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Crianças transportadas em avião
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Crianças transportadas em avião

Gamma-Rapho via Getty Images

Crianças transportadas em avião

Gamma-Rapho via Getty Images

Há 46 anos, os EUA retiraram 3.000 bebés do Vietname. Alguns morreram no primeiro voo, outros ainda procuram as famílias

Há dias, as fotos de militares com bebés no colo em Cabul foram virais. E fizeram lembrar a Operação Babylift: em 1975, milhares de bebés vietnamitas foram levados para os EUA antes da queda de Saigão

Bebés presos no chão e aos bancos de aviões para se aproveitar melhor o espaço e um aparelho que acabou por se despenhar cheio de crianças. A retirada de menores sem família em países em que um novo regime está prestes erguer-se — como está a acontecer no Afeganistão — não é inédito na história, havendo um caso, sem paralelo, de retirada em massa. Em abril de 1975, na parte sul do Vietname, a operação montada foi de larga escala, muito diferente dos casos que se veem agora nas imagens partilhadas nas redes sociais e que mostram bebés e crianças a serem entregues pelos pais a soldados estrangeiros no aeroporto de Cabul — não se sabe ao certo quantos menores desacompanhados foram recolhidos pelos militares. O que se sabe, porque a história recente o deixa claro é a dureza destas evacuações para os mais novos, sobretudo quando a família fica para trás. E muitos dos bebés do Vietname, hoje homens e mulheres, ainda procuram desesperadamente as suas famílias biológicas.

Confrontados com a escalada do medo que surpreendeu o mundo pela rapidez, os militares que estão no Afeganistão têm recolhido crianças que lhes são confiadas por cima dos muros altos do aeroporto, mas só podem ficar com elas temporariamente, deixando-as depois dentro do próprio aeroporto. É, pelo menos, isso que deve ser feito. Ao Observador, fonte oficial da UNICEF garante que “está a responder às necessidades” dos menores não acompanhados, “tentando estabelecer uma presença segura no aeroporto” para as crianças. Neste “ambiente imprevisível”, a organização assume como prioridade transportar crianças para “espaços seguros” no Afeganistão.

Os relatos de vários familiares afegãos desesperados multiplicam-se na imprensa internacional e nas redes sociais. À entrada do aeroporto de Cabul, uma mãe contou à Sky News que que queria entregar a filha de quatro anos porque o “Afeganistão é talibã e os talibãs são terroristas”. Além disso, a mulher referiu que o “marido é um terrorista talibã”, e que, após se ter juntado ao grupo extremista, a espancava. Uma das histórias que também gerou muito impacto junto da comunidade internacional aconteceu no sábado, quando um bebé foi entregue a membros da marinha norte-americana no aeroporto de Cabul. Ao The New York Times, os militares disseram que a criança estava doente e que “foi levada para uma unidade de saúde e tratada por profissionais médicos”. Depois, voltou a ser entregue ao progenitor.

Mas, apesar de estas serem intervenções muito mais cirúrgicas e pontuais, em que as crianças nem sequer abandonarão o território afegão, a realidade traz à memória a operação Babylift — e o seu fim trágico.

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O desvio de mais de três mil bebés desacompanhados do Vietname para os EUA

Tal como no Afeganistão, o Vietname do Sul estava prestes a mudar de regime. Tendo como pano de fundo um mundo bipolarizado, as forças militares do norte do país, apoiadas pelo bloco comunista, estavam a ganhar terreno e estavam prestes a controlar Saigão, a antiga capital do Vietname do Sul, apoiada militarmente pelos norte-americanos.

Num episódio que ainda nos dias de hoje gera muita controvérsia, o ex-Presidente Gerald Ford levou a cabo a operação Babylift, que permitiu transportar mais de três mil bebés — quase todos a viverem em orfanatos — desde o Vietname até aos EUA. O facto de estarem institucionalizadas não significava, porém, que fossem efetivamente órfãs; segundo conta a PBS, as famílias pobres vietnamitas entregavam os filhos a orfanatos, não com o objetivo de os dar para a adoção — mas para conseguirem que eles tivessem as mínimas condições de vida. Alguns progenitores, principalmente aqueles com outras nacionalidades, também estavam preocupados com a segurança dos filhos e com uma possível represália por parte do regime comunista, daí considerarem ser mais seguro colocá-los num orfanato.

Gerald Ford com um bebé vietnamita nos braços

Getty Images

“Muitos [registos de adoção] não tinham o consentimento dos pais”, denunciou à PBS o advogado norte-americano Tom Miller, responsável por tratar de processos judiciais relacionados com as adoções norte-americanas de bebés vietnamitas, caracterizando a operação como uma das “últimas tentativas desesperadas para que houvesse aceitação da guerra [nos EUA]”.

Havia, no entanto, exceções — alguns pais queriam dar melhores condições de vida aos filhos e entregaram-nos deliberadamente aos norte-americanos. Um desses exemplos aconteceu com Nguyen thi Dep, que, nos dias que antecederam à queda de Saigão, ficou em pânico. Com uma filha de três anos com pai norte-americano (que entretanto já tinha voltado para a Carolina do Sul de onde era originário e onde tinha uma família), temia pelo futuro da criança. “Diziam-me que a iam matar”, relatou há dois anos à Reuters, justificando o porquê de ter decidido tirar a filha do Vietname.

Vários amigos contaram-lhe e deram detalhes sobre a operação Babylift. Rapidamente percebeu que era por aqui que passava o futuro da filha. “Preenchi os papéis para a levar”, conta Nguyen thi Dep, que descreve que nesse momento parecia que o seu “cérebro se estilhaçou”. “Chorei todas as noites durante meses. O meu pai não me falou durante dois meses”, recorda, admitindo ainda que a vida após a mudança de regime se tornou “complicada”.

Voo com bebés a chegaram do Vietname

Hearst Newspapers via Getty Imag

Primeiro avião que transportava bebés vietnamitas despenhou-se — 130 pessoas morreram

A 4 de abril de 1975, semanas antes do fim da guerra, descolou o primeiro voo que trouxe 250 crianças vietnamitas (mais cerca de 60 adultos). Para transportar o maior número de crianças, todos os lugares do avião foram ocupados por dois bebés e algumas tiveram mesmo de ser levadas no chão da parte destinadas às mercadorias. “Colocávamos [as crianças] em pequenos grupos, que ficavam no chão do avião presos com cintos”, viria a lembrar em 2015 à National Public Radio (NPR) a médica Regina Aune, que participou no voo.

Mas a viagem acabou por correr mal. Apenas doze minutos depois de o voo ter descolado, as portas do avião explodiram e parte da empenagem (a parte traseira do avião) acabou por cair. Rapidamente houve uma rápida descompressão e sucederam-se vários momentos de aflição, segundo o que relatou o piloto Bud Traynor à NPR: “O avião estava a perder pressão e a ir cada vez mais rápido [em direção ao solo]”.

No entanto, o piloto conseguiu estabilizar o avião, realizando depois uma aterragem forçada num arrozal. “Nunca vou esquecer esse dia”, afirma Regina Aune, vincando que o episódio ainda “está fresco [na memória] como no dia que aconteceu”. Na sequência deste acidente, 78 crianças e 50 adultos morreram.

46 anos depois ainda há pais que não conhecem os filhos

Passados 46 anos, muitos familiares ainda não sabem do paradeiro dos filhos. Há inclusive um site, em que os parentes podem publicar as histórias do que aconteceu à sua família, na esperança de encontrar uma irmã, um filho ou um sobrinho perdido. “Estou à procura da minha irmã”, é um dos exemplos que se encontra na plataforma.

Noutro caso, lê-se que uma cidadã vietnamita colocou o filho num orfanato devido à “pobreza”: “Em abril de 1975, durante a operação Babylify, o meu filho [com dois meses] foi levado de Saigão para os EUA”. Nunca mais o viu.

Outro dos exemplos é o de uma mulher que está à procura da irmã: “Quando tinha 18 meses, a minha mãe estava com muitas dificuldades económicas e não foi capaz de cuidar de nós. Fui criada pela minha avó e a minha irmã foi mandada para um orfanato em Bien Hoa”. “Quando a minha mãe descobriu que o exército [comunista] estava a invadir Saigão, ela foi ao orfanato para encontrar a minha irmã e trazê-la para casa”, diz, acrescentando que, quando o fez, ” já não estava lá”. “As freiras levaram-na para outro país”, conta.

"Quando a minha mãe descobriu que o exército [comunista] estava a invadir Saigão, ela foi ao orfanato para encontrar a minha irmã e trazê-la para casa, mas a irmã não estava lá, porque as freiras levaram-na para outro país"
Testemunho no site vietnambabylift.org

Diferente desfecho teve a história de Nguyen thi Dep e da filha, que foi criada por uma família norte-americana de New England. Leigh Mai soubera que tinha sido adotada, mas não sabia das origens da mãe biológica, que só decidiu procurar no ano 2000, quando tinha 27 anos. Na altura, conseguiu decifrar que a progenitora estaria no Vietname, deslocando-se ao país para a procurar com a ajuda da mãe adotiva.

As buscas não foram, no entanto, fáceis, nem conseguiram ter resultados concretos. Leigh Mai relata à Reuters que não havia registos da progenitora em lado nenhum: “Concluímos que tudo tinha sido destruído pelos comunistas” — e, devido às dificuldades, acabou mesmo por desistir da ideia de encontrar a mãe biológica.

Só depois de se ter submetido um teste de DNA num site dedicado a encontrar familiares, é que obteve o primeiro contacto com a família do Vietname. E, em setembro de 2019, Leigh Mai recebeu um e-mail a dizer que a mãe a queria conhecer. Dois meses depois abraçaram-se, 46 anos após a separação — e prometem agora estar ligadas independentemente da distância entre os EUA e o Vietname.

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