A ideia não é original, mas a sua aplicação generalizada ainda é uma utopia. Todavia, para Isabel Ucha, administradora da Euronext Lisbon, a utilização da felicidade como indicador económico constitui uma solução que deveria ser posta em prática por todos os países em detrimento da relevância atribuída ao produto interno bruto (PIB). Nas palavras da economista, que preside à Interbolsa e integra o managing board da Euronext NV, o uso reiterado do PIB como principal indicador deixa-lhe “alguma frustração, porque não cobre áreas da vida das pessoas que lhes trazem muita felicidade ou muita infelicidade”. Em alternativa, durante a quinta entrevista da série 5 Great Things Talks defendeu que seria vantajoso que “os políticos passassem a ter objetivos para a felicidade nacional bruta e não exclusivamente para o produto interno bruto”.
À semelhança de todas as entrevistas decorridas no âmbito da iniciativa 4Leaders, também nesta se procurou saber qual a maior realização da vida da economista, tanto a nível pessoal como profissional. Sem hesitar, explicou que a sua maior realização é “o caminho percorrido até aqui”, o qual implicou sempre, como explicou, “um equilíbrio que é difícil de gerir todos os dias”. Comparando-se a um trapezista que vai seguindo na vida a exercitar esse equilíbrio, enumerou as inúmeras atividades profissionais que foi sempre mantendo e que conciliou com a família: “Sempre tive atividade profissional em diversas empresas públicas e privadas, como economista e gestora, a qual tive de ir sempre equilibrando com a minha atividade académica, porque gosto muito de ensinar e já o fiz durante 30 anos em diversas matérias, sempre ligada à Universidade Católica.”
O exemplo de Theodore Roosevelt
Questionada sobre uma grande figura da história que considere inspiradora, Isabel Ucha apontou Theodore Roosevelt, presidente dos EUA entre 1901 e 1909. O motivo da escolha prende-se com a forma como esta figura conseguiu enfrentar os inúmeros desafios complexos com que se deparou, alguns dos quais “semelhantes aos desafios que enfrentamos hoje”. “Foi presidente dos EUA numa época em que a vida era extraordinariamente confusa, mas desafiante ao mesmo tempo”, referiu, enumerando o aparecimento dos primeiros carros, a eletricidade e o desenvolvimento das comunicações. Ou seja, “foi uma época de grande evolução, de grande inovação, mas também de mudanças profundas na forma como a sociedade estava organizada e ele soube ter a clarividência de perceber quais eram os aspectos fundamentais que precisavam de ser endereçados”, justificou, acrescentando que Theodore Roosevelt “soube reinventar a função de presidente”. “Hoje em dia, acho que também precisamos de reinventar a função dos políticos e da política em geral para endereçar os problemas das pessoas”, sustentou.
Compreender as crises financeiras
Continuando no seu âmbito de especialização, também o livro selecionado por Isabel Ucha é oriundo da sua área profissional. “This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly”, da autoria de Carmen M. Reinhart e Kenneth S. Rogoff, foi a obra escolhida, que leu pela primeira vez no final de 2008, no eclodir da catástrofe financeira então vivida. Esta foi uma crise que a surpreendeu: “Não estava à espera que com tanto conhecimento, tanta informação, numa época em que a ciência económica e financeira está já tão avançada, fosse possível que tantas pessoas com tanta formação cometessem tantos erros.”
Apesar de ter lido muitos outros livros sobre o tema – como “Tulipmania”, de Anne Goldgar ou “The Great Crash, 1929”, de John Kenneth Galbraith – considera que “This Time is Different” é “especial”, porque “os dois autores foram fazer o levantamento de 800 anos de crises, de bolhas especulativas, e perceber o que é que têm em comum”. E a verdade é que se fica com uma ideia do que leva a que estas recessões aconteçam, revela:
A analítica e a humanidade
As capacidades trazidas pela analítica são algo que deixa Isabel Ucha “todos os dias perplexa”, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de “tratar grandes volumes de informação e de como isso pode vir a alterar a vida das pessoas”. Em concreto, durante a entrevista conduzida por Luísa Aguiar, do SAS Portugal, explicou que a sua maior expectativa centra-se no “impacto em termos de potenciar a melhoria do diagnóstico, tratamento e saúde das pessoas”. Por outro lado, reconhece igualmente “as possibilidades que a partir daí advêm de melhorarmos a própria capacidade humana”. “Tudo isto tem uma potencialidade que vai além daquilo que é o nosso imaginário sobre expandir a capacidade das pessoas, modificar as suas características e até onde é que isto nos pode levar”, sublinhou.
A partir desta reflexão, a entrevistada chegou à escolha da grande palavra para o futuro: humanidade. E justifica a opção com uma pergunta: “Se o ser humano está neste momento confrontado com a possibilidade de vir a transformar-se – quer por via genética quer por via de capacidades adicionais mecânicas – se podemos começar a conviver com alguns robots – que, dotados de inteligência artificial ou da capacidade de tratar muitos dados, de aprenderem com a informação e com a utilização que vai sendo feita dos mesmos – começarmos a interagir também com estas máquinas que se tornam quase humanos, o que é que tudo isto vai fazer da nossa humanidade?” No fundo, sintetizou, “o desafio é como é que podemos garantir que a humanidade e os seres humanos vão continuar a dominar este mundo com características tão diferentes”.
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