Julho foi um mês de (muito) ligeira recuperação no emprego do alojamento e da restauração: o número de inscritos nos centros de emprego vindos daquelas atividades diminuiu 3,5% no espaço de um mês, fruto de um maior desconfinamento e das férias da maioria dos portugueses. Mas Tiago Jacinto, coordenador do Sindicato da Hotelaria do Algarve, explica ao Observador que a realidade que os números pintam “praticamente não se nota” na vida real.

Primeiro, porque os dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) revelados esta quinta-feira — que apontam para mais de 407 mil desempregados em julho — deixam de fora os trabalhadores que não estão inscritos nos centros de emprego dado que, por exemplo, desistiram de procurar trabalho. Depois, porque os relatos que chegam ao sindicato revelam como as empresas estão a pressionar os funcionários que já têm a trabalhar durante mais horas, evitando, assim, novas contratações.

Número de desempregados sobe 37% em julho e chega aos 407 mil

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“Estamos a verificar que as empresas não estão a contratar o número de trabalhadores que seria normal e necessário. Há, nos locais de trabalho, uma grande pressão sobre os funcionários para fazerem mais trabalho e mais horas”, explica o sindicalista. É o caso de empresas que recorreram ou ao layoff simplificado ou ao novo regime de apoio à retoma progressiva, mas que ao mesmo tempo estão a “obrigar” os trabalhadores a cumprirem mais horas do que aquelas que inscreveram no formulário para a Segurança Social. “Temos situações de trabalhadores cuja empresa requereu o apoio para as pessoas trabalharem só 6 horas por dia, ou, num caso em Albufeira, apenas 2 horas. Mas, na verdade, as pessoas estão ilegalmente a fazer 8 horas ou mais.”

Francisco Figueiredo, dirigente da Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), vai mais longe e diz mesmo que “as empresas estão a usar todas as artimanhas para não contratarem trabalhadores“. E aponta que há “alguns grupos económicos” com hotéis encerrados, mas que continuam a receber apoios estatais como se estivessem em layoff.

Como? Transferem os trabalhadores — e os clientes — para as unidades hoteleiras que têm abertas, mas sem oficializar o encerramento dos hotéis que, na prática, estão fechados. Desta forma, “justificam os apoios do Estado que estão a receber ou pretendem receber. É uma fraude”, critica. Há ainda casos de empresas que “estão a usar os trabalhadores da manutenção ou empregados de lavandaria para fazerem as funções de empregados de andares”.

Com estes atropelos, Francisco Figueiredo nota que, aos poucos, as empresas estão a retomar a atividade, embora ainda sem o número de trabalhadores do pré-pandemia.

Desemprego abrandou, mas até quando?

Os dados do IEFP para julho mostram um abrandamento do aumento de desempregados inscritos nos centros de emprego, quando a comparação é feita com junho. Em julho, foi registado um aumento de 0,2% (mais 637 desempregados) face ao mês anterior. Porém, na comparação homóloga, o cenário é mais negativo. Entre julho deste ano e julho de 2019, os inscritos nos centros de emprego subiram 37%, o que equivale a mais 110.012 desempregados.

A maior subida homóloga foi no Algarve, uma região muito dependente do turismo e que viu a atividade travar a fundo com a pandemia. Em julho, o número de desempregados na região subiu 216,1% face a julho do ano passado. Mas, em relação a junho, houve uma ligeira melhoria: o número de inscritos recuou 12,6% para 22.850.

O aumento do desemprego no país era “expectável dado o impacto do layoff””, em que permanecem mais de 1,3 milhões de trabalhadores” diz ao Observador Pedro Silva Martins, ex-secretário de Estado do Emprego do Governo de Pedro Passos Coelho e professor na Queen Mary College da Universidade de Londres. “É importante notar que o número de pessoas em layoff é mais de três vezes superior ao número de desempregados registados no IEFP“, acrescenta. Por isso, admite a possibilidade de um “aumento significativo de empresas que não abrem depois do final do verão levando a um novo aumento do desemprego em outubro, semelhante ao verificado em abril e maio”.

É que o fim do layoff simplificado e o estreitamento das regras para aderir ao novo layoff (o apoio à retoma progressiva) podem tirar a ajuda a várias empresas, dizem os patrões. Aliás, dados do Ministério do Trabalho mostram que o número de empresas que, nas primeiras duas semanas, requereram o apoio representa apenas 1,1% das 115 mil empresas que pediram o simplificado. Além disso, é em outubro que se completam dois meses do fim do layoff simplificado — o momento a partir do qual as empresas que tenham pedido esta ajuda podem voltar a despedir.

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“Com o fim gradual do layoff nos últimos meses do ano, o desemprego irá provavelmente aumentar significativamente a partir do principio de 2021, nomeadamente num cenário de segunda vaga da pandemia”, estima Pedro Silva Martins. Os ‘patrões dos patrões’ reconhecem que os próximo meses vão ser difíceis e não escondem a possibilidade de nova vaga de despedimentos.

Despedimentos em outubro? “É bastante provável”, dizem patrões

Filipa Costa, presidente da direção nacional do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), traça uma retoma a várias velocidades nos setores que representa. Se a grande distribuição esteve sempre em funcionamento — e, nalguns casos, até reforçou a contração —, o setor do comércio retalhista aderiu em massa ao layoff. E a abertura dos centros comerciais não representou uma grande melhoria para o emprego.

“O que estamos a ver é grandes grupos a despedirem trabalhadores com contratos de curta duração ou em período experimental“, aponta ao Observador. O layoff implica que as empresas não possam despedir enquanto usufruem do apoio e até dois meses após o fim da ajuda, mas permite ao empregador fazer cessar os contratos por vários motivos, previstos na lei, como a caducidade de contrato a termo ou no quadro do período experimental.

Os dados do IEFP mostram, aliás, que a maioria dos novos desempregados tinha um contrato de trabalho não permanente.

Também no setor do comércio, a forma de os empregadores ‘escaparem’ a novas contratações tem sido aumentar os horários de trabalho. E os empregadores já estão “a mentalizar os trabalhadores que não vale a pena reivindicarem muito porque ‘isto está mal'”. “Infelizmente aquilo que se perspetiva não será positivo para os trabalhadores.” Os dados do IEFP mostram que o desemprego no setor do “comércio por grosso e a retalho” aumentou 35,7% face a julho de 2019 e 0,2% face a junho. No caso do setor “comércio e manutenção de veículos”, o aumento foi de 31,7% em termos homólogos, com uma recuperação de 0,1% em relação a junho.

Ao Observador, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), avisa que, a partir de outubro, “é bastante provável” que as empresas tenham de reduzir os quadros. “Vai haver um ponto em outubro em que é bastante provável que muitas empresas avaliem se, com o nível de negócio que têm, conseguem continuar abertas. Outras vão avaliar se, para continuarem abertas, terão de reduzir o quadro de pessoal”, diz o representante do patronato.

Comércio continua com “quebras brutais”. E 30% dos restaurantes e bares não vão manter emprego

Ao contrário do que era a vontade dos empregadores, o layoff simplificado terminou em agosto e a adesão ao novo apoio tem sido, como vimos, baixa. Vieira Lopes arrisca uma justificação: “Uma das condições é que as empresas mantenham toda a gente empregada mesmo que algumas tenham uma ocupação a 50% ou 60%. Mas há empresas que não vão poder fazê-lo. Uma empresa com duas áreas de negócio em que numa até está tudo a funcionar, mas na outra o mercado está parado… É impossível para a empresa ter 100% das pessoas no ativo.”

A restauração, adianta, continua com “quebras brutais” e no vestuário há “quebras de 30% e 40%”, exemplifica. A CCP tem pedido ao Governo a criação de “incentivos ao consumo”, como a redução do IVA na restauração (que foi aplicado na Alemanha) ou a comparticipação do Governo britânico a refeições consumidas em restaurantes.

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Num inquérito feito a 1.377 empresas entre 31 de julho e 3 de agosto, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares (AHRESP) concluiu que mais de 22% das empresas de alojamento e 16% das empresas de restauração e bebidas não conseguiram pagar os salários de julho.

A situação de tesouraria é de tal forma preocupante que cerca de 30% das empresas de restauração assume que não vai conseguir manter todos os postos de trabalho até ao final do ano. “Na região do Algarve são 56% as empresas que não vão manter os postos de trabalho até ao final do ano”, refere o inquérito.

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Desde que o estado de emergência foi declarado, a 18 de março, 7% das empresas do alojamento e 16% dos restaurantes e bares despediram trabalhadores.

Número de desempregados é 30 vezes superior ao de ofertas de emprego

Pedro Silva Martins estima que “a criação de emprego será reduzida nos próximos meses“, até porque “praticamente todos os novos empregos serão contratos a termo ou temporários“. A recuperação será, por isso, lenta.

Há uma dimensão estrutural do ajustamento – com a contração de setores que têm um papel muito importante no emprego em Portugal como o turismo e a restauração – que pode tornar a recuperação mais lenta. O processo de mudança de emprego para outros setores e profissões tende a ser mais moroso. Um layoff muito prolongado pode ser contraproducente se acabar por atrasar ajustamentos que de outra forma são inevitáveis”, explica o investigador.

Além disso, as ofertas de emprego recebidas pelo IEFP ao longo de julho (9.345) caíram 17,5% face ao mesmo mês de 2019 e 9,5% em relação a junho. Ao todo, os centros de emprego têm agora 12.705 ofertas por preencher, 30 vezes menos do que o número de pessoas que procura emprego.

Mas o aumento do desemprego não se repercutiu, na mesma dimensão, no aumento às ajudas ao emprego. Embora haja 407 mil pessoas inscritas nos centros de emprego, apenas cerca de metade recebe este tipo de apoios. Segundo dados do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, o subsídio de desemprego abrangeu 192.095 pessoas em julho, menos 0,3% do que em junho de 2020, mas mais 45,4% em termos homólogos.

Já o subsídio social de desemprego inicial chegou a 10.894, um decréscimo de 0,8% face ao mês anterior, mas um aumento de 97,6% considerando julho de 2019. O governo tinha decretado o prolongamento automáticos dos subsídios sociais de desemprego que caducariam até 30 de junho, mas segundo o Dinheiro Vivo apenas 15 destas pessoas terão visto o apoio ser renovado em julho.