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O escritor norte-americano publicou em 2019 o ensaio "Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-almoço", agora editado numa tradução portuguesa
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O escritor norte-americano publicou em 2019 o ensaio "Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-almoço", agora editado numa tradução portuguesa

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O escritor norte-americano publicou em 2019 o ensaio "Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-almoço", agora editado numa tradução portuguesa

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Foer, o ativista pelo clima que vive numa luta interior. "Não podemos fingir que estalamos os dedos e mudamos radicalmente"

Escritor e ativista, Jonathan Safran Foer assume-se como um dos que conhecem as alterações climáticas, mas não conseguem mudar de vida. "Ainda preciso de força de vontade para comer como vegetariano."

Jonathan Safran Foer tem uma proposta concreta para cada um começar já o combate às alterações climáticas: deixe de comer produtos de origem animal ao pequeno-almoço e ao almoço. A ideia surge no novo livro do escritor norte-americano — mais conhecido por obras de ficção como “Extremamente Alto e Incrivelmente Perto” ou “Está Tudo Iluminado” —, que entretanto abraçou também o ativismo pelo clima e no ano passado lançou o ensaio “Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-almoço“. É esse livro que agora chega às livrarias portuguesas, com uma tradução editada pela Objectiva, de que o Observador publicou um excerto no último fim-de-semana.

É um ensaio sobre as alterações climáticas, é certo, mas sem qualquer intenção de ensinar aos leitores nada de novo sobre o aquecimento global, as emissões poluentes ou o que a ciência nos diz sobre o inevitável desastre para que o planeta caminha. Trata-se, acima de tudo, de um retrato da luta interior de um escritor consciente dos factos, dos números e da ciência, mas incapaz de mudar a sua própria vida para ajudar a alterá-los. No livro, Foer apresenta dados — como o impacto dos combustíveis fósseis nas emissões poluentes, o peso da indústria da carne nas alterações climáticas ou as consequências da desflorestação —, apenas para, no fim, concluir que nenhum destes factos, já conhecidos de todos, lhe perdura na mente o tempo suficiente para se sentir impelido a mudar de vida.

Numa entrevista ao Observador a partir de Nova Iorque, Jonathan Safran Foer explica como as suas próprias lutas interiores o levaram a escrever o livro e critica o silêncio generalizado em torno das questões da alimentação. O escritor lamenta que a narrativa sobre as alterações climáticas se foque nos combustíveis fósseis e na poluição provocada pelas grandes indústrias — e não naquilo que cada um pode mudar já a partir da próxima refeição: a sua própria alimentação. Foer condena ainda a tentação de colocar as culpas nos negacionistas das alterações climáticas como forma de justificar a inação daqueles que acreditam na ciência. Porém, não tem dúvidas sobre Donald Trump: “Ninguém está a fazer pior” ao planeta do que o Presidente dos EUA, país onde o lóbi da indústria da carne é, garante, maior que o das armas.

Pré-publicação. Querem salvar a Terra? Comecem em casa

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Num artigo que publicou recentemente no New York Times, escreveu uma frase que parece resumir o ponto principal do seu livro. Diz que “não precisamos de ser convencidos de nada que ainda não saibamos, precisamos de nos ouvir a nós próprios”. Acredita que a maioria das pessoas já conhecem a real dimensão da crise climática, mas simplesmente não mudam as suas vidas de acordo com aquilo que já sabem?
Penso que a maioria das pessoas o sabem, mesmo que não conheçam os detalhes. De facto, penso que a informação é sempre tão necessária quanto útil e que, quanto mais informação tivermos, mais fácil é tomar decisões corretas. Mas a maioria das pessoas — e, seguramente, a maioria das pessoas que lerem esta entrevista — estão inteiramente familiarizadas com a ciência básica, com a ciência necessária das alterações climáticas. A maioria das pessoas sabe quais são as atividades mais destrutivas para o ambiente. Mas o conhecimento não é suficiente. Há um passo adicional, um salto adicional que tem de ser feito entre aquilo que sabemos e aquilo que fazemos.

É aí que entra o papel das emoções? A dada altura no livro, apresenta uma lista de factos sobre as alterações climáticas e conclui que as pessoas não se relacionam diretamente com eles e não passam à ação.
Estamos habituados a pensar que são as emoções que vão cobrir a distância entre aquilo que sabemos e aquilo que fazemos. O problema é que as emoções podem não vir. Por alguma razão, e provavelmente há várias razões, é difícil importarmo-nos com as alterações climáticas. Não devia ser. E a maioria das pessoas acredita que se importa. Mas as nossas ações não refletem que nos importamos, e se as nossas ações não o refletem… até que ponto é que nos importamos verdadeiramente? E não digo isto para julgar ninguém ou de maneira hipócrita. Este é o meu problema. Não escrevi o livro por achar que tinha atingido algum tipo de iluminação que queria partilhar com as outras pessoas. Antes pelo contrário: sentia-me muito perdido nas minha próprias lutas e pensei que podia ser bom explorar e partilhar essas lutas.

"É difícil importarmo-nos com as alterações climáticas. Não devia ser. E a maioria das pessoas acredita que se importa. Mas as nossas ações não refletem que nos importamos"

Usa o verbo “acreditar” de uma forma muito particular. Quando mostra aquela lista de factos sobre as alterações climáticas, diz que conhecemos os factos, mas não acreditamos neles. O que é que quer dizer?
A diferença entre reconhecermos intelectualmente alguma coisa e reconhecermos alguma coisa com os nossos corações. Para nós é fácil ignorar coisas que reconhecemos intelectualmente e muito, muito difícil ignorar coisas que os nossos corações conhecem. Se eu perguntar “acredita na ciência das alterações climáticas?”, praticamente toda a gente acredita. Até nos Estados Unidos, onde estamos atrás do resto do mundo. Acreditamos na ciência. Mas será que acreditamos nas implicações da ciência? Se acreditássemos, se acreditássemos que só temos um número finito de anos, sejam cinco, dez ou quinze anos, ou vinte anos, para fazer mudanças dramáticas ou vamos entrar num processo de destruição a que não podemos escapar, independentemente do que fizermos… Se verdadeiramente acreditássemos nisto com os nossos corações, era a única coisa de que se falava.

E o maior problema é que não acreditamos? Por exemplo, no seu caso, diz que escreveu este livro para ver qual era a sua própria reação aos factos, à ciência. Como é que escrever este livro mudou a sua visão e a sua vida em concreto?
Tal como a maioria das pessoas, eu não sou consistente. Às vezes, é muito fácil para mim acreditar, nesse sentido mais profundo. Quando vejo imagens da Amazónia a arder, quando vejo uma supertempestade a aproximar-se de uma cidade costeira, ou quando acabo de ler um ensaio persuasivo sobre o assunto, claro que acredito. E estou completamente motivado para mudar. Mas essas mudanças são quase sempre de muito curta duração. E normalmente não estamos a ver essas imagens, não estamos a ser confrontados com essas realidades. Habitualmente, estamos só a viver as nossas vidas, a tratar das coisas de que precisamos de tratar. Por isso, o que precisamos de descobrir é uma forma de sermos consistentes na forma como nos importamos e como agimos. Fazer o que está certo mesmo quando não o estamos a sentir.

É por isso que diz que as alterações climáticas não são uma boa história para contar — e por isso é que habitualmente não são o assunto de livros, filmes, arte no geral?
São uma história muito complicada. Há tantas componentes diferentes, não é elegante, não é simples, frequentemente não é acessível. Não há heróis nem vilões icónicos.

Então porque é que escreve sobre estes assuntos? É um desafio para um escritor habituado a outro tipo de livros?
Bom, eu escrevi sobre isto, obviamente, em não-ficção. De certa forma, nem sequer me senti como um escritor quando estava a fazer isto, no sentido em que habitualmente penso em mim como um escritor. É um estilo muito diferente de escrita. Não saberia… Tentei, mas não saberia como contar a história das alterações climáticas de um modo ficcional. Não sabia como o fazer de forma a ser credível, não sabia como o fazer para que fosse interessante ou sentido… Ainda assim, queria participar. Queria perceber algumas coisas na minha própria vida e queria comunicar aquilo que, nesse processo, estava a perceber. Tive a experiência de escrever o “Comer Animais”, o que me ajudou, porque comecei a aprender uma linguagem, uma forma de comunicar como escritor no mundo da não-ficção.

Jonathan Safran Foer Presents "Possiamo Salvare Il Mondo Prima Di Cena" (WeAreTheWeather)

Jonathan Safran Foer já tinha publicado, em 2009, o livro "Comer Animais", primeira experiência em não-ficção sobre questões ambientais

Getty Images

Mas neste momento estou a entrevistar um escritor ou um ativista pelo clima?
Poderia dizer ambos, e seria obviamente verdade. Mas não é assim que penso relativamente a isso. Para mim, penso que está a entrevistar uma pessoa que tem várias identidades. Sim, uma das minhas identidades é ser escritor, outra é ser ativista, outra é ser pai, americano, judeu… Muitas identidades diferentes. Espero — e nem é bem uma esperança, é inevitável — ter trazido um pedaço de cada uma delas para este livro. É isso que cada um de nós tem de fazer no que toca às alterações climáticas: encontrar uma forma de trazer as nossas diferentes identidades para o problema.

Quando lemos o livro, podemos sentir que estamos a testemunhar as suas próprias lutas interiores: alguém a tentar convencer-se a si próprio a agir com base naquilo que já sabe tão bem. Como é que o livro mudou as suas próprias ações?
De muitas formas diferentes. Simplesmente, em termos de alimentação, consolidou algumas escolhas das quais já me tinha começado a aproximar. Decidi seguir a dieta que proponho no livro, que é não comer produtos de origem animal antes do jantar. Mas é interessante que também me tenha afetado de outras formas. Muitas vezes, nem foi propriamente a escrita, mas as conversas que tive depois de o livro ter sido publicado, ouvir o que os leitores fizeram. Influenciou muita coisa, desde as minhas escolhas relativamente a viagens de avião ou de carro, até outras coisas que nem têm nada a ver com as alterações climáticas. Se encomendo os meus livros online ou se os compro numa livraria, por exemplo. Às vezes, as pessoas perguntam-se: “Porque é que hei de me preocupar com a alimentação quando há tantos outros problemas no mundo?” Na minha experiência, não é uma questão de tirarmos a preocupação de um lado para a colocarmos no outro. É como um músculo que cresce com o uso. Enquanto explorava as alterações climáticas e as minhas próprias respostas, acabei por explorar a forma como me importava com uma série de outras coisas.

Obviamente, a alimentação é o principal tema do livro. Mas o livro só se foca na questão da indústria da carne ao fim de 80 páginas — e fica-se com a ideia de que isso é uma crítica à forma como atualmente, muitas vezes, falamos das alterações climáticas sem mencionar aquilo que está mais ao nosso alcance mudar, que é a alimentação. Estamos demasiado confortáveis com os nossos hábitos alimentares para os encararmos como uma ameaça?
A alimentação é a interseção de tantos aspetos diferentes da vida. Cultura, emoção, religião para algumas pessoas, identidade nacional… Dá-nos prazer físico, prazer psicológico. Comemos da forma como comemos ao longo de toda a nossa vida, da forma como os nossos pais e os nossos avós comeram, em muitos casos. Penso que é natural que seja extremamente difícil mudar. Mas os humanos são bons a mudar, mesmo quando é muito difícil. A cultura em que vivemos agora é tão diferente da cultura em que eu cresci e os meus hábitos agora são muito diferentes dos hábitos que eu tinha em criança. Só porque temos muito para ultrapassar, não significa que não seja possível.

Porque é que acha que a narrativa das alterações climáticas está mais focada nos combustíveis fósseis do que na indústria da carne? Essa é a principal crítica que faz no início deste livro: estamos a contar a história das alterações climáticas sem falar do elefante na sala, que são os nossos próprios hábitos alimentares.
Por muitas razões diferentes. A indústria da carne fez um excelente trabalho a esconder a ciência. São um lóbi muito poderoso, muito manipulador, que tem mentido aos consumidores há décadas.

"Estamos a passar por um momento de mudança real no que diz respeito às histórias que contamos sobre as alterações climáticas, mas também no que diz respeito à disponibilidade das pessoas para ouvir essas histórias e para agirem de acordo com elas"

Pode dar alguns exemplos das mentiras de que fala?
Um exemplo fácil é a informação nutricional. A ideia de que precisamos de carne para a proteína, quando certamente não precisamos. Não é uma opinião, é ciência muito unânime. Nos Estados Unidos, os vegetarianos comem 70% mais proteína do que a quantidade recomendada. A ideia de que precisamos cálcio para termos ossos fortes, para prevenir a osteoporose, quando na verdade alguns dos países com as menores taxas de osteoporose no mundo, como o Japão, consomem menores quantidades de leite e lacticínios. Esta é a influência do lóbi da carne no Governo norte-americano e nas informações nutricionais, seja através de anúncios — como a campanha Got Milk? —, seja através dos conselhos nutricionais dados pelo Governo. Isso afeta verdadeiramente o pensamento das pessoas. Imagine que é pai e está a pensar em como alimentar o seu filho, e está a ser convencido de que precisa de lhe dar estes alimentos para ele ser saudável. Claro que lhos dá. Mas isso não quer dizer que seja verdade. Também acho que é mais fácil pedir às pessoas que conduzam menos ou que viajem menos de avião do que pedir-lhes que comam menos carne. Parece um passo maior do que os que a maioria das pessoas está disponível a dar.

Então volto à primeira questão: tendo em conta a forma como o foco é colocado nos combustíveis fósseis, parece-lhe que a maioria das pessoas está consciente de que a alimentação é uma das principais causas das alterações climáticas?
Penso que as ligações estão a ser feitas agora. Estamos a passar por um momento de mudança real no que diz respeito às histórias que contamos sobre as alterações climáticas, mas também no que diz respeito à disponibilidade das pessoas para ouvir essas histórias e para agirem de acordo com elas. Quando comecei a escrever o “Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-almoço”, era muito difícil encontrar alguma coisa em qualquer meio de comunicação social mainstream sobre as relações entre a alimentação e o ambiente. Desde essa altura — e não foi por causa do livro, começou muito antes de o acabar —, está por todo o lado. Tornou-se uma tendência, até, nos Estados Unidos. A informação que agora incluímos também é muito diferente daquela que incluíamos no passado recente.

Escreve muito sobre as suas próprias dificuldades em cumprir os conselhos que dá. No que toca à questão da carne, por exemplo, argumenta que devíamos deixar de comer animais, mas também admite que às vezes a comia, por uma questão de conforto. Dizer isto aos leitores é uma forma de lhes assegurar que não estão a ser julgados por alguém moralmente superior?
Certamente, não estou a julgar ninguém e não sou superior a ninguém (risos). Não como carne há vários anos, mas quero a toda a hora. Entendo completamente as pessoas que dizem que, simplesmente, é uma parte demasiado valiosa das suas vidas de que seria muito difícil abdicar. Ontem tive uma conversa com uma pessoas que me perguntou se eu ainda preciso de força de vontade para comer como um vegetariano. E eu disse que sim. Basicamente, em todas as refeições. Gostava que fosse diferente, soaria melhor se fosse diferente, mas esta é a minha realidade. Pessoas diferentes levam tempos diferentes a fazer mudanças diferentes. Para algumas pessoas, seria muito fácil deixar de andar de avião, por exemplo. Para outras pessoas, é muito fácil deixar de comer carne, para outras é muito fácil não ter filhos. Não precisamos de ser todos iguais, não precisamos todos de seguir o mesmo caminho, nem sequer precisamos todos de chegar ao mesmo destino. Mas precisamos de fazer o máximo que pudermos, enquanto indivíduos, para sermos honestos com nós próprios sobre quanto podemos fazer. Nos dois sentidos. Não podemos fingir que podemos estalar os dedos e mudar radicalmente as nossas vidas. A maioria das pessoas não o consegue fazer. Mas também não podemos fingir que somos incapazes de mudar.

Há um momento, na parte final do livro, em que está a discutir com a sua própria alma, e diz que passou dois anos a escrever o livro para persuadir o maior número possível de pessoas a mudar as suas vidas. Quando pergunta se isso é suficiente, a resposta é que não, que devia começar por mudar a sua própria vida. Vê este tipo de luta interior nas pessoas à sua volta?
Honestamente, não faço ideia. Imagino que a maioria das pessoas sejam como eu e não tenham esta luta interior muito frequentemente. Simplesmente, não estão a pensar nela. Mas essa é a minha maneira normal de ser. Tenho de ser muito cuidadoso, senão nunca penso nisto. É tão conveniente não pensar nisto. Para não dizer que a vida é muito ocupada e há muitas outras coisas para pensar e que parecem ser muito mais urgentes ou importantes. Assumo que a maioria das pessoas sejam semelhantes, mas simplesmente não pensem nisso muito frequentemente. E, quando o fazem, têm debates interiores e há uma fricção entre aquilo que as querem fazer, ou sabem que têm de fazer, e aquilo que verdadeiramente fazem.

É por isso que dá tantos exemplos de histórias em que compara as alterações climáticas a situações da vida com as quais nos podemos relacionar de forma mais imediata?
Sim. Tento, nas primeiras sessenta ou setenta páginas do livro, estabelecer esta ideia. Em primeiro lugar, a diferença entre saber e acreditar, de que já falámos há pouco, mas também os desafios da mudança, que são muito reais. Temos, em primeiro lugar, de ser sérios relativamente a eles antes de pensarmos exatamente naquilo que vamos fazer.

"Ninguém está a fazer pior do que Donald Trump. Os indivíduos não têm o mesmo poder que um responsável político eleito, e não há nenhum responsável político eleito no planeta que tenha mais poder do que ele"

Diz também que sobrevalorizamos a importância dos negacionistas das alterações climáticas, que os usamos como justificação para a nossa própria inação — e que “conhecer é a diferença entre um erro grave e um crime imperdoável”. Acha que as pessoas que acreditam nas alterações climáticas mas não mudam as suas vidas de acordo com o que sabem fazem pior ao planeta do que, por exemplo, Donald Trump?
Ninguém está a fazer pior do que Donald Trump. Os indivíduos não têm o mesmo poder que um responsável político eleito, e não há nenhum responsável político eleito no planeta que tenha mais poder do que ele. O que eu quero dizer é que também temos de olhar para nós próprios, temos de olhar para as nossas próprias formas de negação e também para a nossa falta de participação.

Ou seja, pôr a culpa nos negacionistas das alterações climáticas é uma forma de nos escaparmos à nossa responsabilidade.
Sim. Faz-nos sentir bem com nós próprios, permite-nos criticá-los em vez de nos criticarmos a nós próprios. Permite-nos sentir-nos justos. “Olhem como nós somos melhores que aquelas pessoas. Se eles mudassem…”, em vez de fazermos uma coisa mais difícil, que é questionarmo-nos sobre o que, concretamente, estamos a fazer.

Publicou recentemente artigos no New York Times e no Washington Post a criticar Trump por, durante a pandemia, ter classificado a produção de carne como serviço essencial e ter determinado que os matadouros ficassem abertos. Isto mostra, como dizia antes, o poder do lóbi da indústria da carne?
Claro. É mais poderosa do que a indústria das armas nos Estados Unidos. E também é mais secreta. A ideia de que é essencial neste momento é totalmente ridícula. Mas é uma expressão do poder deles.

Porque outros serviços não foram considerados essenciais…
Fazer um transplante de coração não foi considerado essencial! Ir à escola não foi considerado essencial. Como é que a carne é mais importante que isso? É algo que não consigo compreender.

O que é que esta pandemia nos vai deixar para o futuro? Estamos a fazer esta entrevista pelo telefone, mas talvez em tempos normais tivesse viajado para a Europa e feito uma digressão a apresentar o livro e a dar entrevistas. Isto é algo que pode ficar?
Espero que sim. Temos de o fazer. Não sei qual será o verdadeiro resultado, mas eu sinto que aprendi que muitas das coisas que antes pensava que exigiam viagens aéreas, consigo fazê-las sem viajar de avião. Seria mais agradável ir a Portugal? Claro. Haveria algo de muito bom em aprender como outras pessoas vivem, em testemunhar a pequenez da minha própria experiência? Sim, muito bom. Mas é necessário? Ou como comparamos a necessidade disso com a necessidade de ter um planeta habitável? Não podemos ter tudo — e essa é a lição que estamos a aprender agora. Em vários assuntos. Não podemos ter tudo. Habituámos de tal forma à ideia de que podemos ter tudo o que queremos, na quantidade que quisermos, no momento que quisermos, e simplesmente não é verdade. Se não é verdade, temos de começar a tomar algumas decisões muito difíceis relativamente àquilo que vamos ter e àquilo que não vamos ter.

"Devíamos comer 90% menos de carne e 60% menos de lacticínios. É muito, é intimidante. Mas não é 100% e não tem de ser feito de forma instantânea. Temos de encontrar maneiras de nos afastarmos da carne o mais rapidamente que conseguirmos"

Diz que ao investigar para este livro ficou muitas vezes “chocado” com o que descobriu. Já tem investigado e escrito sobre as alterações climáticas há vários anos. O que é que o chocou mais?
Talvez o sopro de destruição da indústria da carne. O facto de praticamente não haver alternativas a ela. Nos Estados Unidos, é 99,9% da carne que comemos. Na Europa, está provavelmente nos 90 e pouco, 80 e muito, dependendo dos países. Há melhores e piores de produzir este alimento, sem dúvida. Uma quinta industrializada não tem nada a ver com uma quinta tradicional. Ao mesmo tempo, não há forma de contornar muita da destruição ambiental associada ao consumo de animais. As vacas produzem quantidades enormes de metano, independentemente das condições em que são criadas. Tentar compreender a incrível escala do problema foi o mais chocante para mim.

A sua proposta concreta para os leitores não é que se tornem completamente veganos. É que evitem comer produtos de origem animal antes do jantar. Porque é que acha que esta é a melhor ação para ajudar o ambiente?
Não comer produtos de origem animal é a melhor solução. Mas não é a solução necessária e não sei se é uma solução realista. Penso que é muito importante que não olhemos para estas coisas em termos de identidades, mas em termos de causas e efeitos. A causa é o que comemos e o efeito é a destruição do ambiente. Sabemos que temos de reduzir o nosso consumo de produtos de origem animal de forma dramática e até sabemos mais ou menos quanto o devemos reduzir. Devíamos comer 90% menos de carne e 60% menos de lacticínios. É muito, é intimidante. Mas não é 100% e não tem de ser feito de forma instantânea. Temos de encontrar maneiras de nos afastarmos da carne o mais rapidamente que conseguirmos. Por isso, pensei: “Como é que o podemos fazer? O que é mais provável que seja possível para as pessoas, tendo em conta a importância deste alimento para quase toda a gente?” Ao tentar encontrar o equilíbrio entre o que precisamos de fazer e o que podemos fazer, cheguei a esta minha sugestão.

Diz de modo muito claro que “não podemos manter o género de refeições que conhecemos e conservar o planeta que conhecemos” — e até lembra o momento em que viu o documentário “Uma Verdade Inconveniente” e ficou sem saber como passar à ação depois de o ver. Vai medir o sucesso do seu livro pelo número de pessoas que adotarem a sua sugestão?
Essa será uma forma de medir. Penso que outra forma seria perguntar: “Participei nesta conversa? Alarguei esta conversa?”. O mais importante é falarmos sobre isto. Se o meu livro puser as pessoas falar, vou sentir que foi um sucesso.

E quer continuar a escrever sobre as alterações climáticas?
Nunca o quis (risos). Mas senti-me compelido a fazê-lo. Ficaria muito feliz se nunca mais tivesse de escrever sobre isto outra vez, idealmente por não haver necessidade de o fazer. Ninguém sabe o que o futuro traz, nunca imaginei que escreveria este livro. O que espero é que, enquanto escritor, à medida que o tempo passa, seja capaz de me debruçar sobre os temas que mais me preocupam. E isto foi algo que me preocupou muito.

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