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Ricardo Lewandowski, um dos juízes do Supremo Tribunal Federal que esteve em Lisboa esta sexta-feira
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Ricardo Lewandowski, um dos juízes do Supremo Tribunal Federal que esteve em Lisboa esta sexta-feira

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ricardo Lewandowski, um dos juízes do Supremo Tribunal Federal que esteve em Lisboa esta sexta-feira

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Eleitores zombie, juízes protagonistas e um nome que não pode ser pronunciado. A "comédia que virou tragédia" do Brasil em exibição no Ritz

Cimeira para empresários em Lisboa contou com vários juízes do Supremo Tribunal do Brasil, que não se contiveram nas críticas veladas a Bolsonaro. Marcelo e Governo ficaram à distância.

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Alexandre de Moraes era a estrela. O juiz do Supremo Tribunal que está encarregado de liderar o inquérito à invasão dos edifícios dos Três Poderes em Brasília, a 8 de janeiro, era o orador mais aguardado da conferência LIDE em Lisboa, um evento da empresa de João Doria, antigo governador de São Paulo ligado ao PSDB (centro-direita) que hoje em dia se dedica à gestão de empresas.

A receção não podia ser mais faustosa. No Hotel Ritz, os 220 empresários presentes (brasileiros e portugueses) ouviam os oradores do painel “Institucionalidade e Cooperação” debaixo dos enormes lustres da sala de conferências, em mesas onde não faltava o café, os petits fours e a baixela. Mas, assim que a sessão teve início, às 8h30 da manhã, a maioria percebeu que a estrela não estava: ao contrário do anunciado, Alexandre de Moraes não estava em Lisboa.

A LIDE Conference em Lisboa contou com a presença de 220 empresários

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Não era a única baixa. Dois dos três políticos presentes no painel falharam: o governador do Rio de Janeiro (o bolsonarista Cláudio Castro) não estava presente; o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (do liberal MDB), também faltou. Sobrava apenas o prefeito Rafael Greca, de Curitiba. E dos quatro juízes do Supremo Tribunal anunciados, apenas Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes ocupavam lugar no palco, com Moraes e Luís Roberto Barroso desaparecidos em combate. No rescaldo da invasão de Brasília, os “sobreviventes do 8 de janeiro” — como apelidou um dos empresários presentes — queriam, acima de tudo, ouvir Moraes. Temia-se desilusão geral da audiência.

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O protagonista Alexandre de Moraes aponta baterias aos “arroubos ditatoriais de políticos populistas”

Mas ele acabaria por aparecer — e com estrondo, embora não em Lisboa. Numa altura em que tem ocupado todas as manchetes de jornais, perante denúncias de que teria sido diretamente visado num plano de Jair Bolsonaro para levar a cabo um golpe de Estado, o superjuiz não arriscou sair do Brasil. Contudo, falou por videoconferência à audiência e era visível o maior entusiasmo dos presentes para ouvir Moraes.

Senador cria polémica ao acusar Bolsonaro de o coagir para participar em golpe de Estado, mas voltou atrás horas depois

O magistrado apareceria no ecrã já ao final da manhã, abanando repetidamente a perna — sinal de nervosismo ou impaciência? Antes dele, porém, falou o juiz Luís Roberto Barroso, que também participou por videoconferência; e era visível o maior desligamento de Moraes enquanto o colega respondia a perguntas da audiência, fazendo scroll no seu smartphone.

epa10155216 The President of the Superior Electoral Court (TSE), Alexandre de Moraes (C), attends a ceremony to seal the voting system in Brasilia, Brazil, 02 September 2022. One month before the elections to choose the new president of Brazil, the TSE completed one more step to guarantee the security and inviolability of the data of the electronic voting machines. The electoral court concluded, on 02 September, the sealing of the systems. In addition, TSE president Alexandre de Moraes and other representatives of the Electoral Justice signed the digital program.  EPA/Joedson Alves

Alexandre de Moraes foi o orador mais popular da conferência

Joedson Alves/EPA

A sua participação, contudo, não desiludiu: questionado diretamente pelo moderador Merval Pereira a propósito das notícias que dão conta do alegado plano de golpe de Estado, Moraes pronunciou-se pela primeira vez em público sobre o caso. “A ideia genial que tiveram foi colocar escuta no senador — alguém com quem eu nem tenho intimidade, com quem estive três vezes na vida — para me gravar e a partir dessa gravação pedir a minha retirada dos inquéritos [que lidero]”, disse, revelando o que lhe terá confessado o senador Marcos do Val, que entretanto negou esta versão dos eventos.

O juiz não quis confirmar o timing do encontro, preferindo antes reforçar que incentivou o político a prestar uma denúncia escrita e este recusou. “Aí eu levantei, despedi do senador, agradeci a presença. Até porque o que não é oficial, para mim, não existe”, rematou. Não sem antes classificar tudo como uma “tentativa Tabajara” de golpe, numa referência à empresa fictícia do grupo humorístico Casseta & Planeta que, como explica a Folha de S. Paulo, no Brasil “virou sinónimo de qualquer ação farsesca”.

Estas não foram as únicas declarações bombásticas de Alexandre de Moraes na conferência do LIDE em Lisboa. O maior protagonista desta metragem não poupou nas críticas aos que está a investigar pela invasão dos Três Poderes e apontou para cima: “Temos uma elite que flirtou com o golpe e que depois o financiou”, disse, garantindo que as investigações a esse financiamento estão a avançar e culpabilizando os “arroubos ditatoriais de políticos populistas no poder executivo” — nunca mencionado, porém, o nome de Jair Bolsonaro.

“Pessoas cantando o hino nacional para pneus!”, lamentou-se, referindo-se a um momento captado durante uma das manifestações de bolsonaristas contra o resultado eleitoral que deu a vitória a Lula da Silva. “O que podia ser uma comédia é uma tragédia que resultou na tentativa frustrada de golpe a 8 de janeiro”
Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal responsável pelo inquérito à invasão de Brasília

Usando termos como “golpistas” e “terroristas”, Moraes afirmou que a tentativa de golpe foi consequência de uma série de “ataques internos à democracia”, para os quais a Justiça brasileira não tem capacidade de responder em pleno. “Há necessidade de novos instrumentos”, decretou, dando como exemplo a regulação das redes sociais a nível internacional, para combater “o tráfico de ideias contra a democracia”. As redes, disse, “transformaram as pessoas em zombies”. “Pessoas cantando o hino nacional para pneus!”, lamentou-se, referindo-se a um momento captado durante uma das manifestações de bolsonaristas contra o resultado eleitoral que deu a vitória a Lula da Silva. “O que podia ser uma comédia é uma tragédia que resultou na tentativa frustrada de golpe a 8 de janeiro”, rematou. Sem papas na língua.

“Vivandeiras alvoroçadas”, “zombies consumidores de desinformação” e uma “governação de espinhos”. As críticas veladas a Bolsonaro e aos bolsonaristas

Não foi o único. As declarações dos outros três juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) com presença no evento foram no mesmo sentido: não apenas o de lamentar o “populismo” que deu origem à “tentativa de golpe”, como no facto de ficarem sempre àquem da responsabilização direta de Jair Bolsonaro, cujo nome — como uma famosa personagem de uma saga de vários volumes — nunca foi pronunciado. Barroso falou no “atraso civilizacional” e “quadro de incivilidade” em que o país viveu nos últimos anos, Lewandowski mencionou as “lideranças populistas, de viés autoritário”, que esgrimem “fantasmas reais ou imaginários”.

Mas, a seguir a Moraes, Gilmar Mendes foi o mais taxativo, quer em palco, quer à entrada do encontro em declarações aos jornalistas. As instituições brasileiras, disse, tornaram-se “o alvo predileto das vivandeiras alvoroçadas adestradas na cartilha de fanatismo político ignóbil”. Uma afirmação forte, que parafraseia uma citação conhecida do ditador brasileiro Humberto Castello Branco, que se referia às “vivandeiras” que se agitavam nos quartéis em 1964.

Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes foram os dois juízes do STF que estiveram pessoalmente em Lisboa

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Mais uma vez sem referir Bolsonaro, Gilmar apontou ao topo: “Havia um grupo situado no topo do poder, diante de zombies consumidores de desinformação”, declarou, referindo-se à tentativa de golpe de 8 de janeiro. E as notícias recentes que envolvem a escuta a Alexandre de Moraes, diz, revelam que o país estava a ser governado por “gente do porão”. “Descemos na escala da degradação política”.

Mais conciliador foi o ex-Presidente Michel Temer, que teve a responsabilidade de abrir o evento e que quis deixar referências a Portugal, quer elogiando a “Revolução dos Cravos”, quer defendendo a aplicação de um sistema semi-presidencialista, à semelhança do português, no Brasil. “Estamos muito a precisar de paz no Brasil. Quem sabe devíamos ter uma Revolução das Rosas ou dos Lírios”, refletiu, não sem antes reconhecer que o país tem tido “uma governação de muitos espinhos”. O nome Bolsonaro, mais uma vez, não foi mencionado.

O evento do qual os políticos portugueses mantiveram distância — Marcelo incluído

O de Lula da Silva, por outro lado, foi. O juiz Luís Roberto Barroso notou que a insegurança pública continua a ser um problema “que a esquerda sempre negligenciou”, evidente no facto de, disse, Lula ter sido mais votado em bairros como Leblon e Copacabana do que na periferia do Rio de Janeiro. E que, nos últimos tempos, o Brasil vive um clima em que são mais valorizadas “as armas em vez das bibliotecas”.

A referência à segurança é particularmente relevante num evento que já foi abalado por essas questões. Na primeira edição do LIDE em novembro, em Nova Iorque, os quatro juízes foram hostilizados nas ruas por manifestantes bolsonaristas, razão pela qual a imprensa brasileira noticiou que a edição portuguesa contaria com segurança reforçada.

O ex-Presidente Michel Temer abriu a conferência e pediu uma "Revolução das Rosas" no Brasil

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Contactada pelo Observador, a PSP garantiu que seriam executadas “as medidas de segurança habituais”, tendo em conta a “análise realizada permanentemente” ao risco do evento. O Observador sabe, porém, que essa análise foi a de que não seriam necessárias medidas “extravagantes” — comprovada pelo facto de que, à porta do Ritz esta sexta-feira, apenas eram visíveis um carro da PSP e dois agentes com passa-montanhas.

E a segurança não foi o único tema extra 8 de janeiro a ser abordado no evento. As expectativas de que o Brasil possa ocupar num novo lugar no mundo com esta nova presidência eram palpáveis não apenas numa audiência desejosa de fazer investimentos na Europa, mas também nas referências de alguns dos oradores. Gilmar Mendes foi um dos mais vocais, sublinhando que o país agora já não é “um pária internacional” e que a presença da comitiva de Lula na cimeira da COP no Egipto mostrou que “o Brasil voltou em condições de respeitabilidade”.

As tentativas de estender pontes com Portugal, porém, parecem ter saído algo goradas. A conferência da LIDE bem contou com quatro juízes do Supremo Tribunal — o que valeu várias críticas na imprensa brasileira, que falam em lobbying descarado —, o antigo Presidente Temer e o político João Doria na primeira fila. Mas a presença da ministra Simone Tebet, anunciada para este sábado, já não é certa. Ao Expresso, a embaixada brasileira disse que a ministra do Planeamento iria participar por videoconferência. Os rumores na sala de conferência do Ritz esta sexta-feira, porém, eram de que Tebet talvez não vá sequer participar, tendo em conta o clima político atual no país.

E, talvez mais relevante, do lado português não houve qualquer presença política a assinalar. Não por falta de convite: o Expresso garante que o Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, foram convidados há já algum tempo, mas rejeitaram o convite. E a participação no evento do ministro da Economia, António Costa e Silva, ainda não é certa.

O Observador sabe que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também foi convidado para abrir a sessão ao lado de Michel Temer, mas decidiu “reorganizar a sua agenda” depois de perceber que o Governo português não iria estar representado ao mais alto nível. Uma decisão que poupou os políticos portugueses ao embaraço expectável quando o prefeito Rafael Greca citou na conferência o “companheiro Sócrates — o de Atenas”, provocando gargalhadas abafadas na sala.

O Observador sabe que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também foi convidado para abrir a sessão ao lado de Michel Temer, mas decidiu “reorganizar a sua agenda” depois de perceber que o Governo português não iria estar representado ao mais alto nível.

A presença nacional na conferência ao nível do Estado português resumiu-se assim à TAP, que é transportadora oficial do evento, para o qual jornalistas brasileiros viajaram a convite da organização. Todo o protagonismo sobrou, assim, para os juízes do Supremo brasileiro, que responderam abertamente às perguntas da audiência e deixaram claras muitas das suas posições, inclusivamente sobre investigações em curso como a da invasão de 8 de janeiro.

Um protagonismo que, para o juiz Roberto Barroso, pode “diminuir” agora com o que apelidou de “regresso à normalidade democrática” — deixando nas entrelinhas que, para si, o governo Bolsonaro foi o oposto disso. “Você está sempre desagradando a alguém. Qualquer corte [tribunal] suprema do mundo não ganha concurso de popularidade”, decretou o magistrado. A não ser naquela sala do Ritz, onde, em vez de apupos, estes juízes — com Alexandre de Moraes no papel principal e Jair Bolsonaro no de vilão — receberam apenas aplausos entusiásticos.

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