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Fact Check. Álcool, casamentos, migrantes e até pepinos: 15 fake news sobre a Europa

A UE exige pepinos retos? Gasta 80 mil euros em álcool e dá cartões de crédito aos refugiados? Os condutores vão ter de tirar nova carta? E têm de ter limitadores de velocidade? Verdades e mentiras.

As perguntas surgem perante as dezenas de notícias que aparecem todas as semanas — sobretudo nas redes sociais — a propósito de assuntos relacionados com a União Europeia. Dizem respeito a casos específicos de alguns Estados-membros ou a legislação que, em tese, afetará todos os que fazem parte do mercado comum. O problema é que algumas dessas “notícias” não passam de embustes, muitas vezes ao serviço de campanhas políticas de partidos eurocéticos.

O Observador faz parte da plataforma FactCheckEU, que reúne órgãos de comunicação social europeus com o mesmo objetivo: desmontar notícias falsas que circulam como se fossem verdades absolutas, mesmo não passando de uma farsa. Neste artigo, analisamos algumas dessas notícias, já alvo do trabalho de fact checking do FactCheckEU.

Esta foto mostra o primeiro-ministro do Luxemburgo e o seu marido?

Fonte: Ellinika Hoaxes (Greek Hoaxes), Grécia

“O primeiro-ministro do Luxemburgo com o seu marido”
(Kyriakos Velopoulos, político nacionalista e figura da televisão na Grécia)

O político grego e personalidade televisiva Kyriakos Velopoulos partihou, recentemente, esta fotografia através da sua conta no Twitter. A afirmação apareceu pela primeira vez a 10 de abril de 2019 num site do Gana e ganhou “popularidade” através de várias partilhas no Twitter.

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Na verdade, a fotografia não retrata “o primeiro-ministro do Luxemburgo com o seu marido”, mas sim a cantora Conchita Wurst.

Wurst esteve no baile da Ópera de Viena a 28 de fevereiro de 2019 e, entre as várias fotografias dela que foram tiradas, há uma que a mostra acompanhada por este homem, que não é o primeiro-ministro do Luxemburgo, Xavier Bettel.

O facto de Bettel ser casado com um homem (Gauthier Destenay) faz com que seja repetidamente alvo dos ataques de círculos conservadores dentro e fora da Europa. Neste caso em particular, Kyriakos Velopoulos utilizou a identidade sexual de Bettel para declarar “a decadência moral da Europa”, uma prática frequentemente utilizada pelo Kremlin para acentuar os sentimentos anti-europeus da opinião pública na UE e que é regularmente explorada pelos partidos de extrema-direita populista na Europa para reforçar o seu apoio.

Conclusão

A afirmação de que a fotografia retrata o primeiro-ministro do Luxemburgo com o seu marido é falsa: não só o homem de fato na foto não é Xavier Bettel, como a pessoa que o acompanha é a conhecida cantora austríaca Conchita Wurst.

Assim, este conteúdo é:

Errado

A Comissão Europeia gasta 80 mil euros por ano em álcool?

Fonte: Pagella Politica, Itália

“A Comissão Europeia liderada por Jean-Claude Juncker custa aos cidadãos europeus 510 milhões de euros por ano, dos quais 80 mil são gastos em álcool.”
(Giorgia Meloni, líder do partido nacionalista italiano Fratelli d’Italia)

A 4 de fevereiro, Giorgia Meloni, líder do partido nacionalista italiano Fratelli d’Italia, fez esta afirmação. Para começar, o valor citado por Meloni (510 milhões de euros) corresponde a metade do valor gasto pela Comissão anualmente.

Em 2018, a UE gastou cerca de 9,6 mil milhões de euros em despesas relacionadas com a sua gestão. 7,6 mil milhões de euros foram para gastos administrativos com todas as instituições e dois mil milhões foram para pensões.

No que diz respeito apenas à Comissão Europeia, a sua gestão custou cerca de 1,1 mil milhões de euros em 2018 (o custo anual com a Câmara de Deputados em Itália é semelhante). Tal como revela o Boletim Oficial da União Europeia, entre os vários itens de despesa estão questões relacionadas com representantes, pessoal externo, compra e arrendamento de edifícios, segurança e vigilância e vários tipos de seguros.

Meloni não indica as fontes para os seus dados, mas é possível que a ex-ministra esteja a usar números encontrados num artigo publicado no La Verità a 4 de fevereiro e citado numa publicação da página oficial de Facebook dos Fratelli d’Italia.

Este artigo também não explica como é que se chegou ao valor de 510 milhões, mas contém dados do segundo elemento das declarações de Meloni que estamos a verificar: os 80 mil euros gastos em álcool pela Comissão.

No que diz respeito apenas à Comissão Europeia, a sua gestão custou cerca de 1,1 mil milhões de euros em 2018.

A Comissão Europeia disse-nos que não tem dados sobre quanto é que as instituições gastam anualmente em álcool. Mais: diz que o item de gastos é vago (o que está incluído em álcool? Uma cerveja? Uma garrafa de vinho?) e quase impossível de calcular com precisão. Teria de ser preciso analisar, por exemplo, todos os gastos de representantes, empregados e eventos organizados pela instituição onde tivesse havido a necessidade de comprar álcool. Como, por exemplo, através dos serviços de catering.

O artigo no Verità cita como fonte “o portal que recolhe todos todos os anúncios de concursos para instalações ocupadas pela instituições europeias”. O site em causa é o eTendering, que inclui todos os anúncios de concursos abertos pela União Europeia. Utilizando palavras-chave relacionadas com bebidas, descobrimos que, a 5 de setembro de 2017, foi publicado um anúncio para um concurso intitulado “fornecimento de produtos alimentares e bebidas para as cantinas e restaurantes da Comissão Europeia no Grão-Ducado do Luxemburgo”.

Como o texto do anúncio explica, “o objetivo é o de fornecer serviços de catering à Comissão Europeia no Grão-Ducado do Luxemburgo com produtos alimentares entregues em 10 locais”.

Giorgia Meloni é líder do partido nacionalista italiano Fratelli d’Italia

AFP/Getty Images

Dos 17 lotes em que o anúncio está dividido — com uma duração de 36 meses — os números 15 e 16 referem-se ao fornecimento de cerveja e vinho, com um valor total de 80 mil euros, sem IVA. Outros lotes têm valores muitos superiores, como o do pão e pastelaria (310 mil euros) ou o correspondente a manteiga, ovos e queijo (559 mil euros).

Mas de quantas garrafas estamos a falar? São bebidas chiques? Vamos olhar para o vinho.

Como se pode ver na tabela linkada no anúncio, o concorrente deverá fornecer 5.855 unidades por ano, entre elas 1.670 embalagens com 5 a 10 litros de vinho branco para cozinhar e 500 garrafas de 20 a 30 centilitros de vinho tinto.

Em suma, os 80 mil euros a que Meloni se refere não correspondem aos gastos anuais da Comissão Europeia em “álcool”. O número refere-se ao valor estimado do fornecimento de cerveja e vinho às cantinas da União Europeia no Luxemburgo, onde os produtos são depois comprados pelos clientes naquelas instalações (onde, de acordo com esta avaliação, a comida não é nada má).

Conclusão

De acordo com Giorgia Meloni, a Comissão Europeia custa aos contribuintes 510 milhões de euros por ano, dos quais 80 mil são gastos em álcool. A líder dos Fratelli d’Italia não é específica por duas razões: primeiro, os gastos administrativos da Comissão em 2018 foram cerca de 1,1 mil milhões de euros, o dobro do valor mencionado por Meloni; em segundo lugar, é verdade que as instituições europeias gastam 80 mil euros por ano em álcool, mas faz sentido: têm serviços de catering no Luxemburgo e as pessoas pagam por aquilo que comem e bebem. Apesar disso, é muito difícil estimar os custos reais relacionados com este item — como a própria Comissão confirma — e o valor citado por Meloni refere-se a um anúncio específico de um concurso para o fornecimento, entre outras coisas, de cerveja e vinho.

Assim, este conteúdo é:

Enganador

Os condutores vão ter de repetir o exame de condução a cada cinco anos?

Fonte: CORRECTIV Faktencheck, Alemanha

“No futuro, os condutores vão ter de repetir o exame de condução a cada cinco anos. Esta é a nova lei proposta pela Comissária da UE responsável pelos Transportes, Violeta Bulc. A nova lei entrará em vigor em 2020.”
(Site alemão Auto Zeitung)

A afirmação foi feita num artigo publicado no site alemão Auto Zeitung, no dia 1 de abril de 2019. Embora a primeira parte do artigo seja suficientemente plausível, os leitores deveriam ter desconfiado no segundo parágrafo, que afirma: “Os condutores terão de demonstrar a sua capacidade de controlar o veículo num teste de aptidão que exige que estacionem de marcha-atrás com um olho fechado.” O Auto Zeitung publicou mais tarde uma atualização, deixando claro que o artigo tinha sido uma piada relacionada com o Dia das Mentiras. Desde então, o artigo foi removido do seu site. O site Correctiv copiou o artigo do Auto Zeitung e publicou-o sem deixar claro que se tratava de uma sátira. Esse artigo também já foi removido.

O artigo do Auto Zeitung, com uma atualização que confirmava que se tinha tratado de uma piada do Dia das Mentiras. (Captura de ecrã: CORRECTIV)

As piadas sobre a alegada repetição obrigatória de exames de condução já surgiram online em várias ocasiões no passado, sempre no âmbito do Dia das Mentiras. No ano passado, circularam anúncios semelhantes no dia 1 de abril. Um dito jornal, intitulado “Kölner Abendblatt”, proclamou: “Exame teórico de condução será realizado a cada 5 anos de agora em diante.” No entanto, não existe um jornal com esse nome.

Notícia do Dia das Mentiras do jornal fictício Kölner Zeitung, datado de 1 de abril de 2018. (Captura de ecrã: CORRECTIV)

Na parte inferior da página é apresentada a seguinte informação: “Este artigo foi criado com base no site de Paul Newsman. Isto permite que qualquer pessoa publique a sua própria sátira ou piada em várias revistas fictícias em poucos segundos. No entanto, este artigo não deve, em quaisquer circunstâncias, ser levado a sério.”

Em resposta a uma questão do CORRECTIV, tanto o Ministério alemão dos Transportes como a Comissão Europeia negaram a existência de qualquer nova lei europeia que exija a repetição do exame de condução a cada cinco anos. O Ministério dos Transportes declarou: “O ministério dos Transportes e das Infraestruturas Digitais (Bundesministerium für Verkehr und digitale Infrastruktur, BMVI) não tem conhecimento da existência de quaisquer planos para introduzir uma lei a nível europeu que exija a repetição do exame de condução a cada cinco anos.”

O porta-voz da Comissão Europeia na Alemanha escreveu: “Não é verdade. Não existe tal lei europeia, nem quaisquer planos para a sua introdução.”

Contudo, existe uma regra de cinco anos para os detentores de uma carta de veículos pesados de mercadorias de Classe 1, C1E, C ou CE. De acordo com o site TÜV Nord: “A carta de condução para tais classes é apenas válida durante 5 anos, sendo renovável por mais 5 anos após a realização bem-sucedida de um exame de adequação (exames médicos e relatório de oftalmologista).”

Conclusão

É completamente falso. Não existe qualquer lei europeia que exija a realização de um exame de condução a cada cinco anos para cartas de condução normais.

Assim, este conteúdo é:

Errado

As previsões económicas da UE para Itália têm estado sempre erradas?

Fonte: Pagella Politica, Itália

“Não tenho qualquer interesse em falar daqueles que nunca acertaram nas suas previsões ao longo dos últimos dez anos.”
(Ministro do Interior italiano Matteo Salvini, em resposta a um pedido para comentar as previsões económicas do crescimento italiano pela Comissão)

O vice-primeiro-ministro e ministro do Interior de Itália, Matteo Salvini, comentou as previsões económicas publicadas pela Comissão Europeia na sua entrevista a 7 de fevereiro pela Radio Anch’io, na Rai Radio1. A previsão de crescimento para Itália é de 0,2% do PIB, o valor mais baixo na União Europeia. O Governo italiano, por outro lado, estima um crescimento de 1% ou mais, depois de ter revisto em baixa a sua estimativa de 1,5%.

Na tabela abaixo juntámos as previsões da Comissão ao longo dos últimos dez anos — disponíveis aqui, até 2015, e aqui para os anos seguintes — com os dados do crescimento real do PIB, mostrando as diferenças. Nesta tabela do Pagella Politica, a primeira coluna mostra o valor do crescimento real. A segunda coluna mostra a previsão da Comissão para esse ano. A diferença está na última coluna.

As previsões para cada ano são aquelas que são publicadas em fevereiro, as “previsões de inverno”, com exceção de 2009 e 2012, onde as únicas previsões disponíveis são as que foram divulgadas em maio. Para 2018 os dados reais do crescimento do PIB não estão ainda disponíveis. Utilizámos por isso a estimativa feita pelo Istat no final de novembro.

Como se pode ver, a Comissão errou nas dez vezes, com uma margem de erro máxima de 1,4 pontos percentuais em 2012 e mínima de 0,3 pontos em 2015-16. A média de erro ao longo destes dez aos foi de 0,66 pontos percentuais. Tal como esperado, o erro deve-se sempre a demasiado otimismo, com exceção de três casos: 2010, quando o ressalto após a crise de 2008/2009 foi maior do que o esperado e em 2015 e 2017, quando o crescimento foi mais robusto do que tinha sido previsto.

Conclusão

Salvini está correto quando diz que a Comissão nunca acertou nas suas previsões económicas para Itália ao longo dos últimos dez anos. Mas duas em cada três vezes, contudo, o erro da Comissão foi ter atribuído a Itália um crescimento do PIB superior àquele que de facto se registou.

Assim, este conteúdo é:

Praticamente certo

O vice-presidente da Comissão Europeia pediu que fossem eliminados os Estados com uma só cultura?

Fonte: Faktencheck, Alemanha

“Os Estados com uma só cultura precisam de ser eliminados. A imigração em massa de homens muçulmanos para a Europa é uma forma de conseguir isto.”
(Atribuída ao vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans)

Entre 9 e 12 de abril deste ano, alguns utilizadores do Facebook partilharam declarações alegadamente feitas pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. Entre outras coisas, afirmava-se que ele teria dito que “os Estados com uma só cultura precisam de ser eliminados”, acrescentando ainda que “a imigração em massa de homens muçulmanos para a Europa é uma forma de conseguir isto”. Alguns utilizadores juntaram uma fotografia do político à publicação. A frase foi também partilhada por Peter Schmalenbruch, líder do partido de extrema-direita AfD na assembleia local de Newied. Não foi dada informação sobre quando ou onde tinham sido feitas as alegadas declarações.

(Captura de ecrã: CORRECTIV Faktencheck)

Se recuarmos a 4 de maio de 2016, o site Unser Mitteleuropa [A Nossa Europa Central, em português] publicou um artigo com o título “Vice-presidente da Comissão Europeia: Eliminem os Estados com uma só cultura!” O artigo incluía mais declarações dentro do mesmo tom que tinham alegadamente sido feitas por Timmermans e sentenciava: “A implicação das suas declarações é clara: a existência de todos os povos europeus está em risco!” Contudo, o artigo não incluía as alegadas frases sobre “imigração em massa de homens muçulmanos para a Europa” ou uma “super-cultura”. O artigo enunciava uma única fonte: Timmermans tinha alegadamente feito as declarações num encontro do Colóquio pelos Direitos Fundamentais da UE. O Unser Mitteleuropa também incluía um link para um vídeo do YouTube no artigo.

Os resultados da pesquisa no Google pela alegada frase também incluem um pequeno vídeo no YouTube com o título “A UE planeia a destruição dos povos e das nações europeias”. As capturas de ecrã incluídas nos posts no Facebook foram todas retiradas deste vídeo. A descrição do vídeo também nomeia o Colóquio pelos Direitos Fundamentais da UE como fonte e afirma que o discurso foi feito em 2015. O site da Comissão Europeia inclui uma transcrição do discurso feito por Frans Timmermans na sessão de abertura do Colóquio, realizado a 1 de outubro de 2015.

Discurso publicado na página da Comissão Europeia na internet

O artigo do Unser Mitteleuropa cita um “resumo em inglês” não especificado numa página de YouTube hiperligada como fonte para as declarações alegadamente feitas por Timmermans. O vídeo do YouTube agora está apenas disponível na versão arquivada. Não é claro a que resumo se refere o artigo. O Unser Mitteleuropa afirma que Frans Timmermans pediu aos membros do Parlamento Europeu que fizessem mais para garantir o desaparecimento de Estados com uma só cultura. O site vai ainda mais longe e diz que “o termo usado no resumo em inglês é ‘eliminar’” e utiliza uma palavra alemã que é um sinónimo literal: “ausradieren”. No entanto, a palavra “eliminar” não aparece na transcrição do discurso que está no site da Comissão Europeia.

No centro desta questão está uma única frase do discurso de Timmerman: “Isso iria derrubar-nos como sociedade”. O Unser Mitteleuropa traduz isto como “Das würde uns als Gesellschaft vernichten” [em português: “Isso iria derrubar-nos como sociedade”] e acrescenta o título “Vizepräsident der EU-Kommission: monokulturelle Staaten ausradieren!” [em português: “Vice-presidente da Comissão Europeia: Eliminem os Estados com uma só cultura!”] Isto foi retirado de contexto e é enganador. As palavras exatas de Timmerman foram “A única questão é: como lidamos com essa diversidade? E a minha resposta a isso é: garantindo que os nossos valores determinam como lidamos com a diversidade e não desistindo dos nossos valores para rejeitar a diversidade. Isso iria derrubar-nos como sociedade”. Ele não fez qualquer menção a “eliminar ou “desaparecer”.

Conclusão

Timmermans não fez qualquer uma das afirmações citadas nas publicações de Facebook. Foram todas inventadas.

Assim, este conteúdo é:

Errado

A lei europeia autoriza os Estados a matarem manifestantes durante um motim?

Fonte: 20 Minutes, França

“Numa situação de motim ou de insurreição popular, os Estados europeus são autorizados a matar sem qualquer tipo de processo jurídico”
(Blog “Réveillez-vous”, ligado aos Coletes Amarelos)

A afirmação que tornou-se viral nos grupos de Facebook próximos do movimento dos “Coletes Amarelos”, em França, depois de ter sido publicada, a 17 de fevereiro deste ano, no blog “Réveillez-vous” (“Acordem”). A sua autora, auto-intitulada Jeanne, afirma que, “numa situação de motim ou de insurreição popular, os Estados europeus são autorizados a matar sem qualquer tipo de processo jurídico”. Jeanne diz que isso está “claramente escrito num tratado europeu”, nomeadamente na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e cita o artigo 2 deste texto, relacionado com o direito à vida.

Aqui está o que o artigo em causa diz:

O direito à vida de todos deve ser protegido por lei. A ninguém deve ser retirado o direito à vida de forma intencional, a não ser através da execução de uma pena por sentença de um tribunal, após a condenação por um crime cuja pena prevista por lei seja esta.
Não se pode considerar que a proibição da privação do direito à vida foi infringida, em contravenção com este Artigo, quando essa privação resulta do uso da força absolutamente necessária: (a) em caso de defesa de qualquer pessoa por necessidade não prevista na lei; (b) em caso de realização de uma detenção legal ou para prevenir a fuga de uma pessoa detida legalmente; (c) em caso de ação tomada de forma legal com o propósito de combater um motim ou uma insurreição.

A afirmação foi espalhada em cerca de 50 grupos de Facebook, um número significativo. O grupo Anonymous France, cujos administradores já se basearam em desinformação no passado, deu muita exposição a este post, publicando-o cinco vezes entre 18 de fevereiro e 22 de março.

“A Convenção Europeia dos Direitos Humanos diz exatamente o oposto do que este blog afirma”, diz Marie-Laure Basilien-Gainche, professora de Direito Público na universidade francesa Jean-Moulin Lyon-3. “O Artigo 2 reconhece o direito à vida, que é um direito fundamental. É o primeiro direito que deve ser respeitado tanto por indivíduos como por Estados.”

A notícia falsa foi partilhada sobretudo por movimentos ligados aos Coletes Amarelos em França

CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

O artigo não dá às autoridades licença para disparar. A segunda secção, que menciona o recurso à força, “não é uma autorização para o uso desta força, mas sim um conjunto de requisitos estabelecidos de forma a prevenir que os Estados usem métodos arbitrários”.

A secção apenas se aplica em “casos muito especiais”, disse a professora de Direito ao jornal francês 20 Minutes. “O uso da força por parte das autoridades é restringido por vários requisitos: deve ser feito dentro do enquadramento da lei nacional, que deve ser conforme aos instrumentos legais que protegem os direitos individuais; deve ser utilizada como último recurso; tem de ser necessária para a manutenção da ordem, apropriada à situação e proporcional”.

Este Artigo 2 “impõe obrigações tanto negativas como positivas aos Estados”, diz Marie-Laure Basilien-Gainche. As autoridades nacionais, incluindo tanto a polícia como as forças armadas, não podem ameaçar a vida humana. Na realidade, devem fazer tudo o que está ao seu alcance para prevenir que a vida de um indivíduo seja ameaçada, quer por terceiros, quer por eles próprios”, acrescenta a especialista.

Para além disto, no seu protocolo 13, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos confirma a abolição da pena de morte, acrescenta Florence Chaltiel-Terral, professora de Direito Público no ramo de Grenoble da francesa Sciences Po. Esta adenda ao tratado “reforça o direito à vida”, acrescenta a professora. “Não está escrito em nenhum lado que o Estado pode matar manifestantes.” A segunda secção do artigo invoca a “legítima defesa”, diz ela.

“A Convenção Europeia dos Direitos Humanos diz exatamente o oposto do que este blog afirma”, diz Marie-Laure Basilien-Gainche, professora de Direito Público na universidade francesa Jean-Moulin Lyon-3.

Este tratado, adotado pelo Conselho da Europa em 1950, deve ser visto à luz do contexto histórico. “No pós-II Guerra Mundial e após as suas atrocidades, a ideia era a de escrever um documento que encorajasse os Estados a protegerem os direitos fundamentais”, diz Marie-Laure Basilien-Gainche.

O Conselho da Europa não é uma instituição da UE, nota Sébastien Maillard, diretor do Instituto Delors. “É uma instituição internacional, muito diferente da UE e que inclui 47 Estados-membros, incluindo a Turquia e a Rússia.” Como membro, a França ratificou a Convenção Europeia dos Direitos Humanos em 1974. Isso significa que as sentenças do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que interpreta a convenção, são vinculativos em França. Os cidadãos franceses podem apresentar casos a este tribunal para terem os seus direitos respeitados. A convenção também é utilizada por juízes franceses, nota Florence Chaltiel: “Os juízes nacionais têm em conta a jurisprudência do TEDH nas suas decisões.”

Conclusão

Vários juristas explicam que o que está explícito no Artigo 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos são precisamente as poucas situações de exceção em que a privação do direito à vida pode acontecer. O entendimento jurídico da Convenção é precisamente o oposto daquele que o blogue explica: o documento pretende deixar claro a necessidade de os Estados respeitarem o direito à vida dos seus cidadãos. Ou seja, em vez de dar a alguém licença para matar, este documento garante, sim, o direito à vida.

Assim, este conteúdo é:

Errado

20 mil refugiados com cartões de crédito invadiram a fronteira da Croácia?

Fonte: CORRECTIV Faktencheck, Alemanha

“Agora eles entraram. Na fronteira Sérvia/Croácia. Cerca de 20.000 Mohammedans muito agressivos. Armados e com cartões de crédito que lhes foram dados pela UE e pela ONU…”.
(Micha Elel, alemão, na sua página de Facebook)

Um vídeo que mostra pessoas a romperam as barreiras policiais na fronteira da Croácia circula no Facebook desde o fim de 2018. Mas as alegações feitas em relação às imagens são falsas. Um utilizador alemão do Facebook, Micha Elel, partilhou um vídeo que mostra pessoas a saírem a correr de várias tendas e a tentar furar barreiras policiais. Com as imagens, Micha Elel publicou o seguinte comentário, em alemão: “Agora eles entraram. Na fronteira Sérvia/Croácia. Cerca de 20.000 Mohammedans muito agressivos. Armados e com cartões de crédito que lhes foram dados pela UE e pela ONU…”.

Isto, porém, não é verdade.

É verdade que o vídeo mostra pessoas a tentarem entrar na Bósnia pela Croácia. Também é verdade que as pessoas que aparecem no vídeo são refugiados. As imagens mostram uma ponte junto a dois campos. Também pode ver-se um sinal de trânsito. O Faktenfinder, um projeto de fact-checking da emissora alemã ARD, já publicou uma história sobre o rumor de que aquele vídeo mostra 20 mil refugiados a caminho da Europa. Essa reportagem também inclui uma foto com a legenda: “Polícia bloqueia aproximadamente 100 refugiados junto à fronteira da Croácia”.

Uma reportagem da ARD publicou esta foto com a legenda: “Polícia bloqueia aproximadamente 100 refugiados junto à fronteira da Croácia”

O sinal de trânsito visível no vídeo do Facebook pode ser visto à esquerda da foto. Por volta do primeiro minutos das imagens, vê-se uma placa amarela. A mesma placa também pode ser vista na foto, que a ARD descreve como tendo sido tirada na fronteira entre a Bósnia e a Croácia. O sinal de trânsito indica o caminho para a cidade de Velika Kladusa, na Bósnia-Herzegovina, e para a cidade de Karlovac, na Croácia.

Com base na localização destes dois locais, conseguimos usar o Google Maps para identificar o local da fronteira em que tudo aconteceu. A vista de satélite também é consistente com o que pode ser visto no vídeo e na fotografia publicada pela ARD.

Com recurso ao Google Maps, é possível perceber a localização exata da zona de fronteira entre a Bósnia e a Croácia onde o vídeo foi feito

De acordo com o Faktenfinder, o número de “20 mil” surge do facto de 20 mil refugiados estarem registados na Bósnia em 2018. Destes, porém, só 5 mil permaneceram na Bósnia-Herzegovina de forma permanente. O ministro austríaco do Interior e o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) também o confirmaram ao Faktenfinder.

Ambos confirmaram ainda que a situação estava, naquela altura, controlada, apesar de não ser essa a impressão causada pelo vídeo. As barreiras policiais pareciam incapazes de impedir a passagem das pessoas. A fotografia publicada pela ARD mostra outra perspetiva: há significativamente mais agentes da polícia a bloquear a estrada e, atrás deles, na ponte que forma o único acesso à Croácia para lá do rio, mais polícias a aguardar.

Também não é verdade que os refugiados tenham cartões de crédito do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). O CORRECTIV já tinha abordado este rumor: estes cartões de crédito só foram emitidos para refugiados na Grécia, e mesmo ali, apenas para requerentes de asilo ou cidadãos de outros países com certificados emitidos pelas forças de segurança e que residem na Grécia de forma legal. Os cartões de crédito do ACNUR só podem ser usados no país que os emite, o que significa que os refugiados perderiam esse apoio financeiro se passassem a fronteira para outro país.

Conclusão

As circunstâncias em que o vídeo foi gravado não correspondem às descritas por quem o publicou, nem é verdade que 20 mil refugiados tenham invadido a Croácia, muito menos com cartões de crédito.

Assim, este conteúdo é:

Errado

Os migrantes que chegaram à Europa receberam cupões grátis para bordéis na Alemanha e na Grécia?

O Governo grego vai oferecer cupões ao migrantes para irem para a praça Omonia, um local conhecido pela prostituição de rua em Atenas, para “ejacularem de graça”.
(Kyriakos Velopoulos, político nacionalista e figura da televisão na Grécia)

Kyriakos Velopoulos é um político nacionalista e uma figura conhecida da televisão na Grécia. No seu programa, ele alegou que a Alemanha ofereceu cupões gratuitos a migrantes para irem a bordéis. De acordo com Velopoulos, a partir de 2021, o Governo grego vai fazer o mesmo e oferecerá cupões para que os migrantes possam ir, de forma gratuita, à praça Omonia, um local conhecido pela prostituição de rua, para “ejacularem de graça”. Isto é, porém, um rumor que começou nos anos 1980.

Kyriakos Velopoulos, presidente do partido Solução Helénica, colocou de novo o foco no mito que começou naquela década sobre cupões sexuais gratuitos, que ganhou corpo, recentemente, com a ideia de que os migrantes seriam os destinatários desses cupões. O Ellinika Hoaxes já tinha abordado o tema, num artigo mais antigo.

Os falsos “cupões” têm sido muito falados nos últimos anos nos círculos de extrema direita, com variações da mesma história a surgirem de tempos a tempos.

Exemplos de alegações relacionadas com cupões sexuais para migrantes foram desmontados por meios de comunicação social alemães e austríacos e são, literalmente, dezenas:

  • Um cupão dos serviços sociais bávaros (a Baviera não tem qualquer organização do género), que foi desmentido aqui.
  • Um cupão para migrantes perto de Hannover, que foi desmentido aqui.
  • Um cupão para migrantes perto de Estugarda, que foi desmentido aqui.
  • Um cupão para Graz, na Áustria, que foi desmentido aqui.

Não havia — como não há — qualquer cartão (cupão) real de entrada gratuita em bordéis. Nem para refugiados, nem para qualquer outras pessoas, na Alemanha, na Áustria ou em qualquer outro país. É uma farsa que começou nos anos 1980. Repare na forma como cada uma das variações foi reproduzida ao longo do tempo:

No alegado cartão lê-se: “Voucher social do Estado de FLENSBURG. Cartão de entrada gratuita em bordel. Intransmissível. O cartão é válidos de segunda a sexta, das 9h00 às 16h00”. E, mesmo abaixo do cupão, está escrito: “Imprima, corte e tente”.

O cupão de 2011 foi feito seguindo o mesmo padrão:

O pequeno cartão alega: “Instituto de Segurança Social do Estado da Baviera. Para os cidadãos da Baviera e subúrbios. Entrada gratuita em bordel. Intransmissível. O cartão é válido de segunda a sexta-feira e nos feriados da igreja evangélica, das 9h00 às 16h00”.

O mesmo embuste circulava em 2015 em Graz, na Áustria, apenas com uma diferença, nas horas de serviços: das 9h00 às 15h00.

Conclusão

Por tudo o que foi exposto, é evidente que Kyriakos Velopoulos tentou explorar o sentimento anti-imigração de uma parte da sociedade grega para fins eleitorais. Seja como for, a alegação de que foram entregues cupões a migrantes para terem sexo gratuito na Alemanha e que isso também acontecerá na Grécia é falsa. É baseada num embuste e, por isso, tem de ser negada.

Assim, este conteúdo é:

Errado

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos dá prioridade à “proteção do Islão” sobre a liberdade de expressão?

Fonte: CORRECTIV Faktencheck, Alemanha

“Tribunal da UE: a proteção do Islão é mais importante do que a liberdade de expressão na Europa”. Incluía a alegação de que a liberdade de expressão estava em “grande perigo” e que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tinha decidido, num recurso, que “a suspensão da liberdade de expressão é necessária numa sociedade democrática”
(Martin Sichert, deputado alemão, num artigo publicado no site Politikstube, a 27 de março de 2019)

Um membro do Parlamento alemão afirmou que, de acordo com o Tribunal europeu, “a proteção do Islão” é “mais importante do que a liberdade de expressão na Europa”. No entanto, o julgamento a que ele se referia não se apoia nessa interpretação.No dia 27 de março, o site alemão Politikstube publicou um artigo com o título “Tribunal da UE: a proteção do Islão é mais importante do que a liberdade de expressão na Europa”.

O artigo, publicado em março, incluía a alegação de que a liberdade de expressão estava em “grande perigo” e que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tinha decidido, num recurso, que “a suspensão da liberdade de expressão é necessária numa sociedade democrática”. No momento em que o artigo foi escrito, foi publicado 1345 vezes no Facebook.

O artigo refere-se a uma sentença final do tribunal de 18 de março e diz que a fonte é o membro do partido alemão AFD, Martin Sichert. Uma vista de olhos pela página de Facebook de Schiert mostra que o texto do Politikstube foi tirado, palavra a palavra, de uma publicação escrita pelo político no dia 26 de março, que foi partilhado 1383 vezes até agora. Sichert também escreveu: “A crítica do Islão é proibida!”.

AFP/Getty Images

A publicação de Sichert também tem uma referência ao julgamento do Tribunal. Mas, o CORRECTIV não encontra fundamentos para a sua afirmação.

Sichert está a simplificar demais uma situação complexa

Na base desta história está um caso na Áustria que está em julgamento desde 2011. Em fevereiro desse ano, Elisabeth Sabaditsch-Wolff, que era uma especialista em islamismo no Partido Pela Liberdade da Áustria (FPO), foi condenada a uma multa de 480 euros ou seis meses de prisão por “doutrinas religiosas depreciativas”. Num seminário, numa série de palestras no Instituto de Educação do FPO, Sabaditsch-Wolff afirmou que o profeta Maomé “gostava de fazê-lo com crianças”, acrescentando mais tarde: “O que nós chamamos a isso, se não for pedofilia?”.

O Tribunal Europeu escreveu sobre este acórdão: “O Tribunal Regional considera que as declarações acima descritas transmitiam a mensagem de que Maomé tinha tendências pedófilas. (…) No entanto, também considera que não se podia estabelecer que a arguida tivesse pretendido condenar todos os muçulmanos. Ela não estava a sugerir que todos os muçulmanos eram pedófilos, mas sim a criticar a imitação irrefletida de um modelo. (…) Como a pedofilia era um comportamento ostracizado pela sociedade, era evidente que as declarações da arguida seriam capazes de gerar indignação. O Tribunal conclui que a arguida pretendia acusar, erroneamente, Maomé de ter tendências pedófilas”.

Sabaditsch-Wolff interpôs um recurso com base no artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, alegando que o seu direito à liberdade de expressão foi interferido pelo acórdão do Tribunal Penal Regional de Viena.

Num seminário, Sabaditsch-Wolff afirmou que o profeta Maomé “gostava de fazê-lo com crianças”, acrescentando mais tarde: “O que nós chamamos a isso, se não for pedofilia?”.

No entanto, o Tribunal de Recurso de Viena rejeitou este recurso, em dezembro de 2011, e o Supremo Tribunal austríaco seguiu o mesmo caminho em 2014, ambos concluindo que o Tribunal Regional Federal tinha agido corretamente. Depois, Sabaditsch-Wolff levou o seu caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo. Os julgamentos deste tribunal são vinculativos para os Estados envolvidos.

Resumo das conclusões do tribunal, publicadas a 18 de março:

  • “Os seminários foram amplamente divulgados ao público através da internet e de de panfletos. Os últimos foram enviados pelo líder do “Freedom Party”, um partido de direita. O título mostrou – numa perspetiva enganadora – que os seminários incluíram informações objetivas sobre o Islão”, disse o tribunal.
  • Sabaditsch-Wolff “rotulou Maomé como um pedófilo enquanto preferência sexual e falhou no papel de informar com imparcialidade a audiência sobre o contexto histórico, o que não permitiu um debate sério sobre esta questão”. As declarações podem ser classificadas como “juízos de valor sem suficiente base factual. Mesmo que fossem classificadas como declarações factuais […], não apresentaram nenhuma evidência para esse fim”.
  • Sabaditsch-Wolff tinha-se “descrito a si mesma como especialista no campo da doutrina islâmica, tendo realizado seminários sobre esse assunto durante uns tempos […] A candidata deve estar ciente de que as declarações foram parcialmente baseadas em factos falsos e suscetíveis de despertar (uma justificada) indignação nos outros”. Isso podia ser “concebido como uma violação maliciosa do espírito de tolerância, que era uma das bases de uma sociedade democrática”.
  • “Não era compatível com o Artigo 10 da Convenção para incluir declarações incriminatórias no conjunto de uma expressão de opinião que de outra forma seria aceitável, e deduzir que isso tornaria as declarações acima dos limites do permitido pela liberdade de expressão”.
  • Sabaditsch-Wolff “estava errada em presumir que ataques indevidos a grupos religiosos tinham de ser tolerados, mesmo que fossem baseados em fatos falsos”. Pelo contrário, a Corte considerou “que as declarações baseadas em fatos (manifestamente) falsos não gozam da proteção do Artigo 10.”
  • Os tribunais austríacos tinham “avaliado exaustivamente o contexto mais amplo das declarações do requerente, e cuidadosamente equilibrado o seu direito à liberdade de expressão com os direitos de outros que procuravam uma defesa da liberdade religiosa, mantendo assim a boa relação entre as várias religiões na sociedade austríaca.”
  • Os tribunais austríacos tinham apresentado “razões relevantes e suficientes” e não tinham excedido os seus amplos poderes discricionários. “A interferência nos direitos do requerente, nos termos do Artigo 10, correspondia a uma necessidade social premente e era proporcional”.

Conclusão

Não se pode concluir, a partir do julgamento do tribunal, que a “proteção do Islão” é mais importante que a liberdade de expressão. O julgamento nem sequer contém a frase “proteção do Islão”.

A alegação de Sichert simplifica em demasia uma questão que é complexa. A alegação de que o tribunal determinou que “a suspensão da liberdade de expressão é necessária numa sociedade democrática” foi inventada. O Tribunal não fez tal declaração generalizada no julgamento.

Pelo contrário, alega que o tribunal de primeira instância só chegou a um veredicto após uma cuidadosa análise que tido em conta o artigo 10, parágrafo 2, da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos. Assim, nem a liberdade de expressão “está em perigo”, como afirma a Sichert – segundo o acórdão do Tribunal, mas simplesmente atingiu o limite a partir do ponto em que não está no campo da opinião, mas sim no da difamação ou da distorção dos factos.

Assim, o conteúdo é:

Errado

A UE quer que os pepinos sejam sempre retos?

“A UE regula de forma estrita o tamanho da curvatura permitida em determinadas frutas e vegetais vendidos na Europa, como bananas e pepinos.”
(Estudo do FactCheckEU)

Um estudo do FactCheckEU, elaborado em parceria com uma equipa de investigadores da Universidade de Exeter e liderada por Florian Stoeckel e Jason Reifler, fez uma série de perguntas a 6067 cidadãos de Alemanha, França, Espanha, Itália, Suécia e Polónia. Nesse estudo, foram ainda apresentadas afirmações falsas e perguntado aos inquiridos se as frases eram verdadeiras ou não. O objetivo era entender se as pessoas com uma opinião mais favorável da UE tinham maior probabilidade de acreditar em afirmações falsas que tivessem um tom mais positivo para a União — algo que o estudo acabou por concluir ser verdade.

Uma das afirmações falsas que foi apresentada foi a de que a União Europeia impõe uma regulação apertada sobre a curvatura dos pepinos e de outros vegetais. Entre os inquiridos, mais de metade dos alemães (56%) e dos polacos (51%) questionados consideraram que esta afirmação é verdadeira.

Há no entanto uma explicação para essa perceção, como explica um artigo do Libération: “Um regulamento de 15 de Junho de 1988 da Comissão estabeleceu ‘normas de qualidade para os pepinos’. Para serem vendidos em bancas europeias, tinham que cumprir padrões mínimos de peso, tamanho e… curva. Um pepino ‘extra’, por exemplo, tinha que ser bem formado e praticamente reto (altura máxima do arco: 10 milímetros por 10 centímetros de comprimento de pepino).” No entanto, essa regulação foi abolida em 2008. A curvatura dos pepinos tem sido desde então um tema recorrente nas conversas sobre as regulação da UE na Alemanha e é um dos mitos mais populares sobre a UE no país.

Conclusão

A frase é claramente falsa à luz da regulação atual — e os autores do estudo sabiam-no, tendo-se limitado a testar as perceções dos inquiridos. No entanto, entre 1998 e 2008 existiu de facto um conjunto de padrões mínimos de peso, tamanho e curva para os vegetais e frutas comercializados na UE.

Assim, este conteúdo é:

Enganador

A Europa impõe a privatização de todos os serviços públicos?

Fonte: Les Décodeurs, França

“Se os serviços públicos estão atualmente a ser desmantelados, é sob a pressão da União Europia […]. O artigo 106 […] obriga-nos a privatizar gradualmente, um por um, todos os óptimos serviços públicos franceses.”
(François Asselineau, candidato do URP às eleições presidenciais francesas, 4 de abril de 2017)

Num debate durante a campanha para as eleições presidenciais francesas de 2017, o candidato François Asselineau (UPR, soberanista) declarou: “Se os serviços públicos estão atualmente a ser desmantelados, é sob a pressão da União Europia […]. O artigo 106 […] obriga-nos a privatizar gradualmente, um por um, todos os óptimos serviços públicos franceses” (4 de abril de 2017). Isto é incorreto, não só no caso de França, mas também de todos os outros países europeus.

É verdade que o artigo 106 do Tratado sobre o Funcionamento da UE define os princípios gerais da liberalização dos serviços, incluindo os serviços públicos. Mas François Asselineau cometeu dois erros:

  • Confundiu liberalização com privatização:
    1. Liberalização significa abrir um, outrora, setor monopolista à concorrência, sem matar ou privatizar o operador original. Desta forma, em França, La Poste (os correios) não desapareceu (e, na verdade, manteve-se público), apesar do aparecimento de concorrentes privados.
    2. Privatização significa vender uma empresa pública a acionistas privados. Por vezes, isto acaba por suceder à liberalização (como aconteceu com a Air France), mas a decisão é completamente independente dos tratados europeus e é tomada apenas pelo Governo do Estado-membro em causa (e, normalmente, é provocada por questões orçamentais)
  • Focou-se no elemento errado. Não é o artigo 106 que impõe a liberalização de vários setores económicos. Se fosse, todos os serviços públicos teriam sido liberalizados há muito tempo, dado que esta norma figura nos tratados europeus desde 1957. A política de liberalização económica consiste em diretivas e regulamentos que se dirigem, cada um, a mercados específicos: correios, em 1997 e 2002; eletricidade e gás, em 1996, 1998 e 2003; transporte aéreo, em 1997, entre outros. Além disso, estes “pacotes de liberalização” não são impostos unilateralmente pela Comissão Europeia, mas são trabalhados com os governos europeus e o Parlamento Europeu.

Em 2016, França e Alemanha defenderam, com sucesso, os seus interesses durante negociações sobre a liberalização dos transportes ferroviários. Em particular, eles asseguraram que as empresas SNCF e Deutsche Bahn não seriam desmanteladas, como alguns dos defensores da liberalização pretendiam.

Conclusão

Liberalização não significa privatização e essa escolha depende sempre de cada Estado membro da UE.

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Errado

Pode comprar com libras uma bebida em Dublin?

Fonte: TheJournal.ie, Irlanda

“Quem está a simplificar demais a questão é o Governo irlandês e a Comissão Europeia, ao dizerem ‘Oh, temos de ser uma resposta política rápida’. Não há uma resposta política rápida aceitável. O que eles têm de fazer é olhar para o detalhe, o detalhe dos impostos na fronteira… Não importa se a pessoa tem euros ou libras, qualquer um pode comprar as suas bebidas em Belfast com euros e em Dublin com libras.”
(David Davis, ex-ministro britânico para o Brexit, outubro de 2018)

O antigo ministro britânico responsável pelas negociações do Brexit, David Davis, causou polémica ao dizer, em outubro de 2018, que as pessoas podem comprar bebidas com libras na República da Irlanda e com euros na Irlanda do Norte. Isso é quase totalmente falso.

Davis fez estas declarações durante uma discussão sobre o futuro da fronteira entre as duas Irlandas. O ex-ministro disse que a dificuldade em resolver o que vai acontecer à fronteira depois de o Reino Unido sair da UE foi exagerada. No programa Ridge on Sunday, na Sky News, o deputado conservador disse: “Conheço razoavelmente com a fronteira irlandesa, nos últimos 20 anos”.

“Já lá existe uma fronteira, há uma fronteira aduaneira, há uma fronteira judicial, há um fronteira monetárias. Essas fronteiras funcionam de forma invisível. A única forma de as distinguir é pela faixa no meio da estrada, que muda de cor quando se atravessa a fronteira.”

David Davis disse que as maiores questões relacionadas com a fronteira eram os impostos e o contrabando e que ambas poderiam ser resolvidas pelas autoridades. Depois acrescentou que não interessa qual é a moeda que cada pessoas usa na sua jurisdição.

“Quem está a simplificar demais a questão é o Governo irlandês e a Comissão Europeia, ao dizerem ‘Oh, temos de ser uma resposta política rápida’. Não há uma resposta política rápida aceitável. O que eles têm de fazer é olhar para o detalhe, o detalhe dos impostos na fronteira… Não importa se a pessoa tem euros ou libras, qualquer um pode comprar as suas bebidas em Belfast com euros e em Dublin com libras.

Durante as negociações do Brexit, várias altas figuras políticas no Reino Unido mostraram falta de conhecimento ou entendimento sobre a forma como as coisas funcionam na Irlanda do Norte e na República.

Para que conste, a moeda oficial na República da Irlanda é o euro. E a moeda oficial na Irlanda do Norte é a libra. Alguns estabelecimentos comerciais populares entre os turistas aceitam várias moedas como pagamento, mas isso é algo decidido por cada empresa, de forma individual. Quando questionado sobre as declarações de David Davis, um porta-voz da Vintners’ Federation of Ireland disse que a organização não tem qualquer política oficial sobre a matéria.

"O que eles têm de fazer é olhar para o detalhe, o detalhe dos impostos na fronteira… Não importa se a pessoa tem euros ou libras, qualquer um pode comprar as suas bebidas em Belfast com euros e em Dublin com libras", disse David Davis.

“Alguns estabelecimentos comerciais perto da fronteira aceitam pagamentos em ambas as moedas, mas é uma situação pontual. Depende de cada empresa aceitar ou não pagamentos em libras, disse o porta-voz. Um porta-voz da Fáilte Ireland disse que os responsáveis do turismo “não têm qualquer papel no aconselhamento das empresas turísticas no que diz respeito à moeda porque isso seria matéria comercial relacionada com cada empresa individual”.

Conclusão

Como muitas pessoas destacaram, não é possível usar ambas as moedas em ambas as jurisdições. O câmbio flutuante e o incómodo de ter de trocar dinheiro faz com que a maioria dos estabelecimentos optem por aceitar a sua própria moeda. Alguns estabelecimentos (geralmente, aqueles perto da fronteira ou mais populares junto dos turistas) aceitam qualquer uma das moedas. Ainda assim, isto é a excepção à regra.

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Enganador

Os veículos elétricos vão provocar a extinção de um milhão de postos de trabalho na Europa?

Fonte: Pagella Politica, Itália

“Hoje há um grande entusiasmo em torno dos veículos elétrico. Ninguém, no entanto, está a considerar o impacto social. Na Europa, se pararmos de produzir veículos a gasóleo ou gasolina e só produzirmos veículos elétricos vamos perder um em cada três trabalhos […]. Um milhão de europeus vai deixar de poder ter trabalho”
(Alberto Bombassei, empresário italiano e ex-deputado do partido de centro-direita Scelta Civica, numa entrevista)

A firma de consultoria americana FTI Consulting produziu um relatório, publicado em a 5 de Maio de 2018, da parte da Acea, a companhia que representa 15 das maiores industrias de carros na Europa (BMW, Fiat-Chrysler, Volvo, Volkswagen, Renault, Toyota Europa, etc.) intitulado “Impacto dos veículos elétricos carregáveis nos trabalhos e no crescimento da UE”.

No relatório, encontramos a confirmação da queixa de Bombassei, com cenários ainda mais preocupantes. A premissa é a de que os veículos elétricos (BEVs) – não confundir com veículos híbridos (PHEVs) – requerem menos trabalho do que os veículos de combustão interna (ICEs), tais como os veículos a gasóleo ou gasolina.

Este pressuposto também está presente na avaliação da Comissão Europeia que acompanha as propostas a respeito dos objetivos para o CO2 para o setor automóvel na UE para o período de 2020/2021, produzidos pela firma de consultoria Ricardo Energy & Environment.

Mas, como enfatiza o relatório da FTI Consulting, a Comissão Europeia não calcula o quão menos trabalho iria ser preciso no caso de uma troca de ICEs para BEVs. De acordo com os estudo citados pelo relatório – particularmente aqueles produzidos pelo IFO Institute, o maior centro de economia da Alemanha, e pela UBS – 60% dos trabalhos da industria automóvel iriam ser negativamente afetados.

Em cerca de 3 milhões de trabalhares empregados no setor, 1,8 milhões estão, aparentemente, em risco – quase 2 em cada 3.

Num relatório é possível encontrar a confirmação da queixa de Bombassei, com cenários ainda mais preocupantes: a premissa é a de que os veículos elétricos requerem menos trabalho do que os veículos de combustão interna, como os veículos a gasóleo ou gasolina.

Muitos trabalhadores estão atualmente empregados na produção de componentes que deixariam de ser necessários para a produção de veículos. Estes trabalhadores iriam, por isso, estar em risco de perder os seus trabalhos. Eles também iriam enfrentar dificuldades em aproveitar as novas oportunidades de trabalho proporcionadas pela nova tecnologia elétrica, porque, geralmente, não têm as qualificações necessárias. Para mitigar os danos, seria necessário um investimento significante na aprendizagem de novas competências.

Os cálculos da Comissão Europeia

Outros relatórios vão dar a diferentes conclusões. A Comissão Europeia, na avaliação do impacto citada pela FTI Consulting e produzida em fevereiro de 2018, faz previsões a longo prazo (2020-2040) que têm em conta tanto a perda de trabalhos na industria tradicional automóvel e a criação de novos trabalhos devido à tecnologia elétrica.

De acordo com a instituição europeia, o impacto desta transformação na microeconomia é mínimo. No que toca ao trabalho, especificamente, no cenário a médio prazo – onde o objetivo é reduzir as emissões nocivas em 30% para 2030 – haveria um ligeiro aumento do emprego, entre 0,02% e 0,065%. A perdas de trabalho no setor industrial seriam, na verdade, compensadas pela necessidade de novas posições no setor da energia elétrica.

Em termos absolutos, de acordo com a avaliação da Comissão Europeia, os trabalhos em risco se as baterias elétricas forem produzidas fora da EU seriam cerca de 34 mil e 500.

O briefing da The Transport&Environment

Uma terceira fonte chega a conclusões não mais dramáticas: um briefing em 2017 pela Transport&Environment, um grupo que reúne dezenas de organizações ambientais e financiadas pela Comissão Europeia, bem como ministros do meio ambiente de muitos países europeus.

Em cerca de 3 milhões de trabalhares empregados no setor, 1,8 milhões estão, aparentemente, em risco – quase 2 em cada 3

De acordo com este briefing, “a evidência sugeria que os trabalhos vão mudar na industria automotora, mas vai haver um aumento liquido no emprego pela economia de 500-850 mil. Estimativas de quantos trabalhos vão ser perdidos na [industria] automotora são muito incertos mas parece provável no médio prazo a 2030 nenhum ou vários”.

Uma grande parte de incerteza relacionada com a industria automotora, de acordo com o briefing, depende que quão disposta estará a industria manufatura na Europa a investir em nova tecnologia.

Se, em 2030, não se produzir nem um carro elétrico na Europa, as perdas de trabalhos irão para os 32%, de acordo com este cenário base. Se 10% dos veículos elétricos forem produzidos na Europa, as perdas cairão para 28%. Se a produção atingir os 90% e as baterias também forem produzidas na Europa, praticamente não vai haver impacto. E se a produção fosse tal que pudesse suportar exportações (120%), os empregos iriam, na verdade, atingir os 108% de acordo com este cenário base.

Conclusão

Estamos a falar do futuro, cenários hipotéticos, onde muitas variáveis imprevisíveis entram em jogo, por isso quaisquer avaliações devem ser vistas com cautela. Logo, uma hipótese é sugerir que um milhão de europeus estarão no desemprego. sA margens de incerteza são tais, porém, que ainda não podemos excluir qualquer cenário.

Assim, este conteúdo é:

Inconclusivo

Os limitadores de velocidade automáticos vão ser obrigatórios em 2021?

Fonte: 20 Minutes, França

“Um sensor de velocidade automático vai ser obrigatório no teu carro dentro de dois anos!!!!!!!!!”
(Site francês Roulez Libre, num artigo datado de 25 de fevereiro de 2019)

O artigo publicado pelo Roulez Libre foi partilhado em várias páginas do Facebook que tratam notícias sobre carros e direitos dos condutores. É baseado num comunicado do socialista Marc Tarabella, membro do Parlamento europeu, cujo mandato inclui a defesa do consumidor, a agricultura e a igualdade de género.

Os limitadores de velocidade, a serem tornados obrigatórios, têm sido justificados com os números negros da sinistralidade rodoviária

Arquivo T&Q

“Apesar da queda contínua nos números, ainda há muitas vítimas de acidentes de trânsito na Europa. Ao longo dos últimos meses, temos trabalhado num texto que poderia salvar 25 mil vidas em 16 anos e reduzir ferimentos graves em 140 mil. Entre as medidas que vamos votar estão: a adaptação inteligente à velocidade, a monitorização da sonolência do condutor e outros instrumentos que visem limitar os ferimentos por atropelamento de pedestres e ciclistas, e tudo isso para para todos os veículos novos”, afirma no documento, resumido pelo site noticioso Sudindo.be e citado pelo site Roulez Libre.

Esta medida ainda precisa de ser votada para que entre em vigor e torne obrigatória essa tecnologia do controlo inteligente de velocidade, recomendada pela agência de segurança rodoviária francesa há vários anos. “Isso deve acontecer se o projeto, que foi aprovado, por uma larga maioria, por um comité de trabalho no início de fevereiro, for adotado durante uma sessão de plenário que, provavelmente, acontecerá em abril”, confirmou o Parlamento Europeu ao 20 Minutes.

“Os grupos políticos concordam com o princípio por isso, em teoria, deveria ser adotado. Uma vez aprovado, os Estados-membros têm 24 meses para garantir que o texto é aplicado”, diz o órgão, o que forcaria a sua entrada em vigor por volta de 2021.

O Parlamento Europeu acrescenta que “o texto estipula que os condutores não serão capazes de desativar a tecnologia. Sobre a natureza exata do mecanismo, ele oferece muito espaço para a interpretação dos construtores, a quem o aviso foi dado anos anos para que se pudessem adaptar”. A prioridade é assegurar que essa mudança não signifique “custos adicionais” para os condutores.

Conclusão

Embora ainda não haja certezas, é possível que a notícia se torne realidade, quando a proposta for votada.

Assim, este conteúdo é:

Praticamente certo

A bandeira europeia é inspirada no Cristianismo?

Fonte: 20 Minutes, França

“Francamente, vamos tolerar isto? Isto é a República Francesa, não é a Virgem Maria.”
(Jean-Luc Mélenchon, deputado francês do partido de esquerda “La France Insoumise”, quando descobriu uma bandeira europeia na câmara da Assembleia Nacional Francesa, a 20 de junho de 2018)

A frase de Jean-Luc Mélenchon deu origem a repetidos ataques de deputados do mesmo partido a um dos símbolos da União Europeia. A 11 de outubro de 2018, Alexis Corbière manifestou-se contra a bandeira, em nome da laicidade. “O criador [da bandeira], Arthur Heitz, sempre aceitou que isto era um símbolo religioso”, disse o deputado. “Esse simbolismo, de fundo azul e doze estrelas, é diretamente inspirado no medalhão dedicado à Virgem Maria que Heitz usava em volta do pescoço, oriundo da Capela Nossa Senhora da Medalha Milagrosa [em Paris] [Chapelle Notre-Dame-de-la-Médaille-miraculeuse]”, acrescentou.

Pode a bandeira da União Europeia ser um disfarce para um símbolo de origem cristã? Oficialmente, não: “As estrelas representam os ideais de unidade, solidariedade e harmonia entre os povos da Europa”, afirma o site oficial da União Europeia. “O número de estrelas não tem nada a ver com o número de países membros, embora o círculo seja um símbolo de unidade”, acrescenta.

A bandeira tornou-se oficial em duas etapas: em 1983, o Parlamento Europeu votou que fosse um emblema e em 1985, os chefes de Estado e de Governo da União Europeia ratificaram essa decisão.

Antes de se tornar a bandeira da Comunidade Económica Europeia e da União Europeia, este símbolo era a bandeira do Conselho da Europa, que tinha 15 membros à época. No início dos anos 50, o Conselho estava à procura de uma bandeira e foi a esse período que Alexis Corbière se referiu. A história refere que Arthur Heitz, um funcionário público e pintor, apresentou um projeto para uma bandeira azul com um círculo de 12 estrelas douradas e que a ideia acabou por ser aceite. Ainda assim, esta narrativa é questionada por testemunhos da época.

“As estrelas representam os ideais de unidade, solidariedade e harmonia entre os povos da Europa”, afirma o site oficial da União Europeia. “O número de estrelas não tem nada a ver com o número de países membros, embora o círculo seja um símbolo de unidade”, acrescenta.

Arthur Heitz foi, aparentemente, inspirado por uma medalha de 12 estrelas, a da Capela de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa em Paris. A história é corroborada por uma única testemunha, Pierre Caillon, um pastor da igreja, entretanto já falecido. Num site da sua autoria, Pierre Caillon deu conta de uma reunião com Heitz em 1989. Supostamente, esse foi o ano em que o pintor confessou a história sobre a origem da bandeira, que remetia a um período católico. No entanto, não foi encontrado nenhum vestígio desse tempo histórico no catálogo da Biblioteca Real da Bélgica, nem na biblioteca do Vaticano.

Robert Bichat, o relator responsável por supervisionar a criação da bandeira, conta ainda outra história sobre o significado da bandeira: “O fundo azul significa o céu do mundo ocidental, as estrelas representam os povos da Europa e formam um círculo como um sinal de União. O número invariável de estrelas é doze, símbolo da perfeição e da plenitude”. Várias bandeiras foram apresentadas antes da escolha desta que conhecemos nos dias de hoje. Entre as várias candidaturas, aquelas que apresentavam a cruz, um símbolo cristão, foram rapidamente descartadas, diz Robert Bichat: “A inspeção levada a cabo revelou rapidamente que era impossível utilizar um emblema em que aparecesse uma cruz. Afinal, o Conselho da Europa incluía um povo não cristão: a Turquia. E a maioria dos socialistas de vários países da Europa eram contra a utilização deste símbolo”. Tendo em conta o contexto, e ao contrário da sugestão dos deputados da “France Insoumise”, era improvável que uma bandeira que fizesse uma referência explícita ao cristianismo fosse adotada como símbolo oficial.

Os registos históricos mostram que seria improvável que uma bandeira de inspiração cristã fosse aprovada

AFP/Getty Images

Uma reportagem da autoria de Paul Lévy, o belga que foi diretor de informação e imprensa no Conselho da Europa na década de 1950 e participou da criação da bandeira, também lembra vários projetos que foram rejeitados. Os membros do Conselho da Europa com a utilização de um círculo de estrelas, mas não chegaram a acordo sobre o número de estrelas representadas. Inicialmente existiam 15 estrelas, mas o número caiu para 12 por razões de política e de superstição (por forma a evitar o número 13).

“Foi então que apareceu novamente a ideia, que já tinha sido proposta, de adotar o número 12 como uma escolha simbólica e permanente”, explica Lévy. Para ele, 12 é “um sinal de perfeição e plenitude, é o número de signos do zodíaco, o número de trabalhos de Hércules, o número de apóstolos, o número de filhos de Jacob, o número de horas por dia e de meses por ano”. Nesta reportagem, Paul Lévy é referido como o criador da bandeira europeia.

Conclusão

A pergunta final é quem está verdadeiramente na origem do círculo de doze estrelas sobre um fundo azul? É muito provável que tenha sido uma criação coletiva, fruto de compromissos entre vários Estados-membros do Conselho da Europa, como relatado por Paul Lévy e Robert Bichat. E não o trabalho de um único homem inspirado pelo catolicismo.

Assim, este conteúdo é:

Errado

Nota: o trabalho de fact checking de cada um destes pontos é dos vários parceiros da plataforma FactCheckEU, a edição de cada um deles neste artigo é da responsabilidade do Observador.

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