesa estão duas pessoas com percursos muito diferentes. Reinalda Salgado, de 30 anos, é natural da Figueira da Foz e nasceu numa família que diz ser “destruturada”. Fez um percurso académico algo comum ao da maioria das pessoas: estudou Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, fez Erasmus na Eslovénia e, já em Portugal, estagiou seis meses na Sephora. Ainda passou pela Nintendo, em Espanha, ao abrigo do programa de estágios INOV Contacto e, de volta a Lisboa, acabou por ficar quatro anos na marca de luxo Dior, sempre com contratos temporários. Quando poderia passar a efetiva, a empresa fechou-lhe a porta.

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Alice Trindade, por sua vez, nasceu em 1958, ano marcado pela campanha de Humberto Delgado. É natural do Porto e filha de pai catalão e mãe portuguesa. Tinha perto de 15 anos quando aconteceu o 25 de abril, vem da classe média e de uma família que sempre valorizou a educação. Antes de haver Eramus nas universidades estudou fora do país — oito meses em Inglaterra e outros seis na Alemanha — e ingressou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Casou aos 26 anos e já de anel no dedo mudou-se para Lisboa.

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O mito do património e as licenciaturas aos molhos

“Com 26 anos estava longe de me casar”, atira Reinalda num tom jocoso, que de imediato questiona se Alice herdou ou comprou a casa onde atualmente vive. “Neste momento tenho uma casa própria. Fui comprando-a, mas isto só foi possível no fim do período inflacionário”, responde a académica que até há bem pouco tempo era apenas uma professora de inglês descontraída e de sotaque assumido. “Tinha ideia que os nossos pais herdavam imóveis”, continua Reinalda. “A minha mãe já não comprou [casa] e eu já não vou herdar nada. Agora é arrendar. Sinto que antigamente as pessoas trabalhavam para ter um património.”

Património. A palavra parece ter caído em desuso, sobretudo para quem pertence à geração que cresceu lado a lado com o boom da tecnologia e do consumismo, e para quem, tal como Reinalda, ingressou na faculdade a ansiar por uma carreira sem solavancos. Alice Trindade mete o dedo na ferida, mesmo estando à frente de uma instituição académica: “A educação é um bem posicional. Eu tinha uma licenciatura num momento em que ninguém tinha. A licenciatura e o mestrado que veio a seguir eram muito valorizados. Na altura, quando mudei de cidade, nem me preocupei em arranjar emprego.”

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Pressão social, antes e depois

Reinalda vai acenando em tom afirmativo e segue o discurso com toda a atenção. O olhar está focado naquela que poderia muito bem ser sua mãe e revela uma sensação de admiração porque, mesmo sendo quase 30 anos mais velha, Alice Trindade construiu uma vida digna de inveja. Daquelas que, hoje, são difíceis de ter ou manter.

“Quando é que foi mãe?”, interroga a jovem, quase como quem quer saber se ainda vai a tempo de passar por essa etapa. “Foi tudo muito rápido”, começa por responder a professora. “Oficialmente casei-me a 21 de janeiro de 1985 e o meu filho nasceu exatamente um ano depois. Já a minha filha nasceu a 1 de abril de 1988. Fui mãe aos 27 anos. Foi planeado.” Reinalda reage de imediato: “Casou-se por pressão social?”. “Não havia pressão nenhuma”, diz Alice, para depois se desdizer. “A minha relação implicou uma mudança de cidade. Toda a gente ficava mais descansada se vivêssemos casados. Nesse aspeto sim, houve pressão. Para mim não fazia qualquer confusão.”

"A minha mãe ainda me pressiona com o emprego para a vida e isso já não existe. Até acho que estar quatro anos numa empresa é um achado."
Reinalda Salgado, 30 anos

“A minha mãe ainda me pressiona com o emprego para a vida e isso já não existe”, lamenta Reinalda. “Até acho que estar quatro anos numa empresa é um achado. E sinto que, por isso, estagnei enquanto o mercado avançou. Parece que fiquei numa redoma.” Para a mãe de Reinalda, o ideal até passaria por regressar à terra onde nasceu, encontrar um trabalho fixo, ainda que longe das suas ambições pessoais, e usufruir do conforto de uma vida com a família ali por perto. Mas ela não desiste. Atualmente desempregada, Reinalda diz estar a apostar na sua formação no CENJOR — o Centro Protocolar de Formação para Jornalistas — e que ainda tem tempo para parar e pensar.

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Uma geração mais egoísta?

Enquanto Reinalda Salgado ganha coragem para voltar à saga de mandar currículos (quase sempre) não correspondidos, Alice Trindade revela que atualmente está no terceiro trabalho a tempo inteiro — fora pequenos biscates antes de entrar no universo académico — numa carreira de décadas. “Estou no ISCSP há 16 anos. Saí de locais onde podia ter ficado. Não tive trabalho para a vida por opção própria e tenho uma vida profissional de 34 anos, sempre no ensino.”

Perante isso, a jovem mulher de cabelos longos e escuros — sempre de sorriso pronto no rosto — confessa que, na verdade, trabalha desde o décimo ano de escolaridade e recorda os muitos domingos em que ia trabalhar para uma loja da Parfois (marca portuguesa de acessórios de moda), enquanto os restantes amigos faziam programas para gastar a mesada. “Nunca tive mesada.” A ideia de sacrifício estende-se ainda ao momento em que veio estudar para Lisboa: “Eu fui para a residência Maria Beatriz, em Chelas, onde partilhava um quarto com uma menina. As minhas amigas também vieram para Lisboa e os pais arranjaram-lhes um quarto. Para a minha geração sinto-me uma lutadora”, diz, sem desfazer quem teve apoio emocional e financeiro para fazer uma mesma viagem (e quem não tem possibilidades para isso).

"Não sei qual é a causa, mas sei que neste momento há muitas pessoas perdidas. Talvez seja porque estamos a viver uma mudança social grande. Antes havia percursos de vida traçados e, agora, esses mesmos percursos esfumaram-se."
Alice Trindade, 57 anos

“Não sei qual é a causa, mas sei que neste momento há muitas pessoas perdidas. Talvez seja porque estamos a viver uma mudança social grande. Antes havia percursos de vida traçados e, agora, esses mesmos percursos esfumaram-se”, comenta Alice Trindade com conhecimento de causa, não só pelos muitos alunos com quem se cruza diariamente, mas também pelos amigos dos filhos que ainda agora começaram a vida adulta. É nesta fase que entra no debate um sentimento que pode estar associado à geração Y (embora cada caso seja um caso) — o “direito a ter”.

“Pessoalmente, não sinto isso. Mas sinto-o na minha geração e nos mais novos — ao não terem coisas sentem-se desfasados”, atira Reinalda, fazendo um percurso mental pelas pessoas que conhece da sua faixa etária. “Não sinto necessidade de ter um iPhone, um iPad e um iBook…” Sobre isso, a professora universitária recorda que mudanças económicas geram, por norma, mudanças sociais, e interroga-se sobre a capacidade de sacrifício de algumas pessoas: “Às vezes brinco que a minha casa deve ser das poucas casas de família que tem apenas uma televisão.”

Reinalda Salgado vai mais longe e admite cruzar-se com muitas pessoas da sua idade que não querem ser pais por uma questão de conforto: “Sinto que na geração da minha mãe havia sacrifício até pelos filhos. Hoje não. Vive-se um egoísmo brutal. Conheço pessoas da minha geração que não querem ter filhos porque não querem partilhar.” A jovem não esconde que quer ser mãe, mas entre o desejo e a sua concretização está um “gap enorme” que a faz questionar quando é que terá disponibilidade financeira e emocional para essa aventura. Olhando para a taxa de natalidade em Portugal também de um ponto geracional, a queda é acentuada: 24,1% em 1960 e apenas 7,9% em 2014.

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Redes pouco sociais

A realidade das duas mulheres, de 30 e 57 anos, é bastante diferente, mas as mentalidades não estão longe de um mesmo ideal. Prova disso é o relacionamento complicado que ambas têm com as redes sociais. Se por um lado Alice atira que ter 400 amigos no Facebook não quer dizer nada, por outro Reinalda afiança que a interação virtual permite uma falha de interpretação entre o que se diz e o que se quer dizer.

“Tudo o que é feito é reportado e está no domínio público. O domínio público é inimigo dos sentimentos íntimos”, diz a professora. “Os relacionamentos estão mais perto do século XIX”, continua. “Antigamente as pessoas conheciam-se à distância e tinham um contacto muito mediado. Hoje em dia parece que não há disponibilidade para sair, para passar uma tarde inteira a falar.”

"Tudo o que é feito é reportado e está no domínio público. O domínio público é inimigo dos sentimentos íntimos. Hoje, os relacionamentos estão mais perto do século XIX. Antigamente as pessoas conheciam-se à distância e tinham um contacto muito mediado. Hoje em dia parece que não há disponibilidade para sair, para passar uma tarde inteira a falar."
Alice Trindade, 57 anos

Quem fala em relações sociais, fala também em relações familiares, nomeadamente entre pais e filhos (neste caso, filhas). Reinalda adianta-se e volta a repetir a ideia de que não teve ou tem uma família estruturada, mas sim forte em carinho. Já Alice recorda-se do pai elogioso — a contrariar o costume português em resfriar os elogios — e admite que houve momentos embaraçosamente bons. Note-se que o caso de Alice Trindade não é dos mais habituais, sobretudo quando Reinalda faz a ressalva de que a sua mãe cresceu com um pai mais apto a destacar o que estava mal do que o que estava bem. “A minha mãe sofreu na pele isso do ‘não vales nada’.”

De lá para cá muita coisa mudou na dinâmica familiar, com os pais cada vez mais disponíveis e preocupados com os seres humanos que trazem ao mundo. Mas tudo o que peca por excesso também se põe a jeito para uma reprimenda. E é Reinalda quem a faz, ao reparar que, considerando a próxima geração, “há pais que querem ser os melhores amigos dos filhos”. A isso associa a pressão da idade e o facto de as pessoas, no geral, quererem ser eternas crianças. “Tenho medo de assumir determinadas responsabilidades porque me conferem um caráter mais velho. Inconscientemente opto por ter atitudes mais joviais e fico toda contente quando me dizem que pareço mais nova”, admite a rapariga que este ano completa 31 anos de idade.

Mas será que esse medo de envelhecer, de perder a jovialidade, não se deve ao facto de, hoje em dia, ser mais difícil subir a escada do sucesso (financeiro e pessoal)? É provável que sim, no entanto, é Alice Trindade quem remata o que Reinalda começou energeticamente: “Não estou a dizer que é divertido envelhecer, mas ao menos quer dizer que chegámos lá” — com ou sem casa própria, com ou sem trabalho para a vida.

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