Domingo, 18 de fevereiro, congresso do PSD em Lisboa. Assunção Cristas chegou ao pavilhão da antiga FIL, em Lisboa, e a primeira coisa que fez quando as câmaras e os microfones saltaram na sua direção foi nada mais do que um elogio a Pedro Passos Coelho. “Creio que é importante neste momento de mudança de ciclo sublinhar uma palavra de grande apreço, de reconhecimento e de agradecimento ao doutor Pedro Passos Coelho por todo o trabalho que desenvolveu na liderança do anterior Governo”, disse. Mas aquele domingo era dia da entronização de Rui Rio na liderança dos sociais-democratas, por isso a líder do CDS absteve-se de fazer mais comentários. A não ser no fim, onde, medindo bem as palavras, valorizou a “convergência de pensamento” com Rui Rio, notando a “coincidência” entre os temas e “preocupações do dia-a-dia” ali levados pelo novo presidente do PSD e os temas que, “desde há dois anos a esta parte”, o CDS tem levado a debate. Era o tiro de partida para o que se seguiria três semanas depois, em Lamego.
Domingo, 11 de março, congresso do CDS em Lamego. Tal como Cristas tinha feito, também Rui Rio chefiou ele próprio a delegação do PSD que foi assistir à reeleição de Assunção Cristas no congresso do CDS. Diferença: Rio chegou debaixo de chuva e nada disse aos jornalistas. Comentários só no fim: o palco era de Assunção Cristas. E foi mesmo. A líder do CDS subiu ao palco do congresso centrista e disse que queria liderar o centro-direita em Portugal e ser “a alternativa” ao PS. Mais: queria ser candidata a primeira-ministra, e queria ser eleita primeira-ministra. Depois do que aconteceu em Lisboa, não há impossíveis, argumentava, debaixo de um grande foguetório azul e lilás. “Fez o seu papel”, comentaria depois um Rui Rio descontraído, que até ousou subir ao palco dos centristas para cumprimentar a presidente do partido. “Naturalmente que há uma diferença muito grande de votações e intenções de voto, mas ela está a fazer o papel dela e muito bem”, disse aos jornalistas. Mas com uma ressalva: “Eu serei o melhor candidato a primeiro-ministro não só do que a doutora Assunção Cristas, como do que o doutor António Costa”.
Estava aberta a competição. “Não foi inocente o facto de [Assunção Cristas] ter chegado ao nosso congresso a elogiar o Passos”, diz ao Observador uma fonte social-democrata que assistiu com atenção ao congresso da “euforia” do CDS. A verdade é que, afinal, Passos Coelho era visto não só como a cola que unia a “geringonça” contra as políticas de direita, mas sobretudo como a cola que unia PSD e CDS numa espécie de pacto de não-agressão. Participaram no Governo juntos, Cristas foi ministra de Passos, Nuno Magalhães e Luís Montenegro entendiam-se na perfeição no Parlamento, por isso a relação entre os dois partidos era tratada com pinças. Sem se magoarem (pelo menos publicamente). Até agora.
“A saída de Passos foi a emancipação de Cristas”, ouve o Observador de outra fonte social-democrata, que usa essa como a principal explicação para o inflamar do discurso de vitória da líder do CDS. Muitos no PSD dizem que, no lugar de Cristas, fariam exatamente o mesmo, sobretudo depois de umas autárquicas em que a líder do CDS arriscou e ganhou; mas, por outro lado, todos concordam que houve “deslumbramento”, “fogo de vista”, e um discurso “insuflado”, que não devia beliscar o PSD porque no day after PSD e CDS vão precisar um do outro.
Canibalismo. CDS “quer crescer dentro do nosso espaço”, diz-se no PSD
O máximo que CDS conquistou nas urnas — nos anos mais recentes — foi de 11,7%, em 2011, com Paulo Portas (o melhor resultado tinha sido de 16% em 1976). Em 2015, o CDS concorreu em coligação com o PSD, pelo que é mais complicado perceber quantos dos 38% dos votos foram direcionados aos democratas-cristãos. “Quando fomos juntos, o CDS não valia mais do que 5% ou 7%”, ouve-se nos corredores laranja. “Aquela coligação era o Passos, ninguém ligava muito ao Portas”.
A verdade é que o último barómetro da Eurosondagem para o Expresso, divulgado esta sexta-feira, uma semana depois do congresso do CDS e no meio de polémicas no PSD, põe o CDS como quinta força, a valer apenas 6,6% dos votos. Já o PSD de Rio aparece a crescer, apesar das convulsões internas, subindo para 28,4%, num aumento de 1,5 pontos que já não se verificava desde 2015 — mas ainda longe dos 41,5% do PS. Mas sondagens são sondagens, e, no que toca ao CDS, nunca foram de fiar.
“O congresso do CDS mostrou, até do ponto de vista mediático, uma grandeza que o CDS não tem, afinal só vale 5%…”, comentava ao Observador um deputado social-democrata na semana seguinte à “festa” de Lamego, que foi vista pelos restantes partidos como exagerada. Marques Mendes chamou-lhe “ridícula”; António Costa, no debate quinzenal, não deixou de usar da ironia para congratular a líder do CDS pelo seu “congresso muito mediático”.
No PSD, sobretudo na ala do PSD que não apoia a estratégia de aproximação ao PS, há uma preocupação com o passo largo de Assunção Cristas. “É evidente que [Assunção Cristas] está a ocupar um espaço que nós deixamos que ocupe”, comenta um deputado social-democrata, explicando como, no seu entender, “o PSD acaba por perder nos dois lados do eleitorado: ao centro e à direita”. O raciocínio de alguns sociais-democratas é perceptível em palavras simples: quem não gosta de António Costa vota mais facilmente em Assunção Cristas do que em Rui Rio, porque olham para Cristas e dizem “esta nunca vai alinhar com ele”. Depois olham para Rio e dizem “este está feito com ele”. Além disso, há outro fator que não se deve esquecer: “Os descontentes do PS com a ‘geringonça’, votam PS na mesma para tirarem de lá a ‘geringonça'”. Portanto, segundo esta lógica, será Cristas e não Rio quem pode beneficiar dos votos do centro-direita.
Na dura reunião da bancada parlamentar da semana passada, Rui Rio pediu aos deputados que não se preocupassem com o CDS. Se Cristas não tinha aproveitado o vazio de liderança do PSD na altura da transição para dar o salto, não era agora que o ia fazer. Outra fonte social-democrata, que até apoiou Rui Rio na disputa contra Santana, também partilha da mesma “preocupação”. “É notório que o CDS se está a posicionar, não como alternativa ao PS, mas como alternativa ao PSD, e há uma hostilidade que se percebe: quer crescer dentro do espaço do PSD”, diz ao Observador. “Agora é óbvio que estamos a disputar com eles [CDS] a mesma fatia de 30% dos eleitores”, diz outra fonte.
A preocupação é tanto maior quanto maior for a “desorientação” que reina no PSD. “Preocupa [a ambição de Cristas] nesta primeira fase em que a estratégia e a oposição do PSD ainda não são claras. Preocupa se houver uma ausência de estratégia do PSD. Mas ainda estamos na fase de assentar poeira pós-Congresso…”, diz outro social-democrata. Dá o benefício da dúvida, mas lembra que, “desde outubro”, os deputados sociais-democratas e as estruturas do partido andam “nisto”: nem sequer têm “argumentos para fazer política de mesa de café”, desabafa. Ou seja, sem diretrizes e orientações da direção nacional sobre a narrativa que o PSD deve ter neste novo ciclo político.
A criação de um Conselho Estratégico Nacional, com coordenadores e porta-vozes setoriais, é um dos exemplos dessa “desorientação”: Rio anunciou a ideia, mas não a concretizou, nem reuniu ainda com as distritais, sabe o Observador. É aí que as diferenças internas entre PSD e CDS mais saltam à vista: um é grande e está em mudança e ebulição, o outro é pequeno e está “estabilizado”.
Problema: no fim do dia, PSD e CDS têm de conseguir, juntos, ter mais votos do que “as esquerdas unidas”, como Cristas designa a solução governativa. E é aí que o PSD mais teme pelo discurso “hostil” do CDS. “O problema não é a ambição de Cristas, ambição todos têm, o problema é a forma como se está a transmitir essa ambição”, diz ao Observador uma fonte social-democrata, explicando que ninguém ganha com a “hostilização do CDS ao PSD”. “O CDS não devia fazer este discurso contra o PSD: pode procurar os votos do eleitorado do PSD mas sem ter de os pedir”, afirma a mesma fonte, sublinhando o receio de os votos voarem do PSD não para o CDS mas sim para o PS.
O mesmo diz outro social-democrata ouvido pelo Observador, que está mais próximo da direção de Rio: “O que não pode haver é uma canibalização dos votos, porque isso, no fim do dia, prejudica os dois”. Lá está: que é normal os dois partidos disputarem o mesmo eleitorado, mas sem hostilização. No dia seguinte a umas eleições, um vai precisar do outro para conseguirem ambos a tal maioria de 116 deputados (o número de ouro para o governar).
Um “precedente” chamado Lisboa
Não há melhor arma do que um adversário distraído, já dizia o dirigente centrista Francisco Mendes da Silva, num artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios após o Congresso do CDS — intitulado “A subvalorização de Assunção Cristas”. Mas não se pode dizer que o PSD esteja totalmente distraído. Apesar de Rio desvalorizar a ambição de Cristas, e ter começado por afirmar que o PSD estava à mesma distância do PS que está do CDS (o que irritou os centristas), há no PSD “rioísta” quem lembre que foi aberto um “precedente” com o resultado eleitoral do CDS em Lisboa. “O país não é Lisboa, mas não podemos ignorar que foi aberto um precedente em Lisboa”, diz um apoiante do atual líder.
Não é difícil, de resto, ouvir deputados e dirigentes sociais-democratas reconhecer méritos e vantagens à presidente do CDS. Ora dizem que tem a vantagem de estar no Parlamento, enquanto o líder do PSD não está nem no Parlamento nem sequer em Lisboa parte do tempo; ora lembram que a lógica partidária de um partido como o CDS é diferente, e mais pacífica do que a lógica partidária de um partido como o PSD.
Também lembram a conjuntura: o PSD sai de um congresso difícil, com uma cisão, enquanto o CDS sai de um congresso sem oposição interna que se visse. Realçam outra vantagem significativa: “Eles comunicam melhor do que nós”, ouve o Observador de um deputado social-democrata, que também admite que “o resultado que teve em Lisboa dá-lhe capital político para ambicionar mais”. Apesar de, notam outras vozes, o CDS só teve o resultado que teve “porque o PSD não foi a jogo”. E isso não acontecerá nas legislativas, acreditam.
Certo é que o CDS de Cristas reconhece que, “em política, é tão importante fazer como comunicar e mostrar o que se fez” — foi este o lema da presidente do partido para justificar a criação de uma CDS-TV na véspera do congresso. Há muito que o PSD se queixa de não conseguir fazer passar a sua mensagem. Ao Observador, há até quem aponte o dedo aos colegas do partido, que apoiaram Santana e não alinham com Rio, numa tentativa de justificar que às vezes as minas são postas por dentro.
Mas falar de Cristas “é dar-lhe importância”, e o PSD não quer fazer isso. Ao Observador, há quem no PSD confidencie que a estratégia que o CDS vai seguir até às eleições de 2019 é “não fazer nada para não dar um passo em falso”. Ou seja, é aproveitar o capital político herdado das autárquicas, dar gás à figura “humilde mas ambiciosa” de Assunção e apresentar o mínimo de propostas possível — sobretudo propostas fraturantes e conservadoras. “Se forem buscar eleitores ao PS também não se queixam”, e não o conseguem com temas típicos da direita.
“Moderação” e “responsabilidade”. A receita do PSD contra o “populismo” de Cristas
Acontece que o PSD de Rio não está preocupado. O PSD de Rio olha para o país fora de uma lógica partidária — fora da “bolha do Parlamento, que é uma bola de espelhos”, diz um “rioísta” — e não acredita que o “populismo” de Cristas lhe dê a credibilidade que os potenciais eleitores do PSD procuram. Por isso, aposta na “moderação” e na “responsabilidade”. As sondagens parecem dar-lhe razão: de acordo com o barómetro da Eurosondagem, divulgado esta sexta-feira pela SIC e Expresso, a maioria dos portugueses quer que PSD e PS se entendam em várias áreas, não só na descentralização e nos fundos comunitários como também na saúde, que é considerada uma prioridade.
“A questão está em saber que tipo de alternativa queremos construir: populista ou responsável? O populismo nunca foi bem acolhido, inclusive pelo o eleitorado conservador”, diz outra fonte social-democrata, que acrescenta que “o PSD tem uma visão mais responsável nas questões estruturais, enquanto o CDS tem uma visão mais egoísta, menos abrangente. Não tem tanto sentido de Estado, tem mais sentido de partido”.
É esse que se acredita ser o trunfo de Rio. “Não vamos estar a inventar temas à pressão só para estarmos por cima, temos que falar das coisas com sustentação, com fundamentação para sermos credíveis. É assim que o eleitorado se vai rever em nós”, diz um membro da comissão política de Rio, que nota ainda que é “preciso calma”. Até 2019 restam poucos meses. “O tempo é o problema, mas é um fator que é igual para todos. Cada um tem a sua forma de estar nesse tempo. O eleitorado flutua, tem comportamentos diferentes, é normal que o CDS queria ir buscar votos a todo o lado, todos querem”, comenta.
A crença é esta: “Rui Rio tem um discurso muito acessível à população em geral“. Que é o mesmo que dizer: mesmo que haja anti-Rios dentro do PSD, não os há lá fora. E é lá fora que se disputam as legislativas. Lá dentro sobra a “bolha”, ou a “bola de espelhos” parlamentar..