A pressão veio de várias frentes nas últimas semanas. Bloco, PCP, CDS e PAN pediam o pagamento a 100% dos salários aos pais que têm de tomar conta dos filhos devido ao encerramento das escolas, mesmo que as funções sejam compatíveis com o teletrabalho. No Parlamento, a deputada comunista Diana Ferreira tinha chegado a dar conta de “testemunhos dramáticos” de trabalhadores que estão em casa em situação de “desespero” por não conseguirem conciliar trabalho e família. O partido pedia também que fossem abrangidos jovens até aos 16 anos.

No lado das centrais sindicais, a CGTP e a UGT reivindicavam que os salários fossem garantidos a 100% em todas as situações abrangidas pelo apoio e, no caso da central liderada por Carlos Silva, que o alargamento anunciado pelo Governo incluísse todos os trabalhadores com filhos até aos 12 anos.

Até da Provedora de Justiça veio o alerta: estão em causa “direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar, o direito à proteção da família (…) e o direito à parentalidade”, pelo que os pais em teletrabalho e com filhos menores de 12 anos deveriam ter acesso ao apoio à família ou beneficiar do acolhimento em escolas.

Filhos e teletrabalho. Ministra confirma alargamento dos apoios às situações de “difícil conciliação” entre trabalho e crianças em casa

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Governo acabou por ceder, mas só parcialmente. No Conselho de Ministros desta quinta-feira, aprovou o alargamento do acesso ao apoio. Até aqui, era atribuído aos pais com crianças até aos 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, mas estava vedado às situações em que pelo menos um dos progenitores estivesse em teletrabalho. Agora, passam a poder aceder:

  • famílias monoparentais, durante o período da guarda do menor;
  • famílias com, pelo menos, um filho até ao quarto ano de escolaridade (inclusive) porque são situações “em que é manifestamente difícil ou impossível a acumulação entre o teletrabalho e o acompanhamento das crianças”, disse a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho;
  • famílias que têm a cargo, pelo menos, um dependente com deficiência, com incapacidade comprovada igual ou superior a 60%, independentemente da idade.

Os pais não podem aceder em simultâneo ao apoio. A ajuda também se aplica à função pública.

Nalgumas situações, o montante da compensação vai passar dos 66% para os 100% do salário base (não inclui complementos e diuturnidades) — mas é a Segurança Social que paga os encargos deste diferencial. Passam a receber o salário na totalidade as famílias monoparentais que recebam a majoração do abono de família ou as famílias em que os progenitores assumem, de forma alternada, os cuidados. Nos restantes casos, o montante a receber mantém-se nos 66% do salário base, com o mínimo de 665 euros (o salário mínimo desde janeiro) e máximo de 1.995 euros.

Nos casos em que os trabalhadores optem por alternar os cuidados dos filhos, essa alternância tem de ser feita semanalmente, explicou a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Porquê? Porque a medida tem um “objetivo claro de política pública”, para garantir que há uma “efetiva partilha” das responsabilidades parentais e fomentar a igualdade no mercado de trabalho. É que mais de 80% dos pedidos de apoio à família recebidos pela Segurança Social foram feitos por mulheres. A atribuição do apoio será feita com base “em declaração de compromisso dos próprios progenitores” — a única forma de controlo identificada pelo Governo.

14 respostas sobre os apoios aos pais devido ao encerramento das escolas

Pais têm de informar a empresa com três dias de antecedência

Os pais que entendam aceder ao apoio devem informar a empresa três dias antes de passarem para o regime. O alargamento estará também disponível para os trabalhadores independentes, garantiu Ana Mendes Godinho. “Faremos exatamente o mesmo para garantir que [os trabalhadores independentes] têm o mesmo tratamento que os trabalhadores por conta de outrem, assegurando a Segurança Social o diferencial para garantir que têm o mesmo nível de proteção”, disse.

Porém, a pergunta mais feita na conferência de imprensa após o conselho de ministros está relacionada com a entrada em vigor: afinal, quando podem os pais pedir o apoio? Ana Mendes Godinho apenas disse que será “a seguir à publicação do diploma”, mas não referiu nenhuma data concreta. “A alteração foi agora aprovada e segue o processo legislativo normal, entrará em vigor assim que for publicado“, respondeu. Uma ideia repetida várias vezes perante a insistência dos jornalistas.

Certo é que Ana Mendes Godinho justificou o alargamento com o facto de se perspetivar que, durante março, o apoio tenha de continuar em vigor devido à manutenção do encerramento das escolas. A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, também vincou que o desconfinamento — e a reabertura das escolas — não está para breve, até porque “ainda estamos muito longe de números que permitam começar a avançar paro o desconfinamento em breve”. “O número de pessoas em cuidados intensivos é muito elevado e não é compatível com estarmos a criar a expectativa de desconfinamento para breve”, repetiu a ministra. As escolas não estão “desfasadas desta realidade”.

Escolas fechadas. Segurança Social recebeu 61 mil pedidos de apoio à família

Ana Mendes Godinho também não disse quantos trabalhadores podem vir a ser abrangidos, nem quanto vai custar o alargamento. A ministra apenas referiu a adesão até à data, antes das novas alterações: em todo o ano de 2020, 201 mil pessoas estiveram abrangidas, com um custo de 83 milhões de euros. Os valores ficaram muito aquém dos inicialmente previstos pelo Governo: 750 mil abrangidos e um custo de 294 milhões de euros para o total do ano. Este ano, nos primeiros quinze dias do confinamento, foram feitos 68 mil pedidos.

O Observador também questionou o ministério das Finanças sobre o impacto da medida no Orçamento, mas até ao momento ainda não obteve resposta.

Acesso às escolas de acolhimento não vai ser alargada a mais trabalhadores

Questionada sobre se o acesso às escolas de acolhimento será alargado para outros trabalhadores, como professores, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, diz que não há alterações nesse sentido.

“As escolas de acolhimento estão organizadas para poder responder aos pais que sendo trabalhadores essenciais não podem estar em teletrabalho. Pretendem garantir que há uma solução para as pessoas, das estruturas de saúde a segurança. Não é uma medida que corresponda a todos os trabalhadores essenciais, independentemente de poderem ou não estar em teletrabalho”, explica. Por isso, “não há alterações a quem pode ter acesso às escolas de acolhimento”.

Esta tem sido uma das reivindicações das associações de professores — que os filhos dos docentes possam ficar nas escolas de acolhimento —, mas sem sucesso. Estes profissionais podem, no entanto, aceder ao apoio à família nos moldes definidos.

Como é lá fora?

De acordo com a informação agregada pelo Eurofound, um organismo da UE dedicado à política social, a Alemanha tem em vigor um apoio para os pais que percam rendimento porque têm de ficar a tomar conta dos filhos até aos 12 anos em casa, devido ao encerramento das escolas e creches. Porém, só acede quem não tem “outra opção razoável” senão ficar em casa com os filhos. Uma “opção razoável” é, por exemplo, que o outro progenitor ou um familiar possam tomar conta da criança.

Em dezembro de 2020, o ministério alemão responsável pelas políticas familiares mudou a legislação em vigor, permitindo que o apoio também cubra as situações de férias escolares. Ao abrigo desta medida, os progenitores recebem 67% da perda salarial, com um máximo de 2.016 euros. O apoio pode prolongar-se até dez semanas por progenitor ou 20 para as famílias monoparentais. Este período não tem de ser usado de uma só vez, podendo ser repartido ao longo dos meses (enquanto as medidas estiverem em vigor).

Em França, os pais podem pedir uma licença por doença, mesmo não estando doentes, para tomar conta dos filhos, isto se as funções não permitirem o teletrabalho. Por outro lado, abrange as crianças até aos 16 anos e, tal como em Portugal, o pedido é feito pela empresa. Só um pai pode usufruir, trabalhadores independentes incluídos. A medida está em vigor desde março de 2020 e manteve-se ativa enquanto as escolas estiveram fechadas. Em setembro, quando as escolas reabriram, o apoio deixou de estar disponível, mas os pais que não pudessem teletrabalhar podiam ser colocados num esquema semelhante ao layoff, com um salário equivalente a 70% do salário bruto.

Já a República Checa tem um subsídio para pais com filhos menores de 10 anos. O apoio equivale a 70% do rendimento diário, com um mínimo de cerca de 15 euros. E no caso do Luxemburgo, o apoio é até aos 13 anos — mas só se o progenitor não tiver nenhuma alternativa onde deixar os filhos.