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Quando a patrulha da GNR chegou à Rua de Aluzelas, na freguesia de Gondufe, achava que ia encontrar um acidente de viação. Foi para isso que, pelo menos, tinha sido chamada. Entre as 7h00 e as 8h00 da manhã desta quarta-feira, alguém ligou para o 112 a dizer que tinha havido um despiste, disse ao Observador fonte ligada à investigação. Lá chegados, os guardas encontraram um carro de matrícula espanhola, junto a uma casa com um longo gradeamento de madeira, mas não havia sinal nem do condutor nem de eventuais ocupantes. Foi a população que ali entretanto se juntou que rapidamente associou a matrícula espanhola ao facto de haver um casal de espanhóis a passar férias naquela casa.
Os contornos deste caso estavam a tornar-se estranhos demais para um simples despiste de um carro. Mas foi quando os elementos da GNR encontraram vidros partidos no local que optaram por pedir reforços: era preciso entrar na casa e não sabiam o que poderiam encontrar — se poderiam, por exemplo, ser recebidos por alguém armado. Lá dentro viriam a encontrar um cenário que o acidente de viação não fazia prever. Duas pessoas: um homem e uma mulher. Ele, com cerca de 50 anos, já cadáver e com os genitais mutilados. Ela, com cerca de 40, amarrada com cabos elétricos, com as mãos atrás das costas e com ferimentos ligeiros.
A casa estava intacta: não havia sinais de que pudesse ter acontecido ali um assalto — uma hipótese que perdeu força quando a mulher, que assistira a tudo, explicou aos guardas que o suspeito era o seu ex-marido, confirmou o Observador junto de fonte da investigação. Ainda antes das 9h00, chegaram à casa os meios de socorro para auxiliar a vítima.
O casal de espanhóis estaria naquela casa — um alojamento local, segundo disse uma moradora em Gondufe ao Observador — há cerca de 15 dias, escreve o JN. Teriam escolhido esta localidade com menos de 500 habitantes, pertencente ao concelho de Ponte de Lima, para passar férias.
A mulher é agora a peça chave para o caso: o companheiro foi brutalmente assassinado e o suspeito do crime, que já está a ser investigado pela Polícia Judiciária (PJ), viria a ser encontrado morto, algum tempo depois do alerta. Só ela poderá explicar o que aconteceu naquela manhã, mas alguns detalhes do caso permitem levantar hipóteses do que poderá ter acontecido — da mutilação ao despiste do carro. Mais: o facto de o homicida ter deixado a ex-mulher viva pode dizer muito sobre as suas motivações.
Despiste não terá sido uma coincidência. Carro pode ser do suspeito ou das vítimas
As duas situações — o despiste e o cenário encontrado na residência — estão relacionadas, segundo disse ao Observador fonte da investigação. Isto é, não terá sido um acidente que aconteceu por acaso no mesmo período de tempo do homicídio dentro da casa. A chamada para o 112 terá sido feita no momento do despiste, pelo que as autoridades acreditam que o crime terá ocorrido momentos antes, ou seja, entre as 7h00 e as 8h00, apurou ainda o Observador.
Nesta altura, para os investigadores, há várias hipóteses. O carro pode ser do suspeito — que fugiu e o deixou para trás — ou das vítimas. Neste último caso, a hipótese ramifica-se em duas: ou as vítimas foram surpreendidas dentro de casa e tentaram fugir, mas não conseguiram; ou foram abordadas pelo suspeito noutro local e tentaram chegar à casa para se refugiarem, acabando por se despistar e serem apanhadas na fuga.
A esta soma-se outra hipótese avançada pelo JN: o carro pertencerá à vítima mortal e terá sido atirado pelo suspeito do crime por uma ribanceira, perto da casa onde ocorreu o crime. O veículo foi mais tarde removido pela PJ, detalha o mesmo jornal.
Mutilação dos genitais remete para “vingança de natureza sexual” e sugere premeditação
Para o especialista em psicologia forense Carlos Poiares, os contornos desde crime — especialmente o facto de a vítima ter sido mutilada nos genitais — remetem “à primeira vista” para uma vingança de natureza sexual. E coloca a hipótese de um crime em que o suspeito tenta “deixar uma marca” na vítima “e um sinal de vingança relativamente a qualquer questão do foro sexual”. “Quando se atacam os órgãos genitais, sobretudo no caso masculino, há uma ideia de castração póstuma. Ou seja, o indivíduo está morto, mas isso não basta”, explica, remetendo para o caso mediático do homicídio de Carlos Castro, que foi também mutilado nos genitais.
Mas este dado pode fornecer ainda outra informação: a de ter havido premeditação do crime. “Quando há um crime em que há mutilação dos órgãos genitais, normalmente implica que se pense um bocadinho e seriamente sobre isso”, diz, detalhando que, embora pareça um crime premeditado, não significa que o suspeito esteve “dias ou semanas a pensar no crime”. “Pode ter sido uma premeditação no sentido de haver um crescendo de raiva e de ódio contra o sujeito. E depois executou o crime e já teria a ideia de o castrar para consumar a vingança: não só matar como atuar sobre o centro nevrálgico que terá provocado o infortúnio de ter ficado sem a mulher”, adianta ainda Carlos Poiares.
Uma fonte próxima do casal disse ao JN que a mulher e o suspeito ter-se-iam separado em março e que o homem estaria “desesperado”. Mais: ter-se-á deslocado duas vezes a Gondufe. Numa delas, na tarde de 10 de agosto, o suspeito e a mulher terão discutido durante “quatro horas” em frente à casa alugada pela vítima mortal.
Manter viva a mulher pode ter sido intencional. Suspeito podia querer ser denunciado
O suspeito matou o homem, mas manteve a mulher viva — que terá por isso assistido à morte do companheiro e viu-o sofrer. No fundo, deixou ao dispor das autoridades uma testemunha capaz de contar tudo o que aconteceu. “Há pessoas que cometem crimes e que não têm uma grande preocupação“, diz ao Observador o especialista em psicologia forense.
Mas pode também ter havido uma intenção. Ou várias. Segundo explica Carlos Poiares, o suspeito pode ter deixado a mulher viva “para aumentar o sofrimento” ou, pelo contrário, não a matou “porque, no fundo, ainda havia uma ligação qualquer”, embora nestes casos seja mais comum os homens matarem também mulheres, aponta o especialista.
Outra hipótese é a de ter querido “deixar um sinal de que foi ele” que cometeu o crime. Isto é, deixar a mulher viva para haver a possibilidade de ela o denunciar — como se o único objetivo dele fosse cometer o crime e não tanto fugir à justiça. Até porque o suspeito acabaria por se suicidar horas depois — e podia já saber que o ia fazer no momento em que cometeu crime. Daí que fugir às autoridades não tenha sido propriamente a sua preocupação.
Suspeito fez 75 quilómetros de carro depois do crime
Quando a GNR percebeu que o casal e o eventual suspeito eram de nacionalidade espanhola, informou o Centro de Cooperação Policial e Aduaneira Tui/Valença, partilhado pelas forças policiais de Portugal e Espanha, para ser dado o alerta às autoridades espanholas. Um destacamento da Guardia Civil e o Salvamento Marítimo espanhol começaram a fazer buscas.
Poucas horas depois do crime, o corpo do suspeito viria a ser encontrado na Ria de Vigo. Segundo o jornal espanhol La Voz de Galicia, o homem de 50 anos terá estacionado o carro à saída da Ponte de Rande, na província de Pontevedra — a cerca de 75 quilómetros para norte da casa onde o crime foi cometido —, de onde terá saltado de seguida.
Dos três envolvidos no crime, só a mulher — a única sobrevivente — poderá contar o que aconteceu. Ou não. Fonte ligada ao casal disse ao JN que o ex-marido da vítima não foi o único a entrar na casa esta manhã: outro homem terá entrado também, de cara tapada. Quem será? E onde está? As perguntas são muitas, mas a investigação procura agora dar respostas.