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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Em 2018, houve menos incendiários detidos. Mas mais atuaram por vingança

O perfil dos incendiários detidos pela PJ é estudado todos os anos. Os dados de 2018 não mostram grandes alterações, mas há, por exemplo, um aumento dos fogos motivados por problemas com a família.

Os problemas de consumo de álcool continuam a ser o principal motivo dos incêndios criminosos — como se fosse uma “espécie de libertação”. Nestes casos, os incendiários “não têm um objetivo em concreto”, explica a psicóloga Cristina Soeiro, responsável pelo Gabinete de Psicologia e Seleção na Escola de Polícia Judiciária (PJ), que todos os anos analisa o perfil dos incendiários detidos.

Nem sempre é assim. Muitas vezes — cada vez mais — os detidos ateiam fogo em troco de algum benefício ou por vingança. É por isso que a psicóloga e a sua equipa têm estado “a dar mais atenção à motivação que está na base de um dado incêndio”. Os incendiários são divididos em dois grupos: os expressivos e os instrumentais. Os expressivos são aqueles que têm por base algum problema mental ou de consumo de álcool ou droga e, normalmente, não conseguem explicar a razão dos seus atos. Os instrumentais são aqueles que, pelo contrário, têm um motivo. Este grupo está, ele próprio, dividido em dois: os instrumentais de benefício — que ateiam o fogo em troca de algo — e os retaliatórios — os que o fazem para se vingarem de algo ou de alguém.

Apesar das particularidades, “há uma continuidade” das tendências. É assim que a psicóloga descreve o perfil dos incendiários detidos em 2018 por esta força policial, que o Observador resume em cinco pontos.

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Número de incendiários não era tão baixo desde 2015

Exatamente metade. O número de incendiários detidos pela PJ ao longo do ano passado foi cortado ao meio: de 114, em 2017, para 57 detidos, em 2018. Não se registava um valor tão baixo de detenções efetuadas por esta força policial desde 2015 — nesse ano, foram detidos 52 incendiários. “Foi um ano mais calmo”, descreve a psicóloga Cristina Soeiro, recordando uma reunião realizada na PJ antes do verão de 2017 para preparar os inspetores para o que aí vinha. “Nós sabíamos que íamos ter muitos problemas. No ano anterior, não tinha chovido. A PJ percebeu, pela experiência que já tem nisto, que íamos ter muitos problemas”, explicou.

O porquê desta diminuição é mais difícil de encontrar. Está “relacionado com muitos fatores”. O principal, acredita a psicóloga responsável por este estudo, “está relacionado com as condições ambientais“. Mas há outro fator que se baseia na “dinâmica das pessoas” e que pode ter contribuído para esta queda no número de detenções. “Com as intervenções, com as novas medidas aplicadas da limpeza das matas, com a sensibilização, houve um trabalho de prevenção muito importante para que isto não aconteça”, defende a psicóloga. No fundo, a população está mais cuidadosa e foi mais sensibilizada — e não quer que tragédias como a de Pedrógão Grande se repitam.

Depois de Pedrógão, “as pessoas riscam um fósforo e sabem que pode acabar em tragédia”

Cristina Soeiro critica o tipo de campanhas publicitárias feitas ao longo dos anos e com as quais, acredita, “as pessoas não se identificam”. “Os urbanos é que se identificam com elas“, defende. As campanhas que foram feitas ao longo do último ano — a psicóloga dá como exemplo a “Portugal Chama”, lançada pela Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, no final de janeiro —  já “foram por outro caminho”, considera. “Não é só multar, é também educar as pessoas: explicar como se faz uma queimada, arranjar estratégias nas comunidades para que essas queimadas possam ser feitas com a ajuda dos bombeiros”, exemplifica.

[Veja o primeiro spot televisivo lançado no dia 25 de janeiro de 2019]

Incendiários de benefício aumentaram. Alguns atearam fogo nos próprios terrenos

“Preciso de passar com o gado numa determinada zona. Não há limpeza do terreno? Limpo a serra com fogo“. Cristina Soeiro exemplifica uma lógica que, muitas vezes, tem como resultado hectares e hectares de terra ardida. É que “depois perco o controlo das queimadas“, continua. É o tipo de incendiário que tem “um objetivo, uma meta ou um benefício” — que, normalmente, é a limpeza dos terrenos. “É esse o benefício que a pessoa tem: ao fazer aquilo, ganha a vantagem de poder usufruir de uma forma mais adequada do espaço”, explica ainda. É por isso que são agrupados na categoria de incendiários instrumentais de benefício.

É um “grupo pequeno” face ao total de incendiários detidos, mas que aumentou substancialmente este ano. Em 2017, 13% dos incendiários detidos eram de benefício. No último ano, esse valor mais que duplicou: 27,8%. A análise dos incendiários detidos desde 1997, divulgada em 2016 pela PJ, revelava que este grupo de incendiários de benefício era uma minoria: 1,6% dos incêndios criminosos — o que significa que os valores deste ano e mesmo do ano passado estão algo acima da média calculada dos detidos entre 1997 e 2016.

“Sexo masculino, alguns podem ter alguns antecedentes criminais e a idade é variável”. É este o perfil típico do incendiários por benefício de 2018. “Nestes casos, muitos [dos incendiários] têm conhecimento de quem é o dono do terreno. Ou é o próprio. Temos quatro ou cinco casos assim”, diz ainda, explicando: “A pessoa foi fazer uma queimada no seu terreno, não teve os cuidados necessários, o incêndio deflagrou, descontrolou-se, queimou uma área brutal e, portanto, passou a ser um incêndio florestal e fogo posto.”

Em setembro, a PJ deteve um suspeito de ter ateado fogo em Monchique (Foto: JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Problemas com família e vizinhos motivam fogo posto. “Ligeiro aumento” de casos em 2018

incendiário instrumental retaliatório diz respeito aos casos em que “o incêndio é utilizado como forma de resolver um problema“, explica Cristina Soeiro. Ou seja, os detidos que atuaram por vingança. E têm aumentado: “Em 2018, tivemos um ligeiro aumento, mas não é significativo em relação aos outros anos. Não podemos dizer que a tendência se tenha invertido”, alerta, ainda assim.

Os casos de incêndios criminosos com estes contornos têm, muitas vezes, por base a “resolução de problemas familiares ou de conflitos entre membros da comunidade”. “São mais velhos, acima dos 36 anos, têm uma vida familiar estável, são casados e têm uma profissão estável”, retrata a psicóloga, destacando um detalhe: “Há a presença do consumo de álcool. Mas não são indivíduos com demência álcoolica. O álcool atua como facilitador“.

O perfil mais representativo continua a ser o do incendiário com problemas de álcool

Não têm um objetivo concreto e muito dificilmente conseguem explicar o seu comportamento. E também não têm um alvo propriamente dito. Os seus atos criminosos resultam de uma “espécie de libertação” e muitas vezes do desejo da “observação das dinâmicas do que ocorre na zona e nos media“. Alguns deles podem até não ter “responsabilidade sobre alguns atos”. É o grupo que continua a predominar: o dos incendiários expressivos.

“Os indivíduos têm por base problemas como o consumo de álcool, alguma doença mental, não têm suporte familiar e muitas vezes incendeiam espaços em que não conhecem os donos do terreno”, explica Cristina Soeiro, adiantando: “A maior parte é explicado por problemas de consumo de álcool“. É um grupo de pessoas que precisa de “alguma intervenção ao nível do tratamento dos consumos ou intervenção psicoterapêutica ou mesmo farmacológicas”, continua. É também o grupo com maior taxa de risco de reincidência: 17%.

Dentro deste grupo, há ainda um subgrupo “de quem tem interesse de ver o combate, por ajudar a apagar o fogo”. São normalmente mais jovens e existem algumas mulheres. “Mas não encontrámos aqui a razão para falar em piromania. É muito raro”, esclarece a psicóloga da PJ.

Há mais “paridade” na aplicação de medidas de coação a mulheres e homens

“Não há um aumento” no número de mulheres incendiárias, sublinha Cristina Soeiro. De 2016 para 2017, a percentagem de mulheres face ao total de detidos aumentou substancialmente — de 2,17% para 17,54% –, embora 2017 tenha sido um ano atípico. Mas a percentagem acabou por descer para 14,04% em 2018. A psicóloga baseia-se na sua análise muito mais alargada (desde 1997) para poder afirmar que, não só “as mulheres têm muito menos representatividade do que os homens” como não se verifica um aumento que mereça a sua atenção.

É a “paridade”, como lhe chama, na aplicação de medidas de coação a homens e mulheres que merece a sua atenção — que “também tem tido um progresso” no que diz respeito à igualdade de género. Nos últimos cinco anos, Cristina Soeiro tem vindo a fazer “uma monitorização das medidas aplicadas pelo sistema de justiça aquando da detenção”. “O que nós observamos é que há maior uniformidade na aplicação de medidas, quer a homens, quer a mulheres. Antes, as mulheres tendiam a ficar mais com termo de identidade e residência ou apresentações periódicas. Agora há uma maior paridade nesse campo”, com a aplicação de medidas mais pesadas também a elas, explica a psicóloga.

Incendiários são estudados desde 1990. Em breve, haverá um estudo dedicado às incendiárias

A partir do ano 2000, Cristina Soeiro passou a pedir aos inspetores que preenchessem e lhe enviassem uma “ficha resumo” sobre cada incendiário que detivessem. É, explica a psicóloga, uma “grelha com variáveis científicas que explicam este comportamento: consumos, área ardida, tipo de área, características da pessoa, integração social”. “Depois também recolhemos informação colateral sobre o caso. Por exemplo, podemos consultar a base de dados da PJ, falar com inspetores e, em alguns casos, fazer entrevistas ao agressores”, explica ainda. Esta recolha culmina num relatório de avaliação interno, produzido em janeiro.

Cristina Soeiro é responsável pelo Gabinete de Psicologia e Seleção na Escola de Polícia Judiciária e estuda os incendiários desde 1997 (Foto: Orlando Almeida / Global Imagens)

Orlando Almeida / Global Imagens

Mas nem sempre foi assim. Os incendiários começaram a ser estudados em 1990, com a colaboração da Universidade de Coimbra. “Era um estudo mais psicológico”, caracteriza Cristina Soeiro, adiantando: “Em 1997, concorremos a um projeto para a Fundação para a Ciência e Tecnologia e tivemos três anos em que avaliámos, do ponto de vista psicológico, os detidos por crime de incêndio florestal a nível nacional. Foram 64 pessoas”. Só no final desse projeto é que se adotou uma “metodologia que estivesse mais virada para a vertente policial”. Passou a utilizar-se “a técnica dos perfis criminais” — que ainda vigora.

A par dos resultados apurados todos os anos, em 2016, a PJ divulgou uma análise, coordenada pela psicóloga, Cristina Soeiro, dos dados de todos os incendiários detidos, que constam na base de dados desta força policial, criada em 1997.

PJ tem 500 incendiários identificados. Nenhum é pirómano

Recentemente, Cristina Soeiro tem vindo a recolher também mais informação sobre mulheres incendiárias. “Neste momento, estamos a fazer um estudo com uma amostra de 65 mulheres incendiárias, tendo em conta os dados que fomos recolhendo ao longo do tempo”, conta a psicóloga. Porquê separá-las na análise que é feita aos homens? Por uma “única razão”: as diferenças entre incendiários e incendiárias. Enquanto que eles têm características mais dispersas e vêm de contextos muito diferentes, elas tendem a ser mais semelhantes umas às outras. “A tipologia dos agressores do sexo masculinos é mais complexa, mais heterogénea. A das mulheres é mais homogénea“, adianta.

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