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Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum dos Sindicatos da Função Pública, diz ao Observador que o protesto marcado para esta quinta-feira “não é uma greve da Administração Pública”, mas a “jornada de luta” terá, na verdade, várias paralisações em serviços do Estado. E com um simbolismo acrescido: é a primeira greve dos funcionários públicos desde o início da pandemia. Entre os serviços que podem ser afetados estão escolas, autarquias, tribunais, serviços centrais do Estado e a recolha do lixo.
O protesto – que começa já nesta quarta-feira à noite com a recolha do lixo e inclui na quinta-feira uma concentração em frente ao Conselho de Ministros – foi marcado para fazer face à “falta de resposta aos problemas” no Estado por parte do Governo e, mais do que isso, a “falta de vontade” do executivo para negociar. A 4 de maio, quando fez o anúncio, Sebastião Santana fez questão de referir que esta “não foi uma decisão tomada de ânimo leve”. Os sindicatos cansaram-se de esperar.
A Frente Comum, afeta à CGTP, quer um aumento geral dos salários de 90 euros para todos os trabalhadores, revogar o SIADAP (o sistema de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública) e ver corrigida a Tabela Remuneratória Única. Entre a lista de reivindicações está ainda “uma dignificação das carreiras e a defesa dos serviços públicos”.
“A expectativa é grande”, diz o sindicalista ao Observador, antevendo grande mobilização. “A ausência de respostas do Governo a isso obriga. Os trabalhadores não têm vontade nenhuma de perder um dia de salário, mas têm ainda menos vontade de tolerar esta ausência de negociação e de respostas aos seus problemas”.
Em que setores é que o impacto pode ser maior? “Vai fazer-se sentir nas escolas, com pessoal não docente, nas autarquias locais e em serviços centrais da administração pública, como a Segurança Social, Finanças, esse tipo de serviços”, responde Sebastião Santana.
Mas não é todo o Estado que está em greve. Será o caso, em tempos de pandemia, do Serviço Nacional de Saúde, mas também dos bombeiros profissionais, e, por outras razões, dos professores e da generalidade dos transportes públicos.
Escolas podem fechar se funcionários não docentes aderirem à greve
Uma das grandes expectativas para esta quinta-feira é saber o que acontece nas escolas do país. Aparecem ou não os funcionários à hora certa para abrir os portões e garantir os serviços necessários para a realização de aulas? Está em causa o pessoal não docente, em todos os níveis de ensino, a quem se aplica o pré-aviso de greve, segundo a Frente Comum.
No âmbito da transferência de competências para as autarquias, que está em marcha, nem todos esses funcionários trabalham para a administração central, uma vez que há câmaras que já aceitaram competências nalguns níveis de ensino, mas também esses casos são abrangidos pelo pré-aviso de greve.
Se houver funcionários, as aulas deverão ter lugar como habitualmente, tendo em conta que, desta vez, os professores não participam na greve. Sendo convocada por causa do SIADAP e da tabela remuneratória única, a Fenprof não se juntou. “Nem uma nem outra se nos aplica”, esclarece Mário Nogueira ao Observador, porque, “através do estatuto da carreira docente, nós temos uma avaliação específica e também a carreira é diferente”.
“A greve será sobretudo de trabalhadores da administração local e da administração central, mas do regime geral, que não é o caso da Saúde nem o nosso, na Educação”, diz o representante dos professores.
Mário Nogueira diz que a Fenprof tem “solidariedade completa e total” face a uma greve “justíssima”, mas que, não partilhando neste caso os objetivos com a Frente Comum, vão apenas participar na concentração que decorre na parte da tarde. De manhã, têm uma outra ação de protesto à frente do Conselho de Ministros, como está previsto acontecer todas as quintas-feiras deste mês.
Recolha do lixo pode ser afetada já esta noite
Um outro serviço que pode vir a ser afetado pela greve está relacionado com a recolha de lixo nas diferentes cidades do país. Os primeiros sinais de adesão à greve podem ser observados já a partir das 20h desta quarta-feira, quando os primeiros serviços de recolha dos resíduos urbanos começam a funcionar.
No caso de Lisboa, a câmara municipal já alertou que “em virtude do Pré-aviso de Greve convocada para o próximo dia 20 de maio, poderá ser afetado o normal funcionamento do sistema de recolha de lixo na capital”. A informação está a ser divulgada por email aos munícipes que tenham usado a plataforma “Na minha rua”, onde são reportados problemas em espaços públicos, equipamentos municipais e higiene urbana que careçam da intervenção da autarquia ou da junta de freguesia.
A câmara agradece ainda “a melhor compreensão para os transtornos que possam vir a ocorrer”, garantindo que os Serviços de Higiene Urbana do Município “irão desenvolver todos os esforços com vista a minimizar as eventuais consequências da situação assinalada”.
Além disso, após a greve, promete “proceder à rápida normalização do sistema de remoção de lixo e atividades complementares, como a recolha de “Lixos Volumosos”.
Vários serviços da administração central e local em xeque
Se a greve “deverá ser mais visível na recolha de resíduos e no funcionamento de algumas escolas”, como diz José Correia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local e Regional (STAL), não são os únicos serviços a serem potencialmente afetados um pouco por todo o país.
Ao Observador, o sindicalista refere que estão ainda em causa “instalações municipais, serviços operacionais, serviços de tesouraria, jardineiros” e vários outros serviços, num total de “milhares de postos de trabalho que poderão ficar encerrados com esta greve”.
Além da atualização dos salários e do novo regime de carreiras, o sindicalista quer uma correção da tabela remuneratória única, que acompanhe as subidas do salário mínimo nacional (SMN). A tabela “tem de ser revista com repercussão proporcional nos níveis seguintes”, defende.
“A tabela está a ficar achatada e, neste momento, trabalhadores com 30 anos de serviço, à beira da reforma, estão no salário mínimo. Com as sucessivas atualizações do salário mínimo, esses trabalhadores, que estavam um bocadinho à frente, já estão iguais a um colega que amanhã pode entrar para uma autarquia, para a posição mais baixa, que é o salário mínimo”, lamenta José Correia.
Também em relação ao SIADAP, o sistema de avaliação de desempenho, José Correia diz terem ficado “estupefactos na segunda reunião com o Governo”, porque o executivo “ficou de apresentar uma proposta e não apresentou, dizendo não ter tido tempo”. José Correia lamenta que o atual sistema leve a grande maioria dos trabalhadores a terem de “precisar de 10 anos para progredirem de nível”.
Tal como noutros setores do Estado, no caso da administração local e regional a “situação pandémica” deverá deixar “um ou outro setor de fora” desta greve. Estão em causa, por exemplo, “setores ligados a centros de vacinação ou bombeiros”.
Há ainda o caso de “empresas concessionárias de águas e resíduos, que estão a ter um caderno reivindicativo à parte em relação à Aguas de Portugal”. Ou seja, no caso do STAL, “é uma greve para os trabalhadores das autarquias e não para o conjunto dos setores da administração local”.
Não há greve nas maiores empresas de transporte público
Nos transportes deverá estar (quase) tudo normalizado esta quinta-feira. A FECTRANS, federação que agrega vários sindicatos ligados aos transportes, incluindo de empresas públicas, adianta ao Observador que não há pré-aviso de greve, porque, “embora sejam empresas públicas, o estatuto destes trabalhadores não é de funcionários públicos”.
José Manuel Oliveira, presidente desta federação sindical, refere que se “aplicam aos trabalhadores das empresas públicas o Código do Trabalho, tal como nas empresas privadas, enquanto a administração pública tem uma legislação própria”.
O sindicalista admite, em todo o caso, que possa haver greve em alguns transportes municipais, mas mesmo aí empresas das maiores cidades, como Carris, Metro de Lisboa, Metro do Porto ou Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (SCTP) estão de fora, porque “têm acordos de empresa próprios e negociação coletiva própria”, não tendo, por isso, feito pré-aviso de greve.
“São dinâmicas diferentes, cada empresa tem uma dinâmica — enquanto a administração pública tem um processo negocial com o Governo, nós temos diversos processos de negociação, cada uma tem o seu processo de negociação, dinâmicas próprias, momentos próprios“, explica José Manuel Oliveira.
A outra greve no mesmo dia (que é coincidência)
Apesar da normalidade esperada para a maioria dos serviços de transporte, quem pretende atravessar o rio Tejo pode contar com dificuldades nas horas de ponta. É que esta quinta-feira há uma greve paralela no setor dos transportes, na Soflusa e na Transtejo, que “é mera coincidência”, diz ao Observador José Manuel Oliveira.
Sendo uma greve parcial, o impacto de manhã, até aproximadamente as 9h30 “será de forte perturbação” e depois, ao final da tarde, algures entre as 16h e as 18h, “serão os períodos afetados”.
“A greve na Soflusa e na Transtejo deve-se essencialmente à recusa da administração, a mando do Governo, de fazer uma negociação que conduza à revisão dos acordos de empresa das duas empresas com perspetiva de valorizar o trabalho de quem todos os dias labora neste importante setor de transportes da Área Metropolitana de Lisboa”.
“Trabalhadores que ao longo da pandemia estiveram sempre em atividade, asseguraram um serviço de qualidade” e que, “agora, não aceitam que se continue a evocar a pandemia para não se trabalhar no sentido de se inverter aquilo que tem acontecido nos últimos anos, que é a desvalorização dos salários nestas empresas comparativamente com o salário mínimo”.
“A muito curto prazo” algumas das profissões destas empresas, a que se exigem “qualificação e responsabilização”, correm o risco de ficar “niveladas pelo salário mínimo nacional”.