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O norte-americano de 19 anos tornou-se o protagonista de um dos maiores escândalos do xadrez no século XXI
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O norte-americano de 19 anos tornou-se o protagonista de um dos maiores escândalos do xadrez no século XXI

O norte-americano de 19 anos tornou-se o protagonista de um dos maiores escândalos do xadrez no século XXI

Génio ou batoteiro? A história de Hans Niemann, o ciclista tornado jogador de xadrez que é protagonista de um escândalo

Viveu nos Países Baixos, era ciclista, apaixonou-se pelo xadrez e subiu como nenhum outro este século. A história de Hans Niemann, o americano de 19 anos que é acusado de batota pelo melhor do mundo.

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Era o assunto em cima do tabuleiro há semanas. Magnus Carlsen, cinco vezes campeão do mundo de xadrez e considerado o melhor jogador de sempre, parecia desconfiar de que um desconhecido jovem norte-americano fazia batota. Durante algum tempo, o norueguês permitiu que o mundo achasse isso mesmo e nada disse. Até decidir dizer.

Escândalo no xadrez: melhor jogador do mundo acusa adversário de batota e recusa-se a jogar

“Acredito que o Hans Niemann fez mais batota, e mais recentemente, do que aquilo que admitiu publicamente. O progresso dele é pouco usual e, durante o nosso jogo na Sinquefield Cup, fiquei com a ideia de que não estava tenso nem completamente concentrado na partida durante momentos críticos em que me superou de uma forma que só alguns conseguem. Esse jogo contribuiu para a minha mudança de perspetiva”, explicou Magnus Carlsen num comunicado que publicou nas redes sociais e onde garantiu que não voltaria a defrontar o norte-americano.

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Ora, este norte-americano, Hans Niemann, tem apenas 19 anos. Saltou para a ribalta no último mês e precisamente à boleia do escândalo iniciado por Carlsen e é, nesta altura, a maior incógnita de um universo do xadrez que parece ter sido definitivamente transportado para o século XXI. Por um lado, Niemann é um génio que venceu o melhor jogador de todos os tempos; por outro, Niemann é um batoteiro cuja mentira teve perna curta. Qual das duas é verdade, porém, ainda ninguém sabe.

FIDE Chess World Rapid & Blitz 2021

Magnus Carlsen é considerado o melhor jogador de xadrez de todos os tempos e acusou Hans Niemann de fazer batota

NurPhoto via Getty Images

Uma derrota, uma desistência, uma acusação

Mas é preciso começar pelo início e pelo primeiro dia em que o nome do jovem norte-americano nascido em junho de 2003 em São Francisco se tornou reconhecido. Em setembro, Magnus Carlsen cruzou-se pela primeira vez com Hans Niemann, Grandmaster – o título mais elevado que um jogador de xadrez pode atingir durante a carreira — desde 2021 e uma personalidade particularmente relevante no universo da rede social Twitch. Nessa Sinquefield Cup, em St. Louis e na partida que é mencionada pelo norueguês no comunicado, aconteceu o impensável: Niemann venceu Carlsen, o que levou o campeão do mundo a desistir de um torneio pela primeira vez na carreira.

Na altura, Magnus Carlsen confirmou a desistência através do Twitter. “Desisti do torneio. Sempre gostei de jogar em Saint Louis e espero voltar no futuro”, escreveu, acrescentando à publicação um vídeo de José Mourinho nos tempos em que treinava o Chelsea, numa flash interview, a dizer “If I speak, I am in big trouble” — ou seja, “Se falar, meto-me em problemas”. Depressa surgiram rumores sobre o facto de o norueguês suspeitar de que Hans Niemann fazia batota. E depressa o norte-americano reagiu a esses mesmos rumores assumindo que fez batota entre os 12 e os 16 anos, mas que “aprendeu com o erro”.

“Estou a dizer a minha verdade porque não quero abrir a porta a interpretações erradas. Tenho orgulho no facto de ter aprendido com esse erro e atualmente dou tudo o que tenho ao xadrez. Sacrifiquei tudo pelo xadrez. Toda a comunidade das redes sociais, assim como todo o universo do xadrez, está a atacar-me e a inferiorizar-me. Ver o meu herói a tentar atacar-me, a tentar arruinar a minha reputação, a tentar arruinar a minha carreira e a fazê-lo de uma forma tão frívola é uma grande, grande desilusão”, disse Niemann em entrevista ao St. Louis Chess Club.

Magnus Carlsen, o melhor jogador de xadrez de sempre, desistiu de uma partida após a primeira jogada. Mas porquê?

Certo é que, na sequência dos rumores, o norte-americano acabou por ser removido do popular site Chess.com, que defendeu a decisão em comunicado. “Já partilhámos com ele provas detalhadas sobre a nossa decisão, incluindo informação que contradiz as suas declarações sobre a extensão e a gravidade da batota. Convidámos o Hans para apresentar explicações e para dar uma resposta na esperança de encontrar uma solução que lhe permita participar novamente no Chess.com”, podia ler-se na nota.

"Sacrifiquei tudo pelo xadrez. Toda a comunidade das redes sociais, assim como todo o universo do xadrez, está a atacar-me e a inferiorizar-me. Ver o meu herói a tentar atacar-me, a tentar arruinar a minha reputação, a tentar arruinar a minha carreira e a fazê-lo de uma forma tão frívola é uma grande, grande desilusão."
Hans Niemann, Grandmaster de xadrez

O escândalo alargou-se de tal forma que até surgiram teorias menos ortodoxas. Nas redes sociais, começou a circular a possibilidade de Hans Niemann fazer batota através da utilização de um brinquedo sexual anal com ligação wireless que recebe informação de uma terceira pessoa que está a assistir à partida com o apoio de inteligência artificial e envia indicações transmitidas através de certas vibrações. E foi neste contexto que os dois jogadores voltaram a cruzar-se, cerca de três semanas depois, num jogo online a contar para a Julius Baer Generation Cup.

Aí, Magnus Carlsen tinha acabado de fazer a primeira jogada contra Hans Niemann quando desligou o ecrã e abandonou a partida sem qualquer explicação. “Vamos tentar dar atualizações sobre isto. Ele desistiu. Levantou-se e foi embora, desligou a câmera e é só isso que sabemos neste momento”, disse a comentadora que estava a acompanhar a transmissão em direto. Uma semana depois, o norueguês deixou-se de pruridos e acusou diretamente Hans Niemann de fazer batota.

Califórnia, Países Baixos, Connecticut, Nova Iorque: a vida de Niemann teve a mala sempre feita

Quem é, afinal, Hans Niemann? À partida, ninguém sabe. Natural da Califórnia, é filho de pai havaiano e mãe dinamarquesa, tendo emigrado com a família para os Países Baixos quando tinha sete anos. Foi por lá que começou a jogar xadrez, aos oito anos e quando frequentava uma escola para crianças sobredotadas. “Mostrei algum talento no primeiro ano em que joguei de forma amadora, cheguei a um rating de 1.000. Mas as coisas estavam algo mornas no início da minha aventura pelo xadrez. Fiquei desmotivado quando o professor de xadrez não me deixou representar a escola nos campeonatos nacionais. E também estava a competir ativamente no ciclismo e a evoluir muito mais depressa aí, o xadrez não era uma prioridade até voltar aos Estados Unidos”, contou Niemann, na primeira pessoa, ao site Chess Life.

St. Louis Cityscapes And City Views

O escândalo começou em St. Louis, na Sinquefield Cup, quando Niemann venceu Carlsen e levou o norueguês a desistir do torneio

Getty Images

Mas o norte-americano até fazia mais do que ciclismo. Nos Países Baixos, também praticava natação e jogava futebol – ou seja, o xadrez estava longe de ser prioritário. Tudo isso mudou quando a família decidiu voltar aos Estados Unidos. “A minha família mudou-se outra vez para a Califórnia, para os subúrbios de Berkeley. A Bay Area é um dos centros do xadrez nos Estados Unidos, comparável a Nova Iorque ou a Dallas. Embora tenha continuado no ciclismo depois de voltar, acabando mesmo por chegar a número 3 do ranking nacional para a minha idade, o xadrez conquistou-me depressa. Tinha acesso a muitos torneios. Foi o início da minha carreira”, revelou o jogador.

Disputou mais de 100 torneios no primeiro ano de regresso aos EUA, deixou o ciclismo, subiu o rating de 1000 para 2400 em três anos e foi evoluindo. Aos 12 anos, porém, mais uma mudança: a família decidiu deixar a Califórnia e ir viver para o Connecticut. “A minha família achou que a Costa Leste teria melhores escolas e lá teria acesso a melhores oportunidades no xadrez. Mudei-me a meio do sexto ano e tive aulas em casa no 7.º. Podem pensar que a minha evolução astronómica significa que estava a dedicar-me muito mas, na verdade, era precisamente o contrário: nessa altura, ganhar torneios não exigia grande esforço. O meu ‘plano de estudos’ consistia em jogar Madden Mobile no iPad, ver Netflix e uns 15 minutos ocasionais a ler “My Great Predecessors” do Garry Kasparov. Não admira que tivesse um choque de realidade a espreitar”, contou Hans Niemann.

Basicamente, entre 2016 e 2018, o norte-americano pouco ou nada cresceu no rating. Associa essa estagnação ao facto de ter voltado à escola presencial no oitavo ano, ainda que não esconda que deveria ter-se dedicado mais tanto ao xadrez como aos estudos – não prestava atenção nas aulas, passava o dia a jogar no telemóvel e estava chateado com os pais, que o obrigavam a entrar na universidade independentemente do sonho do xadrez. A dada altura, conformou-se. Entrava em poucos torneios, quase não jogava ou estudava xadrez e entregou-se à escola, subindo as notas dramaticamente a aceitando a ideia de que precisava de uma rede financeira caso a carreira desportiva não tivesse sucesso. Tudo virou, novamente, com uma mudança de cidade.

Quem é, afinal, Hans Niemann? À partida, ninguém sabe. Natural da Califórnia, é filho de pai havaiano e mãe dinamarquesa, tendo emigrado com a família para os Países Baixos quando tinha sete anos. Foi por lá que começou a jogar xadrez, aos oito anos e quando frequentava uma escola para crianças sobredotadas.

“Mudei-me para Nova Iorque no outono de 2019 quando ganhei uma bolsa para estudar na Columbia Grammar and Preparatory School. A minha família ficou no Connecticut – tentem encontrar um apartamento em Nova Iorque para uma família de seis pessoas! –, por isso, estava sozinho. Com a renda para pagar, trabalhava 20 a 30 horas por dia como professor de xadrez enquanto tentava continuar concentrado na escola e no objetivo de entrar numa universidade de topo. Ensinar xadrez ajudou a recuperar a paixão pelo jogo e a minha ambição voltou”, recordou Hans Niemann no texto que escreveu para o Chess Life.

O problema? Estávamos mesmo no início de 2020, ou seja, no início da pandemia. O norte-americano ficou sem aulas, sem alunos e sem rendimentos, recorrendo ao streaming em direto dos jogos que disputava online. Angariou milhares de seguidores, começou a ganhar dinheiro, venceu alguns dos melhores jogadores do mundo através da internet e tornou-se uma personalidade relevante na rede social Twitch. O passar do tempo e o fim das restrições relacionadas com a Covid-19 permitiram-lhe voltar aos torneios, continuar a engordar o rating e chegar o número mágico, 2500, que lhe concedeu o título de Grandmaster em janeiro de 2021 – o patamar mais elevado que um jogador de xadrez pode atingir.

A investigação que pode tornar um rumor num escândalo

Atualmente, é o número 40 do ranking mundial mas ainda mantém o objetivo de entrar numa das melhores universidades dos Estados Unidos. Pelo meio, tornou-se o protagonista de um dos maiores escândalos a que o xadrez assistiu em décadas — e que ainda está longe de acabar. Na semana passada, uma investigação realizada pelo site Chess.com e revista pelo The Washington Post concluiu que Hans Niemann terá feito batota em pelo menos 100 jogos, recebendo “provavelmente assistência ilegal”.

Investigação sugere que Hans Niemann, polémico grande mestre de xadrez, fez batota mais de 100 vezes

Em resumo, a investigação comparou as jogadas escolhidas pelo norte-americano em centenas de partidas com aquelas que são aconselhadas a cada momento por computadores através de inteligência artificial. No fim, as coincidências encontradas foram tantas que o relatório indica que Niemann “fez batota mais do que frequentemente” e que existem seis jogos específicos que “merecem mais investigação baseadas nestes dados”. “De modo geral, descobrimos que Hans provavelmente fez batota em mais de 100 jogos de xadrez online, incluindo vários eventos com prémio em dinheiro. Já tinha 17 anos quando provavelmente fez batota em algumas dessas partidas. Também estava em streaming em 25 desses jogos”, revela a investigação.

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"Acredito que o Hans Niemann fez mais batota, e mais recentemente, do que aquilo que admitiu publicamente. O progresso dele é pouco usual e, durante o nosso jogo na Sinquefield Cup, fiquei com a ideia de que não estava tenso nem completamente concentrado na partida durante momentos críticos em que me superou de uma forma que só alguns conseguem."
Magnus Carlsen, pentacampeão mundial de xadrez

Nenhum dos jogos em questão, porém, foi contra Magnus Carlsen – até porque o relatório refere que não encontrou “evidência direta” de batota nas partidas entre os dois. Ainda assim, a investigação descobriu “anomalias” no percurso de Hans Niemann, que em menos de dois anos foi de número 800 do ranking ao top 50, naquela que foi a evolução mais rápida da história moderna do xadrez e que aconteceu bem mais tarde do que o normal na modalidade.

Para já, o caso está a ter consequências na imagem de Niemann, na forma como os seus jogos são acompanhados e escrutinados e até na cautela adicional adotada sempre que participa num torneio — como ficou claro em St. Louis, nos últimos dias, quando o segurança responsável pelo detetor de metais foi bem mais minucioso com o norte-americano do que com os restantes jogadores. Ainda assim, e mesmo com a investigação já existente, os organismos que regulam o xadrez não abordaram o tema nem abriram a porta a eventuais decisões mais ou menos definitivas. O que significa que se mantém a pergunta: Hans Niemann é um génio que venceu o melhor jogador de todos os tempos ou é um batoteiro cuja mentira teve perna curta?

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