Rui Rio sentou-se com o Observador ao final da noite de sábado, depois de longas horas de discursos no segundo dia do Congresso do PSD. Comentou os discursos dos adversários internos: do apoio “genuíno” de Luís Montenegro às críticas de Pinto Luz, passando pela “competência” de Paulo Rangel. Fez alertas sobre a possibilidade de exageros por parte do Governo na resposta à pandemia em vésperas de eleições. E admitiu que já pensou num cenário em que Pedro Nuno Santos substitui António Costa na liderança do PS.
[Veja aqui a entrevista a Rui Rio]
“Não estou a ver António Costa a deixar o PS à balda”
Se nem o PSD nem o PS conseguirem uma maioria, há margem para os dois partidos chegarem a um acordo para quatro anos, ou o máximo que se pode esperar nesta altura é num governo que dure dois anos?
O ponto de partido é o mais relevante. O PSD tem o seu ponto de partida claro: vamos ter eleições democráticas, por isso devemos aceitar o resultado. E aceitar o resultado é saber que só vai ganhar um — não podem ganhar os dois. Podem empatar, mas vai ser difícil que empatem… Por isso, ganha um e os outros todos perdem. E todos os que perdem aceitam o resultado — quer dizer, estão disponíveis para negociar a viabilização do governo de quem ganhou. Eu estou disponível para isso e acho que todos os demais devem estar disponíveis também para isso. Aquilo que António Costa e o PS têm de dizer é se têm também este espírito democrático e este colocar do interesse nacional em primeiro lugar ou se mantêm uma postura virada para o umbigo e para o interesse partidário em que dizem: “Se ganharmos, somos nós; se não ganharmos, entendam-se porque não é nada connosco”.
Acredita que vai ter uma resposta de António Costa em tempo útil?
Pois… O tempo útil é mais útil para os eleitores do que para mim. Os eleitores têm de saber qual é a postura do PS. Porque isso é importante na hora de votar. De um lado está a hipótese de votar num partido como o PSD, que neste momento tem uma estratégia de abertura no sentido de ajudar a garantir a governabilidade do país face a um resultado eleitoral que quase de certeza não trará uma maioria absoluta para ninguém. Do outro lado está um partido como o PS que tem de decidir se também tem essa disponibilidade ou se se fecha sobre si próprio e faz aquilo que sempre fez — o PS nunca viabilizou nada de estrutural do PSD, sendo que ao longo da História o PSD fez isso diversas vezes.
Deixe-me juntar aqui um ponto que pode complicar ainda mais as contas. António Costa já disse numa entrevista que se afastaria da liderança do PS caso perdesse as eleições legislativas. Ora, é previsível que, nesse caso, seja Pedro Nuno Santos a substituir António Costa. Acha que esse PS mais à esquerda terá disponibilidade para conversas consigo?
É lógico que isso pode acontecer. Mais deixe-me também dizer-lhe que a situação não será assim tão dramática. Não estou a ver o dr. António Costa a perder as próximas eleições no dia 30 de janeiro e a, no dia 31 de janeiro, chamar as pessoas ao Largo do Rato e dizer-lhes “Agora vou-me embora e não me interessa mais isto para nada”, deixando o PS à balda. Acho que isto não vai acontecer. Mesmo que o dr. António Costa se vá embora, perdendo, o PS vai ter de ter um processo eleitoral longo até ter um novo secretário-geral.
Portanto, acredita que pelo menos o primeiro Orçamento poderia passar com um acordo de cavalheiros com o PS?
Acredito que, se o PS quiser ter sentido de Estado e sentido da responsabilidade, isso não será impedido por ter um líder que se vai embora por perder as eleições. Porque não se deve ir embora no dia seguinte, deixando o partido ao Deus-dará. Eu não farei isso nunca no PSD. isso não se faz. Obviamente que aquilo que está a dizer é uma peça importante do puzzle. E é também uma insegurança para os eleitores — e isso até favorece o voto no PSD, que é mais estável. Porque a seguir às eleições pode haver no PS uma viragem muito à esquerda. E se isso acontecer os eleitores de centro sairão defraudados. Mas isso já é começar a fazer futurologia. Mas no dia a seguir às eleições é preciso garantir a governabilidade e acho que esse é um dever de todos. O PS cumpre ou não? É bom saber-se.
Não há de parte a parte cheques em branco. Que tipo de acordos pode fazer se ganhar as eleições nesse período de tempo?
Todos os acordos. Claro que depende de muitos fatores, mas há uma linha de rumo que é o meu pensamento. É o programa do PSD e o meu pensamento, que em parte está espelhado no programa eleitoral do PSD
Um acordo para a reforma fiscal poderia ser um desses sinais?
Sim, se virem os meus discursos ao longo dos últimos cinco, seis ou sete anos —nem é só dos quatro anos desde que sou presidente, é dos últimos sete, oito ou dez — verá que existe uma linha de rumo e do que o país mais precisa. Obviamente que à mesa das negociações estará sempre aquilo que eu entendo que é vital para o país. Se eu ganhar, tenho a possibilidade de impor, no bom sentido do termo, mais coisas dessas. Se não ganhar, mas tiver uma grande votação, tenho o direito democrático de procurar “impor” algumas coisas destas. Isto é que é o jogo democrático
Que tipo de condições é que exigiria ao PS para viabilizar esse primeiro governo socialista?
Não vou dizer porque o cenário é de perder e quem vai para umas eleições vai para ganhar. Também não vou fugir à questão e dizer que só penso em ganhar, isso não é honesto intelectualmente. Quando vamos para uma eleição não me adianta dizer que vou ganhar de certeza, quando sei que posso ganhar ou perder. Muitos políticos falam assim, mas acho que não serve para nada. Outra coisa é eu dizer de antemão o que vai para a mesa das negociações. Isso depende de muitos fatores: do resultado eleitoral, do programa do PS, depende de muitos fatores. É claro que a reforma fiscal é uma das coisas de que falo.
“Proscrito, proscrito, em principio, só incompetentes. Rangel não é”
Vamos olhar para o cenário de vitória do PSD. Paulo Rangel não afasta a possibilidade de estar disponível para fazer parte de um governo de Rui Rio. Via com bons olhos essa integração de Rangel num governo?
A última coisa que vou fazer é dizer quem é que tenho para ministros do meu governo. Nem sequer podia responder porque não tenho ninguém. Quem é que eu penso para cada uma das pastas, isso já é diferente. Tenho na minha cabeça diversas hipóteses em diversas pastas, mas a ultima coisa que vou fazer é dizer isso em público.
Mas Paulo Rangel não é uma figura proscrita.
Não, não. Proscrito, proscrito, em principio, só incompetentes. Eu, como primeiro-ministro, terei o comportamento que tive sempre noutros cargos que exerci. Eu não quero escolher incompetentes — mas até por uma questão de egoísmo. É que se eu escolho um incompetente sobra é para mim. Na Câmara do Porto, se escolhia um vereador ou um diretor municipal incompetente o problema sobrava para mim.
Pelas suas palavras, não considera Paulo Rangel incompetente?
Claro que não é.
E Paulo Rangel fez uma intervenção no congresso que lhe agradou?
Sim, na generalidade tenho gostado dos discursos. São intervenções que têm sido construtivas e de unidade e têm dado algumas ideias. Hoje estão a fazer-me perguntas sobre a questão da governabilidade e sobre a necessidade de o PS ter que se definir essa questão. Isso ia aparecer mais à frente, mas estão a colocar a questão hoje porque o Luís Montenegro falou nisso. É um contributo positivo. Íamos falar mais tarde, mas não há problema em falar agora. Também já não temos muito tempo
E o contributo de Carlos Moedas foi positivo? Conseguiu levantar o congresso, foi muito aplaudido
Foi um contributo positivo exatamente por isso, pela animação que gerou entre os congressistas. A animação é o contrário da tristeza e mau são discursos muito tristes que baixam o moral a toda a gente. Aquele subiu a moral a toda a gente e a unidade.
No discurso de abertura falou sobre vitória em Lisboa e deu esse exemplo como sinal de esperança para o PSD — mas não falou no nome de Carlos Moedas. Há algum tipo de animosidade, tendo em conta o que aconteceu nas eleições diretas, com o almoço entre Rangel e Moedas?
Não. Diz-me que não nomeei o nome, acredito que seja verdade, nem reparei. Mas se fizer a análise ao discurso vê que não nomeei muitos outros nomes.
Este apelos à unidade de várias figuras que estiveram contra si são genuínos ou já há muita gente a afiar facas para o dia 31 de janeiro?
Ando nisto há muitos anos e vou conhecendo as pessoas. Alguns não são genuínos — estou ali sentado, estou a ver, conheço-os todos. Mas outros são. Por exemplo, o Dr. Paulo Rangel: porque é que não havia de ser genuíno? Ele quer candidatar-se outra vez? Não quer. Portanto, é genuíno.
E Luís Montenegro foi genuíno?
Também acho que sim. Miguel Pinto Luz também foi genuíno. Na minha opinião esteve mal, mas também foi genuíno.
No que é que esteve mal?
Por exemplo, disse logo à cabeça: “Primeiro correram com os santanistas”. Então eu não chamei o dr. Santana Lopes para liderar o Conselho Nacional logo no primeiro mandato? E não chamei Fernando Negrão para líder parlamentar — e ele tinha sido mandatário de Santana Lopes? Aí o contributo não é nenhum, mas, de um modo geral, os contributos têm sido positivos. Há a questão da unidade, mas o nível qualitativo das intervenções — e não só essas mais conhecidas — tem sido superior ao que é a média das intervenções num congresso.
“Se houver algum exagero nas medidas contra a pandemia, temos de estar vigilantes”
Tendo em conta que há legislativas em janeiro e há um aumento de número de casos e até a admissão do Governo de reforçar medidas da pandemia, teme que esta questão contamine o debate? António Costa pode procurar uma resposta mais musculada para capitalizar votos?
Muita gente me chama a atenção para isso e vamos ter de ser muito rigorosos na análise dessas medidas. Agravando-se a pandemia, temos de estar disponíveis para aceitar, porque a saúde das pessoas tem de estar à frente — mas se houver algum abuso no sentido de “apertar mais porque assim agora não há campanha e a coisa pode favorecer-nos”, aí temos de denunciar. Mas acho que vai ser mais difícil porque são eleições no inverno e se a pandemia se agravar ainda é mais difícil, temos de estar preparados para isso tudo. Se apesar disso tudo houver algum exagero, temos de estar vigilantes.
Se a pandemia se agravar, isso favorece ou prejudica o Governo?
É uma faca de dois legumes, como dizia o outro [risos]. Por um lado, a pandemia pode sujeitar o Governo a mais críticas, mas por outro pode ser favorável por condicionar muito a campanha eleitoral. Mas a vida é o que é.
Já está preparado para os dois cenários? Um em que a pandemia está mais controlada e outro em que estraga os planos de campanha?
O segundo cenário não vai acontecer porque temos uma taxa de vacinação muito alta. Agora, se me perguntar se tenho um plano D, F ou G para um confinamento geral, não, não tenho plano nenhum. Se houver um confinamento geral, não tenho plano nenhum, mas não vejo porque tem de haver um confinamento geral quando temos uma taxa de oitenta e tal por cento de vacinação e já há muita gente com a terceira dose também. Nunca chegaremos a um exagero desses, julgo eu.
“No início da pandemia, devíamos ter feito aquilo que outros fizeram: a TAP não tem viabilidade, fechou”
Há um dossiê muito quente que pode rebentar no meio da campanha: a TAP. Não é certo que o plano de reestruturação da companhia aérea venha a ser aprovado. Se for eleito a 30 de janeiro, já sabe o que vai fazer com a TAP?
Como disse Paulo Rangel, esse é talvez o dossiê mais pesado que este Governo deixa. Este Governo cometeu um erro, que foi reverter a privatização e avançar para uma semi-nacionalizalção, em que ficou com 50%. Depois, por causa da pandemia, a posição do Estado na companhia foi crescendo e hoje a TAP é uma empresa pública outra vez. A TAP passou quase toda a vida com a mão estendida ao Orçamento do Estado a receber impostos dos portugueses. Ninguém fecha a TAP porque ela precisa de 100 milhões ou de 150 milhões, só que de repente a coisa vai para 3 ou 4 mil milhões. É no patamar em que estamos. Devia ter sido equacionado logo no início da pandemia, devíamos ter feito aquilo que outros fizeram: não tem viabilidade, fechou. Assim, já lá metemos perto de mil milhões de euros e ainda o plano de viabilização não está aprovado e se for é para meter mais.
Definiu na sua cabeça alguma espécie de teto, um limite razoável?
Eu tinha o meu teto definido quando começou a pandemia, é aquilo que estou a dizer: é zero. E assim podíamos arrancar do zero uma nova companhia, sem truques e sem vícios, sem uma estrutura de custos terrível. E depois é uma companhia que não presta o devido serviço público, é uma companhia que praticamente só opera no aeroporto de Lisboa, os outros aeroportos são secundários, o de Porto, o de Faro… o Funchal queixa-se imenso.
O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, tem outra opinião sobre isso.
Só que essa opinião é caríssima, estamos a pagar milhões e milhões, baldes de dinheiro para cima da TAP. E a TAP, efetivamente, não presta serviço público. Não é uma questão de opinião: vai ver os voos da TAP a partir do Porto e percebe que não presta esse serviço público.
Se for primeiro-ministro a 30 de janeiro, o que é que fará com a TAP?
Na Madeira, não há voos no inverno do continente para Porto Santo porque não é rentável. Se a TAP só faz voos rentáveis, então como é que tem prejuízo? Não sei a resposta para isso.
Mas sabe o que fará se for eleito primeiro-ministro e herdar esse problema?
Para ter essa resposta tenho de ter o dossiê por inteiro na mão. Não o tenho, mas o Governo também não tem.