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Diácono Remédios censuraria o especial de Natal dos brasileiros Porta dos Fundos. Herman José não: "O único 'crime' que eu vejo na obra da Porta dos Fundos é alguma falta de requinte humorístico"
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Diácono Remédios censuraria o especial de Natal dos brasileiros Porta dos Fundos. Herman José não: "O único 'crime' que eu vejo na obra da Porta dos Fundos é alguma falta de requinte humorístico"

Diácono Remédios censuraria o especial de Natal dos brasileiros Porta dos Fundos. Herman José não: "O único 'crime' que eu vejo na obra da Porta dos Fundos é alguma falta de requinte humorístico"

Herman José: "O único 'crime' que eu vejo na obra da Porta dos Fundos é alguma falta de requinte humorístico"

Há 23 anos, o humorista português também teve uma polémica religiosa. Não lhe atiraram cocktails molotov, mas Marcelo Rebelo de Sousa criticou-o em público. Ao Observador, fala sobre os dois casos.

Nem sequer foi a primeira vez que o coletivo brasileiro fez humor com Jesus, mas a resposta foi inédita: esta terça-feira ao final da tarde, véspera de Natal, largos dias depois de ser disponibilizado na Netflix “A Primeira Tentação de Cristo”, o especial de Natal da Porta dos Fundos em que Jesus homossexual volta a casa depois de 40 dias no deserto com um “amigo especial”, dois cocktails molotov foram arremessados contra a sede da produtora, no Rio de Janeiro.

Edifício da produtora da Porta dos Fundos alvo de ataque no Rio de Janeiro com cocktails molotov

Nada que surpreenda Herman José, que há 23 anos também viveu uma polémica religiosa, depois de o sketch “Última Ceia”, emitido em 1996 na RTP, no programa “Parabéns”, ter sido denunciado ao provedor de justiça, que chegou mesmo a abrir uma investigação. “Este é um problema que nunca estará resolvido. A religião é o ‘ópio do povo’ citando certa frase presente na Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel de Karl Marx. Não esperem discernimento e compreensão a certos toxicodependentes. Provocar as religiões terá sempre o seu preço, por muito que se tente legislar para defender o direito à laicidade”, começou por dizer o humorista, hoje com 65 anos, ao Observador.

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"Defendo o atrevimento do conteúdo, mas a escrita é frouxa, os processos facilitistas e as truanices muito previsíveisA obra está mais perto da 'Zorra Total' do que da genial 'Vida de Brian' dos Monty Python, essa sim uma obra de arte. Apesar disso não reconheço a ninguém o direito a censurar um obra artística em nome de um estado de espírito"
Herman José

Há 23 anos, Herman José foi criticado por telespectadores, pela Igreja Católica portuguesa e até por Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD, hoje presidente da República, pelo sketch em que reproduzia a última refeição de Jesus Cristo, na Adega Típica Barrabás e Filho, com carne de porco à alentejana em vez de pão e vinho. “Vejo com preocupação que num canal de serviço público se encontrem mensagens que podem ser consideradas ofensivas de valores partilhados pela maioria dos portugueses e também ofensivas de instituições particularmente relevantes como a Igreja Católica”, disse então Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas.

Este dezembro, do outro lado do Atlântico, Gregório Duvivier (Jesus gay) e Fábio Porchat (o seu amigo especial) viram uma petição para a retirada do programa da plataforma de streaming Netflix ser assinada mais de um milhão de vezes e leram, no Twitter, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente brasileiro Jair, manifestar-se a favor da liberdade de expressão antes de um “mas” — que na realidade não difere muito (ou nada) do argumento utilizado por Marcelo. “Somos a favor da liberdade de expressão, mas vale a pena atacar a fé de 86% da população? Fica a reflexão.”

[Veja aqui o sketch de Herman José]

Para Herman José os casos são comparáveis — “No sentido em que espoletaram a pulsão censória daqueles que acham que o humor deve ser um animal domesticável” —, o que não terá paralelo, na sua opinião, é a qualidade dos textos apresentados em 1996 em Portugal e em 2019 no Brasil. Apesar de reconhecer que a versão televisionada da “Última Ceia”, uma ideia original sua que à data desenvolveu com Nuno Markl, ficou muito aquém da inicial — “A versão que foi para o ar era a terceira: estava já tão auto-censurada e auto-esvaziada, que fez com que o sketch perdesse a mordacidade e a alma. Mesmo assim não escapou à ira dos velhos do Restelo de serviço à época” — o humorista não consegue não apontar o dedo ao especial de Natal da Porta dos Fundos.

“O único “crime” que eu vejo na obra da Porta dos Fundos é alguma falta de requinte humorístico. Defendo o atrevimento do conteúdo, mas a escrita é frouxa, os processos facilitistas e as truanices muito previsíveis”, começa por analisar Herman José, para logo a seguir torcer a faca. “A obra está mais perto da ‘Zorra Total’ do que da genial ‘Vida de Brian’ dos Monty Python, essa sim uma obra de arte. Apesar disso não reconheço a ninguém o direito a censurar um obra artística em nome de um estado de espírito.”

“Última Ceia” versus “A Primeira Tentação de Cristo”

São muitas as diferenças entre a “Última Ceia” de Herman José, transmitida na rubrica HermanZap, integrada no programa Parabéns, e o mais recente especial de Natal da Porta dos Fundos. A começar pela agressividade com que os temas são apresentados.

No sketch de Herman que acabou por ir para o ar, em 1996, a ceia de Jesus e dos apóstolos surge como um jantar normalíssimo, com as habituais discussões sobre quem vai comer o quê, se é caro ou não ou sobre como vão pagar a conta — “Dividimos isto por quantos?”.

[Veja aqui a notícia sobre a polémica a envolver Herman José]

Tal como tinham feito os Monty Python em “A Vida de Brian”, Herman José e sua equipa preferiram fazer humor com a forma como colocaram Jesus Cristo e os apóstolos, todos eles elevados a santos, em circunstâncias normais, humanas. Por exemplo, Judas diz que quer começar a Última Ceia com “uma sopinha”, enquanto Pedro prefere uma linguiça assada e “uma postinha fechada” de garoupa grelhada.

Jesus atalha a escolha dos pratos, afirmando que os preços são muito caros “e que a vida está pela hora da morte”, pelo que vão todos “no prato do dia”. “Queria, para toda a gente, carne de porco à alentejana”, chega a pedir. Depois, como são todos judeus, decidem-se por uma variação peculiar do tradicional prato português: “Carne de Porco à Alentejana sem Carne de Porco, só as amêijoas”.

“E a gente é que se lixa! Estava aqui louco por uma Feijoada à Transmontana”, queixa-se Judas. No fim, diz que não paga porque “não comeu nada”. Os restantes convivas dizem que “com o Judas é sempre a mesma coisa”. Já para o dono do restaurante, “o grupo do JC é uma cambada de somíticos”, porque ocupam as mesas o dia inteiro “e não fazem despesa”.

O texto do sketch é um discorrer de piadas sem malícia sobre romanos, gastronomia,  caloteiros. E – mais uma vez como tinham feito os Monty Python – brinca com a “normalidade” das prédicas de Jesus Cristo. Ou com a sua incapacidade de fazer certos milagres.

O Jesus Cristo de Herman José prefere assumir que não consegue fazer o milagre de aumentar as doses de amêijoas servidas na Adega (“Não sabes que eu não consigo multiplicar bivalves? Só pão e vinho.”). Uma prédica? Porque não sobre as batatas fritas que teimam em não vir para a mesa?

“Sabem porquê? Porque as batatas fritas, meus irmãos, em verdade vos digo, quando são fritas em óleo vegetal, que é o caso… como a fritura é feita a uma temperatura superior a 180 graus centígrados, os poli-insaturados são péssimos para o coração e um apóstolo é suposto ter bom coração”, diz Jesus com uma voz solene. A arenga é recebida com aplausos dos apóstolos.

Mais de um milhão de pessoas assinaram uma petiçao contra "A Primeira Tentação de Cristo"

Há poucas e ténues referências sexuais no decorrer dos mais de 20 minutos de sketch. Duas delas estão relacionadas com a mulher do dono da Adega Típica Barrabás e Filho e só uma envolve Jesus Cristo, quando volta a decidir por todos e anuncia que não há sobremesa para ninguém. “Estava mesmo a apetecer-me uma barriga de freira”, protesta Judas. Jesus responde, novamente, com os conselhos médicos.

“Meus irmãos, em verdade vos digo, o açúcar que a gente consome nas sobremesas não são os açúcares saudáveis. Do que é que a gente precisa? A gente precisa de frutose. Bom, esses açúcares industriais que a gente come nos doces transformam-se em glucose, que a gente não utiliza, ficam em suspensão e são responsáveis por inúmeras doenças. Inté por certas camadas flácidas. E um apóstolo não se quer flácido”, diz Jesus. E fica-se por aí.

[Veja aqui o trailer do especial da Porta dos Fundos]

Já o especial de Natal da equipa de Fábio Porchat e Gregório Duvivier, pelo contrário, apresenta um Jesus Cristo homossexual e libertino que depila o peito para “nadar melhor” e desmaia depois de beber um “chá especial” que Maria tinha escondido num armário. E ainda mostra um Deus prepotente e manipulador, que tenta seduzir Maria praticamente em frente ao marido, José, e uma festa de aniversário de Jesus com a presença de uma prostituta, trazida por um dos reis magos (juntamente com mirra). Ah, e Maria fuma um charro para descontrair.

Aliás, Maria e Deus (apresentado a Jesus durante anos como sendo apenas ‘o Tio Vitório’) são mesmo amantes, no sentido carnal da coisa. O “pai de coração” de Jesus, José, é apresentado como o mais incompetente dos carpinteiros, incapaz de construir uma mesa nivelada.

Há um diálogo entre Orlando – o amigo especial de Jesus – o próprio Jesus e os convidados da festa de aniversário que mostra bem o tom da coisa.

Diz Orlando:

– Eu estava a tomar banho num oásis e estava nu.

Interrompe Jesus, que tenta disfarçar perante o ar atónito dos outros convidados.

– Aí eu fui pedir uma informação. Foi isso que aconteceu. Eu pedi uma informação e ele deu.

E responde Orlando.

– Ai, eu dei mesmo. Quando me pedem, eu dou”.

“Já vi caricaturas bem mais atrevidas que passaram incólumes”

Convidado a transpor para a realidade portuguesa atual a sua “Última Ceia”, Herman José não tem dúvidas de que, se fosse emitido hoje, o sketch não teria provocado qualquer polémica:”Já vi caricaturas bem mais atrevidas que passaram incólumes”. Mais do que isso, o humorista está convicto de que, não fosse estar em exibição na Netflix, a discussão em torno de “A Primeira Tentação de Cristo” nunca teria subido tanto de tom: “Acredito que aconteceria o mesmo ao especial de Natal da Porta dos Fundos se passasse uma vez num canal generalista português. O facto de fazer parte da programação estática de um gigante mundial na moda como a Netflix potenciou o ruído”.

No Brasil, horas depois do arremesso das bombas artesanais, já há quem compare o atentado perpetrado contra a fachada da produtora, no bairro do Humaitá, na zona sul do Rio de Janeiro, com o ataque terrorista de 7 de janeiro de 2015 no edifício do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, que provocou a morte a doze pessoas e deu início ao movimento #jesuis.

Apesar da disparidade das consequências, no fundo a discussão é sobre se a religião deve ser um dos limites ao humor. Sobre essa recorrente questão, Herman José é perentório: “Dizia o genial Groucho Marx “o humor é a razão a enlouquecer”. Não há como colocar baias na loucura. Pode tentar-se contê-la, mas domá-la jamais. Nem as ditaduras mais ferozes o conseguiram”. Fábio Porchat, já esta quarta-feira à noite, via Twitter, assegurou o mesmo, pedindo emprestado um verso a Caetano Veloso: “Não vão nos calar! Nunca! É preciso estar atento e forte”.

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