A perspetiva de mudança de ciclo depois de seis anos de governação à esquerda deu ao Chega e à Iniciativa Liberal uma hipótese com que não sonhavam tão cedo: crescer ao ponto de estarem na linha da frente para viabilizarem uma solução governativa à direita. Apesar dos riscos que a antecipação do calendário representa e do perigo da bipolarização, os dois partidos dão como certo que vão crescer nas próximas legislativas, conseguir construir um grupo parlamentar e fazer parte da aliança à direita.

Apesar de todos os imponderáveis, há um dado que pode ser dado como adquirido: Chega e Iniciativa Liberal vão, à partida, aumentar o número de deputados eleitos nas próximas legislativas, o que trará, naturalmente, mais gente, mais poder, mais meios e maior tempo de antena aos dois partidos.

Porém, a antecipação das eleições legislativas em mais de um ano e meio obriga a uma rapidez na escolha de quadros para as legislativas e não permite o tempo de preparação que os partidos contavam ter. Chega e Iniciativa Liberal tinham um calendário bem definido, fizeram um esforço eleitoral para se apresentarem às primeiras autárquicas de ambos e estavam numa fase de rescaldo e de preparação dos próximos tempos.

Por outras palavras, o foco estava no trabalho do dia a dia e numa construção de uma equipa capaz para levar os partidos a votos em 2023. A queda do Governo veio antecipar um cenário que até aqui parecia longínquo e que vai obrigar os partidos a voltarem a mobilizar as estruturais locais, desta vez para um desafio nacional.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A preparação que passou de dois anos para poucos meses

“Depois do um ciclo de todas as eleições, os dois próximos anos eram muito importantes para digerir e para fazer as coisas de forma mais estruturadas”, admite uma fonte da Iniciativa Liberal ao Observador. Depois de ser fundado, o partido entrou num ciclo eleitoral vertiginoso, com europeias e legislativas (2019), presidenciais e autárquicas (2021), num curto espaço de tempo e com resultados muito diferentes.  Se as europeias e as autárquicas ficaram aquém das expectativas, as legislativas e as presidenciais foram boas surpresas. Ninguém na IL desejava eleições tão cedo. Ainda assim, apesar da contrariedade, a convicção é de que o partido está “quente”, que a “roda ainda não parou” e de que “está tudo “preparado” para um novo desafio.

A posição do Chega é bastante idêntica. Fontes do partido liderado por André Ventura ouvidas pelo Observador consideram que em 2023 seria possível ter uma estrutura mais forte, com mais recursos e organização.  Apesar disso, e ao contrário do que aconteceu com a IL, os resultados das autárquicas dão ao Chega um outro fôlego para este novo desafio, tendo em conta que elegeu vários autarcas por todo o país e iniciou uma implementação local que poderá ser fundamental em todo o processo.

Riccardo Marchi, autor do livro A Nova Direita Anti-Sistema — o caso do Chega, acredita que a capacidade eleitoral do Chega “não vai mudar muito agora ou daqui a um ano e meio”, já que as sondagens dão o Chega “no mesmo nível” há vários meses — entre os 8 e 9%, um “limiar fixo há quase um ano”.

Há um fator que poderia fazer subir o partido, mas não depende do próprio. Marchi acredita que o “degradar mais da situação no PSD e CDS” poderia funcionar como um empurrão para estes dois partidos. Ainda assim, a clarificação interna em que vivem os dois partidos tenderá a resolver-se em tempo útil pelo que é difícil antever os efeitos eleitorais da renovação ou não das lideranças de Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos.

As disputas internas no PSD e CDS pode ter particular impacto no resultado eleitoral do Chega, admite José Adelino Maltez. Ainda assim, o politólogo prefere olhar para outro aspeto que pode marcar a campanha de André Ventura: a adoção de um “tom moderado e institucional” para revestir o partido de uma “postura centrista” que faça esvaziar o apelo ao voto útil à direita no PSD e que deixe o Chega em condições ótimas para negociar uma solução de governo.

Nas mais recentes declarações, André Ventura tem tentando afinar a estratégia: ora assegura que o partido não vai moderar-se para agradar ao PSD e que está disposto a deixar cair um governo de direita se não tiver oportunidade de influenciar a governação, ora vai pedindo pastas ministeriais no futuro executivo de direita. Será uma balança difícil de equilibrar e algo com que o Chega vai ter de lidar bem antes do que o previsto.

O que as autárquicas fizeram do Chega e da IL

No entender de Riccardo Marchi, o Chega mediu o pulso à população no último ato eleitoral, fê-lo propositadamente para perceber onde poderá eleger deputados e está pronto para traçar uma estratégica minuciosa nesses mesmos locais para as legislativas.

Porém, o especialista antecipa um problema: sem as listas prontas e pressionado pelo tempo, o Chega pode ainda não ter as “pessoas certas” para lugares elegíveis. E pode até vir a ter contratempos como aconteceu com a escolha de alguns candidatos, com o caso dos Açores — em que um dos representantes decidiu deixar o partido e manter-se no Parlamento  ou no pós-autárquicas, em que autarcas eleitos foram contra as regras estabelecidas por André Ventura e votaram a favor de listas da CDU em duas freguesias do Seixal.

A Iniciativa Liberal está mais tranquila nesse tema. João Cotrim Figueiredo é deputado único, mas foram surgindo mais quadros ao longo dos poucos anos de existência do partido. Dentro do partido existe a convicção de que a “estratégia de continuidade” em que o partido tem apostado, com um crescimento contido, mas sustentável, poderá ser um ponto a favor nestas legislativas. Vamos estar a fazer o que temos a fazer: chamar a atenção para os erros do Governo e mostrar a alternativa que temos”, explica fonte da Iniciativa Liberal.

Os objetivos que passaram a ser menos ambiciosos (e as contas ao futuro)

O mínimo olímpico assumido abertamente pela linha oficial da Iniciativa Liberal é conquistar um grupo parlamentar — juntar um deputado a Cotrim já seria suficiente para atingir este feito. Mas as ambições internas são muito maiores. “O mínimo dos mínimos é 3-2, três em Lisboa e dois no Porto ou vice-versa”, atira fonte do partido.

Pode haver  haver espaço para crescer além dos dois principais distritos, mas “é preciso perceber onde é possível eleger para colocar as fichas nos locais onde sabemos que é possível”, argumenta um dirigente. Inicialmente, o que estava pensado era alcançar os “dois dígitos nos dois anos que faltavam até às legislativas”. O chumbo do Orçamento e as consequentes eleições antecipadas podem ter complicado os planos. “Ao transformar dois anos em dois meses a probabilidade de acertar é mais difícil”, admite a mesma fonte.

O politólogo Pedro Magalhães considera que o sistema eleitoral português, devido aos grandes círculos urbanos, “é bastante favorável a um partido como a IL, com o tipo de eleitorado que tem”, o que foi possível comprovar em todas as eleições a que foi a votos, com os resultados mais altos a serem conseguidos em centros urbanos.  Além de Lisboa e Porto, a grande aposta da IL deverá ser feita em Aveiro, Braga e Setúbal, onde as probabilidades de eleger são menores, mas ainda assim mais altas do que no resto do país.

Chega sonha com “15 ou 20 deputados”

Já André Ventura aponta 15% como meta para estas eleições e um dos dirigentes do Chega ouvidos pelo Observador traduz isso na conquista de “15 ou 20 deputados pelo país”. Contudo, há outros membros do partido que preferem não sonhar tão alto e atirar aos 8 ou 9%.

Num olhar comparativo entre autárquicas e legislativas, fonte do Chega fez contas e considera que seria possível eleger cinco deputados “certos”: dois em Lisboa, um em Setúbal, um em Braga e um no Porto; “com sorte” um em Faro e três em Lisboa.

José Adelino Maltez, politólogo, acredita que as ambições dos partidos são bastante desviadas da realidade e aponta “cinco ou seis deputados para Chega” e “dois para a IL”. Não considera que nenhum dos dois seja uma “ameaça para o sistema”, apesar de admitir que podem ser relevantes para acordo

Por muitas contas que se façam, a verdade é que o método de Hondt deixa muito em aberto. Se, tal como o especialista Pedro Magalhães dizia, a IL pode vir a ser beneficiada em centros urbanos, também há partidos que podem ter muitos votos em determinado lugar e não os suficientes para entrar na Assembleia da República.

No Alentejo, onde o Chega tem conquistado resultados superiores a muitas zonas do país, será muito difícil eleger. E o partido tem consciência disso: “Em Portalegre podemos ter 30% e não valer nada”, explica uma fonte do partido.

Por outras palavras: os círculos eleitorais que têm uma densidade populacional maior, elegem mais representantes para a Assembleia da República e, tendencialmente, este método favorece os partidos maiores. Num determinado círculo eleitoral que elege dois deputados, PS e PSD ocupam os dois primeiros lugares (sendo esta a tendência nacional). O partido que fica em terceiro, mesmo que tenha uma percentagem muito próxima, não conseguirá eleger ninguém.

Este método pode beneficiar, mas também prejudicar. Neste caso em específico, o bloco da direita até pode perder as eleições em número de votos, mas terminar em primeiro no número de mandatos e conseguir a maioria de deputados na Assembleia da República. Cenário pouco provável neste momento — a julgar pelas sondagens — é possível.

Alinhados no não às coligações e no não ao voto útil

Já foi assim nas eleições autárquicas e será assim nas eleições legislativas. Chega e Iniciativa Liberal não estão disponíveis para firmar qualquer acordo pré-eleitoral com quem quer que seja, independentemente da decisão de PSD e CDS.

Completamente fora de questão“. A expressão usada pelo Chega e pela IL é exatamente a mesma e afasta qualquer possibilidade de abertura de coligação. E se PSD e CDS forem juntos, fonte liberal até acredita que só “beneficia os novos”. Mas no final, a solução “alternativa ao socialismo” também une ambos e as coligações pós-eleitorais estão em cima da mesa.

Aqui, fonte liberal admite que é preciso aprender com a geringonça, mais precisamente com o fim desta solução, para que não se cometam os mesmos erros, nomeadamente com a “formalização” de acordos que possibilitem ter em conta o “sentido de responsabilidade” e não “acordos de conveniência”.

Por outro lado, nem uma corrida bipolarizada entre PS e PSD, nem o fantasma do voto útil assustam qualquer um dos mais recentes partidos de direita. “Isso acabou em 2015”, argumenta uma fonte do Chega para dizer que os eleitores da direita já perceberam que o voto útil “é votar em quer fez campanha à direita para governar à esquerda”. “As pessoas fartaram-se”, diz. E essa continua a ser exatamente a prioridade do Chega: alcançar os descontentes com os últimos anos de governação.